Modelo de recurso de apelação. Ação Civil Pública. Demolição. Ação demolitória. Área de preservação permanente. Advogado ambiental. Escritório de advocacia.
EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE…
APELANTE, já qualificada nos autos da Ação Civil Pública em epígrafe, movida por APELADA, igualmente qualificada, vem, a presença de Vossa Excelência, por seu advogado, inconformado com a respeitável sentença proferida às fls. 359-363, interpor RECURSO DE APELAÇÃO com fundamento no art. 1009 do Código de Processo Civil, cuja guia de preparo foi devidamente recolhida, requerendo, após as formalidades legais, a remessa ao juízo ad quem para processamento e julgamento.
Pede deferimento.
Local e data.
Advogado
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA
RECURSO DE APELAÇÃO
Em que pese o notório saber jurídico da MM Juiz a quo, maneja-se o presente recurso, com fundamento no art. 1.009 do Código de Processo Civil, no tocante à sentença de procedência em Ação Civil Pública que ordenou a demolição/desfazimento da construção erigida pela Apelante, a qual merece reforma, consoante as razões de fato e de direito que passa a expor.
1. SÍNTESE PROCESSUAL
Trata-se na origem de Ação Civil Pública – ACP movida por Apelada em face de Apelante, por suposta irregularidade na construção de uma casa para fins residenciais. A Apelada requereu a concessão de medida liminar de suspensão das obras até o julgamento definitivo, que foi deferida, e ao final, no mérito, requereu o julgamento procedente para determinar a demolição/desfazimento da construção irregular.
Citada, a Apelante apresentou contestação, alegando, em síntese, a ilegitimidade ativa da Apelada; ausência de interesse de agir; afronta ao princípio da razoabilidade e proporcionalidade; e, possibilidade de regularização da obra, e por esta última, requereu a suspensão do processo pelo prazo de 01 ano.
Instruindo a Contestação, a Apelante apresentou conjunto probatório, tal como parecer da Prefeitura, comprovando que o terreno em questão não possui restrições ambientais que impeçam o uso/ocupação do solo, e a consulta de viabilidade, que de forma inequívoca, autoriza a edificação no terreno de propriedade da Apelante.
Houve réplica, e, então, sobreveio sentença que julgou antecipadamente a lide, afastando as preliminares de ilegitimidade ativa da Apelada (entidade associativa) e falta de interesse de agir. Na sentença, constou ainda, a desnecessidade de produção de provas e de audiência de instrução e julgamento, condenando a Apelante a demolição/desfazimento da construção, e, mantendo a decisão de embargo da obra concedida em tutela provisória.
Intimada da sentença, a Apelante constituiu novo patrono, com substabelecimento sem reserva de poderes, e opôs Embargos de Declaração, sob o fundamento de julgamento ultra petita; omissão quanto a ilegitimidade ativa; omissão quanto ao interesse de agir; omissão quanto ao pedido de produção de provas que acarretou no cerceamento de defesa; omissão quanto a possibilidade de concessão de prazo para regularizar a obra; omissão quanto à negativa de prestação jurisdicional, além de pugnar pelo prequestionamento de dispositivos legais aplicados ao caso.
Aos declaratórios, houve contrarrazões pugnando pela rejeição e desprovimento deles. Por conseguinte, sobreveio sentença que julgou improcedente os Embargos de Declaração opostos pela Apelante. Contudo, maxima venia, a sentença merece reforma, conforme será demonstrado.
2. RAZÕES PARA REFORMA DA SENTENÇA
2.1. ILEGITMIDADE ATIVA DA APELADA – ENTIDADE ASSOCIATIVA – NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO EXPRESSA OU ASSEMBLEAR – INEXISTÊNCIA
A MM Juíza a quo afastou, equivocadamente, concessa venia, a preliminar de ilegitimidade ativa da Apelada, alegada pela Apelante em sede de contestação, e julgou procedente a ação civil pública. Daí, por si só, exsurge a reforma da sentença.
Isso porque, a Apelada, na qualidade de entidade associativa representante dos moradores e frequentadores da região, não possui qualquer legitimidade para pleitear a demolição da suposta obra irregular promovida em imóvel de propriedade da Apelante, porque a mera autorização genérica prevista em cláusula estatutária é insuficiente para que a Apelada demande judicialmente contra terceiros, conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal – STF.
