Modelo Recurso de Apelação. Litisconsórcio Passivo Necessário. Demolição. Loteamento Clandestino Irregular. Área de Preservação Permanente. Terreno de Marinha. Unidades de Conservação. Ação Civil Pública.
EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUIZA FEDERAL DA 1ª VARA FEDERAL DE…
Os Terceiros Prejudicados[1] pela v. sentença[2] proferida nos autos em epígrafe, APELANTE…, brasileira, casada, empresária, inscrita no RG sob o n… expedido pela SSP/SC, e CPF n…, residente e domiciliada na Rua…, n…, Bairro…, Cidade…, CEP…, vem, à presença de Vossa Excelência, por seu advogado, interpor
RECURSO DE APELAÇÃO
com fundamento no art. 996 e art. 1009 do Código de Processo Civil, requerendo, após as formalidades legais, a remessa ao juízo ad quem para processamento e julgamento, com a guia de preparo devidamente recolhida e acosta aos autos.
Pede deferimento.
Local e data.
Advogado
EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO
Ação Civil Pública n….
Origem: 1ª Vara Federal de…
Apelante…
Apelado…
RECURSO DE APELAÇÃO
Em que pese o notório saber jurídico da MM Juíza Federal a quo, maneja-se o presente recurso, com fundamento nos artigos 996 e 1.009 do Código de Processo Civil, no tocante à sentença de procedência em Ação Civil Pública que declarou “toda a área do Loteamento… como Área de Preservação Permanente não edificável e não sujeita a processo de regularização fundiária”, e condenou os Réus a “obrigação demolir todas as edificações irregulares e recuperar toda a área degradada […],por meio da elaboração, apresentação e implantação de PRAD.”
Contudo, a r. sentença é nula, aliás, todo o processo, sobretudo porque os Apelantes, em nenhum momento fizeram parte do processo, e na condição de moradores do Loteamento…, são/serão atingidos diretamente pelos efeitos da sentença, o que viola o princípio do devido processo legal e seu direito à defesa e ao contraditório, consoante as razões de fato e de direito que passa a expor.
1. TEMPESTIVIDADE
Cediço, o prazo para impugnar sentença é de 15 (quinze) dias úteis (art. 1.003, § 5º, CPC), em conformidade com o art. 219 do Código de Processo Civil. In casu, a sentença fora prolatada em 02.04.2020 (Evento 423), contra a qual foram opostos Embargos de Declaração (Evento 435), julgados em 06.04.2020 (Evento 443), cujo prazo no sistema eProc iniciou-se no dia 06.05.2020 com término em 02.06.2020. Houve suspensão para inspeção judicial. Portanto, tempestivo o recurso.
2. CABIMENTO DO RECURSO
O art. 1.009 do Código de Processo Civil dispõe que o recurso de apelação será cabível contra sentença (art. 203, §1º do CPC), por meio da qual, o (a) magistrado (a), com fundamento no art. 487 do CPC, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum. Este é o caso dos autos. Cabível, portanto, a interposição do recurso.
3. DA SUSTENTAÇÃO ORAL
Nos termos do inciso I, do art. 105 do Regimento Interno[3] deste Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, é admissível sustentação oral em sede de recurso de apelação, razão pela qual, este patrono, previamente informa seu interesse em ocupar a tribuna da Corte para produzir sustentação, e responder eventuais perguntas que lhe forem feitas pelos julgadores, bem como para prestar esclarecimentos em matéria de fato, nos termos do § 3º do art. 102 do citado Regimento.
4. REQUISITO DO RECURSO INTERPOSTO POR TERCEIRO PREJUDICADO
O art. 996 do Código de Processo Civil, autoriza que o terceiro prejudicado interponha recurso, bastando demonstrar a possibilidade de a decisão submetida à apreciação judicial atingir seus direitos, in verbis:
Art. 996. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público, como parte ou como fiscal da ordem jurídica.
Parágrafo único. Cumpre ao terceiro demonstrar a possibilidade de a decisão sobre a relação jurídica submetida à apreciação judicial atingir direito de que se afirme titular ou que possa discutir em juízo como substituto processual.
