É comum a controvérsia acerca da possibilidade de construção em zona urbana na margem de rio. Isso porque, o Código Florestal (Lei 12.651/2012) estabelece como área de preservação permanente toda a vegetação natural localizada a 30 metros nos cursos d’água de menos de 10 metros de largura.
Já a Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei 6.766/1979) estabelece proibição de apenas 15 metros do curso de água. Daí a controvérsia, a qual foi esclarecida no dia 28.04.2021 pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, como veremos adiante.
Antes, porém, vale destacar que tramita no Congresso Nacional projetos de lei, um deles, inclusive, já aprovado na Câmara dos Deputados, que visam transferir aos Municípios o direito de legislar sobre as APPs urbanas, justamente para modificar o entendimento do STJ, visto que tal afeta sobremaneira milhões de pessoas.
Contudo, o projeto de lei ainda precisa ser aprovado pelo Senado Federal, e depois sancionado pelo Presidente da República. Por ora, prevalece o entendimento do STJ.
Assim, sugerimos ao leitor que sempre busque informações sobre a distância para construir das margens de cursos d’água na sua Prefeitura, o que pode ser feito, geralmente, através de consulta de viabilidade para construção.
Índice
Mas qual Lei deve ser aplicada: o Código Florestal ou a Lei de Parcelamento de Solo Urbano?
A Lei de Parcelamento Urbano estabeleceu uma proteção mínima às margens dos cursos de água, uma vez que indica uma proibição inicial a construção à margem imediata.
Ademais, a própria Lei 6.766/1979 – cuja finalidade é estabelecer critérios para o loteamento urbano – reconhece não ser a sua especificidade a proteção ambiental dos cursos de água, razão pela qual indica a possibilidade da legislação específica impor maior restrição do que a referida norma, veja:
Art. 4º […]
III – ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias e ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não-edificável de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica;
Pois bem. Sabe-se que o instituto das áreas de preservação permanente tem objetivos expressos em relação à integridade dos ecossistemas e a qualidade do meio ambiente.
Nesse sentido, as área de preservação permanentes têm esse papel de abrigar a biodiversidade e promover a propagação da vida, assegurar a qualidade do solo e garantir o armazenamento de recurso hídrico em condições favoráveis de quantidade e qualidade.
O sistema normativo brasileiro já protegia claramente as áreas de preservação permanente desde o antigo Código Florestal.
Dessa forma, o Código Florestal é mais específico, no que atine à proteção dos cursos de água, do que a Lei de Parcelamento de Solo Urbano, e, portanto, aquele é que deve ser aplicado às áreas urbanas, devendo ser obedecido o recuo de 30 a 500 metros para construir.
O que diz o Código Florestal sobre a distância para construir
O Código Florestal estabelece as áreas de preservação permanente no entorno de rios, lagos e nascentes, em que é proibido construir:
Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
I – as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:
a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;
b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;
O desenvolvimento econômico deve ser obtido com o devido saneamento do planeta e com a administração inteligente dos recursos naturais. Caso contrário, o suposto desenvolvimento obliteraria a possibilidade de sobrevivência da espécie humana.
Logo, cuida-se de obter um desenvolvimento sustentável que respeite o ecossistema e proporcione um trato adequado, respeitoso, para com o Planeta Terra.
Ademais, a proteção marginal dos cursos de água, em toda a sua extensão, possui importante papel de proteção contra o assoreamento.
As matas de galeria, várzea ou vegetação ripária, também conhecidas como matas ciliares (em referência à função protetiva dos cílios oculares), integram as biotas terrestres e aquáticas reciclando elementos de solos encharcados.
Aliás, exercem uma função de corredor de regeneração da flora e fauna, o que promove um fluxo das diversas espécies dentro do ecossistema brasileiro.
Tabela: APP em cursos d’água
Distância para construir de rios
A distância para construir de rios e córregos depende da sua largura, devendo obedecer o previsto no art. 4º do Código Florestal de 2012, que prevê as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:
Distância para construir entorno de nascentes e olhos d’água
As áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, consideradas de preservação permanente e, portanto, que devem ser preservadas sem qualquer intervenção, é num raio mínimo de 50 metros, conforme figura abaixo:
Distância para construir de lagos e lagoas naturais
A distância para construir no entorno dos lagos e lagoas naturais, deve obedecer uma faixa com largura mínima de 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros, e 30 (trinta) metros, em zonas urbanas:
Distância para construir nos reservatórios naturais e artificiais (açudes)
As áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, a área de preservação permanente que não se pode construir é definida na licença ambiental do empreendimento.
Já no entorno de reservatórios artificiais de água que não decorram de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, como açudes, não se exige área de preservação permanente.
