EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DE FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE…
REQUERENTE, vem, por seus procuradores regularmente constituídos, propor AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO COM PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA, INAUDITA ALTERA PARTE POR AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA contra a REQUERIDA, o que faz com fundamento nas razões de fato e de direito a seguir expostas, e conforme custas iniciais devidamente recolhidas.
1. OBJETO DA PRESENTE AÇÃO
Por meio da presente ação, a Requerente objetiva a anulação dos Autos de Infração Ambiental, lavrados em razão de suposto uso não autorizado de fogo. Por consequência, foram impostas multas pecuniárias cujo valor histórico consolidado.
O que se verá, é que a Requerente jamais fez uso de fogo. Tratou-se, em verdade, de incêndio de autoria desconhecida, iniciado às margens de curso d’água com alta movimentação (atividades de pesca e lazer em geral) e sem qualquer conduta por parte da requerente, o que configura fato de terceiro.
Com efeito, será demonstrado que a responsabilidade ambiental na esfera administrativa é subjetiva, conforme posição jurisprudencial consolidada, exigindo-se a existência de conduta culposa por parte do pretenso infrator, e, que no caso concreto, verificou-se a nítida ocorrência de fato de terceiro, já que o fogo se iniciou às margens de curso d’água com alta movimentação de terceiros.
Em sede de tutela provisória de urgência, com base no oferecimento de seguro garantia idôneo e suficiente, a Requerente postula a suspensão imediata da exigibilidade das multas que lhe foram indevidamente imputadas, até o julgamento de mérito da presente demanda.
2. SÍNTESE DOS FATOS
Trata-se de ação declaratória de nulidade de atos administrativos (autos de infração ambiental), lavrados por agentes vinculados à Secretaria de Estado de Meio Ambiente. Como dito, os autos de infração ambiental foram expedidos em razão de suposto uso não autorizado de fogo, na propriedade da requerente.
Observe-se que o AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL foi lavrado em decorrência de suposto uso de fogo não autorizado em áreas agropastoris, enquanto o AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL foi lavrado por danificar vegetação nativa em estágio pioneiro, mediante emprego de fogo, em área considerada de preservação permanente (“APP”), sem autorização do órgão competente.
A seguir, a Requerente passa a expor o pano de fundo fático da presente demanda, mas, desde já, registra que seguem anexas as cópias integrais dos processos administrativos instaurados a partir da lavratura dos autos de infração ambiental em questão. Como os referidos procedimentos tratam do mesmo evento e tramitaram de forma praticamente idêntica, para facilitar a análise de V. Exa., as referências de folhas contidas na presente peça dizem respeito ao processo administrativo do AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL.
Pois bem. O incêndio objeto das autuações se iniciou por atitudes de terceiros, uma vez que o local do início do fogo fica às margens de rio que conta com intensa movimentação de pescadores e visitantes que acessam a área, para fins de lazer.
Neste ponto, cumpre registrar que os próprios processos administrativos deixam dúvidas sobre o exato ponto onde se iniciou o fogo, confusão esta que inclusive corrobora para a nulidade das autuações.
Da análise dos procedimentos, verifica-se que, em duas oportunidades distintas, é apontado o início do foco do incêndio, com a indicação de duas coordenadas próximas uma da outra e do referido rio.
Fato é que, independentemente da imprecisão da autoridade fiscalizadora a respeito da localização do incêndio, tão logo identificado o seu foco, o motorista de um dos caminhões da brigada de incêndio da Requerente, que permanece em plantão em local estratégico na propriedade, acionou a brigada de combate a incêndio da empresa.
Registre-se que, conforme reconhecido pelos próprios agentes da Requerida, a área atingida pelo fogo conta com aceiros perfeitamente. Assim, a propriedade atende às determinações legais no sentido de que áreas de cultivo de cana de açúcar devem estar cercadas por aceiros para auxiliar na prevenção de incêndios acidentais.
Do mesmo modo, como comprovam as listas de presença anexadas no processo administrativo, todos os integrantes da brigada de combate a incêndios da propriedade passam por recorrentes treinamentos e programas de reciclagem, sendo capacitados para agir da maneira mais eficiente possível em eventuais incêndios.
