EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DOUTOR (A) JUIZ (A) DE DIREITO DA VARA DA COMARCA DE
AUTORA, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ, vem, à presença de Vossa Excelência, por seus advogados adiante assinados, propor AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO, COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA em face de ÓRGÃO AMBIENTAL autuante, em consonância com o art. 19, Inciso I, do Código de Processo Civil, c/c o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal e demais razões de fato e de direito a seguir aduzidos.
1. SINOPSE FÁTICA
A presente demanda objetiva a declaração de nulidade do Auto de Infração Ambiental no âmbito do processo administrativo lavrado por suposto dano ambiental decorrente de funcionamento de estabelecimento utilizador de recurso natural solo, contrariando as normas legais e regulamentos pertinentes.
Em decorrência da referida autuação, o Réu aplicou à Autora penalidade de multa no valor exorbitante, com fundamento no art. 70 da Lei Federal 9.605/1998[1], no art. 66, do Decreto Federal 6.514/2008[2].
A Autora, inconformada com os autos de infração e multa lavrados, apresentou sua Defesa Administrativa, não acolhida, e, a seguir, interpôs Recurso Administrativo, ao qual foi igualmente negado provimento, mantendo-se a autuação imposta e, assim, encerrada a instância administrativa.
Importante esclarecer, ainda, que, mesmo discordando totalmente dos autos lavrados pelo Réu, pretendendo resolver a situação, a Autora chegou a apresentar proposta de Termo de Ajustamento de Conduta- TAC, juntamente com o Projeto de Compensação Ambiental, demonstrando, assim, sua boa-fé e disponibilidade para solucionar a questão. Entretanto, todas as propostas apresentadas foram recusadas pelo Réu.
Assim sendo, em vista da equivocada decisão do Réu, que manteve a autuação apesar de integralmente eivada de insanáveis vícios – de forma e de conteúdo –, do que resulta a manutenção de gravíssimos e inaceitáveis prejuízos para a Autora, em especial a possibilidade de inclusão do débito referente à penalidade de multa no Cadin; inscrição em Dívida Ativa; a propositura de Execução Fiscal; e, como visto, a exigência premente de recuperação de um dano inexistente, não resta alternativa que não o manejo da presente ação.
2. ABSOLUTA NULIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS SANCIONATÓRIOS
2.1. Vício de forma
A autuação, como visto ao início, teve por motivo de fato a conduta descrita pelo Réu como “dano ambiental decorrente de funcionamento de estabelecimento utilizador de recurso natural solo, contrariando as normas legais e regulamentos pertinentes”. Essa “conduta” apontada pelo Requerido foi capitulada nos já citados art. 70 da Lei Federal 9.605/1998[3], no art. 66 do Decreto Federal 6.514/2008[4].
De todos os dispositivos legais apontados pelo Réu, somente um deles efetivamente serviria para capitular uma infração ambiental, porquanto prevê uma hipótese à qual é cominada pena, qual seja o art. 66 do Decreto Federal 6.514/2008, do que desde logo se extrai o vício de forma dos autos de infração e de multa guerreados.
Ocorre que não basta à Administração indicar genericamente o descumprimento de dever legal, devendo apontar direta e objetivamente de que forma e qual o dispositivo legal violado, em respeito ao direito de ampla defesa e ao contraditório insculpidos nos incisos LIV e LV do art. 5º da Constituição Federal.
Imperioso ressaltar que, conforme determina o art. 97 do Decreto Federal 6.514/2008, o auto lavrado deverá conter requisitos mínimos para ser considerado formalmente válido, quais sejam:
“Art. 97. O auto de infração deverá ser lavrado em impresso próprio, com a identificação do autuado, a descrição clara e objetiva das infrações administrativas constatadas e a indicação dos respectivos dispositivos legais e regulamentares infringidos, não devendo conter emendas ou rasuras que comprometam sua validade”.
No mesmo sentido dispõe o Decreto Federal 70.235, de 06.03.1972:
“Art. 10. O auto de infração será lavrado por servidor competente, no local da verificação da falta, e conterá obrigatoriamente:
- – a qualificação do autuado;
- – o local, a data e a hora da lavratura;
- – a descrição do fato;
- – a disposição legal infringida e a penalidade aplicável;
- – a determinação da exigência e a intimação para cumpri-la ou impugná-la no prazo de trinta dias;
- – a assinatura do autuante e a indicação de seu cargo ou função e o número de matrícula”.
A forma legal exigida constitui, portanto, requisito vinculado e imprescindível à sua perfeição. Sua deficiência de forma induz a nulidade do ato administrativo, viciando-o substancialmente e tornando-o, portanto, inválido.
Assim, é imperioso que seja indicada a conduta exata supostamente caracterizadora de infração ambiental bem como o dispositivo legal tido por violado, para que a Autuada possa se defender, ou seja, para que possa exercer seus direitos constitucionalmente assegurados da ampla defesa e do contraditório.
Não sendo respeitadas as formalidades exigidas para sua realização ou seus procedimentos essenciais, o ato administrativo é inválido, eis que desrespeitador de determinação legal – o que caracteriza vício de legalidade –, devendo, portanto, ser anulado.
No caso em apreço, ao fazer constar no auto de infração genericamente a conduta “dano ambiental decorrente de funcionamento de estabelecimento utilizador de recurso natural solo, contrariando as normas legais e regulamentos pertinentes” e capitular a infração no supracitado art. 66 do Decreto Federal 6.514/2008, que remete novamente à alguma norma legal contrariada, deixou o Réu de indicar exatamente qual o dever legal descumprido, viciando formalmente os autos impugnados.
Dessa forma, mostra-se evidente, já de início, o vício dos autos de infração e de multa impugnados, pelo que devem ser declarados nulos.
2.2. Inaplicabilidade da Lei Municipal
Noutro giro, a exigência não se aplica antes da vigência da lei. Sobre o assunto, nosso ordenamento positivou o princípio da irretroatividade da lei, conforme se verifica nos arts. 5º, XXX, da Constituição Federal de 1988, e 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro[5]. Ou seja, quando uma lei entra em vigor, sua aplicação é para o presente e para o futuro.
De fato, o efeito retrooperante da lei traz um atentado à estabilidade dos direitos, e violenta, com a surpresa da modificação legislativa posterior, o planejamento das relações humanas. Por isso, as leis não devem retroagir para alcançar as situações originadas e constituídas ao tempo da lei antiga.
O Supremo Tribunal Federal já decidiu que essa garantia constitucional se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva[6].
De outro lado, as atividades da Autora na área em questão encontram-se autorizadas muito antes da entrada em vigor da citada lei municipal de modo que não se pode obrigar ao cumprimento das exigências de uma lei editada no mínimo uma década depois da implantação de seu empreendimento, em respeito à irretroatividade da lei, ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, notadamente quando o cumprimento da dita lei inviabiliza a atividade licenciada.