Vale destacar que, para os reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, a faixa da Área de Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum.
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre aplicação do Código Florestal em áreas urbanas
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), há muito, entendia que, reduzir o tamanho da área de preservação permanente, com base na Lei de Parcelamento do Solo Urbano, afastando a aplicação do Código Florestal, implicaria verdadeiro retrocesso em matéria ambiental.
Dessa forma, a distância mínima dos rios para construir, seria aquela prevista no art. 4º do Código Florestal, e não da Lei de Parcelamento Urbano, o que gerou muitas controvérsias que resultaram no Tema 1010 para decidir de uma vez por todas qual seria a lei aplicável.
É certo que determinadas áreas devem ser resguardadas para evitar a degradação, não apenas de uma propriedade, mas de toda a região.
A correta proteção legal, segundo entendimento dos tribunais, busca obter o equilíbrio ecológico que no caso é o interesse público, pois o desequilíbrio ambiental compromete a equidade intergeracional diminuindo a qualidade de vida das presentes e futuras gerações.
Superior Tribunal de Justiça – STJ decidiu que em áreas urbanas se aplica o Código Florestal
Na sessão de julgamento do dia 28/04/2021, a Primeira Seção do STJ, julgou o Tema 1010 e firmou entendimento de que em áreas urbanas se aplica o Código Florestal de 2012 para fins de caracterização de área de preservação de permanente – APP.
Isso significa que, em áreas urbanas são aplicáveis as APPs de 30 a 500 metros, e não o recuo de 15 metros como previsto no Lei do Parcelamento do Solo Urbano.
Desse modo, construções já efetivadas, ainda que aprovadas pelo Poder Público, mas com base nos 15 metros da Lei do Parcelamento do Solo Urbano, poderão ser objeto de ações judiciais do Ministério Público e demais legitimados com pedidos de demolição, indenização e reparação do meio ambiente ao estágio anterior às construções.
Portanto, a controvérsia sobre a distância mínima para construir às margens de rios e córregos foi esclarecida, porém, trouxe grande insegurança jurídica que pode afetar gravemente os cidadãos, inclusive aqueles que construíram suas casas dentro das APPs, mesmo que com aprovação do Poder Público.
Leia a íntegra da decisão do STJ aqui.
Reviravolta: Município decide a faixa de APP urbana
Embora o Superior Tribunal de Justiça – STJ tenha decidido pela aplicação do Código Florestal às áreas de preservação permanente – APPs, uma alteração legislativa promovida em dezembro de 2021 transferiu aos Municípios o poder de definir a distâncias mínima de APP em seu territórios.
A providência adotado pelo Congresso Nacional foi uma resposta ao julgamento do STJ, que trouxe enorme insegurança jurídica ao aplicar os distanciamentos previstos no Código Florestal a qualquer curso d’água e a situações pretéritas, independentes se houve licença para construção ou não.
A alteração legislativa procurou corrigir a inadequação presente na Lei 12.651, de 2012 (Código Florestal), que, em variados casos, fixou limites de APP iguais para zonas rurais e urbanas, permitindo ao STJ adotar aquele posicionamento.
Veja como ficou a redação que transferiu aos Municípios o poder de definir a distância das áreas de preservação permanente – APPs urbanas:
§ 10. Em áreas urbanas consolidadas, ouvidos os conselhos estaduais, municipais ou distrital de meio ambiente, lei municipal ou distrital poderá definir faixas marginais distintas daquelas estabelecidas no inciso I do caput deste artigo, com regras que estabeleçam: (Incluído pela Lei nº 14.285, de 2021)
I – a não ocupação de áreas com risco de desastres; (Incluído pela Lei nº 14.285, de 2021)
II – a observância das diretrizes do plano de recursos hídricos, do plano de bacia, do plano de drenagem ou do plano de saneamento básico, se houver; e (Incluído pela Lei nº 14.285, de 2021)
III – a previsão de que as atividades ou os empreendimentos a serem instalados nas áreas de preservação permanente urbanas devem observar os casos de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental fixados nesta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.285, de 2021)
Embora essa alteração tenha sido alvo de judicialização, cuja palavra final sobre sua constitucionalidade caberá ao Supremo Tribunal Federal – STF, entendemos acertada a alteração que conferiu aos municípios amparo legal para que adequem os limites de APP constantes da Lei Florestal à realidade de suas áreas urbanas.
159 Comentários. Deixe novo
Na minha cidade umas casas fizeram varandas dentro do rio posso denunciar?
Em caso de curso de água efêmero, qual distância que devo preservar. Observação: de acordo com o mapa do plano diretor, o terreno não está inserido em APP, e a classificação de “curso d’água efêmero” foi dada pela própria prefeitura.
