EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA VARA AMBIENTAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE
AUTOR, qualificação completa, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, por seus procuradores, propor a presente
AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO C/C DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO
em face do INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA, pessoa jurídica de direito público, constituída sob a forma de entidade autárquica, pelos fatos e fundamentos que passa a aduzir.
1. SÍNTESE DOS FATOS
O Autor providenciou o reparo e manutenção de alguns elementos da construção já existente que estavam danificados, sem, contudo, implicar em nova construção ou reforma, seja pela ausência de modificação da natureza da construção existente, seja pela inexistência de acréscimo de área (ausência de alteração da volumetria da edificação).
Contudo, apesar de as alterações promovidas pelo Autor não caracterizarem qualquer infração ambiental, o IBAMA, lavrou contra o Autor, Auto de Infração Ambiental por suposta ocorrência de infração administrativa (dano ao meio ambiente), tipificada com base no art. 70 c/c art. 38 da Lei 9.605/98; art. 2º, incisos II e VII, c/c art. 43, Decreto 6.514/08, e aplicou multa ambiental de elevado valor.
Instaurado regular Processo Administrativo Ambiental, o Autor apresentou defesa prévia e acostou documentos, dentre eles minucioso Laudo Técnico, pugnando pelo cancelamento das autuações, nos seguintes fatos e argumentos:
§ a construção foi edificada com as licenças devidas à época corretamente concedidas, muito antes das legislações apontadas nas referidas autuações, sem que suas dimensões fossem alteradas em qualquer momento;
§ na residência foram realizados apenas pequenos reparos e manutenção, com o objetivo único de conservar a propriedade, não havendo aumento de área ou qualquer outro fator a justificar as autuações do IBAMA;
§ restou demonstrado, através de parecer pericial, que não houve alteração de qualquer curso d´água, mas apenas a necessária canalização do dreno de um açude instalado pelo antigo proprietário, em razão de erosões advindas do assoreamento do mesmo;
§ a instalação de grama não se deu sobre curso d´água, nem sobre suas margens, mas sim no local onde havia o açude artificialmente criado pelo antigo proprietário.
Após parecer jurídico da douta Procuradoria do IBAMA, sem enfrentar os argumentos apresentados pelo Autor e deixando de se manifestar acerca de questões imprescindíveis ao adequado julgamento da questão, foi proferida decisão administrativa, que manteve o Auto de Infração Ambiental e as penalidades impostas.
Não havendo, por parte do autor, o pagamento espontâneo da dívida e a apresentação de projeto de recuperação ambiental – PRAD, o Superintendente do Ibama exarou, despacho, solicitando fosse verificada a regularidade do processo administrativo para fins de inscrição do débito em dívida ativa, bem como o envio dos autos à Procuradoria especializada do ICMBio para as providências que fossem necessárias, ressalvando “quanto à penalidade administrativa de demolição, a conclusão da residência impede a auto-executoriedade da ordem de demolição, de forma que o órgão ambiental necessita provocar o judiciário para executá-la, pois não se trata de mera obra”.
Por conseguinte, questões relacionadas à reparação do dano e/ou à eventual e absurda pretensão de demolição não são objeto da presente ação, mesmo porque o Autor não se defendeu, no processo administrativo, da referida penalidade (o Auto de Infração Ambiental não aplicou a penalidade de “demolição de obra”).
Posteriormente, o Autor apresentou recurso administrativo, requerendo a reconsideração/reforma da decisão administrativa de primeira instância, com o consequente cancelamento/anulação do Auto de Infração Ambiental e Termo de Embargo o qual não foi conhecido pelo entendimento de que seria intempestivo.
A ilegal, irregular e equivocada autuação efetivada pelo Réu está acarretando inúmeros prejuízos ao Autor (inscrição no CADIN, investigação por crime ambiental, ajuizamento de execução fiscal para a cobrança da dívida, etc.), de modo que não lhe resta outro caminho senão socorrer-se do Poder Judiciário para que sejam desconstituídos o Auto de Infração Ambiental e o termo de embargo que o penalizam, seja pela manifesta ilegalidade/nulidade, seja pela inexistência de conduta censurável.
2. PREJUDICIAIS DE MÉRITO
2.1 NULIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA POR AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL E CIÊNCIA INEQUÍVOCA DO AUTOR
Interposto recurso administrativo pelo Autor, a autoridade administrativa deixou de conhecê-lo por entender precluso o direito recursal. Com a devida vênia, o entendimento esposado pela autoridade administrativa viola, sob todos os aspectos, o art. 26, § 3°, Lei 9.784/99, e o art. 126, Decreto 6.514/2008, que asseguram a ciência inequívoca do autuado sobre o resultado do julgamento pelo órgão ambiental.
Enquanto o primeiro preconiza que “a intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.”, o segundo estipula que “julgado o Auto de Infração Ambiental, o autuado será notificado por via postal com aviso de recebimento ou outro meio válido que assegure a certeza de sua ciência para pagar a multa no prazo de cinco dias, a partir do recebimento da notificação, ou para apresentar recurso”.
Por óbvio, o instrumento acostado ao processo administrativo, conferindo poderes à extração de fotocópias, na medida em que não confere poderes para receber intimações, notificações ou avisos em nome do outorgante, não tem o condão de substituir a necessária e imprescindível intimação pessoal do administrado (REsp 457.764/SP), sob pena de violação ao art. 126 do Decreto 6.514/2008, que exige a comprovação da ciência inequívoca da decisão administrativa.
Nesse contexto, decidiu o Colendo STJ: “Em homenagem ao devido processo legal, não vinga processo administrativo para aplicar sanções, sem o oferecimento de prazo e condições para o exercício de defesa” (Resp 447639/PR).
