EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE
AUTOR, qualificação completa, vem, à presença de Vossa Excelência, propor AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO FEDERAL em face do INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS – IBAMA, autarquia federal, devendo ser citada na pessoa de seu representante legal, em endereço de conhecimento deste Juízo, pelos motivos abaixo aduzidos.
1. DOS FATOS
O autor foi abordado por agentes da Polícia Ambiental do Batalhão de Polícia Ambiental, e durante a inspeção, que contou com a colaboração do demandante, foram encontrados, segundo o Boletim de Ocorrência, pássaros silvestres em cativeiro. Os animais foram apreendidos e encaminhados ao IBAMA.
Em decorrência da apreensão, foi lavrado o Auto de Infração Ambiental pelo IBAMA, o qual imputa ao autor a conduta de manter em cativeiro pássaros silvestres sem licença do órgão competente.
A instrução processual administrativa culminou com uma decisão que houve por bem condenar o autor ao pagamento de multa ambiental. Tal decisum, embora já transitado em julgado no âmbito administrativo, não merece guarida na esfera judicial.
É importante referir que o autor é pessoa humilde, de parcos conhecimentos e de baixa renda, o qual desconhecia a ilicitude de seu ato. O demandante criava os pássaros como animais de estimação, era apegado afetivamente a eles e jamais os comercializaria.
Diante da total impossibilidade de arcar com o pagamento da multa, requereu, na via administrativa, sua substituição mediante a imposição de serviços de preservação, melhoria e recuperação do meio ambiente. Entretanto, o pedido foi indeferido.
Hoje, o demandante está acometido de câncer no fígado e no rim, além de uma hérnia inguinal que lhe causa muita dor. Apesar disso, mantém a vontade de obter a substituição da multa que lhe foi imposta pela prestação de serviços que seja compatível com sua atual condição física.
Informa-se, ainda, que a multa foi inscrita em dívida ativa, sendo objeto da Execução Fiscal.
2. DO DIREITO – OFENSA AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
É sabido que a Administração Pública possui a faculdade de, junto à determinada situação do mundo fenomênico, escolher uma dentre as várias soluções juridicamente possíveis e admitidas pelo legislador. Tal faculdade denomina-se Poder Discricionário, que se caracteriza pela possibilidade de a Administração fazer opções, ou seja, liberdade na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato que deseja expedir.
Sucede que o exercício dessa competência discricionária encontra limites na Constituição da República.
Estamos nos referindo ao princípio da razoabilidade, que veda a atuação desarrazoada dos órgãos do Poder Público. Assim, por se tratar de uma pauta de natureza axiológica decorrente dos ideais de justiça, prudência, justa medida, referido princípio tem sido habitualmente utilizado para aferir a legitimidade das restrições aos direitos dos administrados.
O grande fundamento do princípio da proporcionalidade, segundo José dos Santos Carvalho Filho[1], “é o excesso de poder, e o fim a que se destina é exatamente o de contratos, decisões e Condutas de agentes públicos que ultrapassem os limites adequados, com vistas ao objetivo colimado pela Administração, ou até mesmo pelos Poderes representativos do Estado. Significa que o Poder Público, quando intervém nas atividades sob seu controle, deve atuar porque a situação reclama realmente a intervenção, e este deve processar-se com equilíbrio, sem excessos e proporcionalmente ao fim a ser atingido”.
Segundo os ensinamentos da doutrina alemã, a aplicação deste princípio exige a verificação do ato do Poder Público quanto aos seguintes aspectos:
- adequação, no sentido de o meio empregado ser compatível com o fim colimado;
- necessidade, vinculando os agentes públicos, no exercício de sua atuação, a empregar o meio menos gravoso para alcançar o interesse público, ou seja, a escolha deve ser aquela que cause o menor prejuízo possível aos administrados; e
- proporcionalidade em sentido estrito, que impõe a sobreposição das vantagens em relação às desvantagens da medida adotada.
