Defesa ou resposta à acusação no crime ambiental de construção em área de preservação permanente e impedir a regeneração da vegetação, em que se aplica o princípio da consunção entre os crimes dos arts. 48 e 64 da Lei 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais).
EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA FEDERAL DA VARA FEDERAL DE
ACUSADO, previamente qualificado nos autos em epígrafe, vem, à Vossa Excelência, por seus advogados, apresentar DEFESA PRÉVIA em face da denúncia apresentada pelo Ministério Público que lhe imputa a prática de crime ambiental, conforme os fatos e fundamentos a seguir expostos:
1. SÍNTESE DA DENÚNCIA POR CRIME AMBIENTAL E PEDIDO DE REJEIÇÃO
O Ministério Público Federal – MPF atribuiu ao denunciado a prática dos crimes previstos nos arts. 48 e 64, caput, c/c art. 3º, todos da Lei 9.605/98, sob a alegação de que o denunciado iniciou obras em área de preservação permanente, com construção de uma casa, fato atestado no Relatório de Fiscalização da Polícia Militar Ambiental.
Por estarem presentes os requisitos legais, o MPF ofertou a transação penal, a qual restou inexitosa, pois inviável nos moldes sugeridos. Assim, diante da discordância acerca da recuperação ambiental, a transação penal ficou prejudicada, e o denunciado citado para responder à acusação.
Pois bem. Antes de iniciar a construção, o denunciado diligenciou nos órgãos competentes e obteve consulta de viabilidade favorável à edificação, não tendo sido informado em nenhum momento que a área seria de preservação permanente, até porque, ausentes os requisitos para que assim fosse considerada.
Ora. Se o denunciado buscou autorizações perante o órgão ambiental municipal para a construção do imóvel e estes se manifestaram pela viabilidade ambiental e pela inexistência de interferência em área de preservação permanente, tem-se afastado o elemento subjetivo do tipo.
Nesse sentido, tem-se que o dolo é elemento volitivo, e depende da prática com consciência e vontade do verbo do tipo penal, o que, de acordo com o contexto, justamente por ter o denunciado diligenciado em busca de autorizações para construir, não se caracterizou.
Além do mais, ainda que a edificação seja nova, trata-se de área com ocupação antiga, na qual não havia qualquer vegetação quando o denunciado a adquiriu, de modo que, se já havia ocupação pretérita, o solo já estava, antes dos fatos objeto da presente denúncia, descaracterizada, do que não subsiste a conduta criminosa imputada.
Impõe-se, pois, a rejeição da denúncia por atipicidade da conduta, nos termos do art. 395, II (segunda parte), do Código de Processo Penal, em face da não comprovação do dolo, exigido pelos tipos sob análise, ou, ainda, a absolvição sumária, a teor do art. 397, III, do CPP.
2. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO ENTRE O ART. 48 E ART. 64
De forma subsidiária, pelo princípio da eventualidade, argumenta-se ainda que, segundo entendimento já consolidado no TRF4, ocorre o conflito aparente de normas quando há a incidência de mais de uma norma repressiva em relação a uma única conduta delituosa.
Assim como no caso dos autos, ponderam os nobres julgadores que o crime de impedir a regeneração de floresta se dá como mero gozo da construção em solo não edificável, incidindo a absorção do crime-meio pelo crime-fim de edificação proibida. Cabe citar:
APELAÇÃO CRIMINAL. PENAL. CRIME AMBIENTAL. ARTIGOS 39, 48, 63 E 64 DA LEI Nº 9.605/98. CONSTRUIR EM LOCAL NÃO- EDIFICÁVEL. CORTAR ÁRVORES DE FLORESTA CONSIDERADA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. CRIME-MEIO. IMPEDIR A REGENERAÇÃO DA FLORA. PÓS-FATO IMPUNÍVEL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. ART. 330 DO CP. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA. AUSÊNCIA DE PROVAS. DOLO NÃO COMPROVADO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA.