A Requerente também dispõe de Plano de Ação de Emergência evidentemente colocado em prática no combate ao incêndio em questão.
Ademais, a requerente mapeia os pontos críticos em termos de risco de incêndio em suas fazendas, para que sejam definidos pontos de observação nos locais mais altos.
2.1. ATUAÇÃO PREVENTIVA NO COMBATE AO FOGO
Diante do exposto, resta comprovado que a Requerente atuou de forma extremamente diligente com seus diversos programas de prevenção e combate a incêndio. Foram tomadas todas as medidas cabíveis para evitar incêndios e para debelar eventuais focos acidentais, não havendo que se falar em omissão ou negligência por parte da requerente.
Após intenso combate, o fogo foi controlado, mas não sem antes ter causado significativos prejuízos à Requerente. Em primeiro lugar, a diferença entre os resultados que eram projetados para a colheita no tempo certo, e os resultados reais que foram alcançados com a colheita prematura da cana-de-açúcar atingida pelo fogo (ou seja, antes do tempo certo).
A existência de colheita mecanizada na propriedade foi reconhecida pelos próprios agentes fiscalizadores da Requerida, ao relatarem que “no momento da fiscalização, existia no local uma colheitadeira de cana”.
Outrossim, o documento emitido pela Secretaria de Meio demonstra que existia (assim como existe) previsão para colheita de cana crua, de forma mecanizada.
Em terceiro lugar, aliado ao fato de que realiza colheita mecanizada, resta claro que a Requerente não teria qualquer interesse em atear o fogo.
Isso porque, como se sabe, o incêndio em áreas de lavoura resulta em toda sorte de prejuízos para o solo e futuros cultivos, como a compactação do solo, a perda de umidade do solo, o aumento no consumo de água e o aumento do consumo de herbicida, devido à proliferação de ervas daninhas por conta da existência de solo descoberto.
Em quarto lugar, viu-se que, além das áreas agropastoris, o fogo atingiu também áreas com vegetação nativa. Ora, é sabido que qualquer interferência em vegetação de APP ou em vegetação nativa pode gerar a necessidade de recomposição, o que, inevitavelmente, implicaria custos adicionais e não previstos pela Requerente.
Em quinto lugar, a queima das áreas impossibilitou que a requerente utilizasse a biomassa (palha), que já estava em campo após a colheita mecanizada da cana crua, como adubo e proteção para o solo. Tal prática é de suma importância para os ciclos seguintes de plantio.
Em sexto lugar, além de todos os prejuízos já citados, a queima de áreas com cana em pé implicou perdas agronômicas decorrentes do subaproveitamento da variedade atingida.
A ocorrência de incêndio, ao forçar o corte e a colheita prematuros de cana, conduz a perdas nos índices de Toneladas de Cana por Hectare (TCH) e, de Açúcar Total Recuperável (ATR), o que impacta diretamente o volume da matéria-prima que alimenta o processo produtivo da usina, de sorte que, por óbvio, há redução no volume dos produtos finais–açúcar, etanol e energia gerada por cogeração.
Por fim, observe-se que, já na manhã no dia seguinte ao incidente, visando colaborar com a apuração das causas do incêndio, a Requerente registrou a ocorrência perante a Delegacia de Polícia, conforme Boletim de Ocorrência.
2.2. FOGO DE ORIGEM E AUTORIA DESCONHECIDA
No documento, a Requerente registra que se tratou de fogo com autoria desconhecida, e que não haveria qualquer interesse de sua parte no uso de fogo na área porque esta não estava prevista para ser colhida por meio de queima controlada.
Diante de tudo isso, fica difícil compreender como os agentes fiscalizadores da Requerida poderiam chegar à conclusão de que a Requerente teria feito uso de fogo, causando uma série de graves prejuízos a si própria.
Quanto a este ponto, os agentes da Requerida tentaram, em vão, demonstrar um suposto liame de causalidade entre o fogo e a Requerente, ao alegar que a responsável pela área deve ser responsabilizada por quaisquer danos ali verificados, independentemente da verificação de conduta infratora de sua parte.
