Ação Anulatória de auto de infração ambiental por derramamento de óleo. Multa ambiental por poluição. Advogado ambiental.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DE
AUTORA, vem, à presença de Vossa Excelência, por seus advogados, propor Ação Declaratória de Nulidade de Auto de Infração Ambiental lavrado pela RÉ por derramamento de óleo, requerendo ao final, sejam declarado nulo, conforme passa a expor.
1. DOS FATOS
Trata-se de ação que objetiva declarar a nulidade do auto de infração emitido pela Ré contra a autora por derramamento de óleo, o qual, pois, foi imediatamente contido no convés e recolhido pela tripulação do navio, através de equipamentos e procedimentos previstos para a prevenção da poluição por navios.
A Capitania dos Portos, ao vistoriar a embarcação e o local do derramamento de óleo, atestou não ter verificado manchas de óleo, o que foi devidamente registrado no Auto de Inspeção.
Por seu turno, o órgão ambiental estadual indicou que não foram coletadas amostras e nem feita qualquer medição a fim de apurar a extensão e espessura do óleo derramado, capazes de quantificar, se fosse o caso, valor razoável e condizente com a realidade.
Ocorre que, mesmo diante de tais constatações, o próprio órgão ambiental estadual, em verdadeira contradição, lavrou o Auto de Infração aplicando penalidade à Autora, desconsiderando a realidade fática.
A Autora tomou ciência do Auto de Infração que lhe impunha a multa por dano ambiental e apresentou defesa, tempestivamente, sendo indeferida. Contra tal indeferimento foi interposto Recurso Hierárquico e posteriormente intimada da decisão de seu indeferimento, porém, mantida a penalidade.
Em que pese a decisão de não provimento do recurso, assim como em sede de defesa de primeira instância, as matérias ventiladas não foram objeto de adequada análise do órgão ambiental estadual autuante.
Portanto, não restou outra solução à Autora senão recorrer ao Poder Judiciário para anulação do Auto de Infração, pelas razões de direito a seguir expostas.
2. COMPETÊNCIA DA CAPITANIA DOS PORTOS – BIS IN IDEM – DUPLA AUTUAÇÃO DA EMBARCAÇÃO PELO MESMO FATO
A Constituição Federal de 1988 estabelece que são bens da União, as praias, o mar territorial, e a ela compete explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os portos marítimos, fluviais e lacustres. Diz ainda, que compete privativamente à União legislar sobre regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial.
O Decreto 1.265/94 que aprova a Política Marítima Nacional (PMN) por sua vez estabelece “a PMN harmoniza-se com as demais Políticas Nacionais e coaduna-se com os atos internacionais relativos aos assuntos que lhe são pertinentes, seguindo diretrizes fixadas pelo Presidente da República, e seus objetivos são, a “proteção do meio ambiente, nas áreas em que se desenvolvem atividades marítimas,”; “segurança das atividades marítimas e salvaguarda dos interesses nacionais no mar” e a “imagem favorável do País no exterior, em apoio à ação diplomática brasileira.”
Para enriquecer a exposição e atribuir mais subsídios ao Julgador, interessante também considerar o que dispõe a Lei Complementar 97, art. 17 e incisos, que prevê que é atribuição particular da Marinha prover a segurança da navegação, além de fiscalizar o cumprimento das leis e regulamentos, no mar e águas interiores.
Art. 17. Cabe à Marinha, como atribuições subsidiárias particulares:
I – orientar e controlar a Marinha Mercante e suas atividades correlatas, no que interessa à defesa nacional;
II – promover a segurança da navegação aquaviária;
III – contribuir para a formulação e condução de políticas nacionais que digam respeito ao mar;
IV – implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas águas interiores, em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, federal ou estadual, quando se fizer necessária, em razão de competências específicas.
V – cooperar com os órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional ou internacional, quanto ao uso do mar, águas interiores e de áreas portuárias, na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução.
Da simples leitura dos dispositivos constitucionais e infra-constitucionais acima transcritos, não resta dúvida, que a segurança das atividades marítimas e salvaguarda dos interesses nacionais no mar, onde se inclui “a proteção do meio ambiente, nas áreas em que se desenvolvem atividades marítimas” é de competência da União, tanto para legislar quanto para fiscalizar.
2.1. COMPETÊNCIA PARA AUTUAR
Em verdade, toda a atividade desenvolvida na área marítima e portuária fazem parte da política estratégica da União, inclusive em relação a outros países. Assim, é que a competência para fiscalizar tais atividades, inclusive no que se refere a meio ambiente é da União.
Inclusive, como narrado nos fatos, sabe-se que o armador da embarcação já respondeu processo administrativo, perante a União, através da Capitania dos Portos de Santos, onde lhe foi, após a apresentação de defesa administrativa, aplicada multa cujo pagamento e trânsito em julgado já ocorreu.