Ocorre o conflito aparente de normas quando há a incidência de mais de uma norma repressiva em relação a uma única conduta delituosa. O crime de impedir a regeneração de floresta se dá como mero gozo da construção em solo não edificável, incidindo a absorção do crime-meio pelo crime- fim de edificação proibida.
O crime de cortar árvores de floresta considerada de preservação permanente dá-se como meio necessário da realização do único intento de construir em solo não edificável, em razão do que incide a absorção do crime-meio de destruição de vegetação pelo crime-fim de edificação proibida. Precedentes.
No tocante às imputações dos art. 63 e 64 da Lei de Crimes Ambientais e art. 330, CP, impõe-se a manutenção da sentença de absolvição, em observância ao princípio in dubio pro reo, uma vez que o conjunto fático-probatório deixa dúvidas quanto à autoria dos delitos[1].
No mesmo sentido:
PROCESSO PENAL. PENAL. CRIME AMBIENTAL. ARTS. 38, 48 E 64 DA LEI N. 9.605/98. CONCURSO APARENTE DE NORMAS. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO.
Ocorre o conflito aparente de normas quando há a incidência de mais de uma norma repressiva em relação a uma única conduta delituosa. O crime de impedir a regeneração de floresta se dá como mero gozo da construção em solo não edificável, incidindo a absorção do crime-meio pelo crime-fim de edificação proibida. O crime de destruir floresta considerada de preservação permanente dá-se como meio necessário da realização do único intento de construir casa em solo não edificável, em razão do que incide a absorção do crime-meio de destruição de vegetação pelo crime-fim de edificação proibida. Precedentes.
Remanescendo a imputação tão somente em face do crime do art. 64 da Lei de Crimes Ambientais, que prevê pena mínima de 06 (seis) meses de detenção, tal contexto, em tese, pode ensejar o oferecimento da suspensão condicional do processo ao réu, a depender do preenchimento dos demais requisitos legais, a serem avaliados por parte do Ministério Público Federal[2].
2.1. JURISPRUDÊNCIA SOBRE O PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO ENTRE OS CRIMES AMBIENTAIS
Idêntica orientação é seguida pela Terceira Turma Recursal de Santa Catarina:
PENAL. AMBIENTAL. ARTS. 48 E 64 DA LEI N. 9.605/98. CONSUNÇÃO. PRECEDENTE DESDE COLEGIADO. ART. 64 DA LEI N. 9.605/98. DOLO INEXISTÊNCIA. DEGRADAÇÃO ANTERIOR. INEXISTÊNCIA DE CRIME. 1.
“(…) a conduta tipificada pelo art. 48 da referida Lei de Crimes Ambientais já se encontra inserida no art. 64, vez que a partir da construção em área de preservação permanente sem a devida autorização legal, por si só, decorre a ocorrência de danos para a regeneração da floresta e da vegetação nativa.
Nesse sentido, conforme o princípio da consunção, a prática de dificultar ou impedir o crescimento da flora (art. 48), no caso concreto, encontra-se absorvida pelo ato de promover construção em solo não edificável. Tal fundamentação baseia-se em recente decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, a qual cito a seguir:
PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME AMBIENTAL. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. ARTS. 48 E 64 DA LEI N. 9.605/98. CONSUNÇÃO. ABSORVIDO O CRIME MEIO DE DESTRUIR FLORESTA E O PÓS-FATO IMPUNÍVEL DE IMPEDIR SUA REGENERAÇÃO. CRIME ÚNICO DE CONSTRUIR EM LOCAL NÃO EDIFICÁVEL. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
Ocorre o conflito aparente de normas quando há a incidência de mais de uma norma repressiva numa única conduta delituosa, sendo que tais normas possuem entre si relação de hierarquia ou dependência, de forma que somente uma é aplicável.
O crime de destruir floresta nativa e vegetação protetora de mangues dá-se como meio necessário da realização do único intento de construir casa ou outra edificação em solo não edificável, em razão do que incide a absorção do crime-meio de destruição de vegetação pelo crime-fim de edificação proibida.