Ocorre que, como se demonstrará no presente exordial, a responsabilidade ambiental na esfera administrativa – diferentemente da civil – NÃO é objetiva e, portanto, depende da ocorrência de conduta causadora do incêndio, o que não se verifica in casu.
Além disso, aduz a Requerida que a requerente teria se beneficiado da queima, por ter colhido os talhões queimados. Nada mais absurdo uma vez que, como visto, o que ocorreu foi justamente o contrário, já que a Requerente sofreu uma série de prejuízos decorrentes do fogo.
Nesse sentido, é evidente que o processamento da cana queimada não foi uma forma de auferir benefícios, mas sim a única alternativa que restou à Requerente para que pudesse minimizar os prejuízos já experimentados diante do incêndio que acabou atingindo seu canavial, com o qual não concorrem com qualquer conduta (comissiva ou omissiva).
Para que o alegado benefício fosse efetivamente configurado, seria preciso que, no caso concreto, o recebimento e processamento da cana queimada resultasse em uma vantagem que não seria obtida com o processamento da cana crua.
Todavia, o que se verificou foi exatamente o oposto: a cana colhida crua seria cortada sem a necessidade de emprego de brigadas de incêndio e sem causar prejuízos às futuras safras. Entretanto, com a queima acidental da cana, todos esses elementos não previstos tiveram de ser incorporados nos custos da Requerente.
Diante do exposto, não há como afastar a conclusão de que se tratou de incêndio de autoria desconhecida, configurando nítida hipótese de fato de terceiro.
Como visto, o fogo se iniciou às margens de rio com alta movimentação de pescadores e moradores da região em busca de lazer, ou seja, certamente por terceiros não identificados.
Não houve a concorrência de qualquer conduta por parte da Requerente, que foi em verdade vítima do incidente, sofrendo diversos prejuízos por sua causa e tendo adotado todas as medidas ao seu alcance para prevenir e combater o fogo.
É nesse contexto que, esgotada a via administrativa, a Requerente se viu compelida a propor a presente ação para que seja declarada a nulidade integral dos Autos de infração ambiental impugnados. Outrossim, como se verá adiante, pleiteia-se a suspensão da exigibilidade das multas em sede de tutela provisória de urgência.
3. RAZÕES PARA PROCEDÊNCIA DA DEMANDA
Conforme exposição a seguir, os Autos de infração ambiental devem ser declarados nulos, tendo em vista que a responsabilidade ambiental administrativa é subjetiva, conforme entendimento pacificado pelo E. STJ, sendo exigida conduta culpável do suposto infrator – o que não ocorreu no caso concreto, que tratou de incêndio de autoria desconhecida, iniciado às margens de rio com alta movimentação de terceiros, configurando fato de terceiro..
3.1. ABSOLUTA AUSÊNCIA DE CONDUTA INFRATORA E OCORRÊNCIA DE FATO DE TERCEIRO
A responsabilidade em matéria ambiental tem fundamento na Constituição da República que, em seu art. 225, § 3º, estabelece que “as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Assim, há previsão de responsabilização ambiental em três esferas: civil, penal e administrativa.
No que diz respeito à responsabilidade ambiental na esfera administrativa – que é a hipótese do presente caso –, é imperativo que exista uma conduta por parte do pretenso infrator. É isso o que preveem o art. 70[1] da Lei Federal 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais), e o art. 2[2] do aludido Decreto Federal 6.514/2008(Decreto Federal de Infrações Administrativas Ambientais).
Considerando que o que se busca é a punição de infratores por condutas ilícitas lesivas ao meio ambiente, a responsabilidade administrativa tem natureza repressiva, estando intimamente relacionada à noção de reprovabilidade da conduta, à culpabilidade do pretenso infrator, de forma análoga ao que se dá no âmbito penal.
Diferente é a responsabilidade civil, que possui índole reparatória, sendo, portanto, aplicáveis as teorias objetiva e do risco integral[3].
