Modelo de contestação que comprova a ausência de dano ambiental alegado pelo Ministério Público em ação civil pública, e que a atividade desenvolvida pelo empreendedor não é degradadora nem causa significativo dano ambiental, pois praticada mediante regular licenciamento ambiental, tratando-se de mero impacto ambiental que muito se diferencia de dano.
EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA FEDERAL DA VARA FEDERAL DE
REQUERIDA, já devidamente qualificada nos autos da ação em epígrafe, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, por seus advogados adiante assinados, oferecer sua CONTESTAÇÃO o que faz com fundamento nos arts. 335 e seguintes do Código de Processo Civil e pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.
1. SÍNTESE PROCESSUAL
O Ministério Público propôs Ação Civil Pública sustentando que teria constado irregularidades no processo de licenciamento ambiental da Requerida.
Assim, com a presente ação civil pública, o Ministério Público pretende que sejam adotadas medidas pela Requerida para cessar os danos ambientais que teria, em análise perfunctória, visualizado no processo de licenciamento ambiental.
No entanto, maxima venia ao ilustre representante do Ministério Público, a inicial faz alegações infundadas, sem apresentar provas ou ao menos evidências de danos ambientais. Assim, conforme se demonstrará, requer a extinção da ação civil pública, ou, sejam os pedidos julgados improcedentes.
2. DO MÉRITO – AUSÊNCIA DE DANO AMBIENTAL
Da análise dos autos, verifica-se que o Ministério Público não provou, ou mesmo trouxe indícios, de que a conduta da Requerida tenha resultado em um dano ambiental passível de reparação.
Note-se que o Parquet baseia seus pedidos, em síntese, na alegação de que a atividade seria efetivamente degradadora e de significativo impacto ambiental praticada mediante precário licenciamento ambiental, e por isso, reclamaria a responsabilização dos responsáveis.
Ou seja, argumenta o Ministério Público que o suposto dano ambiental consiste na verificação de mortandade de fauna. Tal circunstância, contudo, não é um dano ambiental passível de reparação civil, mas sim um impacto negativo a ser apreciado e devidamente equacionado no licenciamento ambiental. É o que se passa a demonstrar.
2.1. IMPACTO AMBIENTAL PREVISTO NO LICENCIAMENTO AMBIENTAL
Conforme se verá, a circunstância de mortandade de fauna, objeto da presente ação, é inerente à atividade desenvolvida e, ainda, foi prevista no licenciamento ambiental do seu empreendimento.
Tanto é assim que o Estudo de Impacto Ambiental – EIA apresentado no licenciamento ambiental, ao tratar das avaliações de impactos sobre o meio biótico, especificamente sobre a fauna, identifica as possibilidades na fase de operação do empreendimento, dentre elas a possível mortandade de fauna.
Observa-se que, no âmbito do processo de licenciamento, foram avaliadas e previstas variadas situações que poderiam implicar em impactos negativos à fauna, já com a indicação de que a dimensão desses eventos deveria variar em razão da situação fática percebida no momento.
Além disso, ainda que não tivesse sido prevista em tal processo – o que se admite por cautela – tal situação, ao ser percebida, deveria ser tratada como impacto negativo ao meio ambiente, típico do empreendimento, para o qual são exigidas medidas de comando e controle.
São as condicionantes preventivas, mitigatórias e compensatórias impostas no âmbito do processo de licenciamento ambiental, visando a equacionar o impacto negativo, e não um ilícito ou dano ambiental, passível de ser reprimido e reparado.
2.2. DIFERENÇA ENTRE IMPACTO NEGATIVO AO MEIO AMBIENTE E DANO AMBIENTAL
Como visto, o Ministério Público compreendeu que o evento de mortandade de fauna que elenca em sua inicial deve ser enquadrado como dano ambiental.
No entanto, tal evento nada mais é do que impacto negativo ao meio ambiente, por vezes significativo, decorrente das atividades de implantação e operação do empreendimento em tela, que foi devidamente licenciado pelo órgão licenciador competente, e que deve ser tratado mediante a imposição de medidas preventivas, mitigatórias e compensatórias.
É sempre oportuno lembrar que é no processo de licenciamento ambiental que devem ser gerenciados os impactos, inclusive os significativos, causados em decorrência da implantação e operação de determinada atividade ou empreendimento.
E é no bojo desse processo que, ao serem consideradas e gerenciadas as questões referentes aos impactos, são impostas as respectivas medidas preventivas, mitigatórias e compensatórias.