Fredie Didier Jr. leciona sobre “terceiro prejudicado”:
Terceiro é aquele que não participa do processo. O recurso de terceiro é uma modalidade de intervenção de terceiro; o terceiro, com o recurso, passa a fazer parte do processo.
Cumpre ao terceiro demonstrar a possibilidade de a decisão sobre a relação jurídica submetida à apreciação judicial atingir direito de que se afirme titular ou que possa discutir em juízo como substituto processual (art. 996, par. ún., CPC). […]
Pode-se dizer, para simplificar, que todos aqueles que, legitimados a intervir no processo, não o fizeram, podem recorrer […]. O litisconsorte necessário não citado também poderá recorrer.[4]
Logo, para interpor o recurso, o terceiro prejudicado deve demonstrar que a sentença afetará o seu direito. No caso, os Apelantes, legítimos possuidores de lotes e casas no Loteamento…, não foram citados na ação civil pública epigrafada para compor o polo passivo na condição de litisconsórcio necessário, mas são/serão atingidos pelos efeitos da sentença que determinou a demolição de suas casas e recuperação da área.
Nesse sentir, há a demonstração clara e precisa de que a questão posta à apreciação judicial atinge direito de particular não envolvido na lide, sobretudo, na esfera individual-patrimonial, fato que irremediavelmente autoriza que os Apelantes interponham o presente recurso, mesmo porque, são pessoas de fácil identificação, cujos dados são de conhecimento do Parquet e da própria MM Juíza a quo, conforme será exposto no decorrer deste recurso.
E nesse sentido, o E. Superior Tribunal de Justiça:
“tem entendimento segundo o qual o regime da coisa julgada nas ações difusas não dispensa a formação do litisconsórcio necessário quando o capítulo da decisão atinge diretamente a esfera individual. Isto porque consagra a Constituição Federal que ninguém deve ser privado de seus bens sem a obediência ao princípio do devido processo legal (art. 5º., LIV da CF/1988) (REsp. 480.712/SP, Rel. p/ Acórdão Min. LUIZ FUX, DJ 20.6.2005, p. 207; REsp. 405.706/SP, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ 23.9.2002, p. 244)”.
Referido entendimento foi reiterado no AgIn no AREsp 1.255.376, julgado em 13.05.2019, de relatoria do preclaro Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, assim ementado:
AMBIENTAL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTO COM PARCELAMENTO IRREGULAR. IMÓVEL LOCALIZADO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DOS ADQUIRENTES DOS LOTES. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. ACÓRDÃOS PARADIGMAS: RESP 480.712/SP, REL. P/ ACÓRDÃO MIN. LUIZ FUX, DJ 20.6.2005, P. 207 E RESP 405.706/SP, REL. MIN. LUIZ FUX, DJ 23.9.2002, P. 244. TRIBUNAL DE ORIGEM CONCLUIU SER POSSÍVEL A IDENTIFICAÇÃO DE CADA UM DOS ADQUIRENTES, NÃO SÓ POR CONTA DOS DOCUMENTOS, MAS POR MEIO DE FOTOS JUNTADAS AOS AUTOS DO PROCESSO, AS QUAIS COMPROVAM VÁRIAS CASAS CONSTRUÍDAS. INVIABILIDADE DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. AGRAVO INTERNO DO PRESENTANTE MINISTERIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
In casu, é possível identificar cada um dos moradores/proprietários de lotes e residências que são/serão afetados pela r. sentença guerreada, importando em necessária e imprescindível formação de litisconsorte passivo, para que os Apelantes possam exercer seus direitos constitucionalmente assegurados, até porque, muitos deles, sequer tem relação com aqueles demandados na origem, conforme depreende-se dos documentos acostos. E mais. Há imóveis no loteamento em questão com lançamento de IPTU[5], e devidamente autorizados pela municipalidade.
À propósito, o Réu Município…, ao longo do feito, fez alusão à necessidade de citação dos moradores do loteamento, mas a MM Juíza a quo afastou a tese quando da prolação da sentença (Evento 423[6]).