Cediço que a representatividade judicial e extrajudicial é condicionada a expressa autorização individual ou assemblear dos seus representados, conforme determina o artigo 5°, inciso XXI, da Constituição Federal, in verbis:
XXI – as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;
Se debruçando sobre a matéria, o Plenário do STF, pronunciando-se sobre a exegese do art. 5º, XXI, da Constituição Federal, em julgamento do Recurso Extraordinário n. 573.232/SC, com repercussão geral reconhecida, pacificou o entendimento de que as associações civis ─ como é o caso da Apelada ─, não substituem processualmente, mas sim, representam seus associados em Juízo e, para tanto, conforme norma constitucional, necessitam de autorização específica para defesa judicial e extrajudicial de seus interesses, não bastando, então, previsão genérica nos estatutos sociais.
Ora. Se a atuação das associações civis se dá por representação, e não por substituição processual, como ocorre com os sindicatos, de sorte que é necessária a autorização expressa para agir em juízo em nome dos associados, o que não se vislumbra no caso em tela, impondo-se, portanto, a reforma da sentença para reconhecer a ilegitimidade ativa da Apelada, nos termos do RE n. 573.232/SC, assim ementado:
REPRESENTAÇÃO – ASSOCIADOS – ARTIGO 5º, INCISO XXI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALCANCE. O disposto no artigo 5º, inciso XXI, da Carta da República encerra representação específica, não alcançando previsão genérica do estatuto da associação a revelar a defesa dos interesses dos associados. TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL – ASSOCIAÇÃO – BENEFICIÁRIOS. As balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, é definida pela representação no processo de conhecimento, presente a autorização expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial. [grifei] (RE 573232, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 14/05/2014, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-182 DIVULG18-09-2014 PUBLIC 19-09-2014 EMENT VOL-02743-01 PP-00001).
Há mais. Durante o julgamento do RE 573.232/SC, o Ministro Teori Zavascki ao proferir seu voto cristalino, citando a Rcl 5.215, de relatoria do Ministro Ayres Britto, registrou que não basta a autorização genérica contida no estatuto da associação, como entendeu erroneamente, maxima venia, a MM Juíza a quo, sendo imprescindível autorização específica, que pode se materializar por deliberação assemblear, senão vejamos:
[…] 3. Realmente, a legitimidade das entidades associativas para promover demandas em favor de seus associados tem assento no art. 5º, XXI da Constituição Federal e a das entidades sindicais está disciplinada no art. 8º, III, da Constituição Federal. Todavia, em se tratando de entidades associativas, a Constituição subordina a propositura da ação a um requisito específico, que não existe em relação aos sindicatos, qual seja, a de estarem essas associações ‘expressamente autorizadas’ a demandar. É diferente, também, da legitimação para impetrar mandado de segurança coletivo, prevista no art. 5º, LXX da Constituição, que prescinde da autorização especial (individual ou coletiva) dos substituídos (Súmula 629 do STF), ainda que veicule pretensão que interesse a apenas parte de seus membros e associados (Súmula 630 do STF e art. 21 da Lei 12.016/2009).
Pois bem, se é indispensável, para propor ação coletiva, autorização expressa, a questão que se põe é a que diz com o modo de autorizar ‘expressamente’: se por ato individual, ou por decisão da assembleia de associados, ou por disposição genérica do próprio estatuto. Quanto a essa questão, a resposta que tem sido dada pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é no sentido de que não basta a autorização estatutária genérica da entidade associativa, sendo indispensável que a declaração expressa exigida pela Constituição (art. 5º, XXI) seja manifestada ou por ato individual do associado ou por deliberação tomada em assembleia da entidade. Essa orientação foi corroborada em recente e unânime decisão plenária na Rcl 5.215, Rel. Min. Ayres Britto, a saber:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AO PEDIDO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA. A ENTIDADE DE CLASSE, QUANDO POSTULA EM JUÍZO DIREITOS DE SEUS FILIADOS, AGE COMO REPRESENTANTE PROCESSUAL. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO DE ASSEMBLÉIA GERAL. MÉRITO. ALEGAÇÃO DE AFRONTA ÀS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NAS ADIs 1.721 E 1.770. INEXISTÊNCIA. DESPROVIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. 1. A associação atua em Juízo, na defesa de direito de seus filiados, como representante processual. Para fazê-lo, necessita de autorização expressa (inciso XXI do art. 5º da CF). Na AO 152, o Supremo Tribunal Federal definiu que essa autorização bem pode ser conferida pela assembleia geral da entidade, não se exigindo procuração de cada um dos filiados. 2. O caso dos autos retrata associação que pretende atuar em Juízo, na defesa de alegado direito de seus filiados. Atuação fundada tão-somente em autorização constante de estatuto. Essa pretendida atuação é inviável, pois o STF, nesses casos, exige, além de autorização genérica do estatuto da entidade, uma autorização específica, dada pela Assembléia Geral dos filiados. 3. (…) 6. Agravo regimental desprovido. (Rcl 5215 AgR, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, DJe de 22-05-2009).
