EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DOUTOR (A) JUIZ (A) DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE…
AUTORA, qualificação completa, vem, à presença de Vossa Excelência, por seu advogado, propor AÇÃO PARA ANULAR AUTO DE INFRAÇÃO E MULTA AMBIENTAL em face do ÓRGÃO AMBIENTAL, conforme passa a expor.
1. RESUMO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO E SÍNTESE DA DEMANDA
Cuidam os autos de ação declaratória de nulidade do Auto de Infração Ambiental e do Auto de Multa lavrados pelo órgão ambiental contra a autora, por suposta supressão e poda inadequada de árvores, com enquadramento no art. 72, Inciso I do Decreto Federal 6.514/08:
Art. 72. Destruir, inutilizar ou deteriorar: – bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial; Multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).
A autora apresentou defesa administrativa, alegando ausência de responsabilidade, mas a defesa restou indeferida, razão pela qual foi interposto recurso administrativo, que também foi improvido.
Contudo, o auto de infração ambiental e aplicação de penalidade imposta à autora acarreta prejuízos inarredáveis, sobretudo quando à inclusão do débito referente à penalidade de multa ambiental no Cadin, inscrição das Autoras em Dívida Ativa e a propositura de Execução Fiscal, sendo imprescindível o ajuizamento da demanda para declarar a nulidade da penalidade ambiental, conforme passa a expor.
2. INEXISTÊNCIA DE CONDUTA IRREGULAR E AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA
Prima facie, impõe-se demonstrar que não estão presentes os elementos essenciais para a responsabilização administrativa das Autoras, uma vez que não houve a conduta a si atribuída pela Ré, pois, uma vez sendo a conduta um dos pressupostos para a responsabilidade administrativa, inexiste infração ambiental a ser imputada às Autoras.
Conforme visto, às Autoras foi imputada a conduta ilícita de supressão e poda inadequada de árvores, infração enquadrada no § 1º art. 70 da Lei Federal 9.605/1998; no inciso I do art. 72 do Decreto Federal 6.514/2008, por ter o órgão municipal ambiental entendido que havia sido descumprido o termo de compromisso ambiental.
No entanto, não há qualquer conduta, por ação ou omissão, que possa ser imputa às Autoras, eis que, como exposto, a vistoria comprobatória do cumprimento do termo de compromisso ambiental somente ocorreu por ocasião em que o imóvel onde teria ocorrido a infração administrativa em questão já se encontrava há muito em posse e propriedade dos moradores integrantes do Empreendimento.
Isso porque, a atividade econômica desempenhada pelas Autoras envolve o desenvolvimento e incorporação de empreendimentos imobiliários, os quais, uma vez concluídos, são entregues aos compradores, transferindo-se a esses a posse e a propriedade dos terrenos e, consequentemente, a responsabilidade pela manutenção das árvores existentes no local.
Veja-se que, se assim não fosse, as construtoras e incorporadoras ficariam vinculadas eternamente aos empreendimentos que construíram, sem ao menos possuir qualquer ingerência sobre o imóvel. Nada mais absurdo.
Isto é, depois de anos de encerrada a obrigação das Autoras é que o órgão municipal ambiental promoveu a realização de vistoria e determinou a lavratura dos Autos de Infração Ambiental e de Multa Ambiental ora rechaçados.
Ora, não se mostra minimamente razoável exigir-se que as Autoras assumam perpetuamente a responsabilidade de manutenção de indivíduos arbóreos existentes no local, uma vez tendo sido o empreendimento entregue ao Empreendimento.
Não é demais lembrar que, em decorrência da natureza propter rem dos passivos existentes na propriedade, que determina a transferência desses ao novo proprietário juntamente com a transferência da propriedade, a suposta falta de manutenção de referidos indivíduos arbóreos seria imputável ao Empreendimento e não, tal como ocorreu, às Autoras.
2.1. INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA
Nesse sentido, veja-se que, a Assessoria Jurídica do órgão municipal ambiental solicitou que informasse se o Empreendimento também havia sido autuado pelo mesmo fato, bem como se seria possível precisar o momento exato em que ocorreram os supostos danos, demonstrando também o nexo causal entre a ação dos interessados e os danos, visto que o empreendimento já ocupava o imóvel à época.
Após análise de tal resposta, a Assessoria Jurídica do órgão municipal ambiental, também inconformada com a conclusão da equipe técnica, por sua vez, insistiu que o simples fato de não ter sido apresentado o certificado de recebimento definitivo das obrigações do termo de compromisso ambiental seria prova inequívoca do descumprimento do acordo pelas Compromissárias – ora Autoras -, sendo estabelecido, assim, o nexo causal do processo. Ora, nada mais absurdo!
Tal constatação evidencia a real situação que, há tempos, se verifica no local: o Empreendimento assumiu, de fato, as responsabilidades pela manutenção da vegetação de porte arbóreo existente no interior do imóvel, sem qualquer possibilidade de interferência nesse sentido.
O fato é que, instalou-se uma situação de beligerância decorrente de desacertos entre as partes relativos a supostos vícios construtivos, o que culminou com o ajuizamento de uma medida cautelar de produção antecipada de provas, e duas ações.
Desde então, a entrada no empreendimento é restrita, dependendo de autorização expressa do mesmo, e destinada unicamente à realização de pequenos reparos técnicos.