Desde já, muito obrigado.
Imagino que esse corpo d´água não esteja localizado em declividade superior a 45 graus nem esteja localizado em área de mangue, dunas ou resingas. então, neste caso, deve-se lembrar que os cursos d’água considerados efêmeros se formam somente por ocasião das chuvas, ou seja, são alimentados exclusivamente pela água de escoamento superficial das chuvas, e não se caracterizam como de preservação permanente. Se não é APP, não há um distanciamento para construir, mas isso, por si só, não impede que sejam observadas outras regras para edificar.
Tem uma área de 4.000 ms2 dentro que foi invadida e utilizada com Lagoa Facultativa por 25 anos, e após muita luta judicial, a Autarquia se retirou, apenas enterrando as placas de concreto e ferro e entulho.Estou movendo processo de Perdas e Danose Contaminação Ambiental desde 2017. Pergunto: esse material enterrado não é|considerado contaminação ambiental ?
Não conheço o caso, José, mas tudo depende de um estudo para verificar se essas placas de concreto, ferro e entulho estão contaminando o solo. De qualquer forma, é um dano ambiental, ainda que não seja considerada uma contaminação/poluição.
Moro em um área faz mais de 30 anos, onde tem duas casas. O terreno tem de largura 14 metros e as construções ficam ao lado do córrego, mais ou menos 2 metros de distância. O córrego hoje virou um esgoto a céu aberto, pois tem condomínio largando dejetos no córrego. Existe alguma possibilidade de regularização desse imóvel?
Por se tratar de imóvel construído há décadas, talvez caiba REURB, mas isso depende de uma análise detalhada de verificação dos requisitos da REURB.
Uma propriedade rural de 10 hectares com nascente ao meio, como pode ser feita a divisao? Será feita uma cerca c/arame farpado e mourao.
Flávia, de acordo com o artigo 8º do Còdigo Florestal de 2012, a intervenção em Área de Preservação Permanente pode ocorrer na hipótese de baixo impacto ambiental, o que me parece ser o caso (construção de cerca para divisa da propriedade.
tem uma area com aproximados 30m que fica entre minha casa e um valao escavado pela prefeitura pra escoamento. Eis a minha dúvida? O suposto dono não terá condições de urbanizar visto que terá que deixar uma área de 15 m pra limpeza do canal e ruas de acesso de 10m , totalizando 25 m . Estou tentando comprar esses 5 m mas não consigo achar o dono. Já até coloquei uma cerca mas apareceu uma pessoa limpando e tirando minhas cerca sem saber o nome do dono.
A Prefeitura de Lauro de Freiras/BA concedeu alvará para construção do recuo do riacho de 10 metros e o minitério público pede a justiça para derrubar a construção, perde mais manda para uma instância maior, será que vou ficar prejudicado por ter construído com a lei da época da Prefeitura? muito obrigado
Carlos, é uma situação delicada e complexa, mas para saber como poderíamos ajudar você, é necessário analisar uma série de documentos, legislação local e outros detalhes. Talvez seja caso de REURB para regularizar, mas para dar uma resposta concreta, realmente preciso de mais informações.
Tenho um terreno de 25×12, nos fundos dele passa um rio de ubs 5 metros de largura, em épocas que o rio está na normalidade, ele fica distante do meu muro o total de 11.5 metros, então preservando esses 11.5 metros, eu perderia mais 18.5 metros do meu terreno, logo eu poderia edificar um prédio de 6.5 metros de comprimento, a duvida é a seguinte, se eu construir um prédio de 6.5 metros de comprimento por 12 de largura ( largura do terreno ) e no segundo piso eu usar a mesma largura e aumentar esses 6.5 metros de comprimento para uns 9.5 e embaixo apenas fazer a colunas da obra, que sustentariam o segundo andar, esses 3 metros que aumentei em cima conta como invasão? Pois eu não iria fechar paredes embaixo, assim se um dia acontecesse uma catastrofe e o rio atingisse essa parte da minha obra, ele iria passar por baixo do segundo andar e não mudaria o curso dele, isso é possivel?
AO que me parece, a sua construção já está dentro de área de preservação permanente – APP e, se for isso mesmo, está irregular. E quando a construção das colunas, também seriam irregulares.
Olá. Tenho um trabalho da faculdade onde um loteamento seria construído no lote 101 da Av dos Bandeirantes, RJ. Já pesquisei sobre o rio Guerenguê que passa atrás e verifiquei que há construções irregulares e um projeto de canalização do mesmo, mas não consegui descobrir qual a área de afastamento deve ser obedecida. Onde posso buscar informações atualizadas? Obrigada!
Marlene, essas informações você encontrará no Plano Diretor do Município em que será construído o empreendimento.