PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. MANUTENÇÃO NA POSSE. ORDEM DE REMOÇÃO E DEMOLIÇÃO.
A prerrogativa de propor ação civil pública para a proteção do meio ambiente não exclui a garantia do particular, igualmente constitucional, de não ser privado de seus bens sem o devido processo legal, e a observância desse direito fundamental pressupõe oportunidade de defesa e de contraditório aos que possam ser atingidos pela sentença.
Via de consequência, o regime da coisa julgada nas ações civis públicas não dispensa a formação do litisconsórcio necessário quando a decisão atinge diretamente a esfera individual.
A execução da sentença, com a ordem de desocupação e demolição, importa severo comprometimento do patrimônio jurídico e material dos proprietários e ocupantes, e a ausência de citação na ação civil pública parece resultar em cerceamento de defesa.
A liminar concedida não tem caráter satisfativo, ao contrário, ao obstar a execução da ordem de remoção e demolição, assegura o resultado útil do processo, sendo plenamente reversível no caso de improcedência da ação.
(TRF-4 – AG: 50094759120104040000 5009475-91.2010.4.04.0000, Relator: MARGA INGE BARTH TESSLER, Data de Julgamento: 09/02/2011, QUARTA TURMA)
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que, em embargos de terceiro, deferiu medida liminar, para expedir mandado de manutenção na posse em favor dos embargantes e determinar a suspensão dos efeitos da sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 98.0103658-3, notadamente da ordem de remoção e demolição, e de qualquer outra decisão proferida nos autos da execução de sentença nº 2001.72.01.003400-5.
A União alega ser vedada a concessão de tutela antecipada de caráter satisfativo contra a Fazenda Pública. Afirma que, em sede de ação coletiva, não se exige a formação de litisconsórcio passivo necessário entre os atingidos por eventual sentença, sendo irrelevante o fato de os embargantes não terem sido citados na ação civil pública. Argumenta que a coisa julgada na ACP é oponível contra todos, inclusive contra aqueles que não integraram a relação processual.
O pedido de efeito suspensivo foi indeferido. Sem contraminuta. É o relatório. Inclua-se em pauta.
VOTO
Prolatei decisão nos seguintes termos:
“(…) A prerrogativa de propor ação civil pública para a proteção do meio ambiente não exclui a garantia do particular, igualmente constitucional, de não ser privado de seus bens sem o devido processo legal, e a observância desse direito fundamental pressupõe oportunidade de defesa e de contraditório aos que possam ser atingidos pela sentença.
Via de consequência, o regime da coisa julgada nas ações civis públicas não dispensa a formação do litisconsórcio necessário quando a decisão atinge diretamente a esfera individual.
No caso, a execução da sentença, com a ordem de desocupação e demolição, importa severo comprometimento do patrimônio jurídico e material dos proprietários e ocupantes, e a ausência de citação na ação civil pública parece resultar, ao menos em exame perfunctório, em cerceamento de defesa.
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEMARCAÇÃO DA FAIXA MARGINAL DE PROTEÇÃO DO LAGUNAR PIRATININGA-ITAIPÚ. DESOCUPAÇÃO E DEMOLIÇÃO DE CONSTRUÇÕES. OBRAS PREVIAMENTE LICENCIADAS PELOS ÓRGÃOS COMPETENTES. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO DOS PROPRIETÁRIOS OCUPANTES. RECURSOS ESPECIAIS DOS PARTICULARES E DO INEA PREJUDICADOS. RECURSO ESPECIAL DO MUNICÍPIO DE NITERÓI PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, PROVIDO.
(STJ, REsp 1194236/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 27/10/2010)
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OCUPAÇÃO DE TERRA INDÍGENA. ESTADO DE RORAIMA. TERCEIRO PREJUDICADO. REQUISITOS PRESENTES. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. NECESSIDADE. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 47, DO CPC CARACTERIZADA. LITISPENDÊNCIA. QUESTÃO PREJUDICADA.
I – Cuida-se de ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal visando a defesa de terras tidas como de posse e ocupação indígena, contra investidas de terceiro.
II – Considerando-se a existência de uma ação pendente de julgamento no eg. STF, por meio da qual se discute a criação do município de Pacaraima (local onde estão situadas as terras discutidas no presente feito); a discussão sobre não se cuidar de terras de ocupação indígena tão-somente; a existência de inúmeras construções e benfeitorias na localidade, questões que demonstram o nexo entre o interesse do Estado e a presente relação jurídica submetida à apreciação judicial, deve ser conhecido o presente recurso por ele interposto, na qualidade de terceiro prejudicado.
III – As argumentações anteriormente sustentadas são suficientes para se evidenciar, também, a necessidade de litisconsórcio passivo necessário com o Estado. Violação ao artigo 47, do CPC caracterizada.
IV – Recurso provido, anulando-se a decisão a partir da decisão de citação do Estado, que há de ser restabelecida, prejudicada a questão relacionada à existência de litispendência com decisão do eg. STF.
(STJ, REsp 988.616/RR, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe 19/11/2008)
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTO COM PARCELAMENTO IRREGULAR. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DOS ADQUIRENTES DOS LOTES. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. NULIDADE DA RELAÇÃO PROCESSUAL.
Tratando-se de ação difusa em que a sentença determina à ré a proceder ao desfazimento do parcelamento, atingindo diretamente a esfera jurídico-patrimonial dos adquirentes dos lotes, impõe-se a formação do litisconsórcio passivo necessário.
O regime da coisa julgada nas ações difusas não dispensa a formação do litisconsórcio necessário quando o capítulo da decisão atinge diretamente a esfera individual. Isto porque consagra a Constituição que ninguém deve ser privado de seus bens sem a obediência ao princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF/88).
Nulidade de pleno direito da relação processual, a partir do momento em que a citação deveria ter sido efetivada, na forma do art. 47 do CPC.
Aplicação subsidiária do CPC, por força da norma do art. 19 da Lei de Ação Civil Pública.
Recurso especial provido para declarar a nulidade do processo, a partir da citação, e determinar que a mesma seja efetivada em nome do recorrente e dos demais adquirentes dos lotes do Jardim Joana D’Arc.
(STJ, REsp 405706/SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJ 23/09/2002, p. 244)
Por fim, a liminar concedida não tem caráter satisfativo (art. 1º, § 3º, da Lei nº 8.437/1992). Ao contrário, ao obstar a execução da ordem de remoção e demolição, assegura o resultado útil do processo, sendo plenamente reversível no caso de improcedência da ação.
Pelo exposto, indefiro o pedido de efeito suspensivo. Intimem-se, com prazo de dez dias.”
Não vejo motivos para alterar o posicionamento adotado.
Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento.
É o voto.