Ação judicial com pedido de anulação do auto de infração ambiental por vício de motivação, e violação ao princípio da razoabilidade e proporcionalidade na fixação do valor da multa ambiental.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA
REQUERENTE, vem, por seus procuradores – cujo instrumento de mandato será juntado no prazo de 15 (quinze) dias, como permite o art. 104, § 1º, do Código de Processo Civil (“CPC”) –, propor AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL com pedido de tutela provisória de urgência, inaudita altera parte com fulcro nos arts. 52, parágrafo único, 294 e 300, todos do Código de Processo Civil (“CPC”), contra REQUERIDA, pessoa jurídica de direito público, o que faz com fundamento nas razões de fato e de direito a seguir expostas, e conforme custas iniciais devidamente recolhidas.
1. DOS FATOS
A Requerente objetiva com a presente demanda, a anulação do auto de infração ambiental que impôs penalidade de multa ambiental, lavrado em razão de suposto uso não autorizado de fogo.
Referido auto de infração com imposição de penalidade de multa ambiental foi lavrado porque o fogo supostamente teria atingido vegetação nativa, causando incômodos à população pela emissão de fumaça e fuligem para atmosfera, razão pela qual os agentes da Requerida decidiram autuar a Requerente e impor multa administrativa.
Todavia, o incêndio objeto da autuação tem origem em local externo à área de atuação da Requerente, muito próximo às margens de rio limítrofe à propriedade, local notadamente conhecido pela intensa movimentação em razão da realização de atividades de pesca.
Tal circunstâncias também podem ser constatadas a partir da análise do Auto de Inspeção lavrado pela própria Requerida, que relata a existência de vegetação nativa atingida junto ao rio.
Ainda, merece menção o fato de que a Fazenda contava com aceiros limpos, mantidos como medida de prevenção em caso de incêndio, e com a manutenção em dia, sem presença de material ou vegetação que pudesse propagar o fogo indesejável ao canavial.
Diante do exposto, resta comprovado que a Requerente atuou de forma diligente na prevenção e combate a incêndio. Foram tomadas todas as medidas cabíveis para evitar incêndios e para debelar eventuais focos acidentais.
Diante do exposto, não há como afastar a conclusão de que se tratou de incêndio de autoria desconhecida, configurando nítida hipótese de fato de terceiro, excludente de responsabilidade cuja incidência na responsabilização ambiental administrativa, como se verá, é incontestável.
Portanto, diante do exposto, cabível a suspensão da exigibilidade da multa e por fim, a procedência da demanda, conforme passa a demonstrar.
2. VÍCIO DE LEGALIDADE: INADEQUAÇÃO DA PENALIDADE DE MULTA
Sem prejuízo dos fatos e fundamentos já expostos, caso esse MM. Juízo entenda por não acolher os legítimos pedidos de anulação do auto de infração com imposição de penalidade de multa ambiental – o que se admite para fins de argumentação –, ainda que assim fosse, a via punitiva que se pretende aplicar é imprópria para a situação em tela.
Segundo disposição do art. 72 da Lei Federal 9.605/1998, as infrações administrativas ambientais são passíveis de punição com diversas sanções.
Ao tratar individualmente das espécies de sanções administrativas, a referida Lei Federal 9.605/1998 dispõe sobre a sanção de advertência, prescrevendo que esta será aplicada pela inobservância das disposições da legislação em vigor, ou de preceitos regulamentares (art. 72, § 2º).
Assim, constata-se que a advertência pode ser entendida como uma penalidade padrão a ser aplicada às infrações administrativas, não havendo qualquer condição ou pressuposto para sua incidência.
De outro lado, quando dispõe sobre a penalidade “multa simples”, o art. 72, § 3º, da Lei Federal 9.605/1998 é imperativo no sentido de exigir a ocorrência de negligência ou dolo[1] por parte do pretenso infrator para que a referida penalidade possa ser aplicada.
Igualmente, o Decreto Federal 6.514/2008, em seu art. 3º, § 2º, comanda que “a caracterização de negligência ou dolo será exigível nas hipóteses previstas nos incisos I e II do § 3º do art. 72 da Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998”.
Nesse sentido, os dispositivos acima mencionados indicam que a aplicação da penalidade “multa simples” relaciona-se eminentemente com a configuração de culpa ou dolo por parte do infrator, em consonância com o já abordado caráter repressivo das sanções administrativas.
Ora, é indubitável que a simples observância dos fatos demonstra a não configuração das hipóteses de aplicação da penalidade multa simples, em particular porque sequer foi demonstrada qualquer conduta da Requerente no sentido de queimar palha de cana, que dirá uma conduta culpável.
Admitir a cominação de multa simples sem que se tenham verificado os pressupostos para sua aplicação significa frontal atentado ao princípio constitucional do devido processo legal e, em última análise, ao próprio princípio da legalidade.