Da análise do Processo Administrativo, conclui-se que a aplicação da multa pecuniária pelo agente público à parte autora – que é pessoa humilde, de parcos conhecimentos e de baixa renda – não respeitou mencionados subprincípios, mostrando-se ilegal e desarrazoada, o que se extrai da subsunção dos fatos aos seguintes preceitos jurídicos:
Art. 6º – Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará:
- – a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente;
- – os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental;
- – a situação econômica do infrator, no caso de multa.
Art. 72 – As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:
- – advertência;
- – multa simples;
- – multa diária;
- – apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículo sde qualquer natureza utilizados na infração;
- – destruição ou inutilização do produto;
- – suspensão de venda e fabricação do produto;
- – embargo de obra ou atividade;
- – demolição de obra;
- – suspensão parcial ou total de atividades;
- – (VETADO)
- – restritiva de direitos.
§1º Se o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações, ser-lhe-ão aplicadas, cumulativamente, as sanções a elas cominadas.
§2º A advertência será aplicada pela inobservância das disposições desta Lei e da legislação em vigor, ou de preceitos regulamentares, sem prejuízo das demais sanções previstas neste artigo.
§3º A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência ou dolo:
- – advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo assinalado por órgão competente do SISNAMA ou pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha;
- – opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou da Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha.
§4° A multa simples pode ser convertida em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.
§5º A multa diária será aplicada sempre que o cometimento da infração se prolongar no tempo.
§6º A apreensão e destruição referidas nos incisos IV e V do caput obedecerão ao disposto no art. 25 desta Lei.
§7º As sanções indicadas nos incisos VI a IX do caput serão aplicadas quando o produto, a obra, a atividade ou o estabelecimento não estiverem obedecendo às prescrições legais ou regulamentares.
§8º As sanções restritivas de direito são:
- – suspensão de registro, licença ou autorização;
- – cancelamento de registro, licença ou autorização;
- – perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais;
- – perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito;
- – proibição de contratar com a Administração Pública, pelo período de até três anos.
Vê-se, para logo, que a legislação vincula o agente público a observar, quando da imposição e gradação das penalidades administrativas, a gravidade do fato, os antecedentes do infrator e sua condição econômica. No vertente caso, ao revés, o agente administrativo não observou referidos limites jurídicos para a aplicação da multa administrativa.
Vinculando o agente administrativo a observar o princípio da razoabilidade, dispõe o Decreto 6.514/2008, art. 24, § 9º, in verbis:
§9º – A autoridade julgadora poderá, considerando a natureza dos animais, em razão de seu pequeno porte, aplicar multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais) quando a contagem individual for de difícil execução ou quando, nesta situação, ocorrendo a contagem individual, a multa final restar desproporcional em relação à gravidade da infração e a capacidade econômica do infrator.
Portanto, pode-se concluir que, tanto para a escolha da sanção (modalidade multa) quanto para o valor estipulado, o agente público não observou as três balizas normativas, em especial a terceira, na medida em que a condição de hipossuficiente da parte autora possui o condão de afastar a aplicação da multa ou de reduzir seu valor.
Por outro lado, também se constata a ausência de razoabilidade entre a imposição da multa e a infração ambiental praticada pela parte autora, de forma a violar, em última análise, o princípio da legalidade. Esta é a razão pela qual a doutrina mais moderna faz a seguinte consideração[2]:
Desse modo, quando alguns estudiosos indicam que a razoabilidade vai se atrelar à congruência lógica entre as situações postas e as decisões administrativas, parecer-nos que a falta da referida congruência viola, na verdade, o princípio da legalidade, porque, no caso, ou há vício nas razões impulsionadoras da vontade, ou o vício estará no objeto desta.
A falta de razoabilidade, na hipótese, é puro reflexo da inobservância de requisitos exigidos para a validade da conduta.
Com esses elementos, desejamos frisar que o princípio da razoabilidade tem que ser observado pela Administração à medida que sua conduta se apresente dentro dos padrões normais de aceitabilidade.
Se atuar fora desses padrões, algum vício estará, sem dúvida, contaminando o comportamento estatal. Significa dizer, por fim, que não pode existir violação ao referido princípio quando a conduta administrativa é inteiramente revestida de licitude.