O equívoco da ÓRGÃO AMBIENTAL ESTADUAL ao aplicar a referida penalidade encontra-se na não observância da legislação específica da matéria. É que em seu auto de infração, a Ré identifica como enquadramento legal o art. 2º c/c 3º, V do Regulamento da Lei 997 aprovado pelo Decreto 8468/76.
Tal lei aprovada, acredita-se, sobre a previsão do art. 24 VIII da Constituição Federal que prevê competência concorrente entre a União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre responsabilidade por danos ao meio ambiente “Dispõe sobre a Prevenção e o Controle da Poluição do Meio Ambiente”.
Só que, apesar de ter competência concorrente para a prevenção e controle de poluição ao meio ambiente, a ÓRGÃO AMBIENTAL ESTADUAL não mantém esta competência quando a matéria é relativa “a lançamento de óleo em áreas que desenvolvem atividades marítimas”.
Esta matéria é tratada pela União, através de legislação própria e Tratados Internacionais.
2.2. LEGISLAÇÃO
Nesse sentido, temos a Lei Federal 9966 de 28 de abril de 2000 que “Dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências.”
Art. 2º, XXII- Autoridade marítima: autoridade exercida diretamente pelo Comandante da Marinha, responsável pela salvaguarda da vida humana e segurança da navegação no mar aberto e hidrovias interiores, bem como pela prevenção da poluição ambiental causada por navios, plataformas e suas instalações de apoio, além de outros cometimentos a ela conferidos por esta Lei.
Art. 27 – São responsáveis pelo cumprimento desta Lei: I – a autoridade marítima, por intermédio de suas organizações competentes, com as seguintes atribuições: fiscalizar navios, plataformas e suas instalações de apoio, e as cargas embarcadas, de natureza nociva ou perigosa, autuando os infratores na esfera de sua competência; levantar dados e informações e apurar responsabilidades sobre os incidentes com navios, plataformas e suas instalações de apoio que tenham provocado danos ambientais; encaminhar os dados, informações e resultados de apuração de responsabilidades ao órgão federal de meio ambiente, para avaliação dos danos ambientais e início das medidas judiciais cabíveis comunicar ao órgão regulador da indústria do petróleo irregularidade encontradas durante a fiscalização de navios, plataformas e suas instalações de apoio, quando atinentes à indústria do petróleo.
E a primeira preocupação da Lei, em seu art. 1º é exatamente estabelecer a sua aplicação em harmonia a legislação internacional, especificamente Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição Causada por Navios…
Art. 1º Esta Lei estabelece os princípios básicos a serem obedecidos na movimentação de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em portos organizados, instalações portuárias, plataformas e navios em águas sob jurisdição nacional. Parágrafo único. Esta Lei aplicar-se-á: – quando ausentes os pressupostos para aplicação da Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição Causada por Navios; – às embarcações nacionais, portos organizados, instalações portuárias, dutos, plataformas e suas instalações de apoio, em caráter complementar; – às embarcações, plataformas e instalações de apoio estrangeiras, cuja bandeira arvorada seja ou não de país contratante da…, quando em águas sob jurisdição nacional; às instalações portuárias especializadas em outras cargas que não óleo e substâncias nocivas ou perigosas, e aos estaleiros, marinas, clubes náuticos e outros locais e instalações similares.
2.3. INCOMPETÊNCIA DA RÉ PARA LAVRAR AUTO DE INFRAÇÃO
E para não restar qualquer dúvida acerca da incompetência da Ré, o § 3º do art. 36 do Decreto 4.136 de 20 de fevereiro de 2002 que regulamenta a Lei 9966/2000 delimita a competência da Autoridade Marítima Federal e do órgão Estadual, sem deixar margem para qualquer conflito, senão vejamos:
Art. 36. Efetuarem os navios ou plataformas com suas instalações de apoio a descarga de óleo, misturas oleosas e lixo, sem atender as seguintes condições: – a situação em que ocorrer o lançamento enquadrar-se nos casos permitidos; – o navio ou a plataforma não se encontrar dentro dos limites de área ecologicamente sensível, conforme representado nas cartas náuticas nacionais; e – os procedimentos para descarga por navio e plataforma com suas instalações de apoio sejam aprovados pelo órgão ambiental estadual competente:
Penalidade: multa do Grupo E. § 1º No caso específico de plataforma, os procedimentos para descarga devem ser observados no processo de licenciamento ambiental. § 2º Cabe ao órgão ambiental estadual competente autuar e multar as plataformas e suas instalações de apoio quando a descarga for decorrente de descumprimento de exigência prevista no licenciamento ambiental. § 3º Cabe à autoridade marítima autuar e multar os navios, as plataformas e suas instalações de apoio nas situações não previstas no parágrafo anterior.