In casu, para configurar a legitimidade da Apelada, seria necessário que conste em seu estatuto, autorização expressa hábil à deflagração de ações, bem como, a autorização expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial, o que não se verifica no caso em tela, e diante disso, cabia à MM Juíza a quo, extinguir o feito sem resolução de mérito, o que não o fez.
Ora. Se a Apelada não apresentou a lista de associados, muito menos a autorização expressa dos associados para demandar em juízo em face da Apelante, não há que se falar em legitimidade ativa, até porque, o art. 17 do Código de Processo Civil preconiza que “para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade”, o que a Apelada aqui não tem.
À propósito, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery[1] ensinam que “tanto o que propõe quanto aquele em face de quem se propõe a ação devem ser partes legítimas para a causa. Somente é parte legítima aquele que é autorizado pela ordem jurídica a postular em juízo”.
Dessa forma, sendo insuficiente a mera previsão genérica estatutária e não estando devidamente comprovada a autorização dos associados integrantes da entidade associativa, na forma do artigo 17 do CPC, acarretando na ausência de documentos indispensáveis para propositura da demanda, na forma dos artigos 320, do mesmo diploma legal, a reforma da sentença com o reconhecimento da ilegitimidade ativa da Apelante é medida que se impõe.
A Apelante, inclusive, e de forma exaustiva, argumentou em sede de contestação, a inexistência de legitimidade ativa da Apelada para promover a demanda, porquanto a mera disposição estatutária não é suficiente a autorizar o ajuizamento de ação demolitória. Mas a r. sentença hostilizada, afastou a preliminar aventada de ilegitimidade ativa da Apelada quando saneado o feito pela MM Juíza a quo.
Intimada da sentença, a Apelante opôs Embargos de Declaração requerendo que a MM Juíza a quo se manifestasse expressamente sobre o precedente do STF trazido à lume, firmado por ocasião do julgamento do RE 573.232/SC, o que não aconteceu.
Nitidamente, a Suprema Corte sufragou entendimento no sentido de que não basta previsão estatutária genérica para a entidade representar seus associados, sendo imprescindível a autorização expressa e específica, seja de forma individualizada ou por meio de assembleia geral.
E que nem se cogite a legitimidade ativa da Apelada por conter mera disposição estatutária de proteção ao meio ambiente entre suas finalidades (art. 3º do seu Estatuto), porquanto não ficou demonstrado o dano ambiental, urbanístico, paisagístico ou qualquer outro que tenha sido provocado pela Apelante por consequência da obra, que aliás, vale lembrar, está conectada à rede de esgoto.
É dizer, cabia a Apelada comprovar os danos causados ao meio ambiente, o que não o fez, assim como não juntou autorização expressa dos seus associados, tão pouco a lista deles, e muito menos, a ata de assembleia que autorizou o ajuizamento da demanda.
Portanto, no presente caso, a Apelada não apresentou documentos imprescindíveis para a defesa dos interesses coletivos de seus associados, quais sejam, autorização expressa de seus associados ou ata de assembleia específica para esse fim. Com isso, a única medida de direito cabível à aplicação do artigo 5°, inciso XXI, da Constituição Federal, em consonância com a interpretação dada pelo STF nos autos do RE 573.232/SC, em repercussão geral, é a reforma da sentença para reconhecer a ilegitimidade ativa da Apelada.
