EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CHAPECÓ – SC
Execução fiscal de dívida ativa não-tributária
EXCEPTO, incorporadora de …, filial inscrita no CNPJ sob o n…, estabelecida na …, Município…, por seus advogados que a presente subscrevem conforme documentos de representação anexos (documento 01), vem apresentar
EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE CONTRA EXECUÇÃO FISCAL DE MULTA AMBIENTAL
à ação de execução fiscal de dívida ativa não tributária movida pelo Estado de Santa Catarina, pelos motivos de direito que seguem.
A Excipiente esclarece de forma imediata que o título executivo objeto da presente execução fiscal é consubstanciado em processo administrativo atingido pela prescrição intercorrente, além de ser flagrantemente nulo em relação à não observância do procedimento legal, não podendo ensejar a cobrança pretendida pelo Estado.
Por tal motivo, e até que seja decidida a questão da prescrição, requer que seja recolhido o mandado expedido, suspendendo-se qualquer ato executório em face da Excipiente, a fim de evitar constrição de seus bens de forma imediata.
1. SÍNTESE DO PROCESSO DE EXECUÇÃO DE DÍVIDA ATIVA
Trata-se de execução fiscal da certidão de dívida ativa, oriunda do auto de infração ambiental lavrado pela Polícia Militar Ambiental contra a Excipiente, por suposto cometimento de infração tipificada no art. 44 do Decreto 6.514/08, que ensejou a aplicação de multa simples no valor originário de R$ 1.866.500,00.
Em 09.04.2014, foi lavrada a decisão administrativa (despacho de penalidade) que suspendeu a exigibilidade da aplicação da multa, mediante a apresentação de projeto técnico de reparação do dano, reduzindo-se a multa em 90%, nos termos do art. 87 da Lei Estadual 14.675/09. O projeto técnico foi homologado em 10.06.2014.
Com efeito, a execução da dívida ativa consubstanciada no referido auto de infração está impossibilitada em razão da ocorrência de prescrição intercorrente, já que o processo administrativo quedou-se inerte por mais de 3 (três) anos sem despacho decisório ou instrutório, conforme mandamento dos art. 21, §2º do Decreto 6.514/2008 e art. 1º, §1º da Lei Federal 9.873/99.
Isso porque, analisando os autos do processo administrativo n. 2000.2021.19999, extrai-se que, promovida a autuação ambiental em 11.02.2011, a Excipiente apresentou defesa prévia e projeto de reposição florestal em 09.03.2011, sobrevindo decisão administrativa de despacho de penalidade somente em 09.04.2014, sem qualquer movimentação que interrompesse a prescrição durante o período.
Além do mais, houve ofensa ao princípio da legalidade, do contraditório e ampla defesa, porquanto não foi oportunizado à Excipiente o direito de manifestar-se acerca do laudo pericial, tão pouco apresentar alegações finais como determina a Lei. Não há nos autos do processo administrativo, nenhuma informação acerca da intimação.
Portanto, evidente a ocorrência de prescrição intercorrente e nulidade do processo administrativo a partir da ausência de intimação, razão pela qual deve ser extinta a execução.
2. CABIMENTO DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. DESCABIMENTO DE PENHORA
A exceção de pré-executividade (tecnicamente, objeção de não executividade) é o meio processual adequado para discutir matéria capaz de ser apreciada sem a necessidade de dilação probatória, ainda que o exame dependa de análise dos documentos acostados aos autos.
Corroborando o exposto, Nelson Nery Junior ensina que “o primeiro meio de defesa de que dispõe o devedor na execução é a exceção de executividade. Admite-se-a quando desnecessária qualquer dilação probatória para a demonstração de que o credor não pode executar o devedor. […] São arguíveis por meio de exceção de executividade o pagamento e qualquer outra forma de extinção da obrigação (adimplemento, compensação, confusão, novação, consignação, remissão, sub-rogação, dação etc.)” (Código de Processo Civil Comentado. 10 ed. São Paulo: RT, 2007. p. 736).
No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça editou o verbete sumular 393, no sentido de que “a exceção de pré-executividade é admissível na Execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória”.
Outrossim, é pacífico o posicionamento da doutrina e jurisprudência, que a exceção de pré-executividade é meio de defesa cabível para contestar a formação e a exigibilidade do título executivo quando a questão for apenas de direito e se tratar de matéria de ordem pública, reconhecível inclusive de ofício pelo Juízo, dispensando a apresentação de bens à penhora ou outra forma de garantia.