Verifica-se, portanto, que a Autoridade Estadual poderá ser competente no caso de “descumprimento de exigência prevista no licenciamento ambiental” quando este for exigido logicamente, contudo, a competência para multar os navios com relação a descarga de óleo, misturas oleosas e lixo é da Autoridade Marítima, representante do Governo Federal e não do órgão Estadual, motivo pelo qual se requer a anulação da multa aplicada por Autoridade incompetente nesta ação.
Com relação ao embasamento dado no parecer jurídico, no que tange a aplicação do art. 23 da Constituição Federal, imperioso informar que proteger e combater a poluição não quer dizer autuar e multar o administrado, mas sim desempenhar sua função de cooperação junto à autoridade competente, no caso em tela, a Capitania.
2.4. VEDAÇÃO AO BIS IN IDEM
Adicionalmente as normas já expostas, onde consta expressamente que a Autoridade Marítima é a competente para a fiscalização de navio, imperioso destacarmos os termos da Lei Complementar 140 de 2011 que fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981.
A regra disposta no parágrafo terceiro do art. 17 nada mais é do que a expressa previsão da atuação supletiva do órgão não licenciador/autorizador, posto que estará autorizado a agir somente se caso aquele originariamente detentor da atribuição de fiscalizar e autuar (neste caso a autoridade marítima) restar inerte, o que não foi o caso.
Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.
§3º O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.
A regra disposta no parágrafo terceiro do art. 17 também traz implícito o princípio da subsidiariedade, este imanente à competência constitucional comum, ao estabelecer que todas as atribuições administrativas materiais devem ser exercidas, de modo preferencial, pela esfera mais próxima ou diretamente vinculada ao objeto de controle ou da ação de polícia.
Ademais, a Lei Federal 9.605/98, que dispõe sobre sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, em seu art. 79, estabelece que a esta lei se aplicam subsidiariamente as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal.
2.5. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO À DUPLA PUNIÇÃO AMBIENTAL
O princípio de Direito Penal do non bis in idem veda veementemente a dupla condenação oriunda de apenas uma infração, isto é, ninguém poderá ser punido duas vezes pelo mesmo fato, extraindo-se daí um duplo significado, o primeiro penal material, de que ninguém pode sofrer duas penas em face da mesma infração, e o segundo processual, de que ninguém pode ser processado e julgado duas vezes pelo mesmo fato.
Em recente decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, já se encontra consolidado o posicionamento, haja vista na referida decisão ter sido deferida a declaração de nulidade de auto de infração lavrado em duplicidade, tanto contra o armador como contra o agente.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA, CAUTELAR IMPROCEDENTES. DANO AMBIENTAL POSITIVADO. AUTO DE INFRAÇÃO QUE SE REVESTE DE FORMALIDADES LEGAIS, OBSERVADO O DIREITO AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO, NOS TERMOS DO ART. 5º, LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1.988. COMPETÊNCIA DE O ESTADO LEGISLAR CONCORRENTEMENTE COM A UNIÃO SOBRE DEFESA DO MEIO AMBIENTE. ART. 24, VI, DA CARTA MAGNA. APELANTE, QUE REPRESNTA O ARMADOR ESTÁ SUJEITO À INFRAÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 25, I E II, DA LEI N. 9.966/00. AUTUAÇÃO PELO ESTADO EM RAZÃO DE EXTRAVASAMENTO DE 715 (SETECENTOS QUINZE) LITROS DE ÓLEO PARA O MAR, COM FUNDAMENTO NO ART. 61, LEI ESTADUAL N°. 3.467/00. ADOÇÃO PELA UNIÃO DE IGUAL PROCEDIMENTO CONTRA O ARMADOR DO NAVIO, COM BASE NO LEI N. 9.966/00, LEI ESPECÍFICA. DECRETO N°. 4.136/02 QUE ATRIBUI À AUTORIDADE MARÍTIMA A COMPETÊNCIA PARA AUTUAR OS INFRATORES POR DERRAME DE ÓLEO EM ÁGUAS SOB A JURISDIÇÃO NACIONAL. ART. 32, PARÁGRAFO ÚNICO, C/C 36, § 3º, DAQUELE DECRETO. MEDIDA ADOTADA PELA UNIÃO. APLICAÇÃO DA MULTA AO ARMADOR DO NAVIO. APELANTE, QUE REPRESENTA O NAVIO EM TERRA, NÃO PODE SER RESPONSABILIZADO MAIS UMA VEZ PELA MESMA INFRAÇÃO, DEVENDO SER EVITADA DUPLA PUNIÇÃO. NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO QUE DEVE SER ADMITIDA, DECLARADA A INEXISTÊNCIA DO CREDITO TRIBUTÁRIO. INVERTIDA A SUCUMBÊNCIA. CONJUNTO DAS AÇÕES. EXTINÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR POR PERDA DO OBJETO. ART. 808, III, DO CPC. PROVIMENTO DO RECURSO. DECISÃO POR MAIORIA DE VOTOS.