Como não poderia deixar de ser, as mais respeitadas doutrinas de Direito Ambiental sustentam a inquestionável natureza subjetiva da responsabilidade administrativa ambiental. Veja-se:
“Então, pondo em sinergia esses ensinamentos, pode-se concluir que a responsabilidade por infrações administrativas no direito ambiental é, induvidosamente, subjetiva.”[4]
“Não apenas a doutrina, mas a jurisprudência (inclusive a comparada) também reconhece a necessidade do elemento subjetivo para que possa se aplicar a alguém qualquer sanção, mesmo que esta seja administrativa, da qual as ambientais são espécies. Isso porque, ainda que inconscientemente, percebeu-se que a culpabilidade é princípio do direito sancionador aplicável às penalidades submetidas ao regime administrativo e não somente às infligidas pelo direito penal.”[5]
“É possível concluir-se que a aferição de qualquer infração administrativa ambiental exige que a administração ambiental demonstre, dentre outras características, que o infrator agiu com dolo ou culpa, matéria que diz respeito com a subjetividade do agente. Isso significa que NÃO se está diante de uma responsabilização cuja aferição se opera de forma objetiva necessitando apenas a comprovação do nexo entre o dano e sua respectiva autoria. Mas de uma análise sobre uma infração a um dispositivo legal em que se comina uma pena.”[6]
3.2. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA QUE É SUBJETIVA
Nesse exato sentido consolidou-se a jurisprudência pátria, merecendo destaque os recentes e reiterados julgados de ambas as Turmas de Direito Público do E. STJ, especialmente o de relatoria do Exmo. Ministro Herman Benjamin (renomado por sua militância em prol do meio ambiente), que demonstram que a jurisprudência daquela Corte se encontra PACIFICADA. Verbis:
“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA SUBMETIDOS AO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 2/STJ. EMBARGOS À EXECUÇÃO. AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO EM RAZÃO DE DANO AMBIENTAL. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. 1. Na origem, foram opostos embargos à execução objetivando a anulação de auto de infração lavrado pelo Município de Guapimirim – ora embargado -, por danos ambientais decorrentes do derramamento de óleo diesel pertencente à ora embargante, após descarrilamento de composição férrea da Ferrovia Centro Atlântica (FCA). 2. A sentença de procedência dos embargos à execução foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro pelo fundamento de que ‘o risco da atividade desempenhada pela apelada ao causar danos ao meio ambiente consubstancia o nexo causal de sua responsabilidade, não havendo, por conseguinte, que se falar em ilegitimidade da embargante para figurar no polo passivo do auto de infração que lhe fora imposto’, entendimento esse mantido no acórdão ora embargado sob o fundamento de que ‘[a] responsabilidade administrativa ambiental é objetiva’. 3. Ocorre que, conforme assentado pela Segunda Turma no julgamento do REsp 1.251.697/PR, de minha relatoria, DJe de 17/4/2012), ‘a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano’. 4. No mesmo sentido decidiu a Primeira Turma em caso análogo envolvendo as mesmas partes: ‘A responsabilidade civil ambiental é objetiva; porém, tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por não ser o efetivo causador do dano ambiental, responde subjetivamente pela degradação ambiental causada pelo transportador’ (AgRg no AREsp 62.584/RJ, Rel. p/ Acórdão Ministra Regina Helena Costa, DJe de 7/10/2015).5. Embargos de divergência providos.”[7]
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ARGUMENTOS SUSCITADOS NAS CONTRARRAZÕES. MANIFESTAÇÃO. DESNECESSIDADE. DANO AMBIENTAL. AUTO DE INFRAÇÃO. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA. CARÁTER SUBJETIVO. (…) 3. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a responsabilidade administrativa ambiental tem caráter subjetivo, exigindo-se a demonstração de dolo ou culpa e do nexo causal entre conduta e dano. Precedentes. 4. Agravo interno desprovido. (…) Além disso, a decisão ora agravada está alinhada ao mais recente entendimento adotado nesta Corte, segundo o qual é subjetiva a responsabilidade administrativa ambiental, diferentemente da responsabilidade civil por danos ambientais, cujo caráter é objetivo. ‘Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.’ (REsp 1.251.697/PR, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe 17/04/2012). (…)” [8]
