EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO
IMPETRANTES, advogados, regularmente inscritos na, respeitosamente vêm a presença de Vossa Excelência, com fundamento no art. 5º, LXVII da Constituição Federal e art. 647 e seguintes do Código de Processo Penal, impetrar pedido de HABEAS CORPUS, em razão deste sofrer constrangimento por ato ilegal e abusivo da autoridade coatora, o Douto Juízo da 23ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba, Seção Judiciária do Paraná, nos autos, como se demonstrará:
1. DA SÍNTESE DA IMPETRAÇÃO
Cuida-se de remédio constitucional impetrado em desafio à r. decisão proferida pelo Preclaro Juízo da Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba, no âmbito dos autos de ação penal, por meio da qual o julgador singular indeferiu o pleito de rejeição parcial da denúncia criminal formulado pela defesa do Paciente
Na origem, a defesa técnica do ora Paciente pugnou pela rejeição parcial da prefacial ofertada pelo Ministério Público Federal em virtude de evidente excesso na descrição fática dos comportamentos imputados.
Como restou ali indicado, partindo-se dos exatos termos postos na peça acusatória, não seria possível a acusação por dois fatos criminosos distintos, mas apenas de um comportamento criminoso, haja vista que uma das ações narradas seria meio para o cometimento da outra – ou se muito o seu exaurimento –, configurando- se a hipótese de consunção (ou de post factum impunível) e não de concurso formal de crimes, como apontado pelo Parquet.
Ao apreciar o pedido defensivo, no entanto, o Juízo de origem entendeu pela impossibilidade, naquele momento, de rejeição da preambular, porquanto, no seu inteligir, a análise da aplicabilidade do denominado princípio da consunção somente teria espaço em sede de sentença.
Antes disso, somente seria possível entendimento diverso se a capitulação jurídica apontada na denúncia, acaso equivocada, fosse determinante na definição da competência jurisdicional ou prejudicasse o réu em relação ao procedimento a ser adotado. E na sua compreensão, não seria essa a hipótese dos autos.
No entanto, como será demonstrado, a insurgência defensiva não está ancorada na capitulação jurídica do delito em si, mas na própria descrição fática constante na exordial.
Da forma como veio aos autos, a denúncia parece indicar que um dos fatos criminosos – danificar área de preservação ambiental mediante queimada – foi perpetrado com o fim de impedir a regeneração natural de mata nativa, até mesmo porque a finalidade da ação seria, em tese, a preparação do terreno para manejo agrícola.
É nesses termos, pois, que se impetra o presente writ.
2. DO CONSTRANGIMENTO ILEGAL
Da consunção. Crime que foi meio para a prática de outro. Queimada dirigida a impedir a regeneração de mata nativa. Terra destinada à agricultura. Post factum impunível. Denúncia excessiva. Rejeição que se impõe.
De início, como apontado, impende destacar que a presente impetração não se dirige à capitulação jurídica dada ao fato, mas ao fato em si, porquanto a descrição fática posta na exordial permite indicar que um dos crimes narrados foi, em verdade, meio para a consecução do outro, o que demandaria sua absorção.
E isso decorre da própria narrativa da peça acusatória, não demandando maiores incursões probatórias ou fáticas. Um simples olhar na petição inicial (que já poderia ser vista como inepta, diga-se) é suficiente para comprovar as alegações ventiladas neste writ.
E, no mais, é imperativo pontuar que a questão aqui tratada não pode ser vista como mero formalismo ou preciosismo da defesa, pelo que poderia a matéria ser enfrentada em sede de sentença, como quer o Juízo de piso.
A questão vai muito além. É certo, na hipótese sub examine, que o único impeditivo ao oferecimento de eventuais benefícios penais ao Paciente reside na má formulação da peça acusatória.
É ela o único motivo para o prosseguimento de um custoso e oneroso processo penal que já poderia ter sido submetido às medidas despenalizadoras, como a suspensão condicional do processo ou outros institutos processuais mais benéficos e tão ou mais eficientes.
3.1. O constrangimento ilegal é patente.
Como se depreende dos autos, ao ofertar denúncia criminal em face do Paciente, o Ministério Público Federal imputou a prática de dois comportamentos típicos, indicando que os fatos narrados, em tese, se amoldariam à norma dos arts. 40 (fato primeiro) e 48 (fato segundo) da Lei de Crimes Ambientais (9.605/98).
