ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO AMBIENTAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO. VÍCIO INSANÁVEL. NULIDADE.
1. A legislação de regência exige, para a configuração do ilícito ambiental previsto no art. 61 do Decreto n.º 6514/08, a elaboração de laudo técnico pelo órgão ambiental que aponte a geração de poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana ou provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade.
2. Inexistindo um laudo técnico conclusivo, elaborado pelo órgão ambiental, não há como reconhecer a higidez do auto de infração e da multa imposta ao suposto infrator, porquanto não comprovados os fatos que motivaram sua autuação.
(TRF-4 – AC: 50190505220134047200 SC 5019050-52.2013.4.04.7200, Relator: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 12/07/2017, QUARTA TURMA)
RELATÓRIO
Condomínio Residencial e Comércio Porto da Lagoa Resort ajuizou ação em face do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, visando obter a anulação de auto de infração n.º 659288-D, lavrado contra si, por inobservância dos parâmetros de lançamento de efluentes estabelecidos em ação civil pública pretérita.
Após regular tramitação do feito, sobreveio sentença que julgou procedente o feito, condenado o réu ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$ 15.000,00 (quinze mil reais), a ser atualizados.
Irresignado, o IBAMA apelou, alegando que:
(a) milita em favor do ato administrativo a presunção de legitimidade, sendo equivocada sua anulação;
(b) o laudo técnico de análise de efluentes que deu lastro à autuação não contém qualquer imprecisão, tendo sido confeccionado pelo laboratório de análises químico/físico/biológico da Estação Ecológica de Carijós/Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio);
(c) não há comprovação de que a estação de tratamento de efluentes do Condomínio possui condições minimamente adequadas para o controle dos efluentes carreados ao corpo hídrico, e
(d) a multa diária imposta ao autor é cabível, ante a impossibilidade de embargo à atividade poluidora, na medida em que impraticável o bloqueio parcial ou total da fonte de esgoto.
O autor interpôs recurso adesivo, pugnando pela majoração da verba honorária, haja vista o conteúdo econômico da causa.
Apresentadas contrarrazões, o feito foi remetido a esta Corte. Ao IBAMA foi oportunizada a apresentação de contrarrazões ao recurso adesivo do autor. O Ministério Público Federal exarou parecer, opinando pelo desprovimento das apelações.
É o relatório.
VOTO
Não há reparos à sentença, cujos fundamentos permito-me transcrever, adotando-os como razões de decidir:
Trata-se de ação ordinária que visa à anulação de auto de infração que foi imposto ao autor por causar poluição à Lagoa da Conceição, em face da inobservância de parâmetros de lançamentos de efluentes estabelecidos em ação civil pública.
Em seus fundamentos, afirma que o efluente atende aos parâmetros vigentes, ou seja, à Resolução CONAMA n. 430/11 e Lei Estadual n. 14.675/09, conforme foi comprovado no laudo que subsidiou a autuação.
Aduz que somente lhe pode ser exigida a observação de padrões ambientais definidos em lei e em regulamento (art. 62, inciso V, do Decreto n. 6.514/08) e, por esse motivo, não pode ser obrigado a se vincular a parâmetros definidos no bojo de acordos judiciais, pois não há previsão de que esses pactos possam servir de fonte legal para as autuações.
Alega que a caracterização de conduta como infração administrativa também somente pode ser veiculada em lei (art. 70 da Lei 9.605/98).
Aduz que as normas vigentes prevêem como parâmetro sucessivo um percentual mínimo de eficiência na remoção das concentrações de certas substâncias, ou seja, ‘admite-se como lícito que um limite máximo de unidade de medida seja excedido caso o sistema de efluentes alcance um percentual X de eficiência, calculado pela diferença entre os valores colhidos no efluente na entrada e na saída do sistema de tratamento’.
Conclui, assim, que para as regras vigentes ‘só se recorre ao critério de percentual de eficiência caso o sistema tenha excedido a unidade de medida correspondente’, ao contrário do que estabeleceu a cláusula quarta do acordo que exige eficiência de 90% quanto ao impedimento de emissão de efluentes poluentes, a qual peca por impropriedade técnica (terminologia inadequada).
Explica que a ampliação feita pelo magistrado da execução da ACP 2000.72.00.004772-2 extrapolou o acordo e é decisão antijurídica, pois modificou a coisa julgada e foi além dos pedidos da inicial (o que aliás foi pontuado por outra julgadora).
Alega, inclusive, que normas posteriores modificaram os parâmetros da Resolução CONAMA n. 430/11 e Lei Estadual n. 14.675/09, deixando de estabelecer padrões atinentes a coliformes fecais e nitrogênio no tocante ao lançamento de efluentes domésticos.
Aduz que também o ‘parâmetro coliformes fecais ficou restrito, nos termos da Resolução CONAMA 357/05, para a classificação de determinado curso d’água’. Assevera que o lançamento de efluentes por estações de tratamento tem regulamentação específica, ou seja, o art. 21 da Resolução CONAMA n. 430/11 que prepondera sobre todas as demais.
Refere que o acordo feito na ACP n. 2000.72.00.004772-2, firmado em 19-12-2002 e ampliado em 22-07-2005, somente pode ter aplicação futura para os empreendimentos ainda não implantados, segundo o que preceituou a cláusula quarta. Explica que seu alvará (de 1993) foi expedido muito antes da homologação do acordo (10-01-2003) e da ampliação dos parâmetros (22-07-2005).
