EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA FEDERAL DA VARA FEDERAL DE
Acusada, qualificada nos autos do processo cujo número segue em epígrafe, vem à presença de Vossa Excelência, por seu procurador, apresentar, com fundamento no art. 396-A do Código de Processo Penal (CPP) sua DEFESA ESCRITA nos termos que passa a expor e ao final requerer:
1. DOS FATOS
A Ré é acusada do delito previsto no art. 69-A da Lei 9605/98, por ter supostamente apresentado estudo de impacto ambiental no qual omitiu áreas de preservação permanentes com vistas a beneficiar o empreendimento imobiliário de sua propriedade. É a síntese necessária.
2. PRELIMINARES
2.1. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
Na decisão de recebimento da inicial, Vossa Excelência, respondendo às defesas preliminares dos corréus, declarou a competência da Justiça Federal ao argumento de que infrações penais teriam atingido bens da União, vez que o terreno em questão tem parte de sua área como sendo de marinha.
Com todas as vênias, inexiste interesse da União no caso, conforme se vai demonstrar.
A acusação que se está a responder está tipificada no art. 69-A da Lei 9605/98 e se refere, segundo a denúncia, à apresentação no licenciamento de estudo ambiental parcialmente falso. Ressalta-se que não há acusação de degradação ambiental.
Assim, a discussão sobre competência não se refere à eventual propriedade dos bens em tese afetados, pois o delito em questão tutela a Administração Pública, mas sim em verificar se a União, por suas autarquias tem interesse no feito.
De plano se pode verificar que o documento supostamente adulterado foi apresentado ao Instituto de Meio Ambiente, entidade vinculada ao executivo estadual, ou seja, a suposta vítima do delito seria o Estado, o que afasta a competência da Justiça Federal.
Como se disse, no r. despacho, Vossa Excelência consignou que o empreendimento teria atingido área de marinha, o que atrairia a competência da Justiça Federal. Ocorre que o terreno no qual se pretende a instalação do empreendimento está completamente fora da área de marinha.
Ademais, o STJ já decidiu que a proximidade do local de suposto crime ambiental com área que pertence à União, ou mesmo de APA[1] federal, não se prestam a atrair a competência Federal:
HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE INTERESSE DIRETO DA UNIÃO. APA DO ANHATOMIRIM. DECRETO Nº 528/92. CRIME PRATICADO PRÓXIMO À APA. NORMAS DO CONAMA. FISCALIZAÇÃO PELO IBAMA. FALTA DE INTERESSE DIRETO DA AUTARQUIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. ANULAÇÃO DO PROCESSO. PRESCRIÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. (…) Impõe-se a verificação de ser o delito praticado em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, a teor do disposto no artigo 109, IV, da Carta Magna, de forma a firmar ou não a competência da Justiça Federal. A APA do Anhatomirim foi criada pelo Decreto nº 528, de 20 de maio de 1992, evidenciando o interesse federal que a envolve, não havendo dúvida de que, se estivesse dentro da APA a construção, seria da Justiça Federal a competência para julgar o crime ambiental, independentemente de ser o IBAMA o responsável pela administração e fiscalização da área. A proximidade da APA, por si só, não serve para determinar o interesse da União, visto que o Decreto nº 99.274/90 estabelece tão-somente que a atividade que possa causar danos na área situada num raio de 10 km da Unidade de Conservação ficará sujeita às normas editadas pelo CONAMA, o que não significa que a referida área será tratada como a própria Unidade de Conservação, tampouco que haverá interesse direto da União sobre ela. 5. (…). Não sendo o crime de que aqui se trata praticado em detrimento de bens, serviços ou interesse direto da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, inexiste razão para que a respectiva ação penal tivesse tramitado perante a Justiça Federal. Restando anulado o processo, e considerando que a sanção que venha a ser imposta ao paciente, pelo delito em exame, não poderá ultrapassar 1 ano e 4 meses, sanção aplicada na sentença ora anulada, constata-se ter ocorrido a prescrição da pretensão punitiva, em razão do decurso de mais de quatro anos desde a data do fato, 3/12/1998, com base no art. 109, V, c/c o art. 110, § 1º, os dois do Código Penal. Ordem concedida, declarando-se, de ofício, extinta a punibilidade. (HC 38.649/SC, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, SEXTA TURMA, julgado em 25/04/2006, DJ 26/06/2006, p. 203)
