EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA
IMPETRANTE, qualificação completa, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, impetrar MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO LIMINAR com fundamento no art. 5º, inciso LXIX, da vigente Constituição Federal e na Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009 em face de ato coator praticado pela POLÍCIA MILITAR AMBIENTAL, órgão estadual de Segurança Pública, pelas razões de fato e de direito que a seguir expõe:
1. DOS SUBSÍDIOS FÁTICOS
O presente remédio constitucional tem como escopo anular o ato administrativo que determinou, em sentença, a apreensão de animal silvestre, que até então permaneceu em posse da impetrante, por mais de duas décadas, período em que estabeleceu com o animal intensos vínculos de afetividade, fornecendo-lhe alimentação e abrigo adequado e assegurando-lhe todos os cuidados inerentes à sua integridade física.
Consta do Auto de Infração Ambiental lavrado pela Polícia Militar Ambiental, a suposta manutenção da impetrante de um espécime da fauna silvestre brasileira, qual seja um papagaio, em cativeiro, sem a devida autorização ou licença das autoridades ambientais competentes.
Protocolada tempestivamente a defesa administrativa, a impetrante justificou a posse do animal e relatou todo o seu histórico de convivência com este. No entanto, não foram acatadas suas razões, sendo que, após a devida instrução processual, a Polícia Militar Ambiental determinou a apreensão do animal, nos termos do art. 72, IV, da Lei Federal 9.605/98, bem como se converteu a sanção de multa por uma sanção de advertência.
Ocorre que as circunstâncias pessoais do caso não foram levadas em consideração, sendo a ave retirada de um ambiente onde conviveu por mais de vinte anos, sendo completamente desarrazoado devolvê-la à natureza, onde não mais está apta a habitar.
1.1. ANIMAL SILVESTRE DOMESTICADO
É cediço que um animal silvestre que conviveu a sua vida toda em um ambiente doméstico jamais se adaptaria, depois de velho, a sobreviver em seu habitat natural. Seja pela dificuldade em buscar alimentos, seja pela incapacidade de se defender de outros predadores. Não há dúvidas que o animal, uma vez solto, não terá quaisquer chances de sobreviver, pois seu lugar é ao lado de sua cuidadora.
Não obstante a integridade da própria ave, estão em jogo, também, a saúde física e psicológica da impetrante, uma vez que tratava o animal como se seu filho fosse. Ensinou-lhe as primeiras palavras, lhe alimentava, dava carinho e abrigo, e recebia o mesmo amor do animal, de forma recíproca. Sua apreensão não só comprometeria a própria ave como também a sua dona, que até então vem sofrendo com a sua ausência, necessitando, inclusive, de cuidados psicológicos.
De tal forma, se a ação da Polícia Militar Ambiental se ampara na legislação correspondente, a qual visa, principalmente, a preservação da fauna e flora brasileira, é manifestamente incoerente que se permita abandonar o animal em um ambiente desconhecido e perigoso ao invés de devolvê-lo ao seu verdadeiro lar.
Urge a necessidade, portanto, de se analisar o caso concreto em todas as suas particularidades, de forma a atender com precisão às premissas constitucionais dispostas no art. 225 da carta magna, notadamente o meio ambiente ecologicamente equilibrado e o princípio da razoabilidade, que basicamente alberga a situação em tela para que não se aplique a norma descolada integralmente de um contexto fático que fissuraria premissas estruturantes de nosso sistema jurídico.
2. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS
2.1. IMPOSSIBILIDADE DE RETORNO DO ANIMAL AO SEU HABITAT NATURAL
Não se pode permitir a aplicação da legislação de regência como mero ato formal, burocrático, de forma a caracterizar séria redundância na negação da teleologia da norma de proteção ao meio ambiente, uma vez que o animal está há mais de duas décadas na posse da Requerente, sem o menor indício de maus-tratos, sendo bem alimentado e recebendo tratamento afetivo como se filho fosse. Seria, no mínimo, desarrazoado determinar a apreensão dos animais para duvidosa reintegração ao seu habitat.
De tal forma, a aplicação das disposições legais, no caso concreto, se revelaria a negação da finalidade da norma ou, como bem leciona Celso Antonio Bandeira de Mello (2009), “tomar uma lei como suporte para a prática de ato desconforme com sua finalidade não é aplicar a lei; mas desvirtuá-la; é burlar a lei sob pretexto de cumpri-la”.
