Modelo de Recurso de Apelação Criminal. Crime Ambiental. Unidade de Conservação. Advogado. Escritório de Advocacia. Crimes Ambientais.
EXCELENTÍSSIMOS SENHORES DESEMBARGADORES FEDERAIS DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO
APELANTE…, já qualificados nos autos da Ação Penal em tramitação perante o r. Juízo da Vara Federal de…, que lhe move o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, vem à presença de Vossa Excelência, por seus procuradores, apresentar RAZÕES DE APELAÇÃO na forma do art. 600, §4º do Código de Processo Penal, pugnando pela reformar da sentença vergastada e consequente absolvição do apelante nos seguintes termos.
1. SÍNTESE DA AÇÃO PENAL
O representante do parquet ajuizou a Ação Penal sede do presente recurso, imputando ao apelante os fatos tipificados nos arts. 40 e 48 da Lei n. 9.605/98, em concurso material.
Art. 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localização:
Pena – reclusão, de um a cinco anos.
Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação:
Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Art. 69 – Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.
Narrou que o apelante construiu uma edícula de alvenaria causando danos diretos à Unidade de Conservação. Ademais, informou que apesar de parte da edificação ter sido demolida pelo ICMBio, o recorrente mantém construções, aterro e camada de brita sobre área de preservação permanente, de modo a impedir dolosamente a regeneração da vegetação.
Com efeito, consta do inquérito policial, o laudo pericial realizado por peritos criminais pela Polícia Federal a área se encontra alterada há bastante tempo e não foram identificados vestígios de poluição no local.
Mesmo após a alegação de evidente cerceamento do direito de defesa do apelante, diante da ausência de resposta satisfatória a quesitos a serem respondidos pelo expert do Juízo, foi proferida sentença penal condenatória pelos crimes previstos no art. 40 e 48 da Lei n. 9.605/98, a qual merece ser reformada pelos seguintes fundamentos.
2. DA SENTENÇA VERGASTADA
A sentença condenatória alicerçou-se em bases frágeis para impingir ao apelante a condenação por fatos que não podem ser considerados como típicos. Com efeito, o magistrado concluiu pela existência de dano mesmo que os servidores do ICMBio, técnicos com larga experiência no assunto, não tenha conseguido individualizar os danos causados pelo apelante.
Ademais, o magistrado afirmou que o apelante tinha ciência que a área estava embargada, aduzindo que o réu sabia da existência de ação civil pública. Contudo, tal afirmação não encontra amparo na prova dos autos. Tanto é que nos autos da citada ACP, o relator do recurso de apelação, excluiu expressamente dos efeitos da sentença os terceiros que não fizeram parte do processo.
Por outro lado, o magistrado desconsiderou a existência de ampla antropização da área desde a implantação da rodovia adjacente ao imóvel, que transformou de modo irreversível o local dos fatos.
Nesse contexto, afirmou que a construção controvertida não existia antes da criação da Unidade de Conservação, desconsiderando por completo que as intervenções antrópicas no local dos fatos remontam há década.
3. DA AÇÃO PENAL
Antes de adentrar ao mérito do recurso, insta sublinhar que o apelante já respondeu uma Ação Penal por realização de construções no terreno de sua legítima propriedade, onde restou inocentado de todas as acusações por ausência de provas e por não constituir o fato infração penal.
Assim, a alegação de que o apelante agiu com dolo de causar dano à Unidade de Conservação adjacente não encontra respaldo, pois agiu, em verdade, com amparo em sentença penal absolutória anterior, que julgou que não houve dano por reforma e construções em terreno já antropizado desde antes da criação da Unidade de Conservação.
Nesse Contexto, foi com muita surpresa que o apelante recebeu a intimação acerca da presente Ação penal pouco mais de 8 meses da conclusão do processo anterior, considerando que havia sido absolvido por fato praticamente idêntico, pois apenas reformou e unificou estruturas existentes anteriormente, sob terreno anteriormente antropizado e sem qualquer vegetação.