Dá-se tipo penal único de incidência final (art. 64 da Lei 9.605/98), já em tese crime uno, diferenciando-se do concurso formal, onde o crime em tese é duplo, mas ocasionalmente praticado por ação e desígnio únicos. 4. Recurso especial improvido. Ademais, entendimento similar é adotado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
2.2. JURISPRUDÊNCIA ANÁLOGA
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. ARTS. 48 E 64 DA LEI 9.605/98. IMPEDIR OU DIFICULTAR A REGENERAÇÃO NATURAL DE FLORESTAS E DEMAIS FORMAS DE VEGETAÇÃO. PROMOVER CONSTRUÇÃO EM SOLO NÃO EDIFICÁVEL. EXAURIMENTO. ABSORÇÃO. CONCURSO APARENTE DE NORMAS.
“Ocorre conflito aparente de normas quando há incidência de mais de uma norma repressiva numa única conduta delituosa, sendo que tais normas possuem entre si relação de hierarquia ou dependência, de forma que somente uma é aplicável”.
Regra geral, não há “ação autônoma de destruir floresta ou de impedir sua regeneração, mas tão somente o ato de construir em local proibido, que tem, na destruição, condição necessária para a obra e, no impedimento à regeneração, mero gozo da casa construída”.
Assim, via de regra, o delito previsto no art. 64 absorve o crime do art. 48, ambos da Lei 9.605/98, por aplicação do princípio da consunção. Assim, da conduta do réu, de edificar obra em local de vegetação nativa sem licença ou aprovação da autoridade, já se presume, por ser local de área de preservação permanente, a ocorrência de prejuízos à flora existente.
Desse modo, sendo o art. 48 absorvido pelo art. 64 da mesma lei, passo à análise restante quanto a este delito. 2. A licença/autorização é o elemento objetivo do tipo penal. Tal providência, inclusive, é necessária em qualquer tipo de área, seja ou não de preservação permanente.
Não se pode concluir, portanto, que o fato de não ter sido requerida licença à municipalidade, resta caracterizado o dolo para prática de crime. 3. Se já havia ocupação pretérita, o solo já estava do que não subsiste a conduta criminosa imputada 4. Negado provimento à apelação[3].
2.3. JURISPRUDÊNCIA DOS CRIMES AMBIENTAIS
PENAL. ARTS. 38, 48 E 64 DA LEI Nº 9.605/98. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA NÃO IMPLEMENTADA. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INCIDÊNCIA. DOLO NÃO CONFIGURADO. ABSOLVIÇÃO. NULIDADE NÃO RECONHECIDA, DIANTE DA SOLUÇÃO CONFERIDA AO FEITO.
Prescrição da pretensão punitiva com base na pena concretizada não implementada, visto que não decorrido o prazo de 3 anos entre os marcos interruptivos.
Cabível a aplicação do princípio da consunção nas hipóteses em que a conduta de destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente consistir em meio necessário à construção em solo não edificável ou no seu entorno, tipificada no art. 64 da Lei 9.605/98, delito que absorve, ainda, aquele previsto no art. 48 da Lei 9.605/98, que configura pós-fato impunível.
Tratando-se de área com anterior ocupação humana, contando com construções mais antigas e fornecimento de serviços públicos básicos, viável o reconhecimento de que o agente não agiu com consciência e vontade de praticar o delito tipificado no art. 64 da Lei 9.605/98.
Tendo em conta a solução conferida ao feito, não se reconhece eventual nulidade em função da ausência de oportunização do contraditório quando da apreciação dos embargos declaratórios opostos pela acusação na primeira instância. Aplicação do art. 282, §2º, do novo Código de Processo Civil e do art. 563 do Código de Processo Penal.
Concessão de ordem de habeas corpus, de ofício, para reconhecer a absorção do delito tipificado no art. 48 pelo crime previsto no art. 64 da Lei 9.605/98. Apelação do MPF desprovida. Apelação defensiva provida. Absolvição com base no art. 386, III, do CPP[4].