Ademais, a atitude do IBAMA também viola o art. 2°, § único, VIII e X, 3°, II, Lei 9.784/99. Nesse sentido, a jurisprudência do E. TRF da 1ª Região:
“ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. IBAMA. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA PELA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA DE 1º GRAU. DIREITO DE RECORRER. NULIDADE DA INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. (…) Se o Administrado não é intimado da decisão proferida pela autoridade administrativa de 1º grau que rejeitou sua defesa, vindo a ser notificado da existência de dívida em seu nome apenas 8 meses após a data do vencimento do prazo para pagamento da multa, revelam-se ilegais tanto a inscrição na Dívida Ativa do valor da multa referente a tal processo administrativo, quanto o lançamento do nome do Administrado em cadastros de inadimplentes. Precedente. 3. É dever da autoridade administrativa ambiental notificar o Administrado das decisões proferidas no processo administrativo, seja pessoalmente, seja por meio do patrono REGULARMENTE constituído no feito, indicando os motivos de sua decisão, assim como o prazo legal para interposição de recurso.”[1]
Consequentemente, face à ausência de intimação pessoal e ciência inequívoca do Autor acerca do julgamento administrativo de 1° grau, merece acolhimento a presente questão preliminar, para que seja anulado, desde logo, o processo administrativo do IBAMA, a partir da decisão (inclusive todos os atos posteriores, que acarretaram na inscrição indevida do Autor no CADIN), para que o recurso administrativo do Autor seja conhecido e julgado em todos os seus termos pela instância administrativa competente.
2.2. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA – SEGURANÇA JURÍDICA (ART. 2°, LEI 9.784/99)
O art. 1°, caput e §2°, Lei 9.873/99, estabelece que:
“Art. 1°. Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. (…)
§ 2º Quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.
Por sua vez, o art. 5°, da Lei 9.873/99, esclarece que: “O disposto nesta Lei não se aplica às infrações de natureza funcional e aos processos e procedimentos de natureza tributária.” Portanto, nada há que obste a aplicação do dispositivo à pretensão punitiva do IBAMA.
A aplicação do dispositivo legal supra invocado em relação às infrações ambientais foi disciplinado pelo art. 21, do Decreto 6.514/2008:
“Prescreve em cinco anos a ação da administração objetivando apurar a prática de infrações contra o meio ambiente, contada da prática do ato, ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que esta tiver cessado.
§ 1º Considera-se iniciada a ação de apuração de infração ambiental pela administração com a lavratura do Auto de Infração Ambiental. (…)
§ 3º Quando o fato objeto da infração também constituir crime, a prescrição de que trata o caput reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.”
No presente, o Auto de Infração Ambiental se refere ao ato de destruir floresta nativa considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, e por canalizar curso d’água e construir casa residencial, sob o argumento de que teria havido infração ao art. 38, da Lei 9.605/98.
Levando em consideração que o referido art. 38 descreve um crime, o prazo prescricional para a pretensão punitiva da Administração (apenas no caso de não se aplicar a regra de transição do art. 4°, Lei 9.873/99) estaria regulado pelo art. 1°, §2°, da Lei 9.873/99, e pelo art. 21, §3°, do Decreto 6.514/2008 – de modo que o prazo de prescrição seria de 8 anos a teor da combinação dos arts. 38, Lei 9.605/98, e 109, IV, CP.
Entretanto, em razão de a suposta infração (destruição de floresta) ter ocorrido “há mais de três anos”, o que leva a um prazo de prescrição mais exíguo, de 2 anos.
Cabe salientar, outrossim, que sequer há prova de que em qualquer momento tenha existido “floresta” no local. Ainda mais que a suposta “floresta” teria sido retirada. Isso restou, inclusive, reconhecido por uma das analistas ambientais do IBAMA que teve contato com o processo.
Se o próprio IBAMA reconhece que não é possível esclarecer a caracterização da área (se APP ou não), como o Auto de Infração Ambiental concluiu pela destruição, pelo autor, de ‘floresta’ considerada de preservação permanente?
Além disso, ainda que houvesse qualquer prova da existência de retirada de floresta nativa de preservação (o que não há!), seria necessário levar em consideração, para efeito de prescrição da pretensão punitiva, que eventual destruição de floresta, a toda evidência, apenas poderia ter ocorrido antes da construção da casa existente, conforme comprovam as licenças municipais, inclusive habite-se, assim a pretensão punitiva restou prescrita.
Assim, ainda que o IBAMA pretendesse agora emitir novo Auto de Infração Ambiental pela conduta do Autor visando puni-lo pela prática do crime previsto no art. 63 da Lei 9.605/98, também neste caso estaria prescrita a pretensão punitiva (CF. §2°, art. 1°, Lei 9.873/99, e §3°, art. 21, Decreto 6.514/2008).
Portanto, fato incontroverso: inexiste conduta do Autor passível de punição estatal em função da manifesta prescrição da pretensão punitiva da Administração Pública! A jurisprudência do C. STJ já pacificou o entendimento de que é qüinqüenal o prazo prescricional da pretensão punitiva estatal:
“(…) EXECUÇÃO FISCAL. MULTA ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. MATÉRIA APRECIADA SOB O RITO DO ART. 543-C, DO CPC. RESP N.º 1.112.577/SP. (…) Deveras, e ainda que assim não fosse, no afã de minudenciar a questão, a Lei Federal 9.873/99 que versa sobre o exercício da ação punitiva pela Administração Federal colocou um pá de cal sobre a questão assentando em seu art. 1º caput: ‘Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.’ (…) Outrossim, as prescrições administrativas em geral, quer das ações judiciais tipicamente administrativas, quer do processo administrativo, mercê do vetusto prazo do Decreto 20.910/32, obedecem à quinquenalidade, regra que não deve ser afastada in casu. 5. Entendimento sufragado pela PRIMEIRA SEÇÃO desta Corte Superior no julgamento do RESP 1.112.577/SP (…)”[2].
Assim, não há como deixar de ser reconhecida, data maxima venia, nos termos da legislação e fatos transcritos, a prescrição da pretensão punitiva por parte da Administração, razão pela qual há de ser cancelada autuação, multa e embargos imputados.