A devolução à natureza de ave domesticada e adaptada à vida em domicílio de pessoas que lhes dispensam tratamento afetuoso criará sérios gravames à subsistência do animal, seja pela dificuldade de defesa contra predadores naturais, seja pela dificuldade de obter os alimentos de que necessita.
2.2. JURISPRUDÊNCIA
Neste diapasão, entendeu o Superior Tribunal de Justiça que a devolução do animal ao seu habitat natural é inviável, uma vez que este já se encontra adaptado ao convívio com humanos e não mais se adaptaria à vida silvestre.
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. APREENSÃO DE PAPAGAIO. ANIMAL ADAPTADO AO CONVÍVIO DOMÉSTICO. POSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DA POSSE DO RECORRIDO. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ. 1. In casu, o Tribunal local entendeu que “não se mostra razoável a devolução do papagaio ‘Tafarel’ à fauna silvestre, uma vez que está sob a guarda da autora há pelo menos vinte anos, sendo certa sua adaptação ao convívio com seres humanos, além de não haver qualquer registro ou condição de maus tratos”. Vale dizer, a Corte de origem considerou as condições fáticas que envolvem o caso em análise para concluir que a ave deveria continuar sob a guarda da recorrido, porquanto criada como animal doméstico. 2. Ademais, a fauna silvestre, constituída por animais “que vivem naturalmente fora do cativeiro”, conforme expressão legal, é propriedade do Estado (isto é, da União) e, portanto, bem público. In casu, o longo período de vivência em cativeiro doméstico mitiga a sua qualificação como silvestre. 3. A Lei 9.605/1998 expressamente enuncia que o juiz pode deixar de aplicar a pena de crimes contra a fauna, após considerar as circunstâncias do caso concreto. Não se pode olvidar que a legislação deve buscar a efetiva proteção dos animais, finalidade observada pelo julgador ordinário. Incidência da Súmula 7/STJ. 4. Precedentes: AgRg no AREsp 333105/PB, Relatora Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe 01/09/2014; AgRg no AREsp 345926/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 15/04/2014; REsp 1085045/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 04/05/2011; e REsp 1.084.347/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 30/9/2010. 5. Agravo Regimental não provido. (STJ – AgRg no REsp: 1483969 CE 2014/0246810-6, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 25/11/2014, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/12/2014)
Na hipótese aqui elencada, o ato administrativo de apreensão do animal acarretaria mais prejuízo que efetiva proteção, mormente considerando a longa permanência dessa ave sob os cuidados da impetrante.
Ademais, a atividade estatal acabou por demonstrar o evidente “excesso da lei relativamente ao seu fim”, como bem refere Humberto Ávila (R. Dir. Adm. 215⁄151, RJ, 1999), impondo-se a observância do princípio da proporcionalidade como forma de proibição de tal excesso.
2.3. AUSÊNCIA DE MAUS TRATOS
Não houve, em mais de duas décadas de convivência, quaisquer indícios de maus tratos por parte da impetrante. Pelo contrário, vê-se uma paixão arrebatadora da impetrante pelos animais. Em anos de convivência, jamais houve qualquer indício de maus-tratos e/ou a exploração ilegal do comércio de aves por parte da impetrante.
Nesse sentido, já é pacífico na jurisprudência pátria que a soltura de animais silvestres em condições semelhantes aos domésticos se mostra como medida extremamente prejudicial para o animal, que não mais se adaptaria ao seu habitat natural, senão vejamos:
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. APREENSÃO DE PAPAGAIOS DA ESPÉCIE PSITACIFORME (NÃO AMEAÇADA DE EXTINÇÃO) CRIADOS EM AMBIENTE DOMÉSTICO EM CONVÍVIO DE HARMONIA E AFETO. MANUTENÇÃO DA GUARDA PELOS CRIADORES DEFERIDA. 1. A apreensão de animais silvestres, criados em ambiente doméstico, como no caso, em que não se verifica a ocorrência de qualquer mau-trato e/ou a exploração ilegal do comércio de aves, numa relação harmoniosa e benéfica para ambos os lados, afigura-se-lhes infinitamente mais carregada de prejudicialidade do que a sua permanência sob a cuidadosa e eficiente guarida daqueles que já a detém, de há muito tempo (AMS 2008.38.00.020764-0, rel. Des. Federal Souza Prudente, Quinta Turma, publ. 01/09/2014 e-DJF1 P. 74). 2. A devolução à dispensam tratamento afetuoso pode, em tese, criar sérios gravames à subsistência do animal, seja pela dificuldade de defesa contra predadores naturais, seja pela dificuldade de obter os alimentos de que necessita. 3. Apelação do IBAMA e remessa oficial a que se nega provimento. (TRF-1 – AC: 255480220134013300, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, Data de Julgamento: 01/10/2014, QUINTA TURMA, Data de Publicação: 03/11/2014)
2.4. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NO STJ
Nesse mesmo sentido, entendeu o Superior Tribunal de Justiça que a integridade do animal é a prioridade neste caso, devendo, comprovada a ausência de maus-tratos e por não se tratar de espécie em extinção, se impor a devolução da ave à sua cuidadora.