Nesse sentido, leciona o letrado Professor Humberto Theodoro Júnior:
Essa matéria, sendo de ordem pública, não pode ter sua apreciação condicionada à ação incidental de embargos. Entre os casos que podem ser cogitados na exceção de pré-executividade figuram todos aqueles que impedem a configuração do título executivo ou que o privam de força executiva, como, por exemplo, as questões ligadas à falta de liquidez ou exigibilidade da obrigação, ou ainda à inadequação do meio escolhido para obter a tutela jurisdicional executiva. Está assente na doutrina e na jurisprudência atuais a possibilidade de o devedor usar da exceção de pré-executividade, independentemente de penhora ou depósito da coisa ou sem sujeição ao procedimento dos embargos, sempre que sua defesa se referir a matéria de ordem pública e ligada às condições da ação executiva e seus pressupostos processuais.[1]
Em conformidade, entende a Egrégia Corte Catarinense que “a exceção de pré-executividade é servil à suscitação de questões que devam ser conhecidas de ofício pelo juiz, como as atinentes à liquidez do título executivo, os pressupostos processuais e as condições da ação executiva” (AgRg no Agravo de Instrumento n 1.060.318/SC, rel. Min. Luiz Fux). (TJSC – Agravo de Instrumento n 2012.070577-4. Relator: Luiz Cézar Medeiros. Origem: Joinville. Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Público. Julgado em: 2-4-2013).
In casu, a documentação carreada aos autos e a matéria a ser apreciada – exclusivamente de direito – permitem o conhecimento e regular análise da exceção de pré-executividade. Mesmo porque, o ponto principal da discussão é a questão da incidência da prescrição no processo administrativo que deu origem à CDA. Inquestionável o seu cabimento.
Importante mencionar a desnecessidade de oferecimento de garantia para o processamento e julgamento da exceção de pré-executividade, que somente poderá ser efetivado após o trânsito em julgado em eventual rejeição.
3. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO PARALISADO POR MAIS DE 03 (TRÊS) ANOS SEM DESPACHO OU INSTRUÇÃO
De plano, impõe-se a perquirição acerca da legislação aplicável ao caso sob apreço.
De imediato, importante salientar que a multa, pela ausência de prestação de contas, não tem caráter tributário, pois, como determina o art. 3º, do Código Tributário Nacional (CTN): “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”
Sobre o assunto, leciona Geraldo Ataliba que “a multa se reconhece por caracterizar-se como sanção por ato ilícito. Para que alguém seja devedor de multa, é necessário que algum comportamento anterior seu tenha sido qualificado como ato ilícito ao qual a lei atribuiu a consequência de dar nascimento à obrigação de pagamento de dinheiro ao Estado, como punição, ou consequência desfavorável daquele comportamento.” (Hipótese de incidência tributária. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 36).
Portanto, embora possa ser inscrita em dívida ativa e sujeitar-se às normas de cobrança estabelecidas na Lei 6.830/80 (com supedâneo nos arts. 1º e 2º dessa Lei), são inaplicáveis à espécie as regras dispostas no CTN.
Superada essa questão, passar-se-á a demonstração da incidência inequívoca da prescrição intercorrente, o que torna nula a execução da CDA.
O processo administrativo que embasa o auto de infração e, consequentemente, sua respectiva CDA, foi lavrado em 11.02.2011, data que, inclusive, está indicada na própria CDA. Devidamente notificada, a Excipiente apresentou sua defesa administrativa e projeto técnico para recuperação do meio ambiente em 09.03.2011.
Não obstante o disposto no art. 76 da Lei Estadual 14.675/09, o qual determina que a decisão deve ser exarada no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da apresentação da defesa prévia, o processo foi analisado apenas em 09.04.2014, ou seja, mais de 3 (três) anos após o último impulso, ocorrido com a Manifestação de Defesa Prévia, datada em 11.03.2011.
Note Excelência, que entre 11.03.2011 (última movimentação) e 09.04.2014, o processo permaneceu inerte, pendente de julgamento e sem nenhum despacho por parte da Polícia Militar Ambiental que pudesse interromper o prazo prescricional.
Entretanto, a Lei Estadual 14.675/09, como visto acima, determina um prazo máximo de decisão pela Administração Pública, mas não regulamenta de forma expressa a prescrição intercorrente em processos administrativos punitivos de matéria ambiental.