Portanto, exsurge claro e insofismável o direito e legitimidade dos Apelantes para interpor o presente recurso de apelação contra a r, sentença proferida em processo do qual não fizeram parte, e que resultou em determinação de demolir suas casas, as quais estavam identificadas nos autos, com nomes, endereços e demais dados dos proprietários, e inclusive, em sede de inquéritos civis.
Ademais, os Apelantes adquiriram seus imóveis de boa-fé. Daí a necessidade de serem partes no processo de origem e legítimos para interpor o presente recurso. Feitas essas considerações, passa-se a síntese dos autos.
5. ESCÓLIO PROCESSUAL
Trata-se na origem, de ação civil pública com pedido de antecipação dos efeitos da tutela ajuizada em 16.12.2016 pelo Ministério Público Federal apenas em face de (i) União – Advocacia Geral da União; (ii) Município..; (iii) Cooperativa…; e (iv) Réu…, mesmo tendo o Parquet, à época, conhecimento de quem eram os moradores, identificados no Anexo 8, p. 29-50, Evento 1.
Segundo o Parquet, os Inquéritos Civis…, apontaram a implantação de um loteamento irregular ou clandestino em área de preservação permanente, terrenos de marinha e no interior da unidade de conservação…, localizado em… Ocorre que, o loteamento supostamente irregular, está dentro do Loteamento…, este, autorizado pelo Município… em 01 de dezembro de 1981. […]
Contudo, maxima venia, a sentença, aliás, todo o processo, são nulos, porque o resultado da ação civil pública atinge/atingirá diretamente os moradores/Apelantes, de forma a ser inaceitável que estes não componham o polo passivo da ação, dada a natureza jurídica existente na presente demanda, conforme será demonstrado nas razões a seguir.
6. RAZÕES PARA DECRETAÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA
No caso em lume, a lide versa sobre suposta ocupação em área de preservação permanente, terreno de marinha e unidade de conservação, tendo o Parquet indicado somente (i) União – Advocacia Geral da União; (ii) Município..; (iii) Cooperativa…; e (iv) Réu…,, como sujeitos a compor o polo passivo da demanda, ignorando, por completo, a necessidade dos moradores/adquirentes de lotes a exercerem o direito ao contraditório, já que o objeto da demanda penetra na esfera individual-patrimonial dos Apelantes.
A procedência do pedido (demolição das casas e recuperação da área), portanto, atinge diretamente a esfera dos direitos individuais de cada um daqueles que adquiriu frações do loteamento descrito na inicial, o qual, repise-se, foi aprovado pela municipalidade em 1981.
Há nos autos, informações claras e precisas dos compradores/adquirentes de lotes, inclusive cópias de escrituras e de instrumentos particulares de compra e venda, nos quais há menção expressa aos nomes, CPFs, telefones e endereços dos proprietários ou compromissários compradores, com discriminação do lote.
Ou seja, seria possível ao Parquet, incluir os Apelantes na inicial. De igual forma, seria possível à MM Juíza a quo, determinar a emenda da inicial para inclusão dos moradores. Mas não o fizeram, o que importa, concessa venia, na extinção do feito como já decidido em caso análogo por esta Egrégia Corte Federal:
DIREITO AMBIENTAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MOLHE NORTE DO PORTO DE ITAJAÍ. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DESOCUPAÇÃO E DEMOLIÇÃO. EFEITOS SUBJETIVOS DA PRETENSÃO DEDUZIDA. AÇÃO DEFLAGRADA APENAS CONTRA PESSOAS JURÍDICAS, SEM DIRECIONAMENTO CONTRA AQUELES QUE SERIAM DIRETAMENTE AFETADOS PELAS PRETENSÕES DE DESOCUPAÇÃO E DEMOLIÇÃO. EXTINÇÃO DO FEITO. – A proteção ao meio ambiente tem previsão constitucional (artigo 225, § 3º, da CF/88), que define a sujeição dos infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. – Ainda que a coisa julgada formada em ação civil pública seja oponível contra todos, e a responsabilidade civil ambiental seja solidária, podendo o autor escolher contra quem vai demandar, o regime da coisa julgada nas ações em defesa de interesses difusos não dispensa a formação do litisconsórcio necessário quando a decisão atingir diretamente a esfera individual de pessoas que podem ser identificadas, a afastar a facultatividade do litisconsórcio. – Medida constritiva, por mais grave que seja a conduta atribuída a alguém, pressupõe o devido processo legal, nos termos do artigo 5º, inciso LVI da Constituição Federal (“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”). Ademais, o contraditório e a ampla defesa devem ser assegurados a todos (inciso LV do artigo 5º da CF). – Provimento judicial que implique desocupação de imóvel e demolição importa severo comprometimento do patrimônio jurídico e material dos interessados, e, por mais justa que possa eventualmente ser a postulação, caracteriza medida que pressupõe direcionamento da demanda contra as pessoas que podem ser diretamente atingidas. – Extinção do feito. Precedentes do STJ e das 3ª e 4ª Turmas do TRF4. (TRF4, AC 5007797-77.2012.4.04.7208, TERCEIRA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 10/11/2016).