Sustenta que o acordo tem natureza constitutiva e, portanto, teriam eficácia ‘ex nunc’ e, além disso, prescreve obrigações exclusivas àquelas partes e não à coletividade, ou seja, não atingem diretamente terceiros.
Defende que, por essa razão, a Lei 8.078/90 obrigou a publicação de edital para o chamamento de todos os interessados para intervir no processo como litisconsorte; no caso, todos os moradores e proprietários de imóveis da Lagoa da Conceição.
Alega, ainda, que o IBAMA não era competente para a autuação (art. 17 da Lei Complementar n. 140/11 e art. 14, § 2º, da Lei n. 6.938/81). Além disso, afirmou que o laudo que embasou o auto de infração não indicou os danos e a coleta e avaliação das amostras não seguiu a NBR 9898/87, a qual prevê que cada amostra deva ser acompanhada de um formulário de registro contendo várias informações.
Defende, assim, que a inobservância desse procedimento teria maculado o seu direito de ampla defesa e contraditório.
De outro lado, assevera que o procedimento criminal iniciado para apurar a prática de delito ambiental foi arquivado a pedido do Ministério Público Federal, tendo sido reconhecida a inexistência da materialidade na conduta e atipicidade dos fatos, devendo repercutir na esfera administrativa, pois reconhecida a inexistência de materialidade da conduta, conforme preceitua o art. 88, inciso I, da Instrução Normativa IBAMA n. 10/12.
Diante da ausência de danos ao meio ambiente, já que o lançamento de efluentes teria respeitado os limites de tolerabilidade, o nível de gravidade da infração deveria ser reclassificação do Nível D para o Nível A (Instrução Normativa IBANA n. 10/12) e, em consequência, para o valor mínimo da multa (de R$ 5.000,00).
Requer, assim, a procedência do pedido para que seja anulado o Auto de Infração n. 65928-D e seu correspondente processo administrativo. Sucessivamente, requer seja readequado o valor da multa administrativa indicada no relatório no auto de infração para o valor mínimo previsto no artigo 61 do Decreto Federal n. 6.514/08, de R$ 5.000,00.
O IBAMA, em sua contestação, explicou que houve erro material na fixação do valor da multa diária, o qual não é de R$ 5.500.000,00, mas de R$ 5.500,00. Alega que na Informacao de 11-11-2013, a área técnica já corrigiu o equívoco.
Além disso, defende sua competência para fiscalizar, em virtude de ser órgão integrante do SISNAMA. Requer, ainda, seja aplicada a regra de inversão do ônus da prova, a fim de se atribuir ao autor o ônus de demonstrar que não cometeu os danos. A
lega, ainda, que a infração administrativa independe da penal. Sustenta, também, que o Condomínio está entre os poucos da região desprovidos de rede coletora pública de efluentes, não estando comprovado nos autos que a referida estação de tratamento de efluentes (de aproximadamente 400 pessoas) perfaz condições minimamente adequadas de controle de efluentes carreados ao corpo hídrico lagunar.
Aduz que essa estação de tratamento não possui licenciamento, o que seria obrigatório já que o nível de evasão é de 391 litros por segundo, enquadrando-se na hipótese prevista nos Anexos II e III (Sistema de Coleta e Tratamento de Esgotos Sanitários) da Resolução CONAMA n. 4/2008.
Assevera que as coletas de amostras e análises de efluentes líquidos e em corpos hídricos será feita por laboratório próprio do órgão ambiental, conforme prevê a Resolução CONAMA 357/2005 (art. 9º). De outro lado, afirma que o autor não comprovou a eficiência de sua ETE.
Adverte que, apesar do Parecer Técnico n. 054/2012/MPF/SC apontar para o atendimento acerca dos limites estabelecidos pelas normas em vigor, os dados apresentados em relação aos limites de sólidos sedimentáveis, oxigênio dissolvido, DBO, toxidade aguda e coliformes fecais estavam acima dos limites previstos na Portaria FATMA n. 1/02. Requer a improcedência da ação.
Intimadas as partes para especificarem provas, o IBAMA requereu a realização de audiência (Evento 13). O autor não requereu provas (Evento 14).
Na decisão do Evento 16 foi indeferida a realização de audiência. O Ministério Público Federal, em seu parecer, opina pela improcedência da ação.
É o relatório. Decido.
Competência do IBAMA
Exaustivamente tem entendido este juízo que o IBAMA pode fiscalizar nesses casos, com base no parágrafo 1º do art. 70 da Lei 9.605/98, o qual atribui a todos os órgãos ambientais do SISNAMA (instituído pela Lei 6.938/81) a competência para a atividade de fiscalização.
A conclusão também decorre da exegese do art. 23 da Constituição Federal que prevê a existência da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para:
‘VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; (…); VII – preservar as florestas, a fauna e a flora;’
Diante disso, não há prevalência de atuação entre todos os entes da federação (União, Distrito Federal, Estados e Municípios) em se tratando de assunto no qual ocorre a cumulatividade de competências. Assim, todos os entes federativos têm competência comum para exercer o Poder de Polícia Ambiental.
Conclui-se, assim, que mesmo que (no Estado de Santa Catarina) a FATMA seja a responsável pelo licenciamento, não há impedimento para que o IBAMA exerça seu poder de polícia desde que se presencie a ocorrência de um dano ao meio ambiente. Essa conclusão decorre logicamente da responsabilidade solidária de preservação do meio ambiente prevista constitucionalmente (art. 225 da CF). Esse também é o entendimento já expressado pelo Superior Tribunal de Justiça (AgRg n. 711405PR, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe de 15/05/09).