2.3. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA INTERCORRENTE
O §1°, do art. 1°, da Lei 9.873/99 estabelece a prescrição da pretensão punitiva intercorrente nos processos da Administração: “Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho (…)”. Em relação à apuração das infrações ambientais, o dispositivo foi regulado pelo § 2°, do art. 21, do Decreto 6.514/2008.
Compulsando os autos do processo administrativo, percebe-se que, desde a contradita – se é que referido ato pode ser considerado despacho, já que o Autor dele não foi intimado – até a decisão de 1° grau, o processo administrativo ficou pendente de julgamento ou despacho.
O que se observa nesse ínterim são meras comunicações internas (simples atos de natureza ordinatória), em caráter administrativo, que não podem ser considerados despachos para efeito da aplicação da lei.
O único ato oficial e relevante, ocorre quando o Analista Ambiental/IBAMA ofereceu informações, e tal ato não se trata de despacho, tampouco julgamento. E, ainda que fosse levado em conta, foi realizado após o limite de 3 (três) anos do oferecimento da contradita.
Ou seja, todas as comunicações internas apenas dão conta da necessidade de realização de um laudo para esclarecer a situação (sem que tenha sido providenciado), sendo mister o reconhecimento administrativo da pretensão punitiva intercorrente. Em caso análogo, a jurisprudência do E. TRF5 decidiu:
“(…) PROCESSO ADMINISTRATIVO MULTA DE NATUREZA ADMINISTRATIVA APLICADA PELO IBAMA. OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. LEI N.º 9.873/99, ARTIGO 1º, PARÁGRAFO PRIMEIRO. EXTINÇÃO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. (…) III. No caso dos autos constata-se a ocorrência da prescrição administrativa intercorrente, prevista no parágrafo 1º, do artigo 1º, da Lei n.º 9.873/99, tendo em vista que houve inércia da Administração na cobrança da multa administrativa, posto que desde outubro de 2000 foi detectada a necessidade de juntada da planta topográfica da área desmatada, havendo notícia que a solicitação para que fosse providenciada a referida juntada não havia sido atendida e, apenas em 15.12.2003, analista ambiental do IBAMA cientificou que a referida solicitação, efetivada via ofício 335/00, ainda não tinha sido atendida.”[3]
Portanto, ao presente caso incidem o §1° do art. 1°, da Lei 9.873/99, e o § 2º do art. 21, do Decreto 6.514/08, merecendo ser reconhecida a prescrição intercorrente, de modo que o processo administrativo há de ser arquivado, cancelando-se todos os efeitos do Auto de Infração Ambiental, do termo de embargo e da multa aplicada.
2.4. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE AO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL – SUBSISTÊNCIA, EM TESE, APENAS DO ART. 38, DA LEI 9.605/98
É pacífico que, após a vigência da Constituição Federal de 1988, em razão da estipulação dos arts. 5°, XXXIX, 37 e 150, a definição de infrações e a cominação de penalidades apenas pode ser realizada por lei em sentido formal (princípio da legalidade).
Desse modo, em relação à atuação do IBAMA, ainda que o Auto de Infração Ambiental contenha outras normas infraconstitucionais, apenas a fundamentação estritamente legal pode servir como base à caracterização de infração e aplicação de penalidade. Nesse sentido, farta a jurisprudência pátria:
“Em consequência, excluídos tais artigos da fundamentação da multa aplicada, resta ela fundada apenas em Portaria do IBAMA, contrariando a jurisprudência desta Corte, segundo a qual a definição de infrações e a cominação de penalidades, após a vigência da CF/88, somente podem decorrer de lei em sentido formal.”[4]
“ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. PENA DE MULTA COM BASE EM PORTARIAS DO IBAMA. (…) INVALIDADE. 1. Portaria não é ato normativo apropriado à fixação de multas por infração à legislação ambiental, por ofensa ao princípio da legalidade (…). 3. Nulidade do Auto de Infração Ambiental lavrado contra a apelante, que se decreta, com o consequente cancelamento da multa imposta e restituição da madeira apreendida.”[5]
Conforme destacado, a suposta conduta ilícita descrita pelo agente ambiental (‘destruir floresta nativa considerada de preservação permanente’) está fundamentada no art. 70 c/c art. 38, Lei 9.605/98; art. 2º, II e VII c/c art. 43, Decreto 6.514/08.
Analisando-se os dispositivos citados, infere-se que, diante do princípio da legalidade, apenas subsiste como dispositivo apto, em tese, a ensejar a punição estatal o art. 38, Lei 9.605/98. Vejamos as razões pelas quais os demais dispositivos não se aplicam ao caso em tela:
70, Lei 9.605/98 – somente conceitua infração administrativa ambiental, sendo evidente que tal dispositivo necessita de preceito secundário tipificador, sob pena de violação ao princípio da tipicidade – corolário do da legalidade;
3º, II e VII, Decreto 6.514/08 – não se trata de lei em sentido formal, sendo que referidos dispositivos apenas prevêem que as infrações administrativas podem ser punidas com as sanções de multa e embargo de obra;
43, Decreto 6.514/08 – dispõe sobre destruição ou danificação de floresta considerada de preservação permanente (o que já havia sido tipificado no art. 38, Lei 9.605/98) e estipula os valores mínimos e máximos para a aplicação da multa (R$ 5.000,00 – R$ 50 mil por hectare ou fração) – não se trata de lei, podendo apenas regulamentar, mas não impor penalidades;
3º, III, b, Resolução do CONAMA 303/02 – define como área de preservação permanente aquela situada ao redor de lagos e lagoas naturais, em faixa de metragem mínima de cem metros, exceto os corpos d´água com até vinte hectares, cuja faixa marginal será de cinqüenta metros – além de não se tratar de lei em sentido estrito, a aplicação do dispositivo é de plano descabida, pois não há, nem nunca houve, no imóvel da VTV, qualquer lago ou lagoa naturais (os açudes que existiam no imóvel foram criados pelo antigo proprietário);
Esclarecido que o único fundamento legal a sustentar, em tese, as supostas infrações é o art. 38 da Lei 9.605/98, passa-se a esclarecer a inaplicabilidade do dispositivo ao caso em tela.