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. APREENSÃO DE PAPAGAIOS. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 1º DA LEI 5.197/1997 E DO ART. 25 DA LEI 9.605/1998. INEXISTÊNCIA. 1. Hipótese em que o recorrido impetrou Mandado de Segurança contra a apreensão de dois papagaios que viviam em sua residência havia 25 anos. 2. O Tribunal de origem, após análise da prova dos autos, constatou que os animais foram criados em ambiente doméstico, sem indícios de maus-tratos, tendo consignado não se tratar de espécie em extinção. Dessa forma, concluiu que as aves deveriam continuar sob a guarda do impetrante, pois sua readaptação a outro local lhes seria danosa. 3. Inexiste violação do art. 1º da Lei 5.197/1997 e do art. 25 da Lei 9.605/1998 no caso concreto, pois a legislação deve buscar a efetiva proteção dos animais. Após 25 anos de convivência, sem indício de terem sido maltratados e afastada a caracterização de espécie em extinção, é desarrazoado determinar a apreensão de dois papagaios para duvidosa reintegração ao seu habitat. 4. Registre-se que, no âmbito criminal, o art. 29, § 2º, da Lei 9.065/1998 expressamente prevê que, “no caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.” 5. Recurso Especial não provido. (STJ – REsp: 1084347 RS 2008/0183687-9, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 23/06/2009, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/09/2010)
Cumpre salientar, ainda, por mero amor ao debate, conforme a própria decisão acima colacionada que, no âmbito criminal, o art. 29, § 2º, da Lei 9.065/1998 expressamente prevê que, “no caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena”, situação que se assemelha à justificativa dos tribunais para a manutenção dos animais aos cuidados de seus proprietários.
2.5. RISCOS À SOBREVIVÊNCIA DO ANIMAL
De tal forma, entendeu o Tribunal Regional Federal da 1ª Região que a atuação do órgão ambiental há de se desenvolver na linha de eficácia imediata de imposição ao poder público e à coletividade do dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, para as presentes e futuras gerações, nos termos do art. 225 e art. 5º, §1º da Constituição Federal. Segue ementa do acórdão:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. IBAMA. CRIAÇÃO DE PSITACIFORME. APREENSÃO DE PAPAGAIOS CRIADOS EM AMBIENTE DOMÉSTICO. RISCOS À SOBREVIVÊNCIA DOS ANIMAIS. ILEGITIMIDADE. OBSERVÂNCIA DOS FINS DA NORMA AMBIENTAL. PROTEÇÃO DA FAUNA EM NOVO HABITAT ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. PRELIMINAR REJEITADA. I – Não há como prosperar a preliminar de inadequação da via eleita, uma vez que os documentos que instruem a inicial são, no caso, suficientes a amparar a pretensão da impetrante, afigurando-se, pois, desnecessária a alegada dilação probatória a inviabilizar o manejo da via processual do mandado de segurança, na espécie. II – A atuação do órgão ambiental há de se desenvolver na linha de eficácia imediata de imposição ao poder público e à coletividade do dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, para as presentes e futuras gerações (CF, art. 225, caput c/c o art. 5º,§ 1º). Em sendo assim, esse equilíbrio há de se efetivar de forma mútua, envolvendo o homem, a fauna e a flora, de modo que a apreensão de animais silvestres, criados em ambiente doméstico, como no caso, em que não se verifica a ocorrência de qualquer mau-trato e/ou a exploração ilegal do comércio de aves, numa relação harmoniosa e benéfica para ambos os lados, afigura-se-lhes infinitamente mais carregada de prejudicialidade do que a sua permanência sob a cuidadosa e eficiente guarida daqueles que já a detém, de há muito tempo, como no caso em exame. III – Na espécie dos autos, os papagaios “Tico, Teco e Lico”, sem dúvida, já encontraram um novo “habitat”, com as características de integração do homem-natureza, em perfeito equilíbrio sócio-ambiental, onde o carinho humano, que se transmite aos pássaros, elimina-lhes as barras do cativeiro, propiciando-lhes um ambiente familiar, ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida deles próprios e daqueles que os cercam, em clima de paz e felicidade. Retirá- los desse convívio humano é cometer gravíssima agressão ambiental, o que não se recomenda, nem se permite, no caso. IV – Por fim, não há que se falar em litigância de má-fé por parte da impetrante, na medida em que não restou configurada nenhuma das hipóteses do art. 17 do Código de Processo Civil. V – Apelação e remessa oficial desprovidas. Sentença confirmada. (TRF-1 – AMS: 203103020084013800, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Data de Julgamento: 20/08/2014, QUINTA TURMA, Data de Publicação: 01/09/2014).