Nesse sentido, em caso similar, já decidiu este Tribunal:
ADMINISTRATIVO. DANO AMBIENTAL. EMPREENDIMENTO EM ÁREA DE RESTINGA E SOLO ENCHARCADO. ZONA COSTEIRA. LICENCIAMENTO ESTADUAL. ATUAÇÃO SUPLETIVA DO ibama.
Ainda que o órgão ambiental estadual tenha licenciado obra, se esta foi indevida, é possível a atuação supletiva do ibama – nos termos do art. 23, VI da Constituição Federal – a fim de garantir a preservação do meio ambiente (Precedentes).
Figurando como autor da ação o Ministério Público Federal, que é órgão da União, a competência para a causa é da Justiça Federal. (Precedente STJ).
Apelação provida. (in D.E. de 07/12/2011, Apelação Cível n. 2005.72.00.013828-2/SC, Juiz Relator: Des. Fed. Fernando Quadros da Silva, 3ª Turma do TRF da 4ª Região)
ADMINISTRATIVO. MEIO AMBIENTE. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. LICENCIAMENTO ESTADUAL. ATUAÇÃO SUPLETIVA DO IBAMA.
Se o órgão ambiental estadual licenciou a obra de forma indevida, nada impede que o ibama intervenha de forma supletiva, para garantir a preservação do meio ambiente (Precedente).
O interesse privado não pode, de maneira alguma, se sobrepor aos interesses difusos, dentre os quais enquadra-se o meio ambiente. 3. A licença ambiental tem natureza autorizatória, devido seu caráter precário. 4. Apelação improvida. (TRF da 4ª Região, AMS 98.04.08487-2, Quarta Turma, Relator Alcides Vettorazzi, DJ 22/11/2000)
Desse modo, persiste a competência para o IBAMA praticar sua atribuição de fiscalização, que deflui das normas constitucionais e ambientais já mencionadas. Essa atribuição também decorre do princípio da prevenção e precaução que norteiam o trato das questões ambientais.
Ressalte-se que essa competência permaneceu mesmo após a edição da Lei Complementar n. 140/2011, pois o art. 17, § 3º, expressamente manteve a possibilidade de que outros órgãos ambientais possam fiscalizar, ainda que não seja o órgão licenciador.
É o que decidiu o TRF da 4ª Região em recente decisão:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. DANO AMBIENTAL. INFRAÇÃO. AUTUAÇÃO E EMBARGO. IBAMA. LEGITIMIDADE. COMPETÊNCIA COMUM DOS ENTES FEDERATIVOS.
1. O meio ambiente ecologicamente equilibrado é resguardado constitucionalmente (art. 225), cuja proteção é competência comum da União, dos Estados, do DF e dos Municípios, cabendo a cada uma destas esferas de governo, nos termos da lei e do interesse preponderante, fiscalizar, licenciar e, em havendo necessidade, autuar.
2. Assim, a Constituição Federal, em seu art. 23, nos incisos VI e VII, respectivamente, estipula a competência comum dos três entes federativos para promover a proteção do meio ambiente e combater a poluição, bem como preservar a floresta, a fauna e a flora, remetendo a fixação das normas de cooperação para o âmbito normativo de Leis Complementares.
3. A edição da Lei Complementar nº 140, de 08/12/2011, onde definidas legalmente a atuação supletiva e subsidiária, por meio de seu artigo 17, § 3º, acaba por legitimar o exercício do poder de polícia ambiental por qualquer dos entes federativos com atribuição comum de fiscalização, fornecendo solução para eventual sobreposição de autuações, ou seja, a prevalência do auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização.
4. Hipótese em que não há se falar em incompetência do IBAMA por ocasião da autuação e embargo na propriedade do impetrante, porquanto observadas condutas infracionais como destruição de floresta nativa sem autorização. (TRF4, AC 5002506-23.2012.404.7006, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Fernando Quadros da Silva, D.E. 16/05/2013)
Nulidade do Auto de Infração
Ultrapassada a alegação de incompetência, urge analisar o Auto de infração n. 659288-D (de 16/01/2013), que assim descreveu o ilícito administrativo atribuído ao autor:
‘Causar poluição na Bacia Hidrográfica da Lagoa da Conceição pelo lançamento de resíduos líquidos (esgoto doméstico), conforme dados constantes no Parecer Técnico n. 54/2012 do MPF/SC‘.
Entre os fundamentos jurídicos da autuação foi indicado o artigo 61 do Decreto Federal 6.514/08, que prevê como conduta a ser punida com multa:
Art. 61. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade:
Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais).
Parágrafo único. As multas e demais penalidades de que trata o caput serão aplicadas após laudo técnico elaborado pelo órgão ambiental competente, identificando a dimensão do dano decorrente da infração e em conformidade com a gradação do impacto.
Além desse dispositivo, também foi mencionado o art. 3º, inciso III, do Decreto, o qual se refere à multa diária.
Imediatamente são duas as conclusões aferidas na leitura desses dois dispositivos. A primeira é de que há necessidade de que o órgão ambiental realize laudo técnico, o qual servirá de base para dimensionar o dano decorrente da infração e arbitramento da multa. Outra dedução é que, em vez de aplicar multa simples, o IBAMA impôs multa diária ao autuado.
Em relação ao laudo técnico, sua imprescindibilidade decorre da própria natureza dessa infração ambiental (poluição), a qual obriga o agente fiscalizador a descrever minuciosamente a situação de danos a que foi exposto o meio ambiente em decorrência das atividades cometidas pelo autuado.