De outra sorte, o simples fato de que os fiscais do IBAMA produziram laudos a pedido do MPF acerca do local não tem o condão de atrair a competência Federal. O tema foi objeto de decisão pela Terceira Seção do STJ que pacificou a questão:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIME AMBIENTAL. APREENSÃO DE ESPÉCIMES DA FAUNA SILVESTRE SEM A DEVIDA LICENÇA DO ÓRGÃO COMPETENTE. AUSÊNCIA DE INTERESSE DIRETO DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. A preservação do meio ambiente é matéria de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do art. 23, incisos VI e VII, da Constituição Federal. A Justiça Federal somente será competente para processar e julgar crimes ambientais quando caracterizada lesão a bens, serviços ou interesses da União, de suas autarquias ou empresas públicas, em conformidade com o art. 109, inciso IV, da Carta Magna. Na hipótese, verifica-se que o Juízo Estadual declinou de sua competência tão somente pelo fato de o auto de infração ter sido lavrado pelo IBAMA, circunstância que se justifica em razão da competência comum da União para apurar possível crime ambiental, não sendo suficiente, todavia, por si só, para atrair a competência da Justiça Federal. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito do Juizado Especial Adjunto Criminal de Rio das Ostras/RJ, o suscitado. (CC 113.345/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/08/2012, DJe 13/09/2012)
Por fim, eventual alegação de que a área de mata atlântica existente no local atrairia a competência Federal cai por terra com o posicionamento oposto firmado na Terceira Seção do STJ, in verbis:
Conflito de competência (Justiça Federal e Justiça estadual). Infração ambiental (desmatamento). Floresta nativa (Mata Atlântica). Conforme o entendimento consolidado no Superior Tribunal, compete à Justiça estadual o processamento e o julgamento de procedimento que apura eventual infração ambiental consistente no desmatamento de floresta nativa da Mata Atlântica. Agravo regimental improvido. (AgRg no CC 93.083/PE, Rel. Ministro NILSON NAVES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/08/2008, DJe 10/09/2008) (grifou-se)
Diante do exposto, há que se reconhecer a incompetência absoluta da Justiça Federal, tendo em vista que:
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- o crime que se está a julgar tem como vítima a Administração Pública que recebeu o documento, no caso, autarquia estadual;
- o empreendimento fica fora da área de marinha e a referida área não tem como ocupante a empresa, como demonstra o ofício da SPU;
- a proximidade com a área federal ou mesmo com APA federal não atrai a competência Federal, nos termos da Jurisprudência consolidada do STJ;
- também não é motivo de atração de competência, conforme decidiu o STJ, a intervenção de servidores do IBAMA no feito;
- por fim, o fato de haver mata atlântica não implica em julgamento pela Justiça Federal.
À vista disso, requer-se a extinção do feito em face da incompetência absoluta da Justiça Federal.
2.2. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA – NÃO JUNTADA DO DOCUMENTO SUPOSTAMENTE FALSO E DO INQUÉRITO
Entende-se por “justa causa” para a deflagração da ação penal, a existência de um mínimo probatório apto a lastrear as acusações constantes da denúncia. Nas palavras de Afrânio Silva Jardim:
Suporte probatório mínimo que deve ter a ação penal relacionando-se com indícios de autoria, existência material de uma conduta típica e alguma prova de sua antijuridicidade e culpabilidade.
No mesmo sentido se posiciona o STJ:
HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL PRIVADA. INJÚRIA. CRIME SUPOSTAMENTE PRATICADO POR PROMOTORA DE JUSTIÇA CONTRA ADVOGADO. PLEITO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. AUSENTES ELEMENTOS PROBATÓRIOS MÍNIMOS. SINDICÂNCIA ADMINISTRATIVA QUE CONCLUIU PELA ABSOLVIÇÃO. DECISÃO QUE CONCLUIU PELO ARQUIVAMENTO POR FALTA DE PROVAS. O trancamento da ação penal só se justifica quando evidenciada a atipicidade de plano, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade. Para o recebimento de queixa-crime é necessário que as alegações estejam minimamente embasadas em provas ou, ao menos, em indícios de efetiva ocorrência dos fatos. […] Não basta que a queixa-crime se limite a narrar fatos e circunstâncias criminosas que são atribuídas pela querelante ao querelado, sob o risco de se admitir a instauração de ação penal temerária, em desrespeito às regras do indiciamento e ao princípio da presunção de inocência (Inq. n. 2.033, Ministro Nelson Jobim, DJ 17/12/2004). Ordem concedida. (HC 211.857/BA, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 27/11/2012, DJe 18/06/2013) (grifou-se).
A presença de justa causa como elemento necessário a justificar a ação penal já é reconhecida tanto a Doutrina quanto a Jurisprudência há muito tempo, porém este requisito ganhou especial relevância com a minirreforma de 2008, vez que inserido literalmente como causa de não recebimento da inicial, no inciso III, do art. 395, do CPP.
Além do dispositivo legal acima citado, há outros artigos no próprio CPP que demonstram a necessidade do mínimo de provas para ensejar o recebimento da inicial, são eles: 12; §5º, do art. 39; §1º, do art. 46 e o inciso I, do art. 648.
Diante do que foi citado acima exposto, a inicial acusatória só pode ser recebida quando lastreada em provas de materialidade e indícios de autoria, sob pena de se configurar constrangimento ilegal.
O MPF acusa a Ré de protocolizar documento falso em processo de licenciamento ambiental que tramita na Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina. Por conseguinte, a materialidade da acusação estaria contida no teor do referido documento.
Ocorre que o MPF não juntou o documento aos autos, inexistindo a prova ou mesmo indício de materialidade e, consequentemente, justa causa para a ação penal.