4. DA REFORMA DE CONSTRUÇÃO PRECÁRIA. ÁREA ANTROPIZADA. AUSÊNCIA DE SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO DE RESTINGA ESTABILIZADORA DE MANGUE
Trata-se de construção sobre terreno fortemente compactado e aterrado por obra de terceiros, quando sequer havia legislação penal especial que proscrevesse a conduta.
Evidente que não existia qualquer vegetação no imóvel impugnado desde antes de ter fixado residência no local dos fatos, de modo que o recorrente não poderia estar impedindo a recuperação de vegetação inexistente.
A ocupação do apelante inclusive foi reconhecida como limite fático pelo próprio gerente da Unidade de Conservação, quando logrou conseguir parecer favorável à reforma do imóvel.
Dessa forma, colhe-se que o imóvel de propriedade do apelante nunca apresentou atributos ambientais relevantes de modo a ser catalogado como uma Unidade de Conservação, pois integra núcleo urbano consolidado que conta com residências, comércio, prestadores de serviços e até uma igreja, todos localizados às margens de rodovia estadual com intensa movimentação de veículos diuturnamente.
5. PRELIMINARMENTE
5.1. DO CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE RESPOSTA A QUESITOS FORMULADOS PELO APELANTE. INCONSISTÊNCIAS CARTOGRÁFICAS NO DECRETO DE CRIAÇÃO DA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO. DÚVIDA SOBRE A INSERÇÃO DO IMÓVEL NO INTERIOR DA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO
Colhe-se dos autos que o suplicante apresentou os quesitos que deveriam ser respondidos pelo expert do Juízo. Com efeito, o perito não respondeu o que lhe foi solicitado, o que demandou a intervenção do apelante na manifestação. Então, o perito judicial apresentou complementação ao laudo pericial afirmando não haver razões para o atendimento aos quesitos.
Assim, salvo melhor juízo, o expert do Juízo não atendeu ao que havia sido requerido, fiando-se exclusivamente em parecer técnico elaborado por quem possui nítido interesse no processo. Ademais, vale frisar que o perito do juízo afirmou que o vértice estaria projetado exatamente em frente ao local dos fatos.
Nesse contexto, deve-se destacar que no decreto que definiu a área de afetação da Unidade de Conservação, não há qualquer menção às coordenadas georreferenciadas UTM mencionadas pelo perito. O decreto é absolutamente impreciso e vago, havendo enorme margem de dúvida sobre a real localização da Unidade de Conservação.
Tal dúvida demanda esclarecimentos mais aprofundados a serem respondidos pelo expert do Juízo ou por quem tenha habilitação para tanto, sob pena de evidente cerceamento do direito de defesa.
6. DO MÉRITO.
6.1. DO NÚCLEO DO TIPO PENAL DO ART. 40 DA LEI 9.605/98. CAUSAR DANO. DESTRUIR.
A sentença condenou o apelante como incurso no art. 40 da Lei 9.605/98, a qual prevê o seguinte tipo penal:
Art. 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localização: Pena – reclusão, de um a cinco anos.
Trata-se de tipo penal extremamente genérico, de sorte que a doutrina tratou de explicar a conduta descrita. Segundo Édis Milaré e Paulo José da Costa Júnior, a conduta de causar dano à Unidade de Conservação consiste em deteriorar, inutilizar, destruir[1].
Com efeito, ao longo de toda a instrução probatória, não restou comprovado que o apelante tenha deteriorado, inutilizado ou destruído vegetação primária, ou sequer secundária. Como acima exposto, não havia qualquer vegetação no local dos fatos há muitos anos, como amplamente demonstrado em Juízo.
A imagem acostada ao inquérito policial induziu o magistrado a erro, ao afirmar que foi suprimida quando ouve apenas poda das espécies. Finalmente, quando à árvore suprimida, houve concordância do então Chefe da Unidade de Conservação. De outro giro, é válido sublinhar que o local da edificação não está em contato direto com a área de restinga fixadora de mangue, ou transição para floresta ombrófila densa.