Assim, conquanto não haja Lei Estadual regulamentando especificamente a matéria, vige a Portaria 104/2013/GABP-FATMA/CPMA-SC, que apesar de ter sido revogada pela Portaria Conjunta IMA/CPMA publicada no Diário Oficial SC 21.032 em 07 de junho de 2019, era a norma de vigência à época dos fatos, a qual expressamente dispõe em seu art. 97:
2º – Incide a prescrição no procedimento de apuração do auto de infração paralisado por mais de 03 (três) anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação e da reparação dos danos ambientais.
Nesta matéria particular, há que se socorrer da legislação federal aplicável subsidiariamente: o Decreto Federal 6.514/08, que regulamenta o processo administrativo sancionador ambiental, e contém expressa disposição a respeito, bem como a Lei Federal 9.873/99 que regulamenta o prazo prescricional no processo administrativo de forma geral.
Exsurge do Decreto Federal 6.514/08, o art. 21, §2º:
2º Incide a prescrição no procedimento de apuração de auto de infração paralisado por mais três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente de paralisação.
Semelhante redação é encontrada no § 1º do art. 1º da Lei Federal 9.873/99:
1o Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.
Pela leitura dos três diplomas legais acima colacionados, vislumbra-se que há distinção entre o prazo prescricional destinado à instauração do processo administrativo – 5 (cinco) anos – e o prazo prescricional intercorrente atinente ao tempo de paralisação de processo já instaurado – 3 (três) anos. Inarredável, portanto, a conclusão de que o lapso temporal a ser observado no caso sob apreço é o prazo de 3 (três) anos.
E o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em ocasiões símiles, já reconheceu a aplicabilidade subsidiária da legislação federal em âmbito estadual, dada a ausência de disposição específica na legislação local, reconhecendo a prescrição intercorrente:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA AMBIENTAL. DÍVIDA NÃO-TRIBUTÁRIA. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS QUE EMBASARAM AS CERTIDÕES DE DÍVIDA ATIVA. PRAZO TRIENAL, A TEOR DO ART. 1º, § 1º, DA LEI n. 9.873/1999. INÉRCIA DA ADMINISTRAÇÃO VERIFICADA. TRANSCURSO DO LAPSO PRESCRICIONAL QUE IMPÕE A EXTINÇÃO DA EXECUCIONAL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4005448-13.2018.8.24.0000, de Capinzal, rel. Des. Ronei Danielli, Terceira Câmara de Direito Público, j. 18-12-2018).
EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. EXECUÇÃO FISCAL DE DÍVIDA NÃO TRIBUTÁRIA (MULTA AMBIENTAL). PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO QUE APUROU O DÉBITO PARALISAÇÃO POR MAIS DE 3 ANOS. INÉRCIA DA ADMINISTRAÇÃO. EXEGESE DO ART. 1º DA LEI N. 9.783/1999 E DO ART. 97, §2º, DA “PORTARIA Nº 104/2013/GABP-FATMA/CPMA-SC. SENTENÇA DE EXTINÇÃO MANTIDA. APELO DESPROVIDO, COM A FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. (TJSC, Apelação Cível n. 0900035-91.2017.8.24.0034, de Itapiranga, rel. Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva, Primeira Câmara de Direito Público, j. 29-10-2018).
Assim, ao tempo da decisão administrativa proferida em 09 de abril de 2014, a prescrição intercorrente já havia se operado, em razão da paralisação do processo administrativo por período superior a 03 (três) anos.
O Superior Tribunal de Justiça – STJ, em recente posicionamento sobre a matéria e julgando auto de infração também de matéria ambiental, decidiu textualmente a questão:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ANULATÓRIA DE MULTA AMBIENTAL E EMBARGO. OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. AGRAVO REGIMENTAL DO IBAMA DESPROVIDO. 1. A Lei 9.873/99, que estabelece o prazo de prescrição para o exercício da ação punitiva pela Administração Pública Federal direta e indireta, prevê em seu art. 1º, § 1º, que incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso, ou seja, prevê hipótese da denominada prescrição intercorrente. 2. Cumpre ressaltar que, in casu, o próprio IBAMA reconheceu a ocorrência da prescrição intercorrente, consoante parecer técnico recursal (1689-EQTR, fls. 133/134 do PA, e-STJ fls. 506) e parecer da equipe técnica do IBAMA em Brasília, às fls. 146 do PA (e-STJ fls. 519). 3. A prescrição da atividade sancionadora da Administração Pública regula-se diretamente pelas prescrições das regras positivas, mas também lhe é aplicável o critério da razoabilidade da duração do processo, conforme instituído pela EC 45/04, que implantou o inciso LXXVIII do art. 5º. da Carta Magna. 4. Agravo Regimental do IBAMA a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 613.122/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/11/2015, DJe 23/11/2015).
