Ação Anulatória de auto de infração ambiental pela impossibilidade de se atribuir ao agente marítimo a responsabilidade por poluição e derramamento de óleo.
EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DOUTOR (A) JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE
AUTORA, vem, através de seus advogados propor ação declaratória de nulidade de auto de infração ambiental e multa ambiental por derramamento de óleo em face de RÉU, conforme passa a expor.
1. DOS FATOS
Trata-se de ação com o intuito de declarar a nulidade do auto de infração emitido pela Ré contra a autora, após incidente com o navio de sua propriedade que durante um abastecimento, derramou óleo, que imediatamente foi contido no convés e recolhido pela tripulação do navio, através de equipamentos e procedimentos previstos para a prevenção da poluição por navios.
Ao vistoriar a área, a Capitania dos Portos atestou não ter verificado manchas de óleo no estuário, o que foi devidamente registrado no Auto de Inspeção, provando-se que as providencias emergenciais adotadas foram completamente eficazes.
Além disso, nem mesmo houve dano ambiental identificado como se vê a partir da manifestação do ÓRGÃO AMBIENTAL ESTADUAL, que indica que não foram coletadas amostras e nem feita qualquer medição a fim de apurar a extensão e espessura da substância derramada na água, capazes de quantificar, se fosse o caso, valor razoável e condizente com a realidade.
Mesmo assim entendeu por bem a ÓRGÃO AMBIENTAL ESTADUAL emitir Auto de Infração Ambiental aplicando penalidade gravíssima à Autora, desconsiderando sua ilegitimidade para responder pela referida penalidade, seja por ser agente marítimo, seja por sequer ser o agente protetor do navio no momento do acidente, cuja função era de terceiros, eivando de nulidade, por esta e outras razões, o referido Auto de Infração.
O absurdo da medida se dá por inúmeras razões. No momento do incidente com o vazamento do óleo, a Autora não era a agente marítima do navio.
Ainda que fosse a agente, não se pode autuar e punir por não ter dado causa ao fato administrativo, eis que não é o armador do navio, seu afretador, o fornecedor do óleo ou o proprietário da embarcação que abasteceu o navio, não havendo qualquer razão para autuar o agente marítimo.
Desta forma, foi que a Autora tomou ciência do Auto de Infração que lhe impunha a multa por dano ambiental de valor exorbitante. Contra este ato, apresentou defesa, tempestivamente, sendo indeferida.
Contra tal indeferimento foi interposto Recurso Hierárquico e posteriormente intimada da decisão de seu indeferimento, de sorte que mantida então a penalidade aplicada, enviando em anexo à decisão a guia para o recolhimento da multa.
Em que pese a decisão de não provimento do recurso, assim como em sede de defesa de primeira instância, as matérias ventiladas não foram objeto de adequada análise do órgão ambiental estadual autuante.
Não obstante, o recurso foi indeferido pela Ré que apesar de reconhecer a limpeza das áreas e inexistência de dano ambiental manteve a multa.
Assim, não restou outra solução à Autora senão recorrer ao Poder Judiciário para suspensão da exigibilidade e posterior anulação do Auto de Infração contra ela impostos, pelas razões de direito a seguir expostas.
2. NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO PELA IMPOSSIBILIDADE DE SE ATRIBUIR AO AGENTE MARÍTIMO MULTA AMBIENTAL POR POLUIÇÃO
Ante o narrado nos fatos, reitera-se a informação de que a Autora fora nomeada como agente marítimo do navio, exclusivamente para coordenar a logística necessária para arregimentar mão de obra para efetuar a limpeza dos porões do navio enquanto o mesmo permanecia fora da barra.
A partir disto, por óbvio é de se concluir que a Autora não esteve envolvida com a operação da embarcação, muito menos com seu abastecimento, momento onde se deu o vazamento, de sorte que impossível esta ter concorrido para o incidente de vazamento de qualquer maneira que fosse.
Assim, completamente imotivada a afirmação de que a Autora teve qualquer responsabilidade para a ocorrência do incidente de vazamento do óleo combustível, sendo esdrúxula sua responsabilização por tal.
Ademais a Ré embasou a imposição de multa à Autora também pela alegação de que esta estava a bordo do navio quando da inspeção da Ré e demais autoridades, apresentando-se como responsável pela embarcação.
Diante de tal afirmativa, cumpre esclarecer que a postura da Autora não é recriminável e nem capaz de lhe atrair responsabilidade, posto que estava de fato nomeada como responsável de faina de limpeza, como já demonstrado.
A Autora não poderia prever que, ante o desconhecimento legal e técnico da Ré, seria responsabilizada como se agente poluidor fosse, em ignorância completa de sua condição de mero agente marítimo, que foi contratada exclusivamente para coordenação da faina de limpeza de porões.