Além disso, o expert do Juízo sequer encontrou indícios de corte de vegetação no local dos fatos, sendo certo que os exemplares mencionados pelo MPF eram exóticos, plantados pelo próprio recorrente, a saber palmeiras areca-bambu e fênix, ainda preservados.
Por outro lado, perguntado se apenas com a remoção da edificação em questão o suposto dano ambiental estaria sanado, o perito do Juízo foi taxativo ao dizer que seria necessário a remoção integral do aterro bem como as casas vizinhas para a melhoria da qualidade do meio ambiente.
Assim, é certo que o autor não praticou o núcleo do tipo penal a ele imputado, pois não causou dano à Unidade de Conservação, na acepção de destruir, inutilizar ou destruir, de sorte que deve ser absolvido da acusação.
6.2. DO NÚCLEO DO TIPO ART. 48 DA LEI 605/98.
Igualmente, a sentença condenou o apelante pela prática da conduta descrita no art. 40 da Lei 9.605/98, a qual prevê o seguinte tipo penal.
Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação: Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Inobstante, o apelante não praticou o núcleo do tipo penal mencionado, eis que não impediu ou dificultou a regeneração natural de qualquer vegetação por suas ações. Com efeito, não poderia ter impedido a regeneração de vegetação inexistente, eis que quando foi residir na localidade havia apenas um grande descampado com restos de rejeitos de construção civil.
Como acima mencionado, eventual dano ao meio ambiente foi anterior mesmo à criação da Unidade de Conservação, quando da implantação da rodovia, de sorte que o impedimento à regeneração se dá como mero resultado da deposição de aterro que é notoriamente atribuído à empresa responsável pela obra há década.
Como bem salientou o expert do Juízo, apenas a retirada da edificação não teria o condão de permitir a regeneração natural da vegetação, pois é o aterro o motivo do impedimento à regeneração da obra.
Há que se ressaltar ainda, que o antigo proprietário da gleba afirmou categoricamente que não havia mangue no local, de sorte que mesmo sem o aterro, não poderia haver a regeneração da vegetação que não existia. Portanto, resta evidente que o recorrente não praticou o núcleo do tipo impedir de modo que a sentença deve ser reformada e o apelante absolvido.
6.3. DA AUSÊNCIA DE DA RESPONSABILIDADE PENAL SUBJETIVA.
Ao longo da instrução probatória não restou comprovado o dolo do recorrente, ou seja, a intenção qualificada do denunciado em causar dano ao meio ambiente, especialmente a Unidade de Conservação.
Como é sabido, o dolo criminal em sentido amplo é a vontade livre e consciente do agente em produzir e causar o resultado lesivo, o qual depende de prova robusta que ateste esta intenção.
Portanto, ainda que se cogite da materialidade do delito e autoria do fato, estas circunstâncias não resultariam, necessariamente, no cometimento de um crime, que é definido como um fato típico e ilícito.
Em verdade, as alterações realizadas no terreno são insignificantes, parte delas classificada unicamente como aterro em local já utilizado pelo recorrente há muitos anos.
Assim, não há que se falar em vontade deliberada de causar dano ao meio ambiente, pois sequer existia vegetação nativa no local. Nesse contexto, o Código Penal, art. 18, inciso I, dispõe que o crime é doloso “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”.
Acerca do dolo, ensina Julio Fabbrini Mirabete[2]:
Ao se examinar a conduta, verifica-se que, segundo a teoria finalista, é ela um comportamento voluntário (não reflexo) e que o conteúdo da vontade é o seu fim. Nessa concepção, a vontade é o componente subjetivo da conduta, faz parte dela e dela é inseparável. Se A mata B, não se pode dizer de imediato que praticou um fato típico (homicídio), embora o simples fato de causar o resultado (morte) não basta para preencher o tipo penal objetivo. É indispensável que se indague do conteúdo da vontade do autor do fato, ou seja, o fim que estava contido na ação, já que a ação não pode ser compreendida sem que se considere a vontade do agente. Toda ação consciente é dirigida pela consciência do que se quer e pela decisão de querer realizá-la, ou seja, pela vontade. A vontade é querer alguma coisa e o dolo é a vontade dirigida à realização do tipo penal. Assim, pode-se definir o dolo como a consciência e a vontade na realização da conduta típica, ou a vontade da ação orientada para a realização do tipo.