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DANO AMBIENTAL. AUTO DE INFRAÇÃO. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA. EXIGÊNCIA DE DOLO OU CULPA. MULTA. CABIMENTO EM TESE. 1. Segundo o acórdão recorrido, “a responsabilidade administrativa ambiental é fundada no risco administrativo, respondendo, portanto, o transgressor das normas de proteção ao meio ambiente independentemente de culpa lato senso, como ocorre no âmbito da responsabilidade civil por danos ambientais”. 2. Nos termos da jurisprudência do STJ, como regra a responsabilidade administrativa ambiental apresenta caráter subjetivo, exigindo dolo ou culpa para sua configuração. Precedentes: REsp 1.401.500 Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 13/9/2016, AgRg no AREsp 62.584/RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Rel. p/ acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 7/10/2015, REsp 1.251.697/PR, Rel. Ministro. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17/4/2012. 3. Recurso Especial parcialmente provido.”[9]
Importante ressaltar que a jurisprudência se encontra consolidada também no E. TJSP no sentido de que a responsabilidade ambiental na esfera administrativa subjetiva.
3.3. JURISPRUDÊNCIA ANÁLOGA AO CASO
Aproximando-se do caso concreto, veja-se precedentes deste E. TJSP que reconhecem que (i) não é possível atribuir responsabilidade administrativa quando não foi verificada conduta no sentido de fazer uso de fogo e a autoria for desconhecida; (ii) o aproveitamento da cana queimada, por si só, não constitui infração, sendo impossível esperar outra conduta da Usina, quando não foi comprovada autoria do incêndio; (iii) quando o local atingido pelo fogo se situa em local com fácil acesso de terceiros, é mais um indício de que não houve conduta infratora; (iv) quando a propriedade atingida pelo incêndio possui sistema de colheita mecanizada, naturalmente não há interesse na realização da queima; (v) a presunção de legalidade do ato administrativo deve ser afastada quando não comprovada a autoria:
“Embargos à execução – Arguição de nulidade de auto de infração ambiental – Caráter subjetivo da infração – Necessidade da indicação do infrator e de se descrever a conduta culposa ou dolosa –Diferenciação entre responsabilidade administrativa ambiental e responsabilidade civil ambiental – Corte de cana queimada para uso – Conduta que não constitui ilícito quando não se identificou o autor do incêndio – APROVEITAMENTO DA CANA COMO CONSEQUÊNCIA NATURAL PARA A RECUPERAÇÃO DA CULTURA – Impossibilidade de se exigir conduta diversa da parte – Auto que não identifica o causador do incêndio – Recurso provido.”[10]
“Embargos à Execução Fiscal. Multa ambiental. Ituverava. Fazenda Beneficiar-se da queima da cana-de-açúcar, realizada em período de proibição e sem autorização do órgão ambiental. Resolução SMA nº 35/2010. Responsabilidade. – A responsabilidade administrativa é subjetiva, não objetiva como alega o Estado. – Benefício. Responsabilidade. Não há como afirmar que a embargante foi de qualquer modo ‘beneficiada’ pela queima; ao contrário, a embargante traz prova do alegado prejuízo; demonstra que, por contrato, a cana é colhida crua e de forma mecanizada, bem como que tem investido em tecnologia de combate a incêndios nas terras que explora. Os relatórios de inspeção atestam que o produto da queima estava sendo colhido para processamento pela usina; contudo, também indicam que na área atingida pelo fogo a cana já havia sido colhida anteriormente, o que corrobora a afirmação da embargante, no sentido de que não pretendia utilizar a queima para a colheita e processamento da cana. A época do ano em que ocorrido o incêndio e as circunstâncias demonstradas nos autos afastam a presunção de legalidade e legitimidade do ato administrativo impugnado. Benefício não demonstrado na espécie. – Procedência. Recurso da embargante provido. Recurso do Estado desprovido.”[11]