No caso, os precedentes se aplicam integralmente uma vez que a última movimentação após a apresentação da defesa se deu com a manifestação a defesa prévia em 11.03.2011. Todavia, a referida manifestação não se reveste de decisão administrativa capaz de ilidir a prescrição. E ainda que ao contrário fosse, não ocorreu nenhum outro julgamento ou despacho a partir daquela data até 09.04.2014, quando a defesa prévia foi finalmente julgada pela autoridade ambiental.
Conforme explicitado na Portaria n. 104/2013/GABP-FATMA/CPMA-SC, no art. 21, §2º, do Decreto Federal 6.514/08 e no art. 1º, §1º da Lei Federal 9.873/99, a movimentação processual impeditiva da paralisação trienal fatal pode decorrer tanto do julgamento da causa processual administrativa, como por um simples despacho. O que não ocorreu no caso em tela.
Desse modo, dada a fluidez inerente ao termo, torna-se fundamental definir o que caracteriza “despacho”. E a definição não poderia ser melhor, senão aquela atribuída pelo Eminente Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, ao relatar o AgRg no AREsp 613.122/SC:
[…] No caso, despacho, deve ser compreendido como qualquer ato da Administração praticado no processo administrativo que resulte efetiva inovação nos autos, como ocorre com as manifestações técnicas produzidas pela Administração acerca dos elementos trazidos aos autos processuais (análise de fatos, provas e defesas), com os pareceres e até mesmo com a adoção de providências internas ou externas que importem impulso processual (expedição de intimações, por exemplo). Entretanto, não pode ser considerada como despacho a mera circulação dos autos pelas diversas áreas técnicas da Administração envolvidas no processo sem a produção de uma efetiva manifestação, ou a mera repetição de manifestações ou providências já presentes nos autos. […] Em que pese ter havido despacho de recebimento da inconformidade administrativa antes do implemento do prazo prescricional intercorrente, forçoso reconhecer que referido ato administrativo não pode ser confundido com “inequívoco” ato apuratório de fatos ou de verdadeiro ato de impulso procedimental, porquanto restrito à manutenção da decisão objurgada e à remessa do feito ao órgão atribuído para julgamento. Com efeito, somente os atos tendentes a apurar o ato ilícito e, consequentemente, capazes de possibilitar o julgamento no sentido da homologação ou não do auto de infração serão capazes de anular eventual incidência da prescrição intercorrente. Isso porque o procedimento administrativo é conduzido pelo Princípio da Segurança Jurídica, o qual estaria totalmente fragilizado caso a lei possibilitasse que todo e qualquer ato, mesmo aqueles que não objetivem o deslinde da controvérsia, afastassem a prescrição intercorrente. […]
Nesse caso, quando sobrestado o curso do procedimento administrativo por mais de 03 (três) anos, e desde que neste período não tenha sido lavrado um despacho sequer, operar-se-á a prescrição extintiva intercorrente.
O escopo da norma é conferir andamento do processo visando o deslinde da causa. Desse modo, não é capaz de obstar a ocorrência da prescrição intercorrente, qualquer ato processual necessário a impulsionar o processo ao seu fim.
Os atos meramente procrastinatórios, que não objetivem dar solução à demanda, embora se caracterizem formalmente como movimentação processual, não são hábeis a obstar a prescrição intercorrente, tão pouco a mera movimentação processual no sistema, uma vez que não impulsionam o feito ao deslinde da causa.
Resta insofismável que o processo administrativo ficou paralisado por mais de 03 (três) anos sem nenhum impulso pela Polícia Militar Ambiental, fazendo incidir sobre ele a prescrição intercorrente prevista na legislação supramencionada.
Ad argumentandum tantum, é evidente que na omissão do legislador estadual, não se pode permitir o descontrole da Administração Pública quando existe norma federal específica a respeito da matéria, permitindo-se sua aplicação subsidiária.