Acertada, pois, a noção de que o princípio da razoabilidade se fundamenta nos princípios da legalidade e da finalidade, como realça Celso Antônio Bandeira de Mello (…).
Salienta-se que, em se considerando que se trata de caso de guarda doméstica de espécimes silvestres não consideradas ameaçadas de extinção, a autoridade competente poderia ter deixado de aplicar a multa, em analogia ao disposto no § 2º do art. 29 da Lei 9.605/98, consoante preceitua o § 4º do art. 24 do Decreto 6.514/2008, o qual reproduz a disposição do § 2º do art. 11 do revogado Decreto 3.179/99.
À luz do gizado, resta patente que a multa administrativa imposta pelo agente administrativo ofende o princípio da razoabilidade e, em última instância, o próprio princípio da legalidade, pela não observância dos preceitos normativos radicados nos arts. 6º e 72 da Lei 9.605/98 e no §§ 4º e 9º do art. 24 do Decreto 6.514/2008, ao efeito de legitimar a sua anulação pelo Poder Judiciário.
Subsidiariamente, caso não acatado o pedido de cancelamento, pugna-se pela diminuição da multa a valores mais acessíveis ao demandante, pois ele, visivelmente, não tem condições de arcar integralmente com o valor imposto.
Salienta-se que se trata de um aposentado, cuja família sobrevive com dois salários mínimos, sendo um decorrente de aposentadoria por invalidez percebida pelo autor e outro referente à aposentadoria por idade de titularidade da esposa do demandante. Assim, a multa de R$ 50.000,00 afigura-se desproporcional, assumindo caráter verdadeiramente confiscatório, lembrando que, atualmente, o valor atualizado da dívida importa em…
Observa-se que nossos Tribunais vêm afastando a imposição de multas desproporcionais aplicadas pelo IBAMA:
ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO. MANTER EM CATIVEIRO ESPÉCIES DA FAUNA SILVESTRE BRASILEIRA SEM A DEVIDA AUTORIZAÇÃO DO IBAMA. ADVERTÊNCIA NÃO APLICADA. MULTA. VALOR EXCESSIVO EM RELAÇÃO À SITUAÇÃO DA EXECUTADA. DISPENSA DA MULTA. 1. Não foi aplicada a pena de advertência, uma vez que os fiscais do IBAMA, ao observarem que os dois iguanas que a autora portava não obtinham licença do órgão ambiental, aplicaram multa, sem, contudo, abrir oportunidade para a mesma sanar a irregularidade. 2. A multa no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) imposta a quem é professora estadual e tem renda mensal de R$ 727,00 (setecentos e vinte e sete reais), aparenta manifesta desproporção, infligindo sanção que destoa da realidade do apenado. 3. A multa deve ser dispensada, tanto mais quando a própria Lei nº 9.605/98 prevê a aplicação de penas alternativas mais adequadas ao caso, a teor do contido no § 4º do art. 72, ou ainda, se considerarmos a previsão contida no § 2º do art. 11 do Decreto 3.179/99, que dispõe que em caso de guarda doméstica de espécime silvestre não considerada ameaçada de extinção – na hipótese dos autos, tal fato não restou comprovando-a multa pode ser dispensada. Apelação do IBAMA improvida.
Ainda, em consonância com o § 4º do art. 72 da Lei 9.605/98, a multa simples imposta ao cidadão, como no caso em tela, pode ser convertida em serviços de preservação do meio ambiente, in verbis:
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º. (…)
§4º A multa simples pode ser convertida em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.
Portanto, subsidiariamente, requer-se a substituição da multa mediante a imposição de serviços de preservação, melhoria e recuperação do meio ambiente.
2.1. DA OCORRÊNCIA DE ERRO E DA BOA-FÉ
Com efeito, trata-se de pessoa humilde, a qual não tinha conhecimento de que os pássaros que criava em sua residência eram animais silvestres. O demandante criava os pássaros como animais de estimação, era apegado afetivamente a eles e jamais os comercializaria.