DIREITO ADMINISTRATIVO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. MULTA AMBIENTAL. FEEMA. ALEGAÇÕES DE ILEGITIMIDADE ATIVA; NULIDADE DA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA-CDA; PRESCRIÇÃO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA, EXTINGUINDO A EXECUÇÃO, RECONHECENDO A DECADÊNCIA. REMESSA NECESSÁRIA.
1 – Trata-se de embargos à execução fiscal, opostos por André Luiz de Almeida Lopes e Flávio Veríssimo da Silveira em face do Estado do Rio de Janeiro, objetivando, em resumo, o reconhecimento ilegitimidade ativa dos sócios da empresa executada, da decadência, da prescrição e de nulidade da CDA, com a consequente extinção dos créditos.
2 – Da natureza jurídica: O vínculo estabelecido entre o ente público e os autores é de natureza pública, mas não tributária e sim administrativa, já que se trata de multa, vale dizer, sanção por ato ilícito a afastá-la do conceito de tributo que traz o artigo 3º do Código Tributário Nacional.
3 – Da prescrição e decadência:
3.1-O prazo prescricional guarda relação com o lapso temporal no qual a Fazenda Pública pode ajuizar a ação de execução fiscal referente ao crédito já constituído.
3.2. Em relação à decadência, sabe-se que se refere ao lapso temporal que a Fazenda Pública dispõe para realizar a constituição do crédito.
3.3. Em se tratando de multa administrativa, a prescrição da ação de cobrança somente tem início com o vencimento do crédito sem pagamento, o que somente ocorre em havendo decisão definitiva do processo administrativo de imposição da penalidade, quando, então, se considera constituído definitivamente o crédito não tributário. Precedente do e. STJ.
3.4. Quanto à decadência, há de se observar a tese fixada em julgamento pelo rito de recurso repetitivo, Tema 324-STJ: É de cinco anos o prazo decadencial para se constituir o crédito decorrente de infração à legislação administrativa” e, ainda, a Súmula nº 622 do STJ, que assim estabelece: A notificação do auto de infração faz cessar a contagem da decadência para a constituição do crédito tributário; exaurida a instância administrativa com o decurso do prazo para a impugnação ou com a notificação de seu julgamento definitivo e esgotado o prazo concedido pela Administração para o pagamento voluntário, inicia-se o prazo prescricional para a cobrança judicial.
3.5. Neste contexto, pode-se dizer que (i) o crédito não tributário é constituído definitivamente com a decisão definitiva do processo administrativo de imposição da penalidade e (ii) a notificação do auto de infração faz cessar a contagem da decadência para a constituição do crédito.
4 – Da hipótese dos autos: O Auto de Constatação se deu em 12/06/1990. O procedimento administrativo iniciou-se em 18/10/1990 e a lavratura do Auto de Infração em 12/12/1991, tendo sido a empresa infratora notificada para pagamento ou defesa, em 19/02/1992, quando, então, a princípio, cessaria a contagem doo prazo de decadência.
5 – Ocorre que, na verdade, no caso, o crédito não tributário não fora constituído. É que, da análise do processo administrativo, verifica-se que não houve qualquer decisão definitiva aplicando a penalidade da multa que está sendo cobrada na Nota de Débito emitida em 11/09/1996. Outrossim, o processo ficou paralisado desde a emissão da referida Nota de débito (11/09/1996) até a data do seu encaminhamento ao arquivo em 07/02/2002, ou seja, por mais de cinco anos.
6 – Por tais motivos, forçoso reconhecer que o Estado perdeu o direito de punir, de constituir o crédito não tributário, operando-se a decadência e, por isso, a r. sentença de extinção por decadência deve ser mantida, em remessa necessária, ainda que por outro fundamento.
7 – SENTENÇA MANTIDA EM REMESSA NECESSÁRIA. (TJ-RJ – REMESSA NECESSARIA: 00000471220048190007, Relator: Des(a). WERSON FRANCO PEREIRA RÊGO, Data de Julgamento: 24/01/2022, VIGÉSIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL)
VOTO
Trata-se de embargos à execução fiscal, opostos por André Luiz de Almeida Lopes e Flávio Veríssimo da Silveira em face do Estado do Rio de Janeiro , objetivando, em resumo, o reconhecimento da prescrição e de alegadas nulidades da CDA, com a consequente extinção dos créditos.