Entretanto, no caso dos autos, consoante se depreende dos documentos apresentados, o órgão fiscalizador (IBAMA) não realizou laudo próprio para embasar a autuação, mas se utilizou de Parecer Técnico (n. 54/12) do Ministério Público Federal que, por sua vez, baseou-se em laudos não conclusivos do ICMBio.
A própria descrição dos fatos no Auto de Infração ora enfrentado não deixa dúvidas de que a autuação foi baseada naquele parecer técnico: ‘Causar poluição na Bacia Hidrográfica da Lagoa da Conceição pelo lançamento de resíduos líquidos (esgoto doméstico), conforme dados constantes no Parecer Técnico n. 54/2012 do MPF/SC‘.
Os laudos produzidos pelo ICMBIO (Documentos Técnicos n. 121 e 125/2012) apenas descreveram os dados coletados das amostras recolhidas do elemento hídrico próximo ao Condomínio e indicaram as normas utilizadas para o trabalho de coleta e que serviram de parâmetros, sem concluir de forma efetiva sobre os resultados obtidos com a coleta.
No Documento Técnico n. 121/2012 (Evento 8-PROCADM3, p. 41), por exemplo, no item 7 referente a ‘Resultados’, a Bióloga e o Analista Ambiental apenas anexaram tabela em que foram registradas as quantidades das substâncias consideradas nesse tipo de vistoria, sem indicar em quais delas se restou comprovada a ineficiência do tratamento de esgoto existente no Condomínio.
O mesmo ocorreu com o Documento Técnico n. 125/2012 (Evento 8-PROCADM3, p. 57-60) em que igualmente foram corrigidos alguns dados da coleta anunciada no documento técnico anterior.
Por sua vez, o Relatório do auto de infração ora impugnado (Evento 8-PROCADM2- p.4/5) em momento algum se deteve em comparar os dados levantados pelo ICMBio, apenas se referindo às conclusões trazidas no Parecer Técnico n. 054/2012 do MPF:
‘Em execução a determinação do despacho constante no processo 02026.001536/2012-21, página 10, diante das constatações apontadas no Parecer Técnico Nº 054/2012/MPF/SC assinado pela Perita – Analista de Engenharia Sanitária DANIELA MARA HOFFMANN ZIMERMANN, embasadas pelos documentos técnicos Nº 121 e 125/2012 apresentados pelo UMC/ICMBio/Sul, que concluiu que os efluentes de saída não cumprem integralmente aos padrões de lançamentos definidos nas normas vigentes.
Foi realizada, no dia 15 de janeiro de 2013, a lavratura do Auto de Infração em desfavor do CONDOMÍNIO RESIDENCIAL E COMERCIO PORTO DA LAGOA por ‘causa poluição na Bacia Hidrográfica da Lagoa da Conceição pelo lançamento de resíduos líquidos (esgoto doméstico), conforme dados constantes no Parecer Técnico n. 054/2012 do MPF/SC’.
Fora isso, o Relatório somente transcreveu os artigos da Lei 9.605/98 e Decreto 6.514/08 e colacionou os critérios utilizados para o arbitramento da multa, a qual foi apontada equivocadamente (no valor de R$ 5.500.000,00), tendo sido corrigido posteriormente em informação do IBAMA (Evento 8-PROCADM5, p. 40/41) para R$ 5.500,00.
Constata-se que a autuação nasceu viciada, pois baseada em conclusões trazidas no Parecer Técnico do Ministério Público Federal. Isso porque, conforme já mencionado, os únicos documentos produzidos por órgão ambiental (documentos técnicos do ICMBio) apenas expuseram o resultado da coleta de dados, sem nada concluir.
Segundo reza a Instrução Normativa n. 10 do IBAMA, publicada em 10-12-2012, em seu art. 29, o auto de infração deverá ser acompanhado de relatório de fiscalização circunstanciado.
Além disso, prevê o Regulamento Interno da Fiscalização (RIF) do IBAMA, aprovado pela Portaria IBAMA n. 11, de 10-06-2009, que a manifestação técnica que embasará o auto de infração será emitida por analista ambiental, especialista ou agente ambiental do próprio órgão que autuou (art. 26, inciso III).
No mesmo dispositivo, percebe-se uma série de obrigações a que está jungida a autoridade, a fim de se garantir a higidez do ato fiscalizatório:
Art. 26. As informações sobre os elementos probatórios que levaram à autuação deverão ser reunidas em relatório próprio, conforme normas vigentes para procedimento de apuração de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e, sempre que possível, reforçadas com parecer técnico que contenha ao menos os itens a seguir: I – número do auto de infração e demais termos;
II – fotografias, preferencialmente coloridas e datadas;
III – manifestação técnica sobre o objeto da infração e danos verificados, emitida por Analista Ambiental ou Especialista de nível superior, com habilitação adequada, e, preferencialmente, por outro integrante da equipe que não o Agente Ambiental Federal autuante;
IV – coordenadas geográficas, no formato grau, minuto e segundo, Datum oficial do IBGE – SAD 1969 ou Sirgas 2000;
V – nos casos de infração em que o dano seja medido em unidade de área (km2, hectare, alqueire e outros), deverá ser confeccionado o polígono delimitando a área de abrangência do dano;
VI – em todos os demais casos deverá ser indicado o local da infração, definido por um par de coordenadas geográficas;
O art. 32 do mesmo regulamento ainda define o Parecer Técnico, como aquele ‘destinado a embasar tecnicamente a opinião do Agente Ambiental Federal para, em cumprimento ao seu Poder de Polícia, estabelecer o devido enquadramento legal e consequente lavratura de Auto de Infração e demais termos, bem como a contribuir para decisão da autoridade julgadora’.