2.1. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL PARA RESPONSABILIZAÇÃO DO AGENTE MARÍTIMO POR DERRAMAMENTO DE ÓLEO
Não é a Autora proprietária do navio, sua armadora ou mesmo transportadora, mas mera mandatária para praticar determinados e certos atos em nome do armador, uma singela prestadora de serviços que neste caso em particular foi contratada exclusivamente para coordenar a logística necessária para arregimentar mão de obra para efetuar a limpeza dos porões do navio enquanto permanecia fora da barra, não sendo sequer o agente protetor do navio no momento do incidente, cuja atribuição era da agência.
A Autora, mero agente marítimo, não pode ser punida por fato que não concorreu para o resultado em nenhuma medida. A lei da navegação é clara no sentido de que só o Capitão e o armador podem responder pelas infrações praticadas pelo navio. É assim nos arts. 8º e 9º da lei 9.537/97:
Art. 8º. Compete ao Comandante:
I – cumprir e fazer cumprir a bordo, a legislação, as normas e os regulamentos bem como os atos e as resoluções internacionais ratificados pelo Brasil.
Art. 9º. Todas as pessoas a bordo estão sujeitas à autoridade do Comandante. Também no art. 2º, IV, da mesma lei:
“Comandante – tripulante responsável pela operação e manutenção da embarcação, em condições de segurança, extensivas à carga, aos tripulantes e às demais pessoas a bordo.”
E o art. 530 do Código Comercial:
Serão pagas pelo capitão todas as multas que forem impostas à embarcação por falta de exata observância das leis e regulamentos das alfândegas e polícias dos portos; e igualmente os prejuízos que resultarem de discórdias entre os indivíduos da mesma tripulação no serviço desta, se não provar que empregou todos os meios convenientes para as evitar.
Assim, inclusive, dispõe, a própria definição legal de armador, na lei 7.652/88, art. 16 e na lei 9.432/97, art. 2º, IV: pessoa física residente e domiciliada no Brasil que, em seu nome ou sob sua responsabilidade, apresta a embarcação para a sua exploração comercial. Outro não é o entendimento do antigo TFR exposto em sua Súmula 192:
SÚMULA 192 TFR: O agente marítimo, quando no exercício exclusivo das atribuições próprias, não é considerado responsável tributário, nem se equipara ao transportador para efeitos do decreto-lei 37/1966.
Ora, sendo assim, não há como se atribuir à agente responsabilidade por ato que não lhe compete, pois que, na forma do art. 663 do Código Civil, é mero mandatário de atos que nada tem que ver com a obrigação de cumprir com as exigências das Autoridades Administrativas direcionadas aos armadores dos navios que atende.
Felizmente, toda esta situação descrita tem sido objeto de reiteradas decisões judiciais, no Brasil inteiro, declarando- se a nulidade dos atos, quando os agentes recorrem ao Poder Judiciário para proteção do exercício de suas atividades.
2.1.1. JURISPRUDÊNCIA
Assim, pacificada encontra-se a matéria, ou seja, de não ser possível se atribuir ao agente marítimo obrigações em decorrência de atos administrativos dos navios, os quais não possui qualquer ingerência:
EMENTA PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. ADMINISTRATIVO. PODER DE POLÍCIA. INFRAÇÃO SANITÁRIA. INSPEÇÃO EM NAVIO. RESPONSABILIDADE. DO ARMADOR. NOTIFICAÇÃO AO AGENTE MARÍTIMO. INSUBSISTÊNCIA.
É entendimento sedimentado o de não haver omissão no acórdão que, com fundamentação suficiente, ainda que não exatamente a invocada pelas partes, decide de modo integral a controvérsia posta. Não se pode atribuir ao agente marítimo a responsabilidade objetiva por infrações administrativas praticadas em navios, mas sim ao contratante de seus serviços.
Precedentes: AgRg no REsp 719.446⁄RS, Min. Denise Arruda, Primeira Turma, DJ 01.02.2007; REsp 665.950⁄PE, Min. Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ 20.03.2006. Recurso especial a que se nega provimento. STJ, REsp 970.995 – RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki
SENTENÇA. Trata-se de ação cautelar com pedido liminar a fim de suspender a exigibilidade da multa administrativa imposta pela requerida oriunda do Auto de Infração nº… até a decisão final a ser proferida na ação principal. (…)O pedido liminar foi deferido no evento
(…) Nos autos de medida cautelar, após o deferimento da medida liminar, houve por patê da ré o reconhecimento jurídico do pedido quanto à ilegitimidade da parte autora em figurar como responsável pela multa imposta (…) assim, quando ingressou com a ação cautelar, a parte autora tinha interesse processual claro em pleitear a anulação do auto de infração lançado em seu CNPJ, devendo ser sim aplicado neste caso o disposto no art. 5º, XXXV, da Magna Carta. (…)
Em relação a ação cautelar, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, resolvendo o mérito com fulcro no art. 269, II, do CPC, confirmando a medida liminar na forma da fundamentação.
