Defesa prévia contra denúncia por crime ambiental oferecida pelo Ministério Público objetivando a condenação do acusado pelo crime ambiental de construir em área de preservação permanente. Resposta à acusação ou defesa preliminar no crime ambiental de construção em APP.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA FEDERAL DE
ACUSADO, já qualificados nos autos, vêm, respeitosamente, perante Vossa Excelência, por intermédio de seus advogados constituídos, apresentar DEFESA PRÉVIA contra denúncia por crime ambiental apresentada pelo Ministério Público, conforme os fatos e fundamentos a seguir expostos:
1. SÍNTESE PROCESSUAL
Pelos fatos narrados na denúncia, o Ministério Público Federal atribuiu à empresa denunciada a prática do crime ambiental previsto no art. 64, caput, c/c art. 3º, todos da Lei 9.605/98. Por estarem preenchidos os requisitos legais, o MPF ofertou a transação penal em favor da empresa e seu sócio.
A audiência designada para apresentação da proposta, em que pese todo o esforço argumentativo para encerrar antecipadamente a ação penal lastreada em tese infundada (APP de restinga em todo o imóvel, contrariando todos os pareceres e licenças previamente obtidos) e com evidente excesso de acusação, o MPF entendeu inviável a transação nos moldes acima sugeridos.
Ante a discordância do autor acerca da recuperação ambiental, a transação penal ficou prejudicada, e, portanto, a denunciada citada para responderem à acusação. É o que cabe relatar.
2. DOS FATOS
Trata-se de área com indícios de aterramento por terceiros ocupada ao longo dos anos, integralmente antropizada e seu entorno é composto por condomínios e casas. Segundo a Consulta de Viabilidade, no local é permitida a instalação de edifícios residenciais. Daí porque, obteve-se alvará de licença para construção de edifício residencial.
Por conseguinte, a denunciada iniciou as obras no local, com o cercamento da área edificável e construção de uma casa de madeira, servida de energia elétrica e água, fato atestado no Relatório de Vistoria da Polícia Militar Ambiental, confeccionado mediante requisição do Ministério Público em inquérito civil que acabou encaminhado ao MPF, por declínio de atribuição.
O IMA vistoriou o local e identificou uma sobreposição pontual do canteiro de obras na área de APP do curso do rio, o que resultou na lavratura do Auto de Infração Ambiental e suspensão da LAI, por supostamente descumprir a licença ao impedir ou dificultar a regeneração natural daquela área. Com a aprovação do PRAD, a LAI foi reestabelecida e prorrogada.
Não é necessário aprofundamento no conjunto probatório para verificar que, in casu, carecem os autos de demonstração do necessário elemento subjetivo específico. Assim já decidiu o Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em caso que tudo lembra o presente:
Se o agente buscou autorizações perante a Prefeitura Municipal e o órgão ambiental municipal para a construção do empreendimento e estes se manifestaram pela viabilidade ambiental e pela inexistência de interferência em área de preservação permanente, tem-se afastado o elemento subjetivo do tipo, seja porque o réu pensava se tratar de solo edificável, seja porque considerava possuir as autorizações necessárias.
Havendo dúvida sobre o dolo do agente, impõe-se a absolvição, nos termos do art. 386, inc. VII, do CPP, devendo o agente, se for o caso, ser responsabilizado nas esferas pertinentes por eventual dano causado ao meio ambiente[1].
2.1. AUSÊNCIA DE DOLO
No mesmo rumo, colhe-se:
O dolo é elemento volitivo, depende da prática com consciência e vontade do verbo do tipo penal, o que, de acordo com o contexto fático dos autos, analisado à exaustão pela sentença, não se caracterizou.
A área foi adquirida de terceiro, já degradada. Tal conclusão sobressai da informação técnica da Polícia Federa ratificada pela prova testemunhal produzida, inclusive testemunhas de acusação.
Com isso, resta claro a antiga ocupação da área em questão, utilizada inclusive como estacionamento pelo antigo proprietário, não havendo vegetação quando o réu adquiriu o terreno. (…)
Ora, se já havia ocupação pretérita, o solo já estava, antes dos fatos objeto do presente processo, descaracterizado, do que não subsiste a conduta criminosa imputada[2].
Impõe-se, pois, a rejeição da denúncia por atipicidade da conduta, nos termos do art. 395, II (segunda parte), do Código de Processo Penal, em face da não comprovação do dolo, exigido pelos tipos sob análise, ou, ainda, a absolvição sumária, a teor do art. 397, III, do CPP.
