Modelo de ação para buscar a nulidade de ato administrativo que aplicou multa ambiental pela supressão de árvores, ante a inexistência da infração descrita no auto de infração e os critérios desarrazoados e desproporcionais adotados para o cálculo da multa imposta.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA…
AUTOR, pessoa jurídica de direito privado, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com fundamento no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, bem como nos arts. 319 da Lei 13.105/2015 (Código de Processo Civil – CPC) e demais dispositivos legais e regulamentares aplicáveis, ajuizar AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA contra a SECRETARIA MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE, pessoa jurídica de Direito Público, pelos motivos de fato e de Direito a seguir aduzidos:
1. SUMÁRIO DOS FATOS E A TUTELA ANTECIPADA PLEITEADA
Esta demanda visa à anulação do Auto de Infração Ambiental – AIA e respectivo Auto de Multa Ambiental, lavrados pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente.
Por meio do referido ato administrativo, a SECRETARIA MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE, adotando critérios no mínimo inusitados, impôs à Autora por suposta supressão de exemplares arbóreos (árvores).
Ao ser surpreendida com a autuação e multa imposta pela SECRETARIA MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE, a Autora tempestivamente apresentou defesa e recurso administrativo, deduzindo argumentos de fato e de direito que demonstram cabalmente a nulidade da autuação lavrada pela SECRETARIA MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE.
Conforme restará demonstrado ao longo desta petição inicial, a obra objeto da autuação foi realizada em absoluta conformidade com a legislação ambiental, a pedido do Estado e da própria Municipalidade, com o objetivo de equacionar o tráfego local e garantir maior segurança aos usuários da rodovia e aos moradores do entorno. Mas tanto a defesa quanto o recurso administrativo foram rejeitados pela Municipalidade.
Exaurida a instância administrativa e afastada a possibilidade de haver alguma composição com a Prefeitura, que não abre mão do valor da multa e de uma compensação ambiental em igual montante, a Autora tem agora justo receio de que a Municipalidade inscreva o valor expressivo da multa na Dívida Ativa e venha a ajuizar execução fiscal visando à sua cobrança.
A inscrição do nome da Autora no Cadastro Informativo dos Créditos Não Quitados – CADIN e o ajuizamento do executivo fiscal por certo causarão sério embaraço à sua participação em procedimentos licitatórios.
É nesse contexto que a Autora roga a Vossa Excelência lhe seja concedida tutela antecipada para o efeito de suspender, até o julgamento final desta demanda, a exigibilidade da multa imposta pela SECRETARIA MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE, assim como da exigência de reparar danos ambientais, que absolutamente não foram causados com a conotação de ilegalidade que a Municipalidade se lhes atribui.
2. OS FATOS QUE ENSEJARAM O AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL
Justamente com o objetivo de proporcionar maior segurança e conforto aos seus usuários, desde o início da concessão, a obra de maior vulto em execução pela Autora foi precisamente a construção das vias marginais da rodovia, tendo obtido, para tanto, todas as licenças e autorizações ambientais necessárias perante os respectivos órgãos competentes. As intervenções na rodovia constituíram obras de utilidade pública e de interesse social.
Ou seja, a construção das vias marginais da Rodovia está, enfim, inserida em um projeto maior idealizado pela própria Prefeitura, que além de tantos outros objetivos pretendeu reorganizar a ocupação daquele trecho da Rodovia, realocando parcela significativa da população que habitava precariamente o seu entorno.
Não obstante a Autora possuir todas as autorizações necessárias para executar os trabalhos de melhoria da rodovia em questão, a SECRETARIA MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE vistoriou o local e entendeu equivocadamente que alguns exemplares arbóreos teriam sido suprimidos sem prévia autorização.
Foi assim com surpresa que a autora recebeu o auto de infração ambiental que impôs multa ambiental à empresa em razão da supressão supostamente irregular de exemplares arbóreos em meio a “vegetação significativa”.
Dessa forma, com base no Auto de Inspeção e no Relatório Técnico, o auto de infração ambiental apontou suposta violação ao art. 70, § 1º, da Lei 9.605/98; ao art. 72, inciso I, do Decreto 6.514/08, impondo multa ambiental em exorbitante valor e à obrigação de reparar dano ambiental a que teria pretensamente dado causa.
A autora apresentou defesa administrativa perante a SECRETARIA MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE, objetivando a declaração de nulidade do auto de infração, tendo em vista (i) a inexistência da infração ambiental descrita no auto de infração; (ii) as práticas ambientalmente corretas adotadas; e (iii) os critérios desarrazoados e desproporcionais adotados para o cálculo da multa imposta.