2.6. VÍNCULO AFETIVO RECONHECIDO PELA JURISPRUDÊNCIA
No mesmo sentido é o posicionamento do Tribunal Regional Federal da 5ª Região:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANIMAL SILVESTRE – PAPAGAIO. APREENSÂO. VINCULO AFETIVO. GUARDA HÁ MAIS DE CINCO ANOS. RAZOABILIDADE. 1. Agravo de Instrumento manejado contra a decisão que indeferiu o pedido de guarda provisória do papagaio apelidado “Ourinho”. 2. Embora o IBAMA tenha respaldo legal para atuar em defesa dos animais silvestres, a mesma deve ser feita com a observância ao princípio da razoabilidade, levando sempre em consideração o bem-estar do animal. 3. Na hipótese, o papagaio “Ourinho” já se encontra na família do Agravante há mais de 5 (cinco) anos e, conforme consta dos autos, se foi formando um vínculo emocional com o animal, de tal modo que, pela diligência com que o Agravante se predispôs a reavê-lo e levá-lo de volta ao lar, não seria razoável afastá-lo do convívio da família. Agravo de Instrumento provido. (TRF-5 – AGTR: 103435 CE 0121088- 14.2009.4.05.0000, Relator: Desembargador Federal Geraldo Apoliano, Data de Julgamento: 29/04/2010, Terceira Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça Eletrônico – Data: 18/05/2010 – Página: 306 Ano: 2010)
Referido entendimento é também corroborado pelo TRF-2:
DIREITO CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA. IBAMA. PAPAGAIO. AMBIENTE DOMÉSTICO. MANUTENÇÃO POR MAIS DE UMA DÉCADA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. APREENSÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A sentença, ratificando decisão antecipatória, manteve o autor na posse de ave silvestre, espécie amazona aesteiva, convencida de que, a luz do princípio da razoabilidade, um papagaio criado no convívio familiar por 16 anos, adaptado ao ambiente doméstico, tem hábitos de ave de estimação, e não ficaria mais protegido em seu habitat natural. 2. A posse de ave silvestre sem autorização ou permissão da autoridade competente constitui infração ambiental, entretanto, nas circunstâncias especiais, impõe-se analisar o caso, à luz do princípio da razoabilidade, levando-se em conta o bem-estar do animal. 3. A declaração do autor, subscrita por duas testemunhas, fotos da ave com o irmão dele, e atestados de dois veterinários, testificam o tempo de convivência, os cuidados ao animal, e seu bom estado de saúde, inexistindo indícios de que comercialize animais. 4. A permanência do papagaio no ambiente doméstico por mais de uma década é sugestiva de que o seu retorno ao meio natural poderá causar-lhe dano irreversível se precisar lutar pela própria sobrevivência, sendo que o longo período em cativeiro doméstico mitiga a sua qualificação como silvestre. Precedentes do STJ. 5. Agravo retido não conhecido. Apelação e remessa necessária desprovidas. (TRF-2 – APELRE: 201051010025690 RJ, Relator: Desembargadora Federal NIZETE LOBATO CARMO, Data de Julgamento: 17/11/2014, SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: 26/11/2014)
Trata-se, portanto, de direito líquido e certo, evidente e exaustivamente demonstrado, razão pela qual se torna necessário que a medida administrativa tomada pela parte impetrada seja liminarmente anulada, para que a ave, comprovadamente doméstica, possa retornar aos braços de sua cuidadora até a decisão final por Vossa Excelência, o que certamente será de total procedência do pedido, ante toda a exposição fática e jurídica do pedido.