Entendimento contrário implicaria conceder à Administração uma carta branca para agir sem controle e em desprestígio dos princípios constitucionais de eficiência, da segurança jurídica, e do próprio administrado, demorando indefinidamente na solução das controvérsias. Nesse sentido, colhe-se da doutrina:
O princípio da eficiência se revela no processo administrativo em sua celeridade, que procura concretizar o direito fundamental à duração razoável do processo; na simplicidade e instrumentalidade de sua forma, no impulso oficial que possibilita a busca pela verdade material, pela efetividade do processo através do alcance da finalidade para a qual foi instaurado, sempre tendo como balizador primeiro o respeito aos direitos e garantias fundamentais.[2]
À propósito, o STJ tem posição firme no sentido de aplicar subsidiariamente a Lei 9.784/99 aos processos administrativos estaduais:
É assente o entendimento desta Corte no sentido de que, “ausente lei local específica, a Lei 9.784/99 pode ser aplicada de forma subsidiária no âmbito dos demais Estados-Membros, tendo em vista que se trata de norma que deve nortear toda a Administração Pública, servindo de diretriz aos seus demais órgãos” (STJ, AgRg no Ag 1.196.717/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, DJe de 22/03/2010).
A aplicação subsidiária da Lei Federal tem justificativa bastante evidente que é impedir que a Administração Pública atue sem qualquer controle e mantenha processos ativos por tempo excessivo e injustificado, especialmente em caso de processos punitivos que têm por objetivo sancionar a conduta de um particular.
A aplicação subsidiária da Lei Federal não está desalinhada com a legislação estadual, muito menos prejudica sua aplicação. Tanto pelo contrário, reforça seus dispositivos porque conforme art. 76 da Lei Estadual 14.675/2009, qualquer processo administrativo deve ser decidido em até 30 (trinta) dias a contar do protocolo da defesa:
Art. 76. O prazo para fins de decisão é de 30 (trinta) dias, a contar da apresentação da defesa prévia ou do decurso do prazo respectivo.
Como no presente caso não houve instrução probatória, desde a apresentação da defesa o processo estava apto a julgamento, ou seja, em março de 2011. Mesmo assim, somente sobreveio decisão em 09.04.2014.
Ainda que prevaleça o entendimento de que o prazo assinalado no art. 76 não seja peremptório para a Administração Pública, é certamente uma referência de tempo para aquilo que se considera um prazo razoável de tramitação e tomada de decisão.
Saliente-se, por oportuno, que a prescrição da atividade sancionadora da Administração Pública regula-se diretamente pelas prescrições das regras positivas, mas também lhe é aplicável o critério da razoabilidade da duração do processo, conforme instituído pela EC 45/04, que implantou o inciso LXXVIII do art. 5º da Carta Magna:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]
LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
A entrega da prestação administrativa a destempo equivale a negar prestação administrativa, mormente nos casos em que a Administração Pública está exercendo uma atividade de julgamento e interferindo diretamente sobre os atos dos particulares.
Vale ressaltar, que o auto de infração foi lavrado em 11.02.2011, cuja defesa prévia foi apresentada no prazo legal. Contudo, o processo ficou paralisado por mais de 03 (três) anos até que fosse proferido o Despacho de Penalidade, o que não é tolerado pelo sistema jurídico atual, conforme explica a Professora Maria Sylvia Di Pietro:
A Emenda Constitucional nº 19, de 4-6-98, inseriu o princípio da eficiência entre os princípios constitucionais da Administração Pública, previstos no artigo 37, caput. Também a Lei nº 9.784/99 fez referência a ele no art. 2º, caput. Hely Lopes Meirelles (2003:102) falar na eficiência como um dos deveres da Administração Pública, definindo-o como “o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.” (Direito Administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, p. 84.)
Diante de todo o exposto, forçoso reconhecer que incidiu a prescrição intercorrente sobre o processo administrativo relativo ao auto de infração, o que impossibilita a formação e a exigibilidade do título executivo consubstanciado na CDA objeto da presente execução.
4. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE MANIFESTAÇÃO ACERCA DO LAUDO PERICIAL E ALEGAÇÕES FINAIS
Não obstante a arguição de prescrição intercorrente, que por si só gera a nulidade da CDA, é mister esclarecer que da análise perfunctória do processo administrativo, verifica-se a ausência de intimação da Excipiente para manifestar-se acerca do laudo pericial e apresentar alegações finais. Fato grave que também gera a nulidade da CDA, diante do prejuízo inarredável causado à parte pelo cerceamento de defesa.
Isso porque, os arts. 69 a 71 da Portaria n. 104/2013/GABP-FATMA/CPMA-SC determinam expressamente a necessidade de intimação do autuado para que apresente alegações finais. Se o autuado não apresenta-las, tal informação deverá ser certificada. Destaca-se:
Art. 69. A autoridade ambiental fiscalizadora publicará em sua sede administrativa e em sítio na rede mundial de computadores a relação dos processos que entrarão na pauta de decisão final, para fins de apresentação de alegações finais pelos interessados.