Em que pese a autora ter demonstrado em sua defesa as razões que impõem a nulidade do auto de infração ambiental, a coordenadora e assistente jurídica do órgão ambiental, respectivamente, manifestaram-se pelo indeferimento da defesa administrativa e pela manutenção da penalidade de multa ambiental.
Irresignada contra a decisão que negou provimento à sua defesa administrativa, a autora interpôs recurso administrativo contra a decisão que julgou e homologou o auto de infração ambiental.
Contudo, ignorando por completo as explicações dadas, a Assessoria Jurídica da SECRETARIA MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE opinou pela manutenção dos autos de infração ambiental e do respectivo Auto de Multa Ambiental.
Esse parecer foi acatado pelo Secretário Municipal do Meio Ambiente, que manteve integralmente a sanção imposta e deu por encerrada a instância administrativa.
Assim, não restou outra alternativa à autora senão o ajuizamento da presente demanda, com o intuito de anular o Auto de Infração Ambiental e reestabelecer o Direito e a Justiça.
3. ANULAÇÃO DE AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL POR INCOMPETÊNCIA PARA AUTUAR
O licenciamento ambiental das obras de implantação da via marginal na Rodovia sempre esteve a cargo da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e as autorizações para intervenção na vegetação local foram outorgadas.
Significa dizer que a fiscalização dessas atividades caberia somente a essas agências ambientais, ou seja, aos órgãos estaduais integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, nos precisos termos do art. 10, caput e parágrafo terceiro, da Lei 6.938 de 31.8.1981[1].
Desse modo, no exercício da competência que lhes foi outorgada pela Lei 6.938/81, bem como pelas Leis Estaduais 118 e 997, os órgãos ambientais emitiram as licenças ambientais e as autorizações necessárias às obras de implementação das vias marginais na rodovia.
A Resolução 237 de 19.12.1997, editada pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA[2], é bastante precisa ao atribuir aos órgãos ambientais municipais, como é o caso da SECRETARIA MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE, competência tão só para proceder ao licenciamento ambiental dos empreendimentos e atividades de impacto local, e para o desempenho de tarefas específicas que lhe forem delegadas pelo Estado por instrumento legal ou convênio[3].
É fato que a autora requereu e obteve da Municipalidade parecer favorável à supressão dos exemplares arbóreos, objeto da autuação que ora se discute. No entanto, não cabe à Prefeitura em absoluto licenciar e fiscalizar as obras de construção das marginais da Rodovia, de impacto sobre vários municípios, já no âmbito da competência dos órgãos estaduais.
Acrescente-se, ainda, que em 8.12.2011 sobreveio a Lei Complementar 140, que finalmente regulamentou o art. 23 da Constituição Federal e estabeleceu regras para o exercício da competência administrativa comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para a proteção do meio ambiente.
O art. 17 da Lei Complementar 140/2011, que entrou em vigor em 9.12.2011 e tem aplicabilidade imediata, corrobora o entendimento já consagrado pela Lei 6.938/81 de que apenas o órgão ambiental licenciador tem competência para lavrar auto de infração contra o responsável pela atividade licenciada[4], notadamente quando a suposta infração for justamente a falta de licença.
Conclui-se, portanto, que competia aos órgãos ambientais estaduais licenciar, autorizar, fiscalizar e, se fosse o caso, lavrar auto de infração relativo às obras realizadas pelo órgão na Rodovia. Sendo assim, concessa venia, não cabia à SECRETARIA MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE se substituir aos órgãos estaduais e impor à autora a autuação objeto desta demanda.
Nesse contexto, tendo sido lavrado por autoridade incompetente e, por conseguinte, em violação ao princípio da legalidade, impõe-se desde logo a anulação do Auto de Infração Ambiental… e do respectivo Auto de Multa…..
4. CRITÉRIOS ARBITRÁRIOS E DESARRAZOADOS ADOTADOS PELOS AGENTES AMBIENTAIS NA FIXAÇÃO DO VALOR DA MULTA
É sabido que a conduta da Administração Pública deve ser pautada pelo princípio da legalidade estrita. Ou seja, ao contrário dos particulares, que podem fazer tudo o que não seja expressamente proibido em Lei, a Administração Pública somente pode fazer aquilo que lhe for expressamente permitido pela legislação.