São elementos do dolo, portando, a consciência (conhecimento do fato – que constitui a ação típica) e a vontade (elemento volitivo de realizar esse fato).
O dolo abrange não só o objetivo que o agente pretende alcançar, mas também os meios empregados e as consequências secundárias de sua atuação. Há duas fases distintas na conduta: uma interna e outra externa. A interna opera-se no pensamento do autor (e se não passar disso é penalmente indiferente), e consiste em: propor-se a um fim (matar um inimigo, por exemplo); selecionar os meios para realizar essa finalidade (escolhe um explosivo, por exemplo); e considerar os efeitos concomitantes que se unem ao fim pretendido (a destruição de casa do inimigo e de outra pessoa, a demolição da casa, o perigo para os transeuntes etc.).
A segunda fase consiste em exteriorizar a conduta, numa atividade em que se utilizam os meios selecionados conforme a normal e usual capacidade humana de previsão. Caso o sujeito pratique a conduta nessas condições, age com dolo e a ele se podem atribuir o fato e suas consequências diretas (morte do inimigo e de outras pessoas, a demolição da casa, o perigo para os transeuntes etc.).
Acrescente-se que não há que se falar em responsabilidade penal objetiva, segundo a qual o agente responderá pelo resultado, mesmo que tenha agido sem dolo ou culpa, visto que, se assim fosse, estar-se-ia contrariando a doutrina do Direito Penal fundado na responsabilidade pessoal e na culpabilidade, abraçada pelo ordenamento jurídico penal pátrio.
Nesse sentido, para que seja caracterizada a conduta típica, é necessário que o agente a produza dolosamente, ou seja, com a intenção de produzir o resultado descrito no tipo penal. Vale ressaltar ainda que a exteriorização da conduta para produzir o resultado deve levar em consideração a normal e usual capacidade humana de previsão.
Assim, percebe-se de plano a ausência de dolo em causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação, por realização de mera construção onde já existiam outras edificações há décadas. O magistério de Cezar Roberto Bitencourt[3] é cristalino:
Dolo é a consciência e a vontade de realização da conduta descrita em um tipo penal, ou, na expressão de Welzel, “dolo, em sentido técnico penal, é somente a vontade de ação orientada à realização do tipo de um delito”7 . O dolo, puramente natural, constitui o elemento central do injusto pessoal da ação, representado pela vontade consciente de ação dirigida imediatamente contra o mandamento normativo. Embora a Reforma Penal de 1984 tenha afastado a intensidade do dolo da condição de circunstância judicial de medição da pena, não se pode negar, contudo, que uma ação praticada com dolo intenso será muito mais desvaliosa que outra realizada com dolo normal ou de menor intensidade, como, p. ex., com dolo eventual, a despeito de o legislador ter equiparado as duas espécies de dolo (direto e eventual). Com feito, pela definição do nosso Código Penal, o crime é considerado doloso “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”(art. 18, I). Essa previsão legal equipara dolo direto e dolo eventual, o que não impede, contudo, que o aplicador da lei considere sua distinção ao fazer a dosimetria da pena. O dolo, enfim, elemento essencial da ação final, compõe o tipo subjetivo. Pela sua definição, constata-se que o dolo é constituído por dois elementos: um cognitivo, que é o conhecimento ou consciência do fato constitutivo da ação típica; e um volitivo, que é a vontade de realizá-la. O primeiro elemento, o conhecimento (representação), é pressuposto do segundo, a vontade, que não pode existir sem aquele8. A consciência elementar do dolo deve ser atual, efetiva, ao contrário da consciência da ilicitude, que pode ser potencial. Mas a consciência do dolo abrange somente a representação dos elementos integradores do tipo penal, ficando fora dela a consciência da ilicitude, que hoje, como elemento normativo, está deslocada para o interior da culpabilidade. É desnecessário o conhecimento da configuração típica, sendo suficiente o conhecimento das circunstâncias de fato necessárias à composição da figura típica. Sintetizando, em termos bem esquemáticos, dolo é a vontade de realizar o tipo objetivo, orientada pelo conhecimento de suas elementares no caso concreto. A doutrina finalista deslocou, repetindo, o elemento normativo, que se situava no dolo — a consciência da ilicitude — para a culpabilidade, como elemento indispensável ao juízo de reprovação.