A r. sentença, reconhecendo a decadência, extinguiu a execução, assim fundamentada:
“(…) Compulsando as cópias não impugnadas do processo administrativo, verifica se que o mesmo teve início em 18/10/1990, baseado em auto de constatação lavrado em 22/06/1990, com nota emitida em 11/09/1996. Ora, como estabelece o artigo 173, I, do CTN, o direito da Fazenda Pública para constituir o crédito tributário extingue-se após cinco anos contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ser sido efetuado. No caso em tela, o lançamento poderia ter sido efetuado no dia 01 de janeiro de 1991, quando iniciou-se o prazo decadencial, porém a nota de débito, como dito, somente foi emitida em 02 de setembro de 1996, ou seja, cinco anos e nove meses após o marco inicial, quando já fulminado o direito material, em razão de seu não exercício (…)”.
De início, cumpre esclarecer que o vínculo estabelecido entre o ente público e os autores é de natureza pública, mas não tributária e sim administrativa, já que se trata de multa, vale dizer, sanção por ato ilícito a afastá-la do conceito de tributo que traz o artigo 3º do Código Tributário Nacional.
Conquanto estabeleça a Lei de Execução Fiscal, nos termos de seu art. 2º, que constitui dívida ativa da Fazenda Pública tanto aquela de natureza tributária, como a não-tributária, as disposições relativas à prescrição contidas no CTN não se aplicam aos créditos de natureza não tributária.
Em hipótese alguma a sua exigência (do crédito não tributário) pode ser confundida com a exigibilidade de crédito tributário.
Isto porque, os créditos de caráter administrativo não se subordinam ao comando do disposto no art. 146, III, b, da Constituição da República, que reserva à lei complementar regramento da prescrição e decadência tributárias, remetendo o ao Código Tributário Nacional (art. 174), norma material-complementar em matéria tributária.
Assim, dada a natureza não-tributária do crédito, remanesce o caráter administrativo da relação a ensejar o crédito. Não é aplicável, portanto, o prazo previsto no Código Tributário Nacional.
Da prescrição e decadência
O prazo prescricional guarda relação com o lapso temporal no qual a Fazenda Pública pode ajuizar a ação de execução fiscal referente ao crédito já constituído.
Em relação à decadência, sabe-se que se refere ao lapso temporal que a Fazenda Pública dispõe para realizar a constituição do crédito.
Conforme a jurisprudência reiterada no âmbito do E. Superior Tribunal de Justiça, o prazo prescricional quinquenal previsto no art. 1º do Decreto 20.910/1932, aplicável, com base nos princípios da simetria e da igualdade, à execução de multas administrativas em decorrência do exercício do poder de polícia por estados e municípios, incide do término do processo administrativo, nos termos da Súmula 467 do STJ, em prestigio ao entendimento assentado no REsp 1105442 / RJ, julgado sob rito dos recursos repetitivos (Tema 135): “É de cinco anos o prazo prescricional para o ajuizamento da execução fiscal de cobrança de multa de natureza administrativa, contado do momento em que se torna exigível o crédito, com o vencimento do prazo do seu pagamento”
O acórdão proferido no recurso paradigma restou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. RITO DO ARTIGO 543-C DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA. MULTA ADMINISTRATIVA. EXECUÇÃO FISCAL. PRAZO PRESCRICIONAL. INCIDÊNCIA DO DECRETO Nº 20.910/32. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. 1. É de cinco anos o prazo prescricional para o ajuizamento da execução fiscal de cobrança de multa de natureza administrativa, contado do momento em que se torna exigível o crédito (artigo 1º do Decreto nº 20.910/32). 2. Recurso especial provido. (REsp 1105442 / RJ RECURSO ESPECIAL 2008/0252043-8 – Relator: Ministro HAMILTON CARVALHIDO – PRIMEIRA SEÇÃO – Data do Julgamento: 09/12/2009 – Data da Publicação/Fonte – DJe 22/02/2011)