2.2. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR – INEXISTÊNCIA DE DANO AMBIENTAL – DIREITO DE VIZINHANÇA VIOLADO PELA APELADA
Ao sentenciar a ação civil pública, a MM Juíza a quo equivocadamente afastou a preliminar aventada pela Apelante referente a ausência de interesse de agir da Apelada, por entender que dentre a finalidade dela, estaria a proteção ao meio ambiente, mas concessa maxima venia, a sentença merece reforma, pelo simples fato de que não houve dano ao meio ambiente, e a matéria é de caráter privado, não público como quer fazer crer a Apelada.
Sabe-se que é do Município o dever de fiscalizar as obras realizadas por particulares, e no caso de irregularidades, promover a competente notificação e embargo até a regularização da obra, para somente então, em caso de não regularização, ajuizar ação demolitória em desfavor do munícipe infrator, isso, em homenagem ao devido processo legal.
Essa competência, portanto, não pertence à Apelada, até porque, não possui disposição estatutária nesse sentido, conforme extrai-se das finalidades previstas no art. 3º do seu Estatuto.
Ora. A Apelada não comprovou nos autos, quais foram os danos causados pela Apelante ao meio ambiente, muito menos a ordem urbanística, paisagística, ou qualquer outro que seja, até porque, o terreno de propriedade da Apelante, não está inserido em área de preservação permanente, tão pouco em unidades de conservação ou terrenos de marinha, e nunca causou nenhum dano ambiental na região, e, inclusive, está ligado à rede esgoto. Aliás, em consulta à Prefeitura, a Apelante comprovou nos autos e reiterou de forma inequívoca.
Se o particular está legitimado ao manejo da ação cominatória e a pleitear a demolição de qualquer obra realizada por seu vizinho, sempre que este venha a causar prejuízo à sua propriedade, os “direitos de vizinhança” deixam claro que os direitos assegurados aos vizinhos para o uso e fruição da propriedade imóvel não podem ser confundidos com os direitos assegurados ao Poder Público para impor a aplicação das leis municipais que disciplinam o uso do solo urbano.
Não se desconhece a possibilidade prevista no Código Civil de o proprietário de imóvel vir a ser demandado por partes privadas a demolir as construções que afetem o exercício legítimo do direito de propriedade em face de terceiros prejudicados. Ocorre, porém, que as hipóteses normativas previstas pelos artigos 1.299 e seguintes do CC não se aplicam ao caso em comento, na medida em que atos eventualmente praticados pela Apelante não violam o direito de propriedade de vizinhos, transeuntes ou mesmo os regulamentos administrativos. É dizer, de outro modo, não há abuso de direito que autorizasse a medida adotada pela Apelada, pois as normas são de direito privado, e não público como faz crer a Apelada.
Do texto civilista (Capítulo V) é possível observar que a função teleológica desses dispositivos é de garantir que o prédio não despeje águas sobre o prédio vizinho (art. 1.300); que não se abram janelas, eirado, terraço ou varanda, a menos de metro e meio do terreno vizinho; que as janelas e aberturas para luz ou ventilação ofereçam distância mínimo do prédio vizinho (arts. 1.301 e 1.302); que se observem distâncias mínimas entre as edificações na zona rural e zona urbana (art. 1.303); que a construção de muros e paredes divisórias deve observar princípios de partilhamento e meação (arts. 1.304, 1.305, 1.306, 1.307 e 1.308); que as construções não poluam ou inutilizem a água de poço ou nascente alheia (art. 1.309 e 1.3010); que não se promovam escavações ou obras suscetíveis de provocar desmoronamentos ou que comprometam a segurança do prédio vizinho (art. 1.311); bem como a obrigação de demolição do proprietário que violar as proibições descritas e a obrigação de tolerância do vizinho à entrada do proprietário ou ocupante do imóvel, mediante aviso prévio.
Ainda que a Apelante tivesse infringido qualquer das disposições legais do Capítulo V do Código Civil, a Apelada sequer teria interesse de agir ou até mesmo legitimidade para formular pedido fundamentado em qualquer daqueles dispositivos suscintamente mencionados, pois, não é proprietária ou ocupante de qualquer prédio vizinho ao da Apelante. Por outro lado, ainda que o fosse, nenhum ato supostamente praticado pela Apelada viola qualquer das hipóteses normativas descritas.