APELAÇÃO CIVEL. ADMINISTRATIVO. AGENTE MARÍTIMO. ANULAÇÃO DE AUTO DE INFRAÇÃO. RESPONSÁVEL. ARMADOR. AÇÃO ANULATÓRIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA MANTIDA. 1 – A autora, agente marítimo, não possui legitimidade ativa para impugnar o mérito do auto de infração lavrado contra terceiro (…).
2.1.2. LEGISLAÇÃO SOBRE PREVENÇÃO E FISCALIZAÇÃO DA POLUIÇÃO
Por tudo isso que o § 1º do art. 25 da Lei 9966/00 com correspondência no Art. 5º e incisos do Decreto 4136 de 2002, que “Dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências” determina que:
§1º Respondem pelas infrações previstas neste artigo, na medida de sua ação ou omissão: – o proprietário do navio, pessoa física ou jurídica, ou quem legalmente o represente; – o armador ou operador do navio, caso este não esteja sendo armado ou operado pelo proprietário; – o concessionário ou a empresa autorizada a exercer atividades pertinentes à indústria do petróleo; – o comandante ou tripulante do navio; – a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que legalmente represente o porto organizado, a instalação portuária, a plataforma e suas instalações de apoio, o estaleiro, a marina, o clube náutico ou instalação similar; – o proprietário da carga.
Ora, não há qualquer previsão em relação ao agente marítimo, sendo assim, não há como se atribuir à agente responsabilidade por ato que não lhe compete, pois que, na forma já vista do art. 663 do Código Civil, é mero mandatário do armador.
2.1.3. JURISPRUDÊNCIA ESPECÍFICA
Veja, por exemplo, os precedentes específicos do Eg. STJ e dos Tribunais Estaduais acerca da impossibilidade de aplicação de multa ao agente marítimo em razão de derramamento de óleo de embarcação marítima:
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA. INFRAÇÃO DE NATUREZA-ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO AGENTE MARÍTIMO.
Tratando-se de multa de caráter administrativo, não-tributário, aplicada em razão do derramamento de óleo por embarcação ancorada no porto de Santos, deve ser afastada a aplicabilidade dos arts. 136 e 137 do CTN, que tratam, tão somente, da responsabilidade por infrações à legislação tributária.
É pacífica a orientação desta Corte no sentido de não admitir a responsabilização do agente marítimo por infração administrativa cometida pelo descumprimento de dever que a lei impôs ao armador. Precedentes. Agravo de instrumento conhecido para, desde logo, dar provimento ao recurso especial (CPC, art. 544, § 3º, c/c o 557, § 1º-A). (STJ, AI 609.915-SP, Ministra DENISE ARRUDA, 28/04/2005)
2.1.4. JURISPRUDÊNCIA RECONHECE IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAR O AGENTE MARÍTIMO
EMBARGOS INFRINGENTES.DEGADAÇAO AMBIENTAL. NAVIO. DERRAMAMENTO DE ÓLEO. MULTA. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA COCORRENE DO ESTADO E DA UNIÃO. COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA COMUM A TODOS OS ENTES DA FEDERAÇÃO. RESPONSABILIZAÇÃO DO AGENTE MARÍTIMO POR ATO DO ARMADOR. IMPOSSIBILIDADE.
No que pertine à possibilidade de responsabilização do agente marítimo pelo ato do armador, todavia, não resta melhor sorte ao embargante, pois aquele age apenas como mandatário do armador, não exercendo qualquer tipo de controle sobre ele, não havendo nexo de causalidade entre a sua conduta e o resultado danoso oriundo do derramamento de óleo, eis que fato estranho às suas atividades.
Agente marítimo que não deu causa à infração ambiental, que foi praticada por preposto do armador, não pode ser por ela responsabilizado. Uníssona jurisprudência do eg. STJ no sentido do descabimento da transferência da responsabilidade do armador ao agente marítimo, quando o ato não lhe é próprio, mas sim cometido pelo armador.
Especifico precedente do eg. STJ acerca da impossibilidade de aplicação de multa ao agente marítimo em razão de derramamento de óleo ocasionado por embarcação marítima. Ausência de responsabilidade do agente marítimo por infração cometida pelo armador, a demonstrar que a sentença não merecia” (TJRJ, EInf. 300/09, 18ª Câmara Cível, 19/11/2009)
Inclusive, muito recentemente, a sub-procuradora geral da República se manifestou, no STJ, especificamente nesse sentido, reconhecendo não ser o agente marítimo legítimo para responder por penas ambientais de embarcações:
No que pertine à alegada violação ao art. 25, §1º, I, II, da Lei nº 9966/2000 e ao art. 3º, IV, da Lei nº 6938/81, quanto à responsabilidade por dano ambiental, o entendimento dessa Corte Superior é no sentido de que prevalece o princípio da intranscendência das penas, onde não se admite que terceiros respondam a título objetivo por ofensas ambientais praticadas por outrem. Precedentes.