“MULTA AMBIENTAL. Anulação. Piracicaba. Queima da palha da cana-de- açúcar. DE nº 8.468/76, art. 26. LE nº 997/76. 1. Cana de açúcar. Queima. A prova demonstra que a cana seria colhida por meios mecânicos sessenta dias depois do evento; o local se situa à margem de uma rodovia estadual, de fácil acesso a terceiros; a executada mantém vigia em torres elevadas e deu início ao combate do fogo tão logo percebida a fumaça, contando com o auxílio da Polícia Rodoviária, da Polícia Militar, do Corpo de Bombeiros e do DER; colheu a cana oito dias depois, ao invés das 24 horas usuais; e moeu uma cana ainda não amadurecida, com menor rendimento. A descrição confirma que não se trata de uma queima promovida pela usina, mas de um incêndio espontâneo ou promovido por terceiro de que a usina foi vítima. 2. Cana de açúcar. Queima. Infração ambiental. A empresa foi autuada por queimar, infração comissiva que pressupõe a ação do infrator; a hipótese não subsiste, uma vez que a hipótese não envolve a queima, mas um incêndio de origem não determinada sem culpa da executada. A autuação não foi lavrada por a usina ter-se beneficiado, uma conduta diversa; e não se beneficiou, ao contrário, foi prejudicada pelo evento. Insubsistência da autuação. Procedência dos embargos. Reexame e recurso da Fazenda desprovido.”[12]
“MULTA AMBIENTAL. Ação anulatória. Araraquara. Queima da palha da cana-de-açúcar a menos de um quilômetro do perímetro urbano. DE nº 47.700/03, art. 4º, I. DE nº 8.468/76, art. 26. LE nº 997/76. Resolução SMA nº 30/15. Responsabilidade. Sanção. Valor. Cana de açúcar. Queima. O cultivo da cana-de-açúcar é feito em terras de terceiro; o auto de inspeção não indica que a queima tenha sido realizada pela autora. A empresa admite ser responsável pela exploração do imóvel de terceiro, mas afirma que a colheita feita na propriedade é totalmente mecanizada, afirmação não contestada pela CETESB, e que não causou a queima. A responsabilidade administrativa é subjetiva, como própria ao direito sancionador e reconhecido pelo STJ, e decorre da prática de ato típico; a prova produzida nos autos que é precária, não se vislumbrando nexo de causalidade mínimo entre a imputação e a conduta, sobretudo diante dos documentos apresentados pela autora. Improcedência. Recurso provido. ”[13]
“ANULATÓRIA. MULTA AMBIENTAL. QUEIMA DA PALHA DE CANA DE AÇÚCAR SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA. AUTORIA IMPUTADA À AUTORA. NÃO COMPROVAÇÃO. BENEFICIAMENTO. NÃO OCORRÊNCIA. NEXO DE CAUSALIDADE NÃO PROVADO. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO AFASTADA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA RECURSO NÃO PROVIDO. O ato administrativo goza, em princípio, de presunção de legitimidade e certeza. Uma vez refutado, abre-se a oportunidade de se comprovar a sua pertinência ou não, cumprindo ao agente público o ônus de provar a regularidade de seu proceder, nos termos do art. 373, II, do NCPC. Diante dos elementos dos autos, que não demonstram ter sido a autora responsável pelo incêndio em plantação de cana de açúcar, ou que tenha dele se beneficiado, de rigor a procedência da ação anulatória. ” [14]
Dessa forma, é de se repelir qualquer argumentação – como a empregada pela Requerida nos processos administrativos – no sentido de que a responsabilidade ambiental na esfera administrativa seria objetiva sob o frágil argumento de que se trata de matéria ambiental.
Não são aplicáveis, no âmbito administrativo, quaisquer argumentos que se valham de concepções como “responsabilidade objetiva e solidária”, “poluidor indireto” e “teoria do risco integral”, porquanto estas só encontram esteio no arcabouço jurídico que rege a responsabilidade ambiental CIVIL.