Finalmente, extrai-se da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que a construção de casa não embute na conduta o dolo de causar dano à Unidade de Conservação.
PENAL. DANO AO MEIO AMBIENTE (ART. 40 DA LEI N. 9.605/98). CONSTRUÇÃO DE CASA DE ADOBE. DELITO INSTANTÂNEO DE EFEITOS PERMANENTES. CONDUTA ANTERIOR À LEI INCRIMINADORA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. CRIME. INEXISTÊNCIA. DOLO DE DANO. AUSÊNCIA. MORADIA. DIREITO SOCIAL FUNDAMENTAL. ÁREA CONSTRUÍDA. 22 (VINTE E DOIS) METROS QUADRADOS. INSIGNIFICÂNCIA. PROCESSO PENAL. JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA. A construção de casa de adobe em área de preservação ambiental constitui dano direto instantâneo de efeitos permanentes. Precedentes. Não há crime sem lei anterior que o defina (art. 1º do Código Penal. Conduta anterior à vigência da Lei n. 9.605/1998. A construção de casa para servir de moradia ao acusado e sua família não configura dolo de dano ao meio ambiente, pois traduz necessidade e direito fundamental ao chão e ao teto (art. 6º da Constituição Federal). O direito penal não é a prima ratio; o dano causado ao meio ambiente decorrente da edificação de casa com 22 (vinte e dois) metros quadrados não ultrapassa os limites do crime de bagatela e pode ser resolvido por meio de instrumentos previstos em outros ramos do Direito Civil. Ordem concedida para cassar o acórdão e restaurar a sentença absolutória. (HC 124.820/DF, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 05/05/2011, DJe 22/08/2011)
Assim, resplandece que o apelante não agiu imbuído da intenção de causar dano direto ou indireto à Unidade de Conservação, razão pela qual o fato não pode ser considerado típico, por ausência do elemento subjetivo dolo.
6.4. DA CRIAÇÃO DA ESEC CARIJÓS – AUSÊNCIA DE DESAPROPRIAÇÃO DA PROPRIEDADE PARTICULAR. CADUCIDADE DO DECRETO. PRECEDENE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PELA ATIPICIDADE DA CONDUTA.
Com efeito, a Lei n. 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, disciplina que as áreas particulares dentro das Estações Ecológicas serão desapropriadas. Vejamos:
Art. 9o A Estação Ecológica tem como objetivo a preservação da natureza e a realização de pesquisas científicas.
§ 1o A Estação Ecológica é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei.
Nesta senda, ao Decreto-Lei n. 3.365/41, que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública, assevera que a Administração Pública dispõe de cinco anos para realizar a desapropriação sob pena de caducar.
Art. 10. A desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará.
Neste caso, somente decorrido um ano, poderá ser o mesmo bem objeto de nova declaração.
Nesse contexto, admitindo-se por amor ao debate que a área esteja dentro da Unidade de Conservação, o que já se demonstrou ser improvável, a ausência de indenização e desapossamento das propriedades particulares conduz à atipicidade das ações realizadas nas áreas particulares.