Art. 70. Publicados os processos administrativos que entrarão na pauta de decisão final na sede administrativa da autoridade administrativa e no sítio na rede mundial de computadores o autuado terá o direito de manifestar-se em alegações finais, no prazo máximo de 10 (dez) dias.
Art. 71. Não apresentadas as alegações finais, tal situação deverá ser certificada no processo e inserido no sistema GAIA.
Regra símile está prevista no Decreto 6.514/08:
Art. 122. Encerrada a instrução, o autuado terá o direito de manifestar-se em alegações finais, no prazo máximo de dez dias.
§ 1º Para fins de apresentação de alegações finais pelos interessados, o setor responsável pela instrução notificará o autuado e publicará em sua sede administrativa e na Internet a relação dos processos que entrarão na pauta de julgamento.
§ 2º A notificação de que trata o § 1º deste artigo poderá ser realizada por:
I – via postal com aviso de recebimento;
II – notificação eletrônica, observado o disposto no § 4º do art. 96; ou
III – outro meio válido.
No plano constitucional, o direito ao contraditório e ampla defesa foi consagrado como um direito fundamental, nos termos do inciso LV do art. 5° da Lei Maior, in verbis:
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
O princípio do devido processo legal se erige como um valor caro à democracia e indispensável à própria existência de um Estado de Direito. Demonstrada, destarte, a ocorrência do cerceamento de defesa da Excipiente, com a violação clara aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
Ademais, o princípio da legalidade também é garantia constitucional, vinculando à Administração à Lei, in verbis:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, […].
Aliás, o próprio Decreto 6.514/08 determina que o processo administrativo será orientado pelo princípio da legalidade:
Art. 95. O processo será orientado pelos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência, bem como pelos critérios mencionados no parágrafo único do art. 2º da Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
Por sua vez, o referido art. 2º da Lei 9.784/99, enfatiza:
Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
I – atuação conforme a lei e o Direito;
II – atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;
III – objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;
IV – atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;
V – divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;
VI – adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;
VII – indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;
VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;
IX – adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;
X – garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;
XI – proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei;
XII – impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados;
XIII – interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.
Nesse diapasão, o emérito Professor Carvalho Filho ensina:
O princípio da legalidade é certamente a diretriz básica da conduta dos agentes da Administração. Significa que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Não o sendo, a atividade é ilícita.
Tal postulado, consagrado após séculos de evolução política, tem por origem mais próxima a criação do Estado de Direito, ou seja, do Estado que deve respeitar as próprias leis que edita.
O princípio “implica subordinação completa do administrador à lei. Todos os agentes públicos, desde o que lhe ocupe a cúspide até o mais modesto deles, devem ser instrumentos de fiel e dócil realização das finalidades normativas”. […]
O princípio da legalidade denota exatamente essa relação: só é legítima a atividade do administrador público se estiver condizente com o disposto na lei.[3]
Di Pietro, comenta o desprestígio do administrador à Constituição:
A consequência é que a evolução do direito administrativo depende, em grande parte, de reformas constitucionais, o que conduz a dois caminhos : (a) um, lícito, que é a reforma pelos instrumentos que a própria Constituição prevê; (b) outro que é feito ao arrepio da Constituição, que vai sendo atropelada pelas leis ordinárias, por atos normativos da Administração Pública e, às vezes, sem qualquer previsão normativa; a Administração Pública, com muita frequência, coloca-se na frente do legislador. Daí o desprestígio da Constituição e do princípio da legalidade.[4]
O multisciente Professor Celso Antônio Bandeira de Mello lembra da subordinação da Administração às leis, principalmente à Constituição:
O princípio da legalidade explicita a subordinação da atividade administrativa à lei e surge como decorrência natural da indisponibilidade do interesse público, noção, esta, que, conforme foi visto, informa o caráter da relação de administração. No Brasil, o art. 5º, inciso II, da Constituição dispõe: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.[5]
Fato incontroverso, é que não há nos autos do processo administrativo instaurado pela Polícia Militar Ambiental, qualquer informação ou determinação acerca da intimação da Excipiente, tão pouco, relato no Despacho de Penalidade, ocasião em que a autoridade julgadora deveria fazer constar a apresentação ou não das alegações finais e manifestação ao laudo pericial.