Em outros termos, é no licenciamento ambiental que se exige o equacionamento dos impactos negativos causados por uma determinada atividade ou empreendimento específico, impondo ao empreendedor – repita-se – a adoção de medidas preventivas, mitigatórias ou compensatórias, exigidas no decorrer de tal processo, normalmente por meio das condicionantes das licenças ambientais expedidas.
Em assim sendo, e estando em trâmite perante o órgão administrativo ambiental competente o regular processo de licenciamento ambiental, no âmbito do qual vêm sendo amplamente considerados e gerenciados os aspectos relacionados a eventuais impactos onde está sendo implantado o empreendimento e, avalia-se de forma detida o cumprimento das condicionantes ambientais impostas, não há porque equiparar os impactos causados em decorrência da instalação do empreendimento com danos ambientais.
2.2.1. DIFERENÇA ENTRE DANO AMBIENTAL E IMPACTO AMBIENTAL
Neste ponto, abre-se um parêntese para observar que os conceitos de dano ambiental e de impacto negativo ao meio ambiente são absolutamente diversos, sendo distintos os seus pressupostos, como também o são as suas reações jurídicas.
Com efeito, o impacto negativo ao meio ambiente advém de uma atividade ou empreendimento que, além de aceito pela sociedade para o desenvolvimento econômico, está sendo devidamente apreciado no âmbito do processo de licenciamento ambiental, que se dá na esfera da Administração Pública.
E tal processo visa, em síntese, gerenciar e equacionar os impactos que serão sentidos pelo meio socioambiental, o que é feito mediante a imposição de medidas preventivas, mitigatórias e compensatórias.
E, como se sabe, tais medidas devem ser cumpridas ao longo do processo de licenciamento ambiental, obedecendo-se às suas etapas e ao cronograma de implantação e operação do empreendimento.
Já o dano ambiental é uma consequência normalmente não prevista e jamais esperada ou desejada. Com efeito, é um fato indesejado e inesperado – e que causa repercussão imediata, adversa e prejudicial ao meio ambiente.
Não há que se confundir dano ambiental com impacto negativo ao meio ambiente. Sim, estando em trâmite o processo de licenciamento ambiental para gerenciar os impactos, não se pode dizer que os mesmos se equiparam à figura de um dano passível de ser repreendido ou reparado civilmente.
Fechando o parêntese, é preciso ter bastante claro que um evento de mortandade de fauna pode ser visto como um dano ambiental, desde que decorrente de um fato indesejado e inesperado.
Sendo assim, certamente que, em sendo a mortandade de fauna um impacto a ser prevenido, mitigado ou compensado, não há que se falar em conduta a ser punida pela via da responsabilidade civil.
2.3. IMPACTO TÍPICO DE MORTANDADE DE FAUNA
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região já decidiu, em feito cujo objeto se assemelha em muito com o caso ora analisado, embora sob o prisma da responsabilidade criminal, que a mortandade de fauna é efeito inevitável do empreendimento, decorrendo diretamente da emissão das licenças ambientais pelos órgãos licenciadores. Confira-se a ementa do julgado:
“DIREITO PENAL E PROCESSUAL. DENÚNCIA. REJEIÇÃO. ART. 43 DO CPP. LEI 9.605/98. CRIMES AMBIENTAIS. ENTRADA EM FUNCIONAMENTO DE USINA HIDRELÉTRICA. LICENÇA DE OPERAÇÃO CONCEDIDA PELOS ÓRGÃOS RESPONSÁVEIS. MORTANDADE DE FAUNA. EFEITO INEVITÁVEL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DA MATERIALIDADE DELITIVA. PROPORCIONALIDADE ENTRE TUTELA CRIMINAL E LESÃO AO ECOSSISTEMA. FALTA DE JUSTA CAUSA. PRESCRIÇÃO EM ABSTRATO DE PARTE DOS FATOS. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DESPROVIDO.
A imputação relativa ao crime previsto no art. 29, § 1º, inc. I e II, c/c o § 4º, incisos II, IV, V e VI, encontra-se prescrita in abstracto tendo em conta o transcurso de mais de 04 (quatro: anos desde a data do evento supostamente delituoso, sem a presença de marco interruptivo algum (art. 109, V, CP).
No tocante às demais infrações descritas na peça exordial, verifica-se que a colocação em funcionamento da Usina Hidrelétrica de Itá foi amparada em licença de operação outorgada pelo órgão competente e precedida de medidas ambientais compensatórias.