2.5. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS – SEGURANÇA JURÍDICA (ART. 2°, LEI 9.784/99)
Conforme já demonstrado, no caso sequer há prova de que existiu “floresta” no local, ainda mais que a suposta “floresta” foi retirada. Além disso, é importantíssimo consignar que eventual destruição de floresta apenas poderia ter ocorrido antes da construção da casa.
Também importante destacar, que a realização da suposta canalização do curso d’água e colocação de grama não pode (por indução lógica) ter suprimido floresta, pois realizada no local em que se encontrava o açude artificialmente construído pelo antigo proprietário – ou seja, se eventualmente houve destruição de floresta, isso se deu anteriormente à abertura do açude.
Assim, infere-se que, não só o art. 38 da Lei 9.605/98, mas todos os dispositivos legais citados no Auto de Infração Ambiental entraram em vigor anos após a prática do ato supostamente lesivo ao meio ambiente, pelo que sua aplicação é, de plano, descabida.
Isto porque, no ordenamento jurídico pátrio, vige o princípio nullum crimen, nulla porna sine praevia lege, segundo o qual ninguém poderá ser condenado por fato que, à época, não era considerado contrário à lei. Isso por imperativo de segurança jurídica.
Assim, examinando a questão à luz do Princípio da Irretroatividade, claro está que a lei nova deve regular, tão-somente, os fatos ocorridos na sua vigência, seja porque a irretroatividade protege os administrados, seja porque as partes não podem estar permanentemente expostas à mudança de legislação.
In casu, no que diz respeito à construção no interior da Área de Preservação Ambiental – APA, esta se deu antes mesmo da delimitação da referida área como de proteção ambiental. Assim, ilegal a autuação com fundamento em legislação posterior.
Com efeito, tendo em vista que o Auto de Infração Ambiental está calcado em dispositivo legal (art. 38, Lei 9.605/98) que entrou em vigor posteriormente ao fato (destruição de floresta) tido como infração ambiental, há que se decretar a nulidade do Auto de Infração Ambiental e de todos os atos decorrentes.
2.6. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO ADMINISTRATIVA
A decisão administrativa de 1º grau, bem como o parecer jurídico que a embasa, não possuem a devida fundamentação, conforme exigem o art. 93, X, CF/88, os arts. 2º, 38 e 50 da Lei 9.784/99, assim como os princípios da motivação e fundamentação dos atos administrativos. Vejamos:
No caso em tablado não há qualquer comprovação da “destruição de floresta nativa de preservação permanente”, sendo certo que o IBAMA haveria, no mínimo, de comprovar a existência prévia da suposta “floresta”, sua caracterização como “nativa” e “de preservação permanente”, bem como, a sua “destruição” e a data da ocorrência da infração. Nenhum dos requisitos ora indicados, no entanto, restou comprovado!
Ademais, apesar de ter sido amplamente comprovado nos autos do processo administrativo que a construção da casa, muro e açudes ocorreram anteriormente e que, portanto, a suposta destruição de ‘floresta’ não haveria como ter sido realizada pelo Autor ou na vigência da Lei 9.605/98, o Superintendente do IBAMA manteve o Auto de Infração Ambiental e as penalidades administrativas, sem abordar questões suscitadas pelo Autor imprescindíveis ao adequado julgamento da lide administrativa, acarretando cerceamento de defesa.
De que adianta dar ao Autor oportunidade para se manifestar se o que ele alega não é levado em consideração! Trata-se de manifesta ausência de motivação e violação específica ao art. 38, § 1°, da Lei 9.784/99, que determina que os documentos e pareceres produzidos pelo Administrado, obrigatoriamente, devem ser levados em consideração “na motivação do relatório e da decisão” administrativa.
Por outro lado, em nenhum momento a aplicação da multa foi fundamentada ou sequer explicitado o embasamento para a fixação do exorbitante valor fixado! Eis porque a multa foi fixada indevidamente pelo agente fiscalizador, em violação aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, no patamar máximo previsto pelo art. 43 do Decreto 6.514/08 (que estipula multas entre R$ 5.000,00 e R$ 50 mil por hectare ou fração), sem qualquer demonstração das circunstâncias que o levaram a esse valor ou da aplicação dos incisos do art. 6° da Lei 9.605/98, que determina os critérios para a gradação da penalidade.
A decisão administrativa de 1° grau, quanto à aplicação da multa, ateve- se a afirmar que: “constata-se também qu.e o Auto de Infração Ambiental foi corretamente lavrado, estando a multa aplicada dentro dos parâmetros legais estabelecidos”. O parecer jurídico que serviu de base para a decisão administrativa, por sua vez, silenciou acerca da aplicação da multa! Portanto, conforme decidiu o E. TRF4, nulo o Auto de Infração Ambiental:
“MULTA. INFRAÇÃO AMBIENTAL. NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. A decisão administrativa que aplica a penalidade deve ser devidamente fundamentada, ou seja, a autoridade administrativa que aplica a multa deve elencar as circunstâncias que a levaram a graduar a sanção aplicada. Cumpre lembrar que os atos administrativos encontram-se limitados à observância do princípio da legalidade, pois o poder discricionário tem validade somente quando realizado de acordo com a lei, não se podendo confundir a discricionariedade com a arbitrariedade.”[6]
Por outro lado, a multa deve ser declarada ineficaz por não ter sido apreciada no ato decisório, a teor do §1° do art. 124 do Decreto 6.514/08: “nos termos do que dispõe o art. 101, as medidas administrativas que forem aplicadas no momento da autuação deverão ser apreciadas no ato decisório, sob pena de ineficácia”. Razão pela qual, ausente a fundamentação da decisão administrativa, merece a mesma ser cancelada (ou, na última das hipóteses, reduzida para seu patamar mínimo).