O caso, portanto, é de litisconsórcio passivo necessário, dada a natureza da relação jurídica ora analisada, nos termos do art. 114[7] do Código de Processo Civil.
Ressalte-se que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, LIV, garante que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Por óbvio que não poderiam os compromissários simplesmente se verem despojados de suas casas sem nem mesmo integrarem o polo passivo da demanda.
Por outro lado, importa consignar, que há moradores no aludido loteamento que adquiriram lotes já há muitos anos, e sem qualquer relação com os réus que teriam iniciado a suposta comercialização irregular ou loteamento clandestino. Há moradores ainda, que possuem a competente inscrição imobiliária para fins de lançamento de IPTU, conforme documentos acostos.
De rigor, portanto, que o processo seja anulado, extinguindo-se o feito sem resolução de mérito, ou, alternativamente, anule-se a sentença determinando a baixa dos autos à origem para que seja o Ministério Público Federal intimado a emendar a inicial, promovendo a citação dos litisconsortes passivos necessários, nos termos do art. 114 do Código de Processo Civil, conforme melhor fundamentação a seguir.
6.1. DA INOBSERVÂNCIA AO DIREITO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO – VULNERAÇÃO DO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL – NULIDADE ABSOLUTA
Antes de se demonstrar o equívoco cometido pela r. decisão recorrida, cumpre demonstrar sua absoluta nulidade, data venia, na medida em que atingiu diretamente interesse de terceiro que, em momento algum, teve a oportunidade de se defender.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a ampla defesa e o contraditório ganharam nova roupagem no direito pátrio, sendo atualmente vistos como princípios jurídico-constitucionais indispensáveis para a obtenção dos direitos e garantias fundamentais e à manutenção do Estado Democrático de Direito, in verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Tamanha é a importância dada pelo ordenamento legal, que este determina que o juiz atuará como genuíno garantidor destes direitos e garantias (art. 1º[8], do CPC), dando-lhe a competência de zelar pela observância e aplicação do exercício do contraditório, bem como lhe incumbe do dever de não decidir sem que se tenha oferecido o contraditório as partes, conforme extrai-se da processualística cível de 2015:
Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.
Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.
Seguindo o entendimento Constitucional, vê-se que o Código de Processo Civil dá a devida importância à ampla defesa e ao contraditório, tornando-os alicerces no qual o devido processo legal se estabelecerá, sendo a sua observação e efetivação obrigatória em todo e qualquer processo, sob pena de nulidade absoluta[9].
Ademais, frisa-se que as nulidades absolutas não se convalidam em nenhuma hipótese, pois ocorrem com a violação de norma de ordem pública, por defeitos no processo, prejudicando seu andamento.
No caso em tela, não houve o exercício da ampla defesa e do contraditório no caso em lume, dado que em momento algum foi ofertado o direito dos possuidores/moradores (Apelantes) de se manifestarem no processo, sendo qualquer ato de demolição, nestes moldes, um verdadeiro ato tirânico, de modo que o processo judicial de numeração em epígrafe, com sentença autorizando a demolição dos imóveis deverá ser declarado nulo, tendo em vista a inobservância do contraditório.