2.7. DO VÍNCULO AFETIVO E RISCOS À INTEGRIDADE FÍSICA E PSICOLÓGICA DA IMPETRANTE
É necessário levar em consideração, ainda, o intenso vínculo afetivo estabelecido entre a impetrante e o animal, ao passo em que a retirada da ave do convívio doméstico com sua cuidadora tem se mostrado extremamente atentatório à sua saúde.
Como faz prova irrefutável o laudo psicológico, a impetrante encontra-se fortemente abalada psicologicamente com o afastamento do papagaio, o qual, na inexistência de filhos e lastreado por um histórico familiar traumático da impetrante, cumpria papel fundamental no seu equilíbrio emocional, sendo absolutamente temerária a decisão de manter o animal afastado da impetrante, sobretudo quando este tinha tratamento irretocável e está integralmente adaptado ao seu novo habitat.
Fica clarividente, o prejuízo à saúde da impetrante a separação do papagaio com ela de forma abrupta, bem como a relação extremamente sensível que a senhora tem com os animais, especialmente aquele que detém relacionamentos duradouros como este, ficando ainda mais latente a necessidade do reencontro urgente do animal com sua cuidadora e a manutenção da posse deste, pelo bem do animal e da impetrante.
2.8. ENTENDIMENTO DO TRF-4 QUANTO A MANUTENÇÃO DO ANIMAL COM SEU TUTOR
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região também entende que o vínculo existente entre o animal e seu cuidador deve ser levado em consideração para fins de aplicação das medidas administrativas cabíveis. No presente caso, é imperioso que se determine a devolução do animal à impetrante, uma vez que convive com o pássaro há mais de 20 (vinte) anos, e sua ausência temporária já tem provocado intensos abalos psicológicos à sua cuidadora.
AMBIENTAL. AVES SILVESTRES. INEXISTÊNCIA DE LICENÇA. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DA GUARDA. EXCEPCIONALIDADE. PRECEDENTES DESSA CORTE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1. É indispensável que se proteja a fauna, principalmente pelo que ela representa para a biodiversidade e para o desenvolvimento dos ecossistemas. Daí o interesse em se coibir o comércio ilegal das espécies oriundas da fauna silvestre. É verdade, contudo, que em casos de guarda doméstica de papagaios, esta Corte tem adotado princípios e levado em conta outros vetores da questão fática da guarda do papagaio, para além da lei. Nesses casos, se analisa as circunstâncias fáticas do caso, se atenta às peculiaridades. 2. No caso dos autos, no próprio auto de apreensão lavrado pela Polícia Ambiental constou que o papagaio estava com o autor havia 22 anos, circunstância não questionada. Presente este quadro, até por uma questão de isonomia, não vejo como se possa manter a multa, pois em casos similares não só houve o afastamento da multa como a devolução dos animais (inclusive papagaios) aos autuados. Tenho, entrementes, que a multa deve ser rechaçada, pois a situação dos autos não se diferencia daquelas que foram objeto dos repetidos precedentes dessa Corte. (TRF-4 – AC: 50245271020144047107 RS 5024527-10.2014.404.7107, Julgamento: 30/08/2016)
No mesmo sentido é o posicionamento do Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme se vislumbra na ementa abaixo:
MEIO AMBIENTE – APELAÇÃO – AÇÃO ANULATÓRIA COM PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA – POSSE DE ANIMAL SILVESTRE – PAPAGAIO – POSSE, PELOS AUTORES, POR MAIS DE 15 ANOS – VÍNCULO AFETIVO CARACTERIZADO – INEXISTÊNCIA DE MAUS TRATOS – NÃO CONSTATAÇÃO DE DANO À SAÚDE DO ANIMAL – APREENSÃO ANULADA – MANUTENÇÃO DO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL QUANTO ÀS DEMAIS DETERMINAÇÕES –Observadas as peculiaridades do caso concreto, é possível a manutenção da posse de animal silvestre, em razão da relação de afeto desenvolvida – Na hipótese dos autos, infere-se que o animal está na posse dos autores há mais de 15 anos, sendo que não se constata qualquer dano à sua saúde. Ainda, as imagens e as declarações atestam o longo lapso temporal de convivência da ave com os autores, bem como a ausência de precariedade do ambiente em que vivia – Todavia, conquanto de rigor a anulação do Auto de Infração Ambiental no concernente à apreensão da ave, não há se falar na sua anulação no que tange às demais determinações. (TJ-SP – APL: 10075588520158260032 SP 1007558-85.2015.8.26.0032)