2.7. ILEGALIDADE NA APLICAÇÃO DA MULTA NO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL PELO AGENTE FISCALIZADOR
O próprio agente fiscalizador, ao lavrar o Auto de Infração Ambiental, determinou a penalidade administrativa a ser aplicada, violando os direitos do administrado, tais como o devido processo legal e o princípio da presunção de inocência. Conforme jurisprudência do E. TRF da 1ª Região:
“ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. (…) INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENALIDADE ADMINISTRATIVA PELO PRÓPRIO FISCAL AMBIENTAL NO MOMENTO DA AUTUAÇÃO: ILEGALIDADE. (…) a imposição de penalidade pelo dano já causado não encontra justificativa legal para dispensar a obediência ao devido processo legal e ao prévio contraditório do infrator. Assim sendo, é ilegal a imposição de multa pelo fiscalizador no momento da autuação, mesmo porque a individualização da pena constitui atribuição da autoridade administrativa julgadora ao final do processo administrativo. Inteligência dos arts. 70 e 71 da Lei 9.605/98.”[7]
Ilegal, portanto, a multa aplicada pelo agente fiscalizatório!
2.8. NULIDADES DO TERMO DE EMBARGO – AUSÊNCIA DE OBRA OU ATIVIDADE ILEGAIS
Além do Auto de Infração Ambiental, o agente fiscalizador do IBAMA exarou o Termo de Embargo, nos seguintes termos: “Fica embargada a área de APP, constatadas e devidamente identificadas no laudo do Analista.
Nota-se que o agente ambiental, ao invés de embargar uma obra ou atividade, acabou embargando uma área. Todavia, a teor do art. 72 da Lei 9.605/98: “As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º: (…) VII – embargo de obra ou atividade”.
A rigor, quando da lavratura do Auto de Infração Ambiental, não havia qualquer obra ou atividade potencialmente poluidora a ser embargada, isto porque a suposta destruição de ‘floresta’, caso tenha ocorrido (o que não se admite), foi realizada antes da compra, quanto os reparos realizados na casa existente e a suposta canalização de curso d’água foram realizados anos antes da lavratura do Auto de Infração Ambiental.
Assim, nada justifica referido embargo, razão pela qual o fiscal do IBAMA criou a figura do embargo de área, que, evidentemente, mostra-se totalmente ilegal e atípica, data venia.
Ademais, referido termo de embargo também não está fundamentado em dispositivo legal apto a justificar sua aplicação, sendo nulo de pleno direito, conforme precedentes do Colendo STJ:
“Inexistente embasamento normativo ao Termo de Embargos lançado, impossibilitando o exercício da defesa ao autuado, restam invalidados seus efeitos desde a sua lavra”[8].
Desse modo, inexistentes as condições fáticas exigidas pela lei para que se possa aplicar a penalidade de embargo de obra ou atividade, além da manifesta falta de embasamento legal, merece ser reconhecida a nulidade do Termo de Embargo.
3. MÉRITO
3.1. QUANTO À SUPOSTA DESTRUIÇÃO DE FLORESTA NATIVA EM RAZÃO DA PRETENSA CONSTRUÇÃO DA CASA E MURO – VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E IRRETROATIVIDADE DAS LEIS (ATIPICIDADE DA CONDUTA)
O Autor foi autuado por supostamente ter destruído floresta nativa, considerada de preservação permanente, ao canalizar curso d´água e construir uma casa residencial e muro. Tal autuação, data venia, é infundada e ilega.
No que toca à apontada conduta de construir casa, cumpre ressaltar, inicialmente, que a casa existente no terreno, foi construída, não pelo Autor, mas por antigo proprietário da área, há anos, com regular expedição de habite-se, conforme comprovam o Alvará de Licença e Habite-se expedidos pelo Município e a Escritura Pública, o que pode ser corroborado, ainda, por prova testemunhal e pericial.
A construção do muro se deu no mesmo período. Tal situação denota, quantum satis, a total regularidade da edificação da construção em questão, pois o “habite-se”, como é cediço, corresponde a um alvará de ocupação, concedido, neste caso, em caráter definitivo e vinculante[9].
Desde tal data, os proprietários da área (atualmente o autor) exercem o legítimo direito de uso e gozo da referida propriedade, amparados na existência de habite-se e alvará de licença (bem como no registro de ocupação), ambos expedidos em conformidade com a legislação à época vigente.
Tanto que as licenças são muito anteriores aos dispositivos legais apontados no Auto de Infração Ambiental, o que legitima, para todos os fins, o atendimento à legislação ambiental da época e ao princípio da função social da propriedade, nos exatos termos do art. 182, § 2.º, Constituição Federal.
Consequentemente, se havia alguma ‘floresta’ no local onde foi construída a casa (o que não foi comprovado em nenhum momento pelo IBAMA, não havendo no processo administrativo qualquer indício nesse sentido), esta foi suprimida muito antes da data em que tenta fazer crer o agente ambiental que lavrou o Auto de Infração Ambiental, não pelo Autor, mas pelos antigos proprietários da área.
Outrossim, na época da suposta retirada da ‘floresta’, as leis que o IBAMA alicerça o Auto de Infração Ambiental não existiam, pelo que inaplicáveis de plano – sob pena de violação aos princípios da legalidade e anterioridade da lei -, não havendo sequer comprovação da existência da referida ‘floresta’ há anos ou mesmo que, se existente, era esta de preservação permanente.
O que de fato o Autor realizou, e isso é facilmente provado, foi tão-somente os necessários reparos da casa residencial, não havendo reforma, inclusive porque os reparos não representaram qualquer acréscimo de área construída.
Sabe-se, por outro lado, que construir residência em terras de marinha não é, nem nunca constituirá, infração ambiental de qualquer espécie, principalmente quando comprovado que a ocupação da área conta com regular certidão de transferência de ocupação e expedição de habite-se.