No entanto, diante de análise perfunctória da peça acusatória, sobretudo a partir da narrativa lançada pelo seu subscritor, nota-se que foram imputados dois comportamentos delitivos quando, em verdade, um deles se trata de meio de execução do outro, devendo se aplicar à espécie a regra da consunção.
Na narrativa do primeiro fato, diz o Parquet que a ação supostamente patrocinada pelo ora Paciente, consistente em causar dano direto à Unidade de Conservação Ambiental por meio de queimadas, teria se constituído em crime fim das condutas descritas nos arts. 38- A, 39, 41 e 51 da Lei de Crimes Ambientais e, nesse aspecto, a pretensão acusatória reconhece a incidência da regra de absorção nesse ponto.
Disse a denúncia:
Pelo conteúdo acostado no Inquérito Policial, especialmente os processos administrativos relativos aos Autos de Infração Ambiental lavrados em face dos denunciados, infere-se a incidência dos tipos penais previstos no art. 38-A (destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica), art. 39 (cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente), art. 41 (provocar incêndio em mata ou floresta) e art. 51 (comercializar motosserra ou utilizá-la em florestas e nas demais formas de vegetação, sem licença ou registro da autoridade competente), todos da Lei 9.605/98.
Ocorre que todos os fatos típicos acima transcritos constituíram meio necessário de execução de tipo penal de maior amplitude, devendo-se aplicar o critério da absorção (ou consunção) ao presente conflito aparente de normas.
Adiante, porém, narrando a mesma prática de queimada que teria dado origem ao dano ambiental à, o ilustre Procurador da República imputou um comportamento específico, indicando que desta ação teria se dado igualmente o impedimento da regeneração natural do bioma mata atlântica existente na região afetada. Nesse fato, em especial, entendeu o subscritor da denúncia que o caso trata de concurso formal de crimes, não de conflito aparente de normas.
3.2. A conclusão, entretanto, não merece prosperar.
Num primeiro plano, impende destacar que a narrativa indica que tanto o dano ambiental na APA (art. 40) quanto o impedimento da regeneração da mata atlântica (art. 48) são originados no uso do fogo, assim como podem derivar do uso de motosserras, roçadeiras e do corte de árvores. Ou seja, a ação originária do comportamento, em tese, praticado, é a mesma: a queimada.
Partindo-se de tal premissa, não se pode, na espécie, considerar que houve o concurso formal de crimes. Malgrado se possa compreender pela presença de mais de um resultado naturalístico, decorrentes, em tese, da mesma ação do agente, não se tem como dissociar – ao menos na forma como descrito na denúncia – que o resultado efetivamente buscado era o impedimento da regeneração natural da vegetação, até mesmo porque o objetivo dos agentes seria o uso da área para o manejo agrícola.
À vista disso, o dano ambiental mediante o uso do fogo foi o meio encontrado pelo sujeito da ação para que impedisse a regeneração da floresta e da vegetação.
Isso, aliás, se confirma pelo fato de que não se tem como impedir a regeneração da vegetação sem antes danificar a APA, justamente porque a fazenda está contida nos limites dessa região de preservação.
Nesse ponto, a propósito, convém destacar o Laudo Pericial que dá subsídio à acusação. Ali, de maneira expressa, o perito deixa claro que a área da fazenda em que foi constatada a ação está inserida na: (…).
Assim, impossível impedir a regeneração da mata nativa sem antes danificar-se a área de preservação ambiental. Um crime, portanto, inexoravelmente será o meio para o tipo de maior amplitude.
Se muito, poder-se-ia falar que o impedimento de regeneração da vegetação é mero exaurimento da primeira ação, qual seja, a queimada que danificou a…, mas incabível, na hipótese, se falar em pluralidade de crimes.
Sobre a questão, assim, já se manifestou a jurisprudência:
PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME AMBIENTAL. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. ARTS. 48 E 64 DA LEI N. 9.605/98. CONSUNÇÃO. ABSORVIDO O CRIME MEIO DE DESTRUIR ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E O PÓS- FATO IMPUNÍVEL DE IMPEDIR SUA REGENERAÇÃO. CRIME ÚNICO DE CONSTRUIR EM LOCAL NÃO EDIFICÁVEL. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
Ocorre o conflito aparente de normas quando há a incidência de mais de uma norma repressiva numa única conduta delituosa, sendo que tais normas possuem entre si relação de hierarquia ou dependência, de forma que somente uma é aplicável.