É de se destacar que a orientação firmada pela referida Corte Superior no sentido da aplicabilidade do prazo prescricional quinquenal do art. 1º do Decreto nº 20.910/32, na hipótese de execução fiscal para cobrança de multa administrativa oriunda da Administração Pública Estadual ou Municipal, a despeito da impossibilidade de aplicação subsidiária da Lei 9.873/99, por se tratar de lei específica sobre prescrição com eficácia limitada à Administração Pública Federal, repousa no Princípio da Simetria e da Isonomia que deve reger os prazos prescricionais relativos às relações entre as mesmas partes, em observância ao entendimento doutrinário pátrio e aos julgados de ambas as Turmas integrantes da Primeira Seção do STJ. Vejamos:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MULTA ADMINISTRATIVA. PROCON. LEI 9.873/1999. INAPLICABILIDADE ÀS AÇÕES ADMINISTRATIVAS PUNITIVAS DESENVOLVIDAS POR ESTADOS E MUNICÍPIOS. PRESCRIÇÃO. APLICAÇÃO DO DECRETO 20.910/1932. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. 1. O Superior Tribunal de Justiça entende que em casos de ação anulatória de ato administrativo ajuizada em desfavor da Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor, em decorrência do exercício do poder de polícia do Procon, é inaplicável a Lei 9.873/1999, sujeitando-se a ação ao prazo prescricional quinquenal previsto no art. 1º do Decreto 20.910/1932. 2. É indubitável a aplicação analógica desse dispositivo para a execução de multas administrativas no prazo de cinco anos, contados do término do processo administrativo, conforme teor da Súmula 467 do STJ. 3. Contudo, no caso dos autos, não houve transcurso do prazo prescricional, porquanto encerrado o processo administrativo em 2012, sendo esse o termo inicial para a cobrança da multa, o que afasta a prescrição quinquenal. 4. O art. 1º do Decreto 20.910/1932 regula somente a prescrição quinquenal, não havendo previsão acerca de prescrição intercorrente, prevista apenas na Lei 9.873/1999, que, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não se aplica às ações administrativas punitivas desenvolvidas por Estados e Municípios, em razão da limitação do âmbito espacial da lei ao plano federal. 5. Dessa forma, ante a ausência de previsão legal específica para o reconhecimento da prescrição administrativa intercorrente na legislação do Estado do Paraná, ante a inaplicabilidade do art. 1º do Decreto 20.910/1932 para este fim, bem como das disposições da Lei 9.873/1999, deve ser afastada a prescrição da multa administrava no caso, já que, em tais situações, o STJ entende caber “a máxima inclusio unius alterius exclusio, isto é, o que a lei não incluiu é porque desejou excluir, não devendo o intérprete incluí-la” ( REsp 685.983/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 20/6/2005, p. 228). 6. Recurso Especial provido.” (REsp 1662786 / PR RECURSO ESPECIAL 2017/0064747-1 – Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN – SEGUNDA TURMA – Julgamento: 16/05/2017 – Publicação/Fonte: DJe 16/06/2017)
Seguindo essa linha de intelecção, é possível estabelecer que, em se tratando de multa administrativa, a prescrição da ação de cobrança somente tem início com o vencimento do crédito sem pagamento, o que somente ocorre em havendo decisão definitiva do processo administrativo de imposição da penalidade, quando, então, se considera constituído definitivamente o crédito não tributário.
Quanto à decadência, há de se observar a tese fixada em julgamento pelo rito de recurso repetitivo, Tema 324-STJ: É de cinco anos o prazo decadencial para se constituir o crédito decorrente de infração à legislação administrativa.
Há que se considerar, ainda, a Súmula nº 622 do STJ, que assim estabelece:
A notificação do auto de infração faz cessar a contagem da decadência para a constituição do crédito tributário; exaurida a instância administrativa com o decurso do prazo para a impugnação ou com a notificação de seu julgamento definitivo e esgotado o prazo concedido pela Administração para o pagamento voluntário, inicia-se o prazo prescricional para a cobrança judicial.
Neste contexto, pode-se dizer que (i) o crédito não tributário é constituído definitivamente com a decisão definitiva do processo administrativo de imposição da penalidade e (ii) a notificação do auto de infração faz cessar a contagem da decadência para a constituição do crédito. […]
Por tais motivos, forçoso reconhecer que o Estado perdeu o direito de punir, de constituir o crédito não tributário, operando-se a decadência e a r. sentença de extinção deve ser mantida, em remessa necessária, ainda que por outro fundamento.
À conta de tais fundamentos, mantenho a r. sentença em remessa necessária.