3. INEXISTÊNCIA DE APP DE RESTINGA NA ÁREA DE INTERVENÇÃO
Conforme será demonstrado adiante, inexiste vegetação de restinga fixadora de dunas ou mangues e consequente proteção especial, nos termos legais, na área de intervenção do terreno.
Com efeito, trata-se de terreno previamente antropizado e descaracterizado em suas feições originais de solo (por aterro prévio) e vegetação por supressão (também prévia). O aterramento e parcial compactação remontam há décadas e o entorno imediato encontra-se ocupado por empreendimentos multifamiliares.
Ademais, não houve qualquer conduta pessoal voltada a impedir ou dificultar a regeneração natural de vegetação. Ainda que se comprovasse isso, o sócio ou a empresa denunciada não estavam obrigados a resguardar a área de intervenção, pois de todos os profissionais contratados que analisaram o local (geólogo, biólogo, geógrafo, engenheiro agrônomo, engenheiro civil), além das equipes técnicas, a única posição que ampara a tese do MPF, atribuindo status de APP a toda a área do empreendimento, é aquela defendida pelo perito criminal da PF, cuja qualificação técnica se desconhece.
É oportuno ressaltar que os atos administrativos que permitem a construção continuam válidos, uma vez que não contestados judicialmente na esfera própria pelo autor. Em outras palavras, não foi interposta qualquer medida judicial com foco na anulação das autorizações e licenças.
Até porque, os processos de licenciamento e alvará de licença tiveram procedimentos autônomos, com fundamentação técnica rigorosa e vincularam- se às mais estritas e pontuais exigências ambientais, de modo que a viabilidade de construção do projeto é incontroversa. Deve prevalecer, neste caso, a presunção de legitimidade dos atos administrativos e o princípio da boa-fé objetiva daquele que executa obra licenciada.
A narrativa infundada da denúncia representa violação às licenças concedidas, além de importar em absurda insegurança jurídica e limitar o direito constitucional de propriedade (art. 5º, XXII, da CF), sem base sólida.
A investigação civil que se arrasta por anos no MPF não tem o condão de afastar a licitude da conduta dos empreendedores, pois sua natureza unilateral, preparatória e facultativa, destina-se a apurar fato que possa autorizar, em tese, o ajuizamento de ação civil pública, nos termos da legislação.
3.1. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO CRIME AMBIENTAL
O inquérito civil não autoriza, por si, qualquer medida acautelatória, salvo se os elementos produzidos ao longo da investigação demonstrarem a ocorrência de dano irreparável em curso, o que depende de ação própria do Órgão Ministerial para obtenção de provimento jurisdicional respectivo, o que não ocorreu.
Não é demais ressaltar que a Resolução 303 do CONAMA sobre a restinga foi tacitamente revogada pelo Código Florestal (Lei 12.651/2012)[3].
O entendimento do MPF a considerar como área de preservação permanente, portanto não licenciável, toda e qualquer vegetação de restinga, independentemente da existência do próprio acidente geográfico denominado “restinga”, foi objeto de debate no Grupo de Câmaras de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
Na ocasião, entendeu-se que é APP de restinga apenas quando esta for fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues e que a interpretação extensiva era inadequada. Cabível, no caso, a aplicação literal do art. 4º, VI, da Lei 12.651/12.
Resta demonstrado que, a quase totalidade da área objeto e seu entorno direto se enquadra, pelo histórico dos usos do solo, em décadas, nos moldes definidos no art. 6º, da Resolução Conama 417/2009, não podendo, portanto, ser caracterizada como remanescente de vegetação de Restinga.
Ora. Seria despropositada a tese de pretender a demolição da infraestrutura urbana consolidada, hoje existente no entorno direto dessa área, buscando resgatar o “status quo” do ambiente primitivo.
Logo, plenamente comprovado que na área de intervenção não ocorre manguezais e não existe vegetação fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues há décadas, afastando a aplicação do art. 4º, VI e VII, da Lei 12.651/12.
A área hoje é urbanizada e não há resquícios de vegetação de restinga ou dunas. O polígono de ocupação é distante da praia, em bairro já consolidado.
Acrescente-se que a ocupação está em conformidade com o Plano Diretor. A propósito, o Parecer Jurídico da Procuradoria do Município reafirmou que “não existe qualquer óbice para a concessão do Alvará de Licença”.