O crime de destruir área de preservação permanente dá-se como meio necessário da realização do único intento de construir edificação em solo não edificável, sendo o crime-meio de destruição de vegetação absorvido pelo crime-fim de edificação proibida.
Recurso especial improvido. (RESP – RECURSO ESPECIAL – 1376670 2013.01.19375-3, ROGERIO SCHIETTI CRUZ, STJ – SEXTA TURMA, DJE DATA:11/05/2017)
PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME AMBIENTAL. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. ARTS. 48 E 64 DA LEI N. 9.605/98. CONSUNÇÃO. ABSORVIDO O CRIME MEIO DE DESTRUIR FLORESTA E O PÓS-FATO IMPUNÍVEL DE IMPEDIR SUA REGENERAÇÃO. CRIME ÚNICO DE CONSTRUIR EM LOCAL NÃO EDIFICÁVEL. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
Ocorre o conflito aparente de normas quando há a incidência de mais de uma norma repressiva numa única conduta delituosa, sendo que tais normas possuem entre si relação de hierarquia ou dependência, de forma que somente uma é aplicável.
O crime de destruir floresta nativa e vegetação protetora de mangues dá-se como meio necessário da realização do único intento de construir casa ou outra edificação em solo não edificável, em razão do que incide a absorção do crime-meio de destruição de vegetação pelo crime-fim de edificação proibida.
Dá-se tipo penal único de incidência final (art. 64 da Lei 9.605/98), já em tese crime uno, diferenciando-se do concurso formal, onde o crime em tese é duplo, mas ocasionalmente praticado por ação e desígnio únicos.
Recurso especial improvido. (RESP – RECURSO ESPECIAL – 1639723 2014.02.07650-5, NEFI CORDEIRO, STJ – SEXTA TURMA, DJE DATA:16/02/2017)
Deve-se, assim, reconhecer a incidência do princípio da consunção em relação a um dos crimes imputados na preambular, sendo certo que o art. 48 da Lei de Crimes Ambientais, na hipótese do processo, absorveu o art. 40 do mesmo diploma legal, visto que este foi o meio para se alcançar aquele.
Mas não só. Ainda que não se constitua no objeto central da impetração originária, é preciso pontuar que a forma como a peça acusatória veio escrita e posta no caderno processual já seria suficiente para rejeitá-la por completo, visto que, no mínimo, se apresenta como inepta.
Aliás, cabe aqui ressaltar que a técnica da sua redação é bastante complexa e caminha muito mais para confundir quem dela toma conhecimento do que, de fato, informar com clareza e precisão quais são as acusações formuladas.
A peça apresenta inúmeros elementos estranhos à técnica acusatória no corpo da denúncia – como depoimentos e citações doutrinárias –, o que a torna severamente prejudicial ao pleno exercício da defesa.
Nessa questão, a propósito, destaca-se trecho das declarações do Desembargador Federal João Pedro Gebran Neto, por ocasião do julgamento de outro habeas corpus conexo, então registrado em notas taquigráficas:
“Confesso que fico bastante impactado com a denúncia. Com a devida vênia do Ministério Público, em alguns casos, e este é um deles, a denúncia é extremamente… Para não usar outro termo, vou dizer complicada, pois até para identificar o que o Ministério Público imputa ao réu é difícil.
Para falar bem francamente, porque transcreve relatório de fiscalização, transcreve depoimento. Imputação propriamente dita é bastante, tem que fazer um esforço hermenêutico aqui para interpretar exatamente o ponto que se apanha. São dois fatos imputados: um do art. 40, outro do art. 48 da Lei 9.605”.
Diante do exposto – e por se tratar de matéria de ordem pública, relativa ao devido processo legal –, é de rigor o trancamento parcial da ação penal a fim de reconhecer a incidência do denominado princípio da consunção, mantendo-se a acusação em relação a apenas um dos delitos imputados, qual seja, o art. 48 da Lei 9.605/98.