E que nem se cogite a possibilidade de que os Apelantes eram desconhecidos ou impossíveis de serem localizados. Consta nos autos prova inequívoca de que a União, Município de…, a Polícia Militar Ambiental e o próprio Ministério Público Federal não só tinha conhecimento, como identificaram mais de uma vez cada um dos moradores do suposto loteamento clandestino, que diga-se, implantado sobre o Loteamento…, este, como já mencionado, devidamente autorizado pela municipalidade em 1981. Lamentavelmente, não houve a inclusão de nenhum dos moradores no polo passivo da demanda.
Com a devida vênia, mas ao assim decidir, a r. sentença guerreada acabou desconsiderando que, no caso dos autos, a natureza da relação jurídica e dos pedidos formulados na ação civil pública transpassam a responsabilidade ambiental. Importa dizer que, no caso, os pedidos vão muito além da simples constatação de suposto dano ambiental, adentrando na esfera patrimonial dos particulares Apelantes, que não fizeram parte da lide, mas que sofrerão irremediável prejuízo se mantida a sentença, violando os princípios do contraditório e da ampla defesa, da moradia, da dignidade da pessoa humana…
Cediço que o CPC, em seu art. 18[10], veda que os demandados na ação civil pública de origem tivessem defendido em nome próprio, interesses ou direitos que, na verdade, pertencem a terceiros, os Apelantes. Daí a necessidade destes integrarem o polo passivo, a fim de rechaçar as alegações do Parquet, mesmo porque, alguns moradores adquiriram lotes no suposto loteamento clandestino ou irregular, que popularizou-se como Loteamento…, há muitos anos, mas não tiveram a oportunidade de se defenderem e comprovar tal fato.
Com efeito, a citação de todos os réus em litisconsórcio passivo necessário é pressuposto para a regular formação da relação processual, e sua ausência implica na nulidade do processo. Assim, até mesmo por cautela, inconcussa a necessidade de citação dos moradores para responder à ação civil pública de origem, sob pena de violação dos mandamentos constitucionais.
Fica patente, da leitura da parte dispositiva da própria sentença, que o provimento jurisdicional afetou sobremaneira a esfera de direitos dos adquirentes dos lotes. Veja-se, neste diapasão, que, ainda que a sentença fosse de indeferimento total dos pedidos, em sua petição inicial, o Parquet requereu como pedido principal, a demolição de todas as edificações, o que já seria suficiente para ensejar, necessariamente, a participação dos proprietários dessas construções no polo passivo da demanda. Sem isso, seria caso de julgamento sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, IV, do CPC[11].
É bem verdade que nas demandas que visam à proteção do meio ambiente, a regra é do litisconsórcio facultativo. Sucede que, na presente ação civil pública, a pretensão formulada pelo Parquet resulta/resultaria em ordem de demolição de moradias de terceiras pessoas não envolvidas na lide, fato que atrai a incidência do direito à defesa e ao contraditório, pois, afetadas em sua esfera individual-patrimonial. Daí a necessidade da MM Juíza a quo determinar, no mínimo, a emenda da inicial para inclusão dos Apelantes.
Tal entendimento está em total harmonia com o princípio do devido processo legal, dado que através da citação válida, os Apelantes teriam/terão a oportunidade de exercer seus direitos, de modo que, retirar deles a possibilidade de participar da demanda, é levar a óbito seu direito fundamental, constitucionalmente assegurado.
Desta forma, conclui-se que a medida cabível nesta hipótese é a decretação de nulidade de todo processo, com a consequente extinção do feito, ou, subsidiariamente, a nulidade da sentença proferida pela 1ª Vara Federal de… com a retroação de todo o processo até atingir o momento da prática dos atos de citação, a fim de determinar o ingresso de todos os terceiros adquirentes (Apelantes) que possam vir a ser atingidos pelo decreto judicial.
6.2. NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO – PRECEDENTES
Conforme demonstrado no tópico anterior, a observação do litisconsórcio necessário é fato processual obrigatório em relações jurídicas indivisíveis, sendo a falta de citação de qualquer dos litisconsortes necessários motivo de nulidade de qualquer sentença de mérito proferida, conforme manifestação do art. 115 do CPC, in verbis:
Art. 115. A sentença de mérito, quando proferida sem a integração do contraditório, será:
I – nula, se a decisão deveria ser uniforme em relação a todos que deveriam ter integrado o processo; […].