Uma vez não realizada a desapropriação por utilidade pública no lustro legalmente previsto, resta evidente a caducidade do decreto que instituiu a Unidade de Conservação, na forma da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos:
PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 40 DA LEI 9.605/98. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO FEDERAL. DECRETO FEDERAL EDITADO EM 1972. DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA NUNCA CONSUMADA. CADUCIDADE DO DECRETO ORIGINAL. PERMANÊNCIA DA ÁREA SOB PROPRIEDADE DO PARTICULAR. IMPOSSIBILIDADE DE SE LIMITAR O DIREITO DE PROPRIEDADE CONFERIDO CONSTITUCIONALMENTE. TIPICIDADE AFASTADA QUANTO AO DELITO DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. Discute-se se o dano causado ao Parque Nacional da Serra da Canastra – Unidade de Conservação Federal (UCF) instituída pelo Decreto 70.355, de 3/4/72 -, narrado na peça acusatória, configura o delito descrito no art. 40 da Lei n. 9.605/98, com competência da Justiça Federal, mesmo em se tratando de propriedade privada, pois não efetivada a desapropriação pelo Poder Público. Firmou este Tribunal compreensão de que, por se tratar de área de preservação permanente de domínio da União, embora em propriedade privada, seria considerado de interesse do ente federal, nos termos do que dispõe o art. 20, III, da CF/88. Na hipótese, no entanto, o Decreto Federal foi editado em 1972 e a desapropriação jamais se consumou, permanecendo a área sob a propriedade do particular, assim como diversas outras no País que, “criadas no papel”, acabam não se transformando em realidade concreta. O art. 10 do Decreto-Lei n. 3.365, de 21/6/41, o qual dispõe sobre as desapropriações por utilidade pública, estabelece que referida expropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do decreto e findos os quais este caducará. Da peça acusatória consta que os acusados teriam suprimido vegetação nativa para plantio de capim napier em área de preservação permanente (margens de curso d’água afluente do ribeirão Babilônia), bem como construíram um poço, no interior da cognominada “Fazenda Vale Formoso”, Delfinópolis/MG, causando dano direto ao Parque Nacional da Serra da Canastra (unidade de conservação de proteção integral). Ocorre que a constatação da referida supressão, a qual teria dado causa aos danos indicados, deu-se apenas em julho de 2008, quando já operada a caducidade do Decreto original (e não se tem nos autos qualquer notícia de sua reedição). Superada a caducidade do Decreto Federal há tempos, não há como limitar-se o direito de propriedade conferido constitucionalmente, sob pena de se atentar contra referida garantia constitucional, bem como contra o direito à justa indenização, previstos nos incisos XXII e XXIV do art. 5º da CF. Tipicidade do fato afastada no que se refere ao delito de competência da Justiça Federal (art. 40 da Lei n. 9.605/98). Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 611.366/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 12/09/2017, DJe 19/09/2017).
No exemplo supra citado, julgado à unanimidade pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça em 2017, foi reconhecida a caducidade do decreto de criação de Unidade de Conservação de proteção integral, não havendo razões legais para a limitação do direito de propriedade dos ali acusados, afastando-se a tipicidade do crime de causar dano à Unidade de Conservação.
Trata-se, portanto, de entendimento aplicável à espécie, eis que o apelante é proprietário do imóvel em questão pela prescrição aquisitiva, pois reside com animus domini no citado imóvel há décadas, muito antes da criação da Unidade de Conservação.
Assim, ausente qualquer indenização para a retirada do recorrente do imóvel, não se pode impedir que exerça seus direitos de propriedade sob o bem, notadamente imputando-lhe a acusação de causar dano à unidade de conservação, razão pela qual deve ser absolvido por não se tratar de fato típico.
6.5. DA IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL. ÁREA ANTROPIZADA
As imagens constantes nos autos não deixam dúvidas sobre a antropização de toda a região, não apenas do local dos fatos, mas de toda a margem da rodovia.
Com efeito, o local onde hoje se imputa ao recorrente a pecha de ter causado dano e impedir a vegetação, foi utilizado como canteiro de obras, estacionamento, descarte de materiais de construção, alojamento para funcionários e tantas outras atividades que alteraram profundamente o terreno.
Dessa forma, o dano que efetivamente ocorreu no local remonta à época anterior à criação da Unidade de Conservação e, principalmente, à momento histórico onde não havia legislação penal que proscrevesse a atividade ali desenvolvida.