É inegável que se as autoras tivessem ingressado no Empreendimento e suprimido árvores, realizado poda inadequada em exemplares, tais fatos não teriam passado incólumes à Secretaria do Meio Ambiente, muito menos nos processos judiciais acima indicados.
Basta que se verifique a menção feita no Relatório Técnico de vistoria onde a representante do Empreendimento faz questão de informar que ao realizar reformas atuais, teria ocasionado maus-tratos a exemplares arbóreos, alegação essa que ora se repudia veementemente.
2.2. NÃO COMPROVAÇÃO DO DANO
Logo, se alguém, de fato, suprimiu ou maltratou os exemplares arbóreos existentes no interior da propriedade, certamente não foi a autora. Resta claro que os plantios e demais obrigações constantes do termo de compromisso ambiental e seu aditivo foram devidamente realizados, tanto que foi concedido o regular “Habite-se” para o empreendimento.
Note-se, inclusive, que não faz qualquer sentido a alegação do órgão municipal ambiental de que os Certificados de Conclusão apresentados pelo interessado foram emitidos sem que houvesse parecer técnico para confirmação do cumprimento das cláusulas do termo de compromisso ambiental e, portanto, foram emitidos de forma irregular.
Ou seja, as Autoras firmaram compromisso com o Município, por meio de sua Secretaria do Meio Ambiente, e, pela Prefeitura desse mesmo Município, receberam os Certificados de Conclusão do empreendimento atestando a sua plena regularidade. Portanto, descabido o órgão municipal ambiental alegar a irregularidade de tais Certificados.
Assim, resta demonstrado o equívoco do órgão municipal ambiental, em imputar às Autoras a alegada conduta ilícita, pois a manutenção das árvores existentes no empreendimento é de responsabilidade exclusiva do Empreendimento.
Salta aos olhos, portanto, que não houve qualquer ação ou omissão imputável às Autoras, uma vez que, se descumprimento do termo de compromisso ambiental houve, essa responsabilidade somente poderia ser atribuída ao Empreendimento, quando foi realizada a sua assembleia de instalação.
Destarte, ante a ausência de conduta a ser atribuível às Autuadas (ora Autoras), além de haver flagrante violação à teoria dos motivos determinantes, também com relação ao mérito da autuação, não subsistem o Auto de Infração Ambiental.
2.3. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL DAS AUTORAS
Conforme visto, uma vez que não pode ser imputável às Autoras a conduta referente a supressão de exemplares arbóreos e maus tratos a outros exemplares, inexiste a conduta indicada nos referidos atos administrativos sancionatórios ora rechaçados.
Ou seja, não sendo as Autoras proprietárias da área e, por tal razão, não sendo elas as responsáveis pela manutenção dos indivíduos arbóreos lá existentes, não se pode afirmar que essas praticaram qualquer conduta comissiva ou omissiva, direta ou indiretamente, com culpa e muito menos com dolo, que pudesse ser caracterizada como supressão, nem mesmo maus tratos desses indivíduos arbóreos.
Ao revés, há farta documentação nos autos demonstrando a formalização da transferência da propriedade para o Empreendimento.
Bem ainda, há que se recordar que, após a instalação do Empreendimento, a construtora deixa de ter qualquer ingerência sobre o imóvel, não sendo sequer permitido o seu livre acesso, principalmente no caso em que há uma relação de conflito, como no presente caso.
Clarividente, portanto, que as Autoras procederam nos exatos termos da legislação em vigor, não havendo falar em conduta ilícita ou comportamento em desacordo com as normas vigentes, requisito basilar para a caracterização da responsabilidade administrativa, conforme explanado acima.
Sendo certo que a responsabilização administrativa é absolutamente pessoal e subjetiva, não pode o órgão administrativo (ora Réu) punir uma pessoa por conduta de outra, nem mesmo punir sem que seja demonstrado o dolo ou a culpa do Administrado.
2.4. JURISPRUDÊNCIA
Relembre-se que, em caso semelhante ao presente, em verdadeira lição sobre a diferenciação entre responsabilidade civil e a administrativa, nosso Superior Tribunal de Justiça, afirmando o caráter subjetivo e pessoal dessa última, assim decidiu:
AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. MULTA APLICADA ADMINISTRATIVAMENTE EM RAZÃO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. EXECUÇÃO FISCAL AJUIZADA EM FACE DO ADQUIRENTE DA PROPRIEDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. MULTA COMO PENALIDADE ADMINISTRATIVA, DIFERENTE DA OBRIGAÇÃO CIVIL DE REPARAR O DANO. […]
Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.
A diferença entre os dois âmbitos de punição e suas consequências fica bem estampada da leitura do art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81, segundo o qual “[sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo [entre elas, frise-se, a multa], é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.
O art. 14, caput, também é claro: “[sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: […]”.
Em resumo: a aplicação e a execução das penas limitam-se aos transgressores; a reparação ambiental, de cunho civil, a seu turno, pode abranger todos os poluidores, a quem a própria legislação define como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3º, inc. V, do mesmo diploma normativo).
Note-se que nem seria necessária toda a construção doutrinária e jurisprudencial no sentido de que a obrigação civil de reparar o dano ambiental é do tipo propter rem.