Os dispositivos mencionados demonstram o cuidado com o procedimento fiscalizatório e a necessidade de que a autuação seja precedida por vistoria técnica, ainda mais se tratando da infração de poluição.
Não se quer afastar, com isso, a atribuição do Ministério Público Federal de, em verificando a ocorrência do dano, requisitar aos órgãos ambientais e à Polícia Federal que investigue o fato e de lhes enviar laudos técnicos confeccionados por seus analistas.
No entanto, o que não se pode admitir é a substituição total do trabalho técnico do órgão ambiental, que tem dever legal de embasar corretamente o ato fiscalizatório, por laudo produzido pelo Ministério Público Federal, tomando-lhe como único fundamento da autuação.
Assim, não restariam provados os fatos que deram origem ao Auto de Infração, os quais, devidos à sua complexidade, para serem demonstrados demandariam a elaboração de um laudo conclusivo por parte do órgão ambiental.
O segundo vício que se pode vislumbrar do auto de infração é a cominação de multa diária ao autuado, sem que fosse indicada ao autuado a necessidade de juntada de novos documentos ou de providências para evitar o dano. Essa multa diária tem caráter coercitivo e foi idealizada nos mesmos moldes da multa prevista no art. 461, § 4º, do CPC, conforme concluiu Vladimir Passos de Freitas (‘in’ Direito Administrativo e Meio Ambiente. 4ª Ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 158-159).
Portanto, ela somente poderia ser cominada após se ter instado o autuado a efetuar determinada prestação positiva e em caso de descumprimento dessa obrigação.
Não por outra razão os §§ 4º e 8º do art. 10 do Decreto 6.514/08 elencam as hipóteses em que não será cobrada a multa diária ou o momento de sua finalização.
Art. 10. A multa diária será aplicada sempre que o cometimento da infração se prolongar no tempo.
§ 1º Constatada a situação prevista no caput, o agente autuante lavrará auto de infração, indicando, além dos requisitos constantes do art. 97, o valor da multa-dia.
§ 2º O valor da multa-dia deverá ser fixado de acordo com os critérios estabelecidos neste Decreto, não podendo ser inferior ao mínimo estabelecido no art. 9o nem superior a dez por cento do valor da multa simples máxima cominada para a infração.
§ 3º Lavrado o auto de infração, será aberto prazo de defesa nos termos estabelecidos no Capítulo II deste Decreto
§ 4º A multa diária deixará de ser aplicada a partir da data em que o autuado apresentar ao órgão ambiental documentos que comprovem a regularização da situação que deu causa à lavratura do auto de infração.
§ 8º A celebração de termo de compromisso de reparação ou cessação dos danos encerrará a contagem da multa diária.(Incluído pelo Decreto nº 6.686, de 2008).
Por isso, é forçosa a interpretação de que o agente fiscalizador, antes de cominar multa diária, deverá primeiro atribuir determinado prazo para que a obrigação (para evitar o dano) seja cumprida. Caso contrário, a multa diária será idêntica à multa simples, que também é uma sanção aplicável; aliás, a mais comum.
Desse modo, restaram demonstrados os vícios que tornam nulo o auto de infração imposto ao autor. Por esse motivo, não se torna necessária a análise dos demais argumentos trazidos na inicial (inclusive a validade de se exigir os termos de acordos feitos em outra ação civil pública), os quais somente seriam passíveis de estudo, caso fosse aceito o Parecer Técnico Nº 054/2012/MPF/SC como elemento fundamentador do auto de infração. Deve-se, pois, anular o auto de infração lavrado pelo IBAMA.
Em relação aos honorários advocatícios, vale ressaltar que, em se tratando de sentenças de cunho declaratório como no caso dos autos (nulidade do auto de infração), deve-se aplicar, como critério fixador dos honorários, o § 4º do art. 20 do CPC (RTJ 76/937).
Consoante esse dispositivo, ‘os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior’, ou seja, do § 3º do art. 20, devendo-se observar o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. Sob esses aspectos, em virtude do evidente cuidado na elaboração das teses da inicial, fixo o valor dos honorários advocatícios em R$ 15.000,00 (quinze mil reais) que deverá ser atualizado à época do pagamento.
Ante o exposto, julgo PROCEDENTE o pedido e extingo o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 269, inciso I, do CPC, declarando nulo o Auto de Infração n. 659288-D lavrado pelo IBAMA em desfavor do autor.
Condeno o IBAMA ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em R$ 15.000,00 (quinze mil reais), nos termos do art. 21, §§ 3º e 4º, do CPC, que deverá ser atualizado à época do pagamento.
Sem custas.
Consoante a legislação de regência, é exigível, para a configuração do ilícito ambiental previsto no art. 61 do Decreto n.º 6514/08, a elaboração de laudo técnico pelo órgão ambiental que aponte a geração de poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana ou provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade.
Os laudos do ICMBio, que embasaram a autuação sub judice, limitam-se a descrever os dados coletados nas amostras recolhidas do elemento hídrico existente próximo ao Condomínio, sem qualquer consideração sobre a dimensão do dano. Tampouco esclarecem se o resultado da análise das amostras corrobora a existência de poluição em níveis que caracterizam a infração administrativa.