Dessa forma, inequívoco, data venia, no que toca às aludidas acessões, que não há conduta a ser reputada ilícita, visto que, muito antes da edição dos dispositivos legais que fundamentam o Auto de Infração Ambiental impugnado, bem como da criação da Área de Proteção Ambiental, a casa residencial e respectivo muro já existiam, não obstante a posterior aquisição do imóvel pelo Autor, cujas acessões e benfeitorias permanecem inalteradas em suas dimensões.
Evidente, pois, o equívoco em que incidiu o agente fiscalizador do IBAMA ao considerar que a prefalada residência comprovadamente construídos há anos, teriam ocasionado a destruição de floresta nativa considerada de preservação permanente, pois não só antecedentes ao indigitado Auto de Infração Ambiental, bem como aos respectivos dispositivos legais invocados como fundamento da infração.
Destaque-se, de outra banda, que todos os dispositivos legais citados no Auto de Infração Ambiental entraram em vigor anos após a prática do ato supostamente lesivo ao meio ambiente (construção da casa e muro), pelo que sua aplicação é, de plano, descabida.
Isto porque, no ordenamento jurídico brasileiro, vige o princípio nullum crimen, nulla porna sine praevia lege, segundo o qual ninguém poderá ser condenado por fato que, à época, não era considerado, nem mesmo em tese, contrário à lei. É o exato caso dos autos!
Com efeito, a instituição da garantia de segurança das relações jurídicas decorre do princípio de irretroatividade das leis que estrutura o sistema jurídico vigente, a partir do pressuposto de que as leis são feitas para vigorar e incidir para o futuro. Ora, uma vez posta em vigor, as novas normas devem ter aplicação imediata, incidindo sobre os fatos e efeitos produzidos a partir daí.
Obviamente, as leis novas não podem retroagir, como as leis revogadas não podem repristinar, sob pena de violação do princípio da irretroatividade da lei e a proteção constitucional do direito adquirido, instrumentos de segurança jurídica utilizados para a estabilidade das relações que se desenvolvem na sociedade.
Portanto, considerando-se que o suposto fato lesivo deu-se há anos, e que os dispositivos legais tipificadores posteriores, não há que se cogitar sua aplicação em face do Autor. E se tal fato é inconteste no que respeita à suposta prática de crime ambiental, conforme restou decidido nos autos do Processo Criminal, forçoso concluir que se aplica à indigitada infração administrativa, a qual vem plasmada em dispositivos legais promulgados/editados anos depois de finalizada a construção. À vista desta realidade, resta claro não haver ilicitude na conduta do Autor, pelo que, evidencia-se a ilegalidade da indigitada autuação e, por conseguinte, do débito exigido.
Em suma, conforme bem ressaltou o Ministério Público Federal nos autos do Inquérito Policial, manifestamente não houve a caracterização do crime do art. 38, da Lei 9.605/98, muito menos a sua autoria.
À vista desta realidade, resta claro não haver ilicitude na conduta do Autor, pelo que, evidencia-se a ilegalidade da indigitada autuação e, por conseguinte, do débito exigido e da providência de demolição das edificações, porque evidente que se não houve crime ambiental, também não houve infração ambiental administrativa.
3.2. QUANTO À SUPOSTA DESTRUIÇÃO DE FLORESTA NATIVA EM RAZÃO DA PRETENSA CANALIZAÇÃO DE CURSO D´ÁGUA – ATIPICIDADE DA CONDUTA E VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Outra conduta imputada como ilícita diz respeito à suposta canalização de curso d´água. Nesse sentido, o Auto de Infração Ambiental se refere à pretensa destruição de floresta nativa “ao canalizar curso d´água”.
No tocante a esta conduta, há de se esclarecer, inicialmente, que não houve qualquer ‘destruição de floresta’ quando o Autor instalou tubulação para organizar as águas que corriam desordenadamente no terreno. Isto porque no local onde foi realizada a tubulação não havia ‘floresta’, sequer em formação.
E nem poderia, pois grande parte da tubulação foi instalada no exato local onde havia um açude artificial aberto pelo antigo proprietário. Portanto, por indução lógica, se havia no local um açude assoreado, não poderia haver ‘floresta’.
Além disso, o IBAMA errou, data venia, ao classificar a conduta do Autor como ‘canalizar curso d’água’. Explica-se: não havia curso d’água onde foi colocada a tubulação – o curso d’água existente (que continua intocado) desaguava no açude artificial (instalação feita pelo antigo proprietário), sendo que apenas no trecho onde existia o açude assoreado foi realizada a canalização (ora, se a tubulação foi realizada no local onde havia o açude, não houve canalização de curso d’água, mas mero ordenamento das águas que desembocavam no açude!).
Não havendo curso d’água no trecho onde instalada a tubulação, não pode ser imputado ao Autor a conduta de ter gramado às ‘margens do curso d’água’ – já que o gramado, repita-se, foi colocado sobre o local onde estava o açude assoreado após a canalização das águas desordenadas.
Tudo isto restou demonstrado e comprovado nos autos do processo administrativo, em especial por meio de Parecer Pericial. Ressalte-se: a canalização não se deu em relação ao curso d´água, que permanece intocado, mas sim em virtude de erosões havidas no local em razão de um açude muito antigo aberto pelo antigo proprietário.
Diante desta realidade, evidenciou-se a necessidade premente de ordenamento daquilo que se tornou a indesejável consequência da criação de um açude artificial no local, há anos antes da autuação.
Houve sim, ante a necessidade urgente de definição de um curso fixo para a drenagem, a implantação de tubulação, devidamente dimensionada, que faz a captação num ponto a montante, transpassando, em sub-superfície, a extensão da área antes ocupada pelo açude, descabendo cogitar-se de ilícito ambiental.
Por outro lado, restou claro que o curso d´água existente no local não foi alterado, havendo apenas, em razão de erosões advindas de um vetusto açude implantado no local pelo antigo proprietário, a canalização em relação à vala de drenagem pluvial existente.