Para chegar ao desarrazoado valor da multa objeto do auto de infração ambiental, os agentes de controle ambiental da SECRETARIA MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE adotaram, para dizer o mínimo, um critério bastante controvertido:
Considerando que houve a supressão de exemplares arbóreos, de acordo com a Autorização emitida. Ocorre que o critério adotado pelos agentes de controle ambiental para a fixação da multa carece de previsão legal.
Com efeito, o artigo no qual se baseia o auto de infração ambiental (art. 72, inciso I, do Decreto 6.514/08) não autoriza a SECRETARIA MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE a calcular multa a partir da atribuição de um preço para cada exemplar arbóreo supostamente afetado.
Quando o legislador quis atribuir valor específico ao bem lesado, o fez expressamente. É o que ocorre, por exemplo, nos arts. 43, 44 e 45 do Decreto 6.514/08[5].
Os valores apontados no art. 72, inciso I, do Decreto 6.514/08 devem ser utilizados como guia para o arbitramento de multa de acordo com a gravidade da infração ambiental cometida, devendo o valor mínimo ser arbitrado para as infrações mais leves e o valor máximo para as infrações mais graves.
Subseção IV – Das Infrações Contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural
Art. 72. Destruir, inutilizar ou deteriorar:
I – bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial; ou
II – arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial:
Multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).
Nada autoriza o Agente fiscal a utilizar o valor mínimo da multa para cada exemplar arbóreo suprimido. Isto simplesmente significa transformar uma autuação em dezenas de autuações! Além disso, a aplicação de multa ambiental em valor exorbitante tem nítido propósito arrecadatório, gerando efeitos de verdadeiro confisco, em evidente violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
4.1. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
O princípio da razoabilidade consiste na obrigação da Administração Pública de, ao exercer o poder discricionário, obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso comum, de forma a atender às finalidades que legitimam a outorga da competência exercida.
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, no que diz respeito ao princípio da razoabilidade no âmbito do direito administrativo, pondera que:
Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida.
Vale dizer: pretende-se colocar claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas – e, portanto, jurisdicionalmente invalidáveis-, as condutas desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivessem atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição manejada. (in “Curso de Direito Administrativo”, 14ª ed., São Paulo: Malheiros, p. 91)
DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, por outro lado, destaca a importância da proporcionalidade na aferição da razoabilidade dos atos administrativos:
A razoabilidade, agindo como um limite à discrição na avaliação dos motivos, exige que sejam eles adequáveis, compatíveis e proporcionais, de modo a que o ato atenda a sua finalidade pública específica; agindo também como um limite à discrição na escolha do objeto, exige que ele se conforme fielmente à finalidade e contribua eficientemente para que ela seja atingida. (in “Legitimidade e discricionariedade”, Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 37)
Confira-se a lição de LUIZ ALBERTO DAVI ARAÚJO e VIDAL SERRANO JÚNIOR, citando LUÍS ROBERTO BARROSO:
Um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em um conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva.
É razoável o que seja conforme à razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar.” (in “Curso de Direito Constitucional”, São Paulo: Ed. Saraiva, 1998, p. 49 – sem ênfase no original)
Vê-se, portanto, que os critérios adotados pelos agentes de controle ambiental da SECRETARIA MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE carecem de embasamento legal e violam o princípio da legalidade, sendo totalmente desproporcionais à suposta infração ambiental cometida. Por mais essas razões impõe-se a anulação da autuação lavrada pela SECRETARIA MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE ou, ao menos, a redução do valor da multa para valores mais consentâneos e razoáveis.
5. NECESSIDADE DE CONCESSÃO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPADA EM CARÁTER ANTECEDENTE
O art. 300 do Código de Processo Civil dispõe que será concedida tutela de urgência quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, conforme, inclusive, decidido pelo Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo:
Ab initio, importante registrar que o instrumento de antecipação dos efeitos da tutela, enquanto espécie das chamadas tutelas de urgência, prestigia a eficiência da prestação jurisdicional (art. 5º, LXXVIII, da CF/88) e deve se dar em um juízo de cognição sumária, superficial, da matéria posta sub judice, como forma de conferir à parte litigante um meio, ainda que provisório, de satisfação do seu interesse, evitando o verdadeiro esvaziamento da eficácia de eventual tutela definitiva em razão do decurso do tempo.
Para tanto, o art. 300, do CPC/2015, predispõe a observância de certos requisitos, sem os quais não se faz possível a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, em caráter antecedente ou incidente, a saber:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.