Pois bem. Haverá litisconsórcio necessário quando a sua formação for obrigatória, estando a sua constituição diretamente ligada na integração do polo da relação processual por todos os sujeitos, seja por conta da própria natureza da relação jurídica discutida ou por imperativo de lei, conforme regula o art. 114, do CPC:
Art. 114. O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes.
Do texto legal, se verifica que, quando houver relação jurídica indivisível, restará indispensável a composição de vários sujeitos dentro do mesmo polo. Sobre o assunto, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery lecionam:
Eficácia da sentença. Influência na esfera jurídica de outrem. Toda vez que se vislumbrar a possibilidade de a sentença atingir, diretamente a esfera jurídica de outrem, a menos que a lei estabeleça a facultatividade litisconsorcial (v.g. CC 1314 caput, 1642 III e V), deve ser aquele citado como litisconsorte necessário a fim de que possa se defender em juízo.[12]
Como se sabe, caso não citado o litisconsorte passivo necessário, os efeitos de eventual sentença do processo em que não foi parte é, em relação a ele, absolutamente ineficaz. Não se olvida que a sentença proferida nas ações coletivas detém efeitos erga omnes (art. 16 da Lei n. 7.347/1985). Isso não afasta, contudo, situações em que a formação do litisconsórcio seja indispensável, sob pena de ineficiência do próprio comando judicial.
Por sua vez, o litisconsórcio unitário se configura quando o provimento jurisdicional de mérito tem de regular de modo uniforme a situação jurídica dos litisconsortes, não se admitindo, para eles, julgamentos diversos, ou seja, o julgamento deve ser o mesmo para todos os litisconsortes. O art. 116 estabelece que o litisconsórcio será unitário quando:
Art. 116. O litisconsórcio será unitário quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir o mérito de modo uniforme para todos os litisconsortes.
Pode-se concluir que, em regra, quando a natureza da relação jurídica for una, será obrigatória a composição das partes afetas a lide no polo passivo da demanda, o que encaixa-se com perfeição ao litisconsórcio existente entre a loteadora clandestina, o Município, a União e os adquirentes/proprietários de lotes ou edificações eventualmente demolidas, porquanto o teor da decisão estender-se-ia a todos esses de maneira idêntica, na esfera individual, não havendo diferenciação entre as consequências das irregularidades constatadas ou mesmo de tratamento distinto para eventuais lotes.
Nesse sentir, o Ministro Luiz Fux, quando integrante do Superior Tribunal de Justiça, também em sede de ação civil pública que analisava loteamento com parcelamento irregular, assentou que:
“o regime da coisa julgada nas ações difusas não dispensa a formação do litisconsórcio necessário quando o capítulo da decisão atinge diretamente a esfera individual. Isto porque, consagra a Constituição, que ninguém deve ser privado de seus bens sem a obediência ao princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF/88). Nulidade de pleno direito da relação processual, a partir do momento em que a citação deveria ter sido efetivada, na forma do art. 47[13] do CPC.” (REsp 405.706/SP).
No referido aresto, restou consignado ainda, que:
“consequentemente, revela-se patente a configuração do litisconsórcio passivo necessário, decorrente da natureza da relação jurídica, impondo necessária citação dos adquirentes dos lotes para integrarem a lide, sob pena de tornar-se ineficaz a sentença impugnada. Aliás, a formação do litisconsórcio não é incidente avesso à fisiologia do procedimento das ações que versam interesses supraindividuais. Assim é que na ação popular, não obstante a eficácia erga omnes da decisão, impõe-se a convocação, dentre outros, dos beneficiários do ato. ”
Como se vê, basta que o imóvel objeto da lide por supostos danos ambientais esteja na posse de terceiros para que se configure o litisconsórcio passivo necessário. No presente caso, tratando-se de ação civil pública que visa a demolição de casas em loteamento, é de rigor a inclusão dos adquirentes de lotes que terão sua esfera jurídico-patrimonial diretamente atingida, na medida que os Apelantes adquiriram, construíram e ocuparam a área de boa-fé.