Ademais, os dispositivos fundamentadores do Auto de Infração Ambiental e o Laudo Técnico do IBAMA, forçam o argumento de que tal curso d´água, pelas características do terreno, supostamente compunha um sistema de alagados (lago e manguezal), o que tornaria a canalização da vala de drenagem pluvial existente danos ambientais em área de preservação permanente.
Ocorre que, como plenamente demonstrado por meio do Parecer Técnico apresentado pelo Autor, não há qualquer subsídio que possa justificar tais afirmações, devido a seguintes constatações:
§ O ambiente marinho da área apresenta alto potencial energético, característica que inviabiliza a formação de manguezais, impedindo a deposição de sedimento siltoso e/ou argiloso, condicionantes à colonização de espécies vegetais típicas destes ambientes; tampouco há aporte continental de sedimento que forneça material desta granulometria, (…). Além disso, à margem direita da desembocadura observa-se uma pequena acumulação de blocos rochosos, que limita o avanço da foz nesta direção, o que também impediria a existência de mangue;
§ Quanto a conjecturar sobre a existência de lagoa natural, nada contribui para esta perspectiva: se realmente houvesse este corpo hídrico, não haveria razão para o antigo proprietário implantar um açude; e
§ Ainda que a área tenha sido antropizada, o volume de água da drenagem deve ser a mesma que se observava em um momento anterior à ocupação da área. Tal perspectiva sugere que a porção da desembocadura deva apresentar as mesmas características de outrora, vez que os fatores que determinam sua configuração permanecem inalterados e que nenhuma obra civil tenha sido executada nestes domínios. Destarte, o que se observa atualmente é um pequeno curso, que possivelmente drena uma área restrita. Portanto, também neste ponto nada indica que pudesse haver um sistema hídrico interior, como propõe o Laudo Técnico que deu sustentação à Autuação ora questionada.”
Incogitável, deste modo, aventar supressão de mata nativa ou canalização de curso d´água em área supostamente de preservação permanente por estar situada ao redor de lagos e lagoas naturais. Ora, se antes havia um açude artificial, é evidente, consequentemente, a impossibilidade de haver vegetação nativa no mesmo local.
Em suma, o verdadeiro curso d´água permanece inalterado e intocado (como evidenciou a prova técnica, a qual pode ser corroborada através de prova pericial). Por tais razões, comprovada a ilegalidade da autuação e embargo impostos, merece, também por este aspecto, ser julgada totalmente procedente a presente ação, com a consequente anulação do Auto de Infração Ambiental e Termo de Embargo.
3.3. ILEGITIMIDADE DO AUTOR, AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL (ATOS DO ANTIGO PROPRIETÁRIO) e AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AMBIENTAL
Incontroverso, no presente caso, que a construção da casa, muro e açude, únicos atos capazes de ensejar a suposta destruição de ‘floresta’ de preservação permanente, foi efetivada pelos antigos proprietários da área, sendo certo que o Autor não pode ser alvo (por ilegitimidade de parte) de Auto de Infração Ambiental por condutas levadas a cabo pelos antigos proprietários/possuidores da área, falecendo legitimidade para figurar como agente no Auto de Infração Ambiental lavrado pelo Réu.
Sendo assim, ao autor não pode ser imputada responsabilidade por ato de terceiro, anterior à aquisição do terreno, o que deve acarretar no reconhecimento da ausência de nexo de causalidade entre a sua conduta e as supostas infrações. A jurisprudência é clara ao reconhecer que o adquirente não pode responder por atos do antigo proprietário em matéria ambiental:
“DANO AO MEIO AMBIENTE – AQUISIÇÃO DE TERRA DESMATADA – REFLORESTAMENTO – RESPONSABILIDADE – AUSÊNCIA – NEXO CAUSAL – DEMONSTRAÇÃO. Não se pode impor a obrigação de reparar dano ambiental, através de restauração de cobertura arbórea, a particular que adquiriu a terra já desmatada. (…) Embora independa de culpa, a responsabilidade do poluidor por danos ambientais necessita da demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.”[10]
Além disso, sem prejuízo das situações acima expostas, que fulminam por completo a pretensão punitiva do ente estatal, é certo que, em casos como o presente, a comprovação inequívoca do dano ambiental é o pressuposto de um processo administrativo regular e válido. Conforme ensina Toshio Mukai:
“Mesmo no âmbito processual administrativo, não se pode permitir o afrouxe das rédeas da segurança jurídica. É retrocesso impensável e repugnante, a imposição de qualquer sanção, sem a irrefutável certeza do delito. A realidade é uma só, insiste-se: vislumbrar aplicação de sanção, antes mesmo da comprovação do ato lesivo, é no mínimo um desacato aos mais nobres e basilares princípios de Direito e Justiça. É mascarar um tribunal de exceção, sob a forma de uma pseudo ampla defesa, vindo a forçar um desgaste sensatamente contornável: a busca pela tutela do Judiciário (…).”[11]
No presente caso, todavia, não há qualquer comprovação da “destruição de floresta nativa de preservação permanente”. O IBAMA haveria, no mínimo, de comprovar a existência prévia da suposta “floresta”, sua caracterização como “nativa” e “de preservação permanente”, bem como, sua “destruição” e data da ocorrência do suposto ato ilícito. Nenhum dos requisitos ora indicados, entretanto, restou comprovado!
Uma das analistas ambientais do IBAMA que teve contato com o processo, inclusive, afirmou textualmente: “não é possível atualmente esclarecer as dúvidas existentes, principalmente no que se refere à existência ou não de APP”.