2.1. NECESSÁRIA DESQUALIFICAÇÃO PARA SANÇÃO DE ADVERTÊNCIA
Nessas condições, impõe-se sua desqualificação para a penalidade de advertência, conforme ensina consolidada doutrina:
“(…) a demonstração, no caso concreto, da ausência de dolo ou culpa por parte do agente pode justificar a desclassificação da sanção para uma penalidade mais branda do que a que seria normalmente aplicada (…)
Assim, em face das circunstâncias do caso concreto, não sendo razoável imputar-se penalidade tão severa, justifica-se, em tese, a desclassificação da sanção pecuniária e a sua substituição por uma simples advertência.”[2]
A desqualificação da sanção pecuniária em favor da penalidade de advertência também encontra eco na jurisprudência dos tribunais brasileiros, aqui representada pelo recente precedente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
“ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AUTO DE INFRAÇÃO. MULTA. ANULAÇÃO. DESMATAMENTO DE VEGETAÇÃO NATIVA EM ÁREA DA MATA ATLÂNTICA.
Hipótese em que, dadas as particularidades do caso concreto, mantém-se sentença que entendeu pela nulidade dos autos de infração e das multas aplicadas, em razão de que, por mais que haja indicativos de queimada e roçada, o autor registrou projeto de reflorestamento junto ao IAP, atuando, ao que consta, de boa fé, o que inibe, na espécie, a aplicação da multa simples (art. 72, caput, da Lei 9605).”
Dessa forma, porquanto verificada a ausência dos pressupostos para a aplicação da penalidade “multa simples”, e porquanto a atuação da Administração Pública deve dar-se em estrita consonância com o disposto em lei, em obediência ao princípio da legalidade, requer a Requerente seja observado o disposto no parágrafo 3º do art. 72 da Lei 9.605/1998, de modo a desqualificar a penalidade pecuniária, substituindo-a, em última medida, pela penalidade de advertência.
2.2. VÍCIOS NA FIXAÇÃO DA MULTA – VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE, DA RAZOABILIDADE E DA MOTIVAÇÃO
Ainda que ultrapassados os anteriores pedidos de anulação do auto de infração ambiental a autuação continuaria padecendo de vício em sua lavratura, porque, especificamente no que diz respeito à fixação do valor da multa, encontra-se em completo descompasso com os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da motivação.
Uma vez lavrado um ato administrativo sancionador que impõe a penalidade de multa, deve a Administração Pública levar em consideração as circunstâncias do caso concreto para a valoração da pena pecuniária a ser aplicada. Exatamente em razão disso optou o legislador por não cominar valores predeterminados para cada infração administrativa.
Em escolha acertada, preferiu estabelecer faixas de valoração ou multas variáveis, de forma a permitir a sua adequada gradação pelo agente público, em função da gravidade da infração e do grau de contribuição do agente para sua ocorrência.
Nessa seara, é imprescindível que a autoridade administrativa considere as especificidades do presente caso para que possa, à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, definir e quantificar a penalidade adequada. É o que prescreve, por exemplo, o art. 4º do Decreto Federal 6.514/2008[3], que permite a diminuição de multas administrativas em função das nuances do caso concreto.
O dever de observância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade no exercício do poder de polícia pela Administração, além de unanimemente reconhecido pela doutrina administrativista[4], também está expressamente previsto no âmbito dos processos administrativos sancionadores em matéria ambiental. Basta que se mencione, a título de exemplo, o art. 951[5] do Decreto Federal 6.514/2008. Na mesma linha caminha a jurisprudência dos tribunais pátrios[6].
Ocorre que, no presente caso, observa-se que os agentes fiscalizadores aferiram a gravidade da suposta infração e o valor da respectiva multa de forma desproporcional, quiçá aleatória, em especial porque não houve qualquer motivação no sentido de justificar a classificação da pretensa infração como gravíssima e de justificar a multa ambiental.
2.2.1. JURISPRUDÊNCIA SOBRE A AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO PARA APLICAÇÃO DE MULTA AMBIENTAL
A esse respeito, a jurisprudência de nossos Tribunais é enfática ao afirmar que a fixação de multas acima do mínimo legal depende de motivação, sob pena de nulidade:
“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. MULTA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. ART. 6º, DA LEI 9.605/98. SUBSTITUIÇÃO POR AUTO FUNDAMENTADO. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. ALEGAÇÕES NÃO COMPROVADAS. DILAÇÃO PROBATÓRIA.
O art. 6 da Lei 9.605/98, que dispõe sobre sanções administrativas e penais decorrentes de atividades lesivas ao meio ambiente, traz os elementos que devem ser considerados quando da dosimetria da pena aplicada. Destarte, a cominação de multa além do mínimo legal impõe a devida fundamentação, tendo por norte os parâmetros legalmente fixados.