Nesse sentido, aliás, a manifestação do ilustre Representante do Ministério Público Federal:
II.2.1.2- Do Auto de Infração n. 659288-D
Em suas razões recursais, o IBAMA alega, em síntese, que o Auto de Infração nº 659288-D não poderia ter sido anulado pelo juízo a quo, porquanto, além de possuir presunção de legitimidade, encontra-se embasado em laudo técnico, o qual foi resultado da ação conjunta de várias entidades de controle ambiental, coordenadas pelo corpo de perícia técnica do MPF. Assevera que o laboratório de análises químico/físico/biológico da Estação Ecológica de Carijós/Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) produziu o Laudo de Análises de Efluentes (Ofício nº 261/2012-UMC/ICMBIO/SC), que posteriormente norteou as manifestações conclusivas do corpo de perícia técnica do MPF/SC (Parecer Técnico nº 57/2012), o qual apontou que os dados apresentados em relação aos limites de sólidos sedimentáveis, oxigênio dissolvido, DBO, toxidade aguda e coliformes fecais estavam acima dos limites previstos na Portaria FATMA n. 1/02.
Destaca ainda que não há nos autos administrativos, como prova de defesa, qualquer comprovação de que a Estação de Tratamento de Efluentes (ETE) do condomínio autor, que recebe o aporte de esgoto ‘in natura’ de aproximadamente 400 pessoas, distribuídas entre 114 unidades habitacionais e 05 salas comerciais, perfaz condições minimamente adequadas de controle de efluentes carreados ao corpo hídrico lagunar. Requer, ao final, a reforma da sentença, para que sejam confirmados o auto de infração nº 659288-D e a apreensão efetivadas pelos agentes públicos.
Não assiste razão ao apelante.
O Auto de Infração Ambiental nº 659288-D, lavrado pelo IBAMA, na data de 16.01.2013, em desfavor do Condomínio Residencial e Comercial Porto da Lagoa Resort, ora apelado, d escreve o seguinte ilícito ambiental: ”Causar poluição na Bacia Hidrográfica da Lagoa da Conceição pelo lançamento de resíduos líquidos (esgoto doméstico), conforme dados constantes no Parecer Técnico n. 54/2012 do MPF/SC’. (vide Evento 1_PROCADM4, pág. 4 do PDF e Evento 8_PROCADM2, pág. 3 do PDF).
As infrações constatadas pela autarquia federal foram capituladas no art. 70 da Lei n. 9.605/98 e no art. 61, parágrafo único, do Decreto Federal 6.514/08, que dispõem, in verbis:
Lei 9.605/98
Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
Decreto Federal 6.514/08
Art. 61. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade: Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais).
Parágrafo único. As multas e demais penalidades de que trata o caput serão aplicadas após laudo técnico elaborado pelo órgão ambiental competente, identificando a dimensão do dano decorrente da infração e em conformidade com a gradação do impacto.
Em decorrência da poluição causada pelo apelado, o IBAMA aplicou multa diária no valor de R$ 5.500,00 (Evento 8 – PROCADM5, fls. 40/43), com fundamento no disposto no art. 72, inc. III, da Lei n. 9.605/98, e no art. 3º, inc. III, do Decreto Federal n. 6.514/08. Vejamos os dispositivos legais em comento:
Lei 9.605/98
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:
I – advertência;
II – multa simples;
III – multa diária;
Decreto Federal 6.514/08
Art. 3º. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções:
I – advertência;
II – multa simples;
III – multa diária;
A interpretação literal e sistemática dos dispositivos legais acima reproduzidos revela que o legislador exigiu laudo técnico produzido pelo órgão ambiental competente com o dimensionamento do dano para a caracterização do ilícito ambiental previsto no caput do art. 61 do Decreto Federal n. 6.514/08, qual seja, causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade.
Importante salientar que, conforme os dispositivos acima transcritos, estamos tratando de penalidades, ainda que administrativas. Nesse sentido, os tipos penais impõem limites à punição, fora dos quais não há como se aplicar as sanções.
No presente caso, a constatação da dimensão do dano exigida pelo § único do art. 61 do Decreto n. 6.514/08 se deu, conforme descrito no próprio auto de infração, com base em Parecer Técnico produzido pelo Ministério Público Federal:
- DESCRIÇÃO INFRAÇÃO
Causar poluição na Bacia Hidrográfica da Lagoa da Conceição pelo lançamento de resíduos líquidos (esgoto doméstico), conforme dados constantes no Parecer Técnico n. 54/2012 do MPF/SC. (Evento 8_PROCADM2, pág. 3 do PDF) (grifos acrescidos)
A primeira incongruência em relação às exigências contidas no tipo da infração administrativa está no fato do Laudo que embasou o auto de infração não haver sido produzido por um órgão ambiental, mas, como já referido, pelo Ministério Público, que não possui essa natureza jurídica.
Seria forçoso afirmar que o laudo elaborado pelo ICMBio, acostado no evento 8 – PROCAD3, fls. 40/43 do PDF, supriria o requisito legal, na medida em que o mesmo apenas traz o resultado das análises químicas, microbiológicas e toxicológicas das amostras colhidas no condomínio em questão, que subsidiaram o parecer técnico do MPF.
O laudo do ICMBio não traz qualquer consideração sobre a dimensão do dano, tampouco esclarece se o resultado das análises das amostras demonstra que houve poluição em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade, como exigido pelo tipo da infração administrativa.
Nesse ponto, imperioso transcrever o seguinte trecho da sentença recorrida, in verbis:
“[…]. Os laudos produzidos pelo ICMBIO (Documentos Técnicos n. 121 e 125/2012) apenas descreveram os dados coletados das amostras recolhidas do elemento hídrico próximo ao Condomínio e indicaram as normas utilizadas para o trabalho de coleta e que serviram de parâmetros, sem concluir de forma efetiva sobre os resultados obtidos com a coleta.