Resta evidente que uma obra de tamanha envergadura necessariamente acarreta mudanças no meio onde é realizada, não implicando, por si só, a caracterização de crime contra a natureza.
Consoante os depoimentos de peritos ouvidos na esfera policial, o fechamento das comportas teria o mesmo impacto ambiental, independente de se tratar ou não da época de reprodução da fauna aquática.
Ademais, na hipótese em tela, deixou-se de coletar, na fase inquisitorial, um mínimo lastro de provas indicando se a quantidade de fauna mortos em decorrência da conduta narrada na peça acusatória foi maior do que o previsível, vale dizer, se chegou a afetar o equilíbrio da bacia hidrográfica do rio Uruguai ao ponto de ensejar tipicidade penal.
In casu, não se mostra razoável pretender punir os réus por causar lesão ínfima ao ecossistema, quando a estes foi dada autorização estatal expressa para imprimir significativa alteração ao meio ambiente da região, sob pena de caracterizar-se ofensa aos princípios penais da intervenção mínima e da proporcionalidade. Inexistindo justa causa para a instauração da persecutio criminis in judicio, correta a decisão que rejeitou a denúncia com apoio no art. 43 do Diploma Processual.” (TRF4, RSE 2000.72.02.000626-9, 8ª Turma, Relator Desembargador Élcio Pinheiro de Castro – DJ 03.03.2004)
A decisão acima mostra claramente que, ao emitir a licença ambiental, tendo em vista ser inevitável a mortandade de fauna, os impactos decorrentes não podem ser considerados crime e, bem por isso, tampouco dano ambiental para configuração de responsabilidade civil. Afinal, a responsabilidade criminal deve ser ainda mais rigorosa e, ao ser afastada, certamente também o é a responsabilidade civil.
Ora, é de conhecimento notório para aqueles que atuam com empreendimentos têm grandes chances de implicar consequências diretas e negativas sobre a fauna.
Ainda que medidas preventivas sejam adotadas para se evitar a morte de fauna, é inevitável a ocorrência de perda de fauna, principalmente migradora e que tem afinidade por grandes vazões, alta turbulência e águas altamente oxigenadas.
Como se vê, a jurisprudência e a doutrina mais abalizadas mostram que a morte de fauna em período de operações. Portanto, já se verifica não haver razões para que os eventos de mortandade de fauna relacionados ao empreendimento sejam considerados um dano ambiental.
2.4. LICENCIAMENTO AMBIENTAL – ADEQUAÇÃO CONSTANTE DE MEDIDAS A POSSÍVEIS IMPACTOS SUPERVENIENTES
Não se pode olvidar ainda que o processo de licenciamento ambiental é complexo, veloz e dinâmico, de modo que a execução dos projetos que visam a prevenir, mitigar e compensar os impactos causados pelo empreendimento tem evolução diária, e seus resultados vão sendo adaptados conforme as expectativas do órgão ambiental, do empreendedor e da sociedade local.
E justamente em razão dessa complexidade, velocidade e dinamicidade, que o processo de licenciamento ambiental acaba sendo ajustado e adequado conforme forem se apresentando as peculiaridades da implantação do projeto ou, ainda, do próprio meio socioambiental. Nesse sentido, colhe-se os ensinamentos do professor Édis Milaré[1]:
O licenciamento ambiental, como vem sendo enxergado por nossos tribunais, é processo dinâmico, dividido em fases distintas, para permitir que eventuais estudos e possíveis complementações “sejam realizados ao longo do procedimento, aperfeiçoando e calibrando as exigências e os requisitos para instalação e operação do empreendimento a partir daquilo que se constata ou que se venha a constatar durante o procedimento.
Importante também, as lições de Eduardo Bim[2]:
Outra característica do processo de licenciamento ambiental, enquanto processo concretizador do Direito Ambiental, é a sua dinamicidade, podendo ser alterado a qualquer momento, sofrendo retificações, convalidações e calibrações necessárias de acordo com os impactos ambientais detectados.
Em outras palavras, a decisão sobre a licença ambiental não extingue o processo decisório ambiental. […] A meta do processo de licenciamento ambiental é não perder o gerenciamento dos impactos ambientais, mantendo a viabilidade ambiental do empreendimento, motivo pelo qual tem como característica ser um moto perpetuo: nunca acaba ou transita em julgado, mesmo com a expedição da LO, porque existem monitoramentos que podem influenciar na eventual renovação da LO ou na alteração de mitigantes e condicionantes durante qualquer fase do processo.