É imperiosa a anulação de multa fixada pelo IBAMA, em valor superior ao mínimo legal, sem qualquer motivação. (…)”
2.2.2. MULTA DEVE SER APLICADA NO MÍNIMO LEGAL
Quando muito, admite-se a manutenção do ato administrativo sancionador, desde que o valor da multa seja fixado no mínimo legal:
“Embargos à execução fiscal. Multa por infração administrativa ambiental. Emissão de substância odorífera na atmosfera para além dos limites da propriedade da embargante. Redução da multa imposta ao valor mínimo legal por insuficiência de fundamentação do AUTO DE INFRAÇÃO COM IMPOSIÇÃO DE PENALIDADE DE MULTA AMBIENTAL.
Sentença de parcial procedência. Decurso de mais de cinco anos entre a constituição do crédito e o ajuizamento da execução fiscal. Prescrição quinquenal, nos termos do art. 1º do Decreto 20910/32. Ocorrência. Reconhecimento de ofício. Recurso oficial e apelação não providos, com alteração de fundamento.”
“ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. MULTA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. ART. 6º, DA LEI 9.605/98. REDUÇÃO PARA O MÍNIMO LEGAL. HONORÁRIOS. MAJORAÇÃO. (…)
Com efeito, verifica-se que a autoridade administrativa, quando impôs a multa de R$50.000,00 (cinquenta mil reais), foi omissa no que tange aos critérios estabelecidos no art. 6º da Lei .605/98, quando da imposição e da gradação da multa pela infração prevista no art. 66 do Decreto 6.514/08, quais sejam: I -a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente; II – os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental e a III – situação econômica do infrator, no caso de multa.
Nesse caso, é cediço que cabe ao Poder Judiciário o controle das decisões dos órgãos reguladores e fiscalizadores, no tocante aos requisitos do ato administrativo, dentre eles, a motivação. Ratifica-se, portanto, a nulidade parcial do Auto de Infração, pois, diante da ausência de justificativa em sentido contrário, a multa deve ser limitada ao mínimo legal. (…)”
“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. IBAMA. AQUISIÇÃO E GUARDA DE LENHA SEM A COBERTURA DE ATPF. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. LEGALIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO. REDUÇÃO DA MULTA APLICADA. (…)
A fixação de pena pecuniária em valor superior ao mínimo legal deve ser motivada pelo agente, o que não ocorreu no presente caso. Tendo em vista o princípio da proporcionalidade e a ausência de prova de que o autor é reincidente, justifica-se a redução da multa aplicada para o patamar mínimo previsto no art. 32, parágrafo único, do Decreto 3.179/99, vigente na data da autuação, que estabelece multa de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por unidade, estéreo, quilo, mdc ou metro cúbico, para quem tem em depósito lenha sem licença válida outorgada pela autoridade competente. Fixa-se o valor da multa em R$ 114.589,50. (…)”[7]
Diante destas considerações, que revelam o inarredável vício da autuação no que diz respeito à fixação do quantum punitivo, em flagrante atentado aos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da motivação, requer-se a declaração de nulidade do auto de infração imposto. Subsidiariamente, caso assim não se entenda, espera-se ao menos a fixação da multa em valor que desconsidere a não comprovada reincidência.
3. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA
Como é cediço, o art. 300 do CPC prevê os seguintes requisitos para a concessão de tutela provisória de urgência: (i) probabilidade do direito – fumus boni iuris; e (ii) perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo – periculum in mora.
No presente caso, tais requisitos encontram-se inegavelmente preenchidos, impondo-se a concessão da tutela de urgência para evitar que a Requerente sofra prejuízos diante do comportamento equivocado dos agentes da Requerida.
Nesse sentido, reporta-se a Requerente a todo o exposto nos capítulos anteriores, uma vez que a descrição dos fatos, a base legal, jurisprudencial e doutrinária pertinente são mais do que suficientes para confirmar a probabilidade do direito ora alegado.
Além disso, é inequívoco o preenchimento do requisito do perigo de dano, uma vez que a Requerente, por força de equivocadas multas e a despeito de ser notoriamente solvente, corre riscos concretos de sofrer prejuízos gravíssimos decorrentes de medidas constritivas de direitos, caso a multa venha a ser inscrita em dívida ativa e posteriormente executada pela Requerida.
Sem tal tutela, a Requerente pode ser inscrita nos cadastros de inadimplentes e, consequentemente, ver-se impedida de obter certidões de regularidade fiscal, imprescindíveis ao desempenho de suas atividades. Igualmente, pode a Requerente ser submetida a bloqueios de créditos e financiamentos, o que evidentemente implicaria obstáculos a suas operações, causando severos e irreparáveis danos.
Cumpre ressaltar que os prejuízos decorrentes das medidas constritivas de direitos são de conhecimento notório, bastando-se a comprovação de que os processos administrativos se encerraram, o que significa que a Requerida pode proceder à inscrição da multa em dívida ativa a qualquer momento.