No Documento Técnico n. 121/2012 (Evento 8-PROCADM3, p. 41), por exemplo, no item 7 referente a ‘Resultados’, a Bióloga e o Analista Ambiental apenas anexaram tabela em que foram registradas as quantidades das substâncias consideradas nesse tipo de vistoria, sem indicar em quais delas se restou comprovada a ineficiência do tratamento de esgoto existente no Condomínio.
O mesmo ocorreu com o Documento Técnico n. 125/2012 (Evento 8-PROCADM3, p. 57-60) em que igualmente foram corrigidos alguns dados da coleta anunciada no documento técnico anterior. […].”(Evento 25- SENT1)
Assim, o auto de infração se baseou em laudo que não foi produzido pelo órgão ambiental competente como exigido pelo § único do art. 61 do Decreto Federal n. 6.514/08.
Ademais, ainda que a infração pudesse ser fundada em laudo do MPF, o próprio Parquet Federal, por seu Procurador da República no primeiro grau, entendeu que o Parecer Técnico n. 54/2012 do MPF/SC não era conclusivo a respeito dos níveis de poluição constatados poderem causar danos à saúde humana, ou provocar a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora.
Tanto que foi requerido o arquivamento do Procedimento Investigatório Criminal que objetivava apurar o crime do art. 54 da Lei n. 9.605/98, que possui idêntica redação à infração administrativa (sendo substituída apenas a palavra biodiversidade por flora).
Vejamos a redação do tipo penal:
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
O Procurador da República, Dr. Eduardo Barragana Serôa da Motta, no seu pedido de arquivamento (evento 8 – PROCADM3, fl. 68/70 e 73) referiu, in verbis:
O Parecer Técnico nº 054/2012, de 12.09.2012, elaborado pela ASSESSORIA PERICIAL DO MPF, concluiu que em ambos os casos, os efluentes de saída dos condomínios não cumprem os padrões de lançamento definidos nas normas vigentes (fls. 44/47 do PIC 3087).
Apesar da identificação de irregularidades nos lançamentos de esgoto, para que se caracterize o tipo penal previsto no art. 54 da Lei nº 9.605/98 é necessário verificar se o agente, em razão da sua conduta, causou poluição em “níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora”. (…)
No presente caso, não há nos autos elementos de prova suficientes que indiquem a ocorrência de poluição em “níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora”.
Dessa forma, não se pode caracterizar a materialidade delitiva do tipo penal descrito no art. 54 da Lei nº 9.605/98. (…)
Ante o exposto, e com fulcro na CF, arts. 5º, LIV e LV, e 129, I, e no CPP, arts. 386, III, e 395, III, c.c. art. 3º, promove o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL o ARQUIVAMENTO dos autos pela atipicidade dos fatos investigados.
O raciocínio no presente caso não pode ser diferente, considerando que o auto de infração ora questionado se funda no mesmo laudo mencionado no pedido de arquivamento, para infração administrativa por fato idêntico ao tipificado criminalmente, e já arquivado.
No que toca ao Relatório do Auto de Infração n. 659288-D, verifica-se que o IBAMA não diligenciou em comparar os dados colhidos nos Documentos Técnicos n. 121/2012 e 125/2012 produzidos pelos ICMBIO, vez que tão somente fez referência às conclusões trazidas no Parecer Técnico n. 054/2012 do MPF/SC, bem como transcreveu os artigos da Lei 9.605/98b e Decreto Federal 6.514/08, os quais fundamentaram a autuação do apelado. (vide Evento 8_PROCADM2, págs. 4 e 5 do PDF).
Em suma, verifica-se que o Auto de Infração n. 659288-D contém vício insanável, porquanto descreve infração ambiental de poluição com fundamento apenas no parecer técnico produzido pelo MPF, o qual (parecer) deveria, isso sim, servir de base para a confecção e/ou complementação do laudo técnico produzido pelo IBAMA, que deve observar as diretrizes e as formalidades intrínsecas dos procedimentos administrativos, bem como as suas próprias Instruções Normativas e o seu Regulamento Interno de Fiscalização, conforme bem destacado na sentença recorrida. Veja-se: “[…].
Segundo reza a Instrução Normativa n. 10 do IBAMA, publicada em 10-12- 2012, em seu art. 29, o auto de infração deverá ser acompanhado de relatório de fiscalização circunstanciado.
Além disso, prevê o Regulamento Interno da Fiscalização (RIF) do IBAMA, aprovado pela Portaria IBAMA n. 11, de 10-06-2009, que a manifestação técnica que embasará o auto de infração será emitida por analista ambiental, especialista ou agente ambiental do próprio órgão que autuou (art. 26, inciso III). No mesmo dispositivo, percebe-se uma série de obrigações a que está jungida a autoridade, a fim de se garantir a higidez do ato fiscalizatório:
Art. 26. As informações sobre os elementos probatórios que levaram à autuação deverão ser reunidas em relatório próprio, conforme normas vigentes para procedimento de apuração de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e, sempre que possível, reforçadas com parecer técnico que contenha ao menos os itens a seguir:
I – número do auto de infração e demais termos;
II – fotografias, preferencialmente coloridas e datadas;
III – manifestação técnica sobre o objeto da infração e danos verificados, emitida por Analista Ambiental ou Especialista de nível superior, com habilitação adequada, e, preferencialmente, por outro integrante da equipe que não o Agente Ambiental Federal autuante;
IV – coordenadas geográficas, no formato grau, minuto e segundo, Datum oficial do IBGE – SAD 1969 ou Sirgas 2000;
V – nos casos de infração em que o dano seja medido em unidade de área (km2, hectare, alqueire e outros), deverá ser confeccionado o polígono delimitando a área de abrangência do dano;
VI – em todos os demais casos deverá ser indicado o local da infração, definido por um par de coordenadas geográficas;
O art. 32 do mesmo regulamento ainda define o Parecer Técnico, como aquele ‘destinado a embasar tecnicamente a opinião do Agente Ambiental Federal para, em cumprimento ao seu Poder de Polícia, estabelecer o devido enquadramento legal e consequente lavratura de Auto de Infração e demais termos, bem como a contribuir para decisão da autoridade julgadora’.