Ora, se a própria analista ambiental do Ibama reconhece que não é possível esclarecer a configuração ambiental da área (se APP ou não), como poderia o Auto de Infração Ambiental definir destruição de “floresta” considerada de preservação permanente? Em casos como o presente, em que o IBAMA não comprova a existência e/ou supressão de APP, impõe-se a anulação do Auto de Infração Ambiental. É da jurisprudência: “(…) Deve ser anulado Auto de Infração Ambiental do IBAMA que se baseou em desmatamento não comprovado.”[12]
Não se pode perder de vista, outrossim, a inexistência de dano ambiental perpetrado pelo autor, pelo contrário, este vem envidando esforços para preservar a beleza cênica do local, conforme consignado pelo laudo técnico acostado ao processo administrativo:
“(…) o Laudo Técnico ora apresentado demonstra que as obras executadas na área pelo autuado não levaram à descaracterização do patrimônio ambiental, conforme postula o órgão ambiental, tampouco transgrediu a legislação que trata das condicionantes de uso da Área de Preservação Ambiental – APA. O cenário atual é resultado de intervenções anteriores à aquisição da área. Desde que adquiriu a propriedade, todas as alterações promovidas objetivaram recuperar a qualidade ambiental da área, naquilo que mostrou-se possível.”
A retirada da canalização, inclusive, causará mais prejuízos ao meio ambiente que a sua manutenção, pois ensejará a desorganização das águas que correm sobre o terreno e a consequente erosão de grande parte do mesmo, inclusive, vindo a comprometer a segurança da edificação existente e podendo ocasionar, daí sim, dano ambiental de grande monta.
3.4. QUANTO À FIXAÇÃO DA MULTA – ILEGALIDADE POR VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE, RAZOABILIDADE E INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA
Acaso o Auto de Infração Ambiental não seja anulado (o que não se espera, diante de tantas e tamanhas irregularidades), merece a multa aplicada ser reduzida e adequada ao caso concreto.
Isso porque, a multa foi aplicada diretamente pela fiscalização no Auto de Infração Ambiental, no patamar máximo previsto no art. 43, do Decreto 6.514/08, que estabelecia: destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção – Multa de R$ 5.000,00 (mil e quinhentos reais) a R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), por hectare ou fração.
Apesar de não fundamentada a aplicação da multa, a mesma não se mostra proporcional às circunstâncias do caso concreto. Como bem ressaltado por Hely Lopes Meirelles:
“a proporcionalidade entre a restrição imposta pela Administração e o benefício social que se tem em vista, sim, constitui requisito específico para validade do ato de polícia, como também a correspondência entre a infração cometida e a sanção aplicada”[13]. Assim, nos casos como o ora tratado, como bem leciona Vladimir Passos de Freitas: “Entre a falta cometida pelo infrator e a sanção imposta pelo Estado, deve haver uma relação de proporcionalidade, observando-se a gravidade da lesão, suas consequências, o dolo com que tenha agido o autor e as demais peculiaridades do caso. Não tem sentido, assim, para um fato de reduzida significância, impor uma reprimenda de extrema severidade que, por vezes, poderá ter um efeito altamente nocivo. (…) Na verdade, a desproporcionalidade do ato administrativo importa em verdadeiro abuso de poder. Consequentemente, é ele passível de ser anulado pelo Poder Judiciário.”[14]
A aplicação da multa aplicada pelo IBAMA, além de absurdamente desproporcional, violou o princípio da individualização da pena, prevista no art. 5°, XLVI, da CF/88, e, além disso, ignorou o art. 6° da Lei 9.605/98, que estabelece os critérios para a valoração da penalidade (entre eles: gravidade do fato, motivos e consequências; antecedentes ambientais, etc.).
Dentre outras relevantes situações fáticas e jurídicas, o IBAMA desconsiderou:
- a manifesta ilegalidade da autuação e, por conseguinte, do débito exigido, com relação às edificações;
- que a conduta do autor limitou-se à canalização do dreno do açude existente e pequenos reparos na casa já existente;
- que o Autor foi motivado por necessidade premente de resolver situação emergencial que ameaçava a segurança e estabilidade de toda a propriedade, inclusive com consequências ambientais;
- que as consequências de suas condutas não resultaram em maiores prejuízos ao meio ambiente;
- Autor não possui antecedente de infração na área ambiental, etc.
Todos esses fatores, certamente, se considerados, implicariam na redução do patamar máximo da multa, fixado ao bel-prazer do agente fiscalizador, data venia!
Quanto à ausência de lesividade ao meio ambiente pelas atitudes do Autor, o Laudo Pericial acostado ao processo administrativo esclarece: “no caso em tela, é patente a inépcia das obras implantadas, na reiteração de danos ambientais, visto que a área já havia sido há muito descaracterizada ”.
Por outro lado, a multa necessariamente deve ser anulada, ou, alternativamente, reduzida ao patamar mínimo por ausência de fundamentação, conforme decidiu o E. TRF4: “é reconhecida a nulidade da atividade de dosimetria em razão da ausência de motivação (…). Logo, não resta ao Judiciário outra alternativa que não reduzir a multa ao mínimo legal”.
Desse modo, na improvável circunstância de ser reconhecida a existência de infração ao art. 38 da Lei 9.605/98, merece a multa ser reduzida para o patamar mínimo fixado pelo art. 43 do Decreto 6.514/08, em quantia não superior à R$ 5.000,00.
4. NECESSÁRIA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS PARCIAIS DA TUTELA
Ao longo da presente explanação, restou demonstrada a ilegalidade/nulidade do Auto de Infração Ambiental lavrado pelo IBAMA em face do Autor e a inexigibilidade da multa imposta, pelo que demonstrado o fumus boni iuris e a verossimilhança das alegações do Autor.
Impende destacar que, em virtude do malfadado procedimento administrativo que resultou na ilegal e arbitrária imposição de multa em face do Autor, o crédito supostamente devido foi inscrito em dívida ativa, com a consequente inscrição do nome do Autor no cadastro de mau pagadores – CADIN/BACEN.
Não fosse suficiente, o IBAMA ajuizou a execução fiscal para cobrança da multa ambiental, o que poderá ensejar a constrição ilegal dos bens do Autor, pois já proferido despacho determinando a citação e garantia do juízo.