3.4. INAPLICABILIDADE DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA OBJETIVA
O que se vê no caso concreto é que a Requerida, nos processos administrativos, confunde as regras de responsabilidade civil e administrativa ambiental, ao aduzir em diversos momentos que “deve ser aplicada a regra da responsabilidade civil objetiva ambiental”. Contudo, tamanho desrespeito ao entendimento do ordenamento jurídico pátrio não pode ser permitido por este D. Juízo.
As decisões acima não deixam margem para dúvidas: a responsabilidade administrativa tem caráter subjetivo, dependendo, portanto, da configuração de culpabilidade por parte do pretenso infrator, a qual obviamente é afastada pela ocorrência de fato de terceiros, como no presente caso.
A propósito, doutrina[15] e jurisprudência[16] são uníssonas no que diz respeito à necessidade de afastamento da responsabilidade administrativa ambiental em decorrência de fato de terceiro.
Em relação especificamente ao caso concreto, relembre-se que a infração equivocadamente imputada à Requerente tem relação com a suposta conduta de fazer uso de fogo sem autorização do órgão ambiental. Ocorre que, como visto, não houve qualquer conduta culpável nesse sentido por parte da Requerente.
A bem da verdade, a Requerente foi vítima de um incêndio de autoria desconhecida, que acabou por atingir áreas de lavoura, causando-lhe severos prejuízos. Como visto, o fogo se iniciou próximo de rio notadamente movimentado, com intenso tráfego de pescadores da região e visitantes em busca de lazer.
Cumpre ressaltar, ainda, que não só não houve conduta infratora por parte da Requerente, como sequer haveria interesse no uso de fogo, até mesmo porque a empresa sofreu significativos prejuízos: (i) a diferença entre os resultados que eram projetados para a colheita no tempo certo e os resultados reais que foram alcançados com a colheita da cana-de- açúcar atingida pelo fogo somam a vultuosa quantia; (ii) os próprios custos oriundos do combate ao incêndio; (iii) perdas para o solo e futuros cultivos; (iv) além das áreas agropastoris, o fogo atingiu áreas com vegetação nativa, o que pode gerar a necessidade de recomposição a custos altos; (v) impossibilidade de uso, como adubo e proteção para o solo, da biomassa (palha); e (vi) perdas agronômicas decorrentes do subaproveitamento da variedade atingida. Para maiores detalhes, v.
3.5. AUSÊNCIA DE INTERESSE NO USO DE FOGO OU INCÊNDIO
Além disso, a propriedade afetada conta com sistema de colheita mecanizado, de modo que a cana é colhida crua, sem a necessidade de uso controlado do fogo como método despalhador.
Soma-se a isso tudo o fato de que a Requerente envidou todos os esforços possíveis de combate e prevenção de incêndio, que incluem mobilização de pessoal e equipamentos especializados, bem como o posicionamento preventivo de caminhões em pontos de observação para as áreas críticas de risco de incêndio. De fato, os próprios agentes da Requerida reconhecem que a área atingida pelo fogo conta com aceiros perfeitamente regulares.
Outrossim, foi comprovado que todos os integrantes da brigada de combate a incêndios agrícolas da propriedade passam por recorrentes treinamentos; além da disposição de Plano de Ação de Emergência, obviamente colocado em prática no incêndio em questão.
Diante disso, não há como manter o entendimento exarado pela Requerida em sede administrativa de que a Requerente teria se beneficiado da queima, por ter colhido os talhões queimados. Nada mais absurdo uma vez que, como visto, o que ocorreu foi justamente o contrário, já que a Requerente sofreu uma série de prejuízos.
É evidente que o processamento da cana queimada não foi uma forma de auferir benefícios, mas sim a única alternativa que restou à Requerente para que pudesse minimizar os prejuízos já experimentados diante do incêndio que acabou atingindo seu canavial, com o qual não concorrem com qualquer conduta (comissiva ou omissiva).
Para que o alegado benefício fosse efetivamente configurado, seria preciso que, no caso concreto, o recebimento e processamento da cana queimada resultasse em uma vantagem que não seria obtida com o processamento da cana crua.