Os dispositivos mencionados demonstram o cuidado com o procedimento fiscalizatório e a necessidade de que a autuação seja precedida por vistoria técnica, ainda mais se tratando da infração de poluição . […].” (Evento 25- SENT1)
Diante do vício insanável que macula de nulidade a autuação lavrada pelo IBAMA em desfavor do Condomínio Residencial e Comercial Porto da Lagoa Resort, e, consequentemente, a multa diária que lhe foi imposta, resta prejudicada a análise das demais alegações deduzidas pelo apelante.
Por derradeiro, não há qualquer óbice para que o IBAMA realize nova coleta de efluentes do condomínio em questão e produza laudo técnico próprio para demonstrar a dimensão de eventual poluição na Lagoa da Conceição decorrente da operação da estação de tratamento de efluentes do condomínio autor, bem como de eventual falta de licenciamento para a referida atividade (ilícito mencionado no processo, mas que não foi objeto da autuação).
Destarte, a manutenção da sentença nesse ponto específico é medida que se impõe.
A decisão impugnada está em consonância com a jurisprudência desta Corte:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO. IBAMA. MULTA. 1. Declarada a nulidade de parte o auto de infração para excluir da infração ambiental a venda de 25 toneladas de subproduto florestal de madeira nativa (cavaco), por ausência de previsão legal. 2. Aplicação da circunstância atenuante prevista nos artigos 14, inciso IV, da Lei n.º 9.605/1998 e 21, inciso IV, da Instrução Normativa IBAMA n.º 10/2012, com a redução da multa. 2. Manutenção da sentença, inclusive no tocante à verba honorária. Aplicação do artigo 20, §§ 3º e 4º do CPC. (TRF4, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5003290-39.2013.404.7014, 4ª TURMA, Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 25/08/2016)
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. FEPAM. DEP. NULIDADE DE AUTO DE INFRAÇÃO EMITIDO. HIPÓTESE DE BIS IN IDEM CONFIGURADA. 1. Hipótese em que se mantém a sentença que entendeu que ocorreu, no caso, dupla sanção pelo mesmo fato, tornando nula a multa fixada no segundo auto de infração, em razão de ter ocorrido o chamado “bis in idem”. 2. Não tendo o apelante trazido elementos passíveis de elidir as conclusões sentenciais, nada há a reparar na bem prolatada sentença, razão pela qual se nega provimento à apelação. (TRF4, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5003827-36.2011.404.7101, 4ª TURMA, Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 19/12/2016)
ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. MULTA ADMINISTRATIVA AMBIENTAL. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE. NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO. 1. Ausente a materialidade da infração administrativa prevista nos artigos 46 da Lei nº 9.605/98 e 32 do Decreto nº 3.179/99, impõe-se a declaração de nulidade do auto de infração lavrado pelo órgão ambiental. 2. Sentença mantida por seus próprios fundamentos. (TRF4, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5035196-22.2014.404.7108, 4ª TURMA, Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 17/08/2016)
Diante da existência de vício insanável no auto de infração e consequente multa diária, resta prejudicada a análise das demais alegações deduzidas pela autarquia federal.
No que tange ao recurso adesivo, é de ser acolhida em parte a irresignação do autor.
Conquanto desarrazoado adotar o conteúdo econômico da demanda – R$ 5.500.000,00 (cinco milhões e quinhentos mil reais) – como base de cálculo dos honorários advocatícios sucumbenciais, porque disso resultaria em montante não consentâneo com a natureza e complexidade da causa, o tempo de tramitação processual e o trabalho desenvolvido pelos procuradores que atuaram no feito, o valor arbitrado pelo juízo a quo – R$ 15.000,00 (quinze mil reais) – é igualmente inadequado.
Repare-se que o IBAMA impôs ao autor multa diária de R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais), com fundamento no disposto no art. 10 do Decreto Federal n.º 6.514/2008, e, entre a data da autuação e a do ajuizamento da ação (16/01/2013 a 07/10/2013) transcorreram aproximadamente 260 (duzentos e sessenta) dias, que, multiplicados por R$ 5.500,00, totalizariam R$ 1.430.000,00 (um milhão, quatrocentos e trinta mil reais).
Outrossim, a legislação processual (vigente ao tempo da prolação da sentença) impunha, para o arbitramento dos honorários sucumbenciais a serem suportados pela Fazenda Pública, a observância das diretrizes elencadas nas alíneas a, b e c do § 3º do art. 20 do CPC/1973.
Nessa perspectiva, e considerando tais referenciais, especialmente o trabalho executado pelos advogados, a verba honorária deve ser majorada para R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
Em face do disposto nas súmulas 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação IBAMA e dar parcial provimento ao recurso adesivo do autor.
É o voto.