Repise-se, que se trata de loteamento aprovado pela municipalidade no ano de 1981, e que alguns dos lotes objeto da ação, foram adquiridos muitos anos antes dos fatos narrados pelo Parquet, e sem qualquer relação com os demandados na inicial e consequentemente condenados a promover a demolição das casas e recuperação da área.
Assim, a lógica impõe reconhecer o litisconsórcio passivo necessário em ação civil pública ambiental, de regra, quando houver pedido demolitório e houver adquirentes de unidades autônomas na área sub judice, passíveis de terem a sua esfera jurídico-patrimonial afetada pela decisão definitiva de mérito.
Esse é o entendimento da doutrina de Édis Milaré[14]:
Deveras, nesses e em todos os casos em que a ação difusa evidenciar interesses de particulares que podem ter sua esfera jurídico-patrimonial atingida pelos efeitos da sentença, impõe-se, sob pena de inexistência do ato jurisdicional em relação a eles, a formação elo litisconsórcio passivo necessário. Para Luiz Fux, impõe-se o litisconsórcio passivo nas hipóteses em que a sentença deva “ser formalmente una e materialmente dúplice, dispondo o juiz em simultaneus processos sobre a situação jurídica de todas as partes litisconsorciadas”.
Examinando a questão sob esse prisma, o STJ já reconheceu, por exemplo, que “os empreendedores de loteamento em área de preservação ambiental, bem como os adquirentes de lotes e seus ocupantes que, em tese, tenham promovido degradação ambiental, formam litisconsórcio passivo necessário”, e que “o regime da coisa julgada nas ações difusas não dispensa a formação do litisconsórcio necessário quando o capítulo da decisão atinge diretamente a esfera individual. Isto porque consagra a Constituição que ninguém deve ser privado de seus bens sem a obediência ao princípio do devido processo legal (art. 5°, LIV, da CF/1988)”.
Édis Milaré[15] finaliza com acuidade:
Destarte, inelutável a conclusão de que o dano an1biental, marcado pela responsabilidade civil objetiva e solidária, dá ensejo, como regra, no âmbito processual, ao litisconsórcio facultativo, salvo naqueles casos de afetação da esfera jurídico-patrimonial de terceiro, quando, então, se impõe a formação do litisconsórcio passivo necessário.
E no mesmo sentido, é a orientação de Hugo Nigro Mazzilli[16]:
Se o resultado do processo coletivo deve atingir, porém, direitos subjetivos de terceiros, a citação destes será indeclinável. Assim, numa ação civil pública cujo pedido consistia em mandar desfazer um parcelamento irregular do solo, o Superior Tribunal de Justiça considerou, corretamente, que a solução da lide atingiria diretamente a esfera jurídico-patrimonial dos adquirentes dos lotes, tornando-se necessário formar um litisconsórcio passivo necessário entre o responsável pelo loteamento irregular e os adquirentes das unidades, pois ninguém pode ser privado de seus bens sem o devido processo legal.
Caso semelhante ao dos presentes autos chegou a Suprema Corte, cuja decisão foi proferida pelo e. Min. Gilmar Mendes, assim ementado:
ADMINISTRATIVO, PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESOCUPAÇÃO E DEMOLIÇÃO DE EDIFÍCIO RESIDENCIAL. RECUPERAÇÃO DA ÁREA AMBIENTAL DEGRADADA. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DOS CONDÔMINOS. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. EXTINÇÃO SEM ANÁLISE DE MÉRITO. 1. Não obstante a coisa julgada na ACP seja oponível contra todos, inclusive contra aqueles que não integraram a relação processual, e a responsabilidade civil ambiental seja solidária, podendo o autor escolher contra quem vai demandar, tenho que o regime da coisa julgada nas ações em defesa de interesses difusos não dispensa a formação do litisconsórcio necessário quando a decisão atingir diretamente a esfera individual, como no caso dos autos, afastando-se a facultatividade. 2. Embora requeridas medidas visando resguardar o direito dos condôminos (e possíveis adquirentes), dando ciência de eventuais óbices à construção daquele imóvel ante a existência de irregularidades ambientais, e que subsista a possibilidade de manifestação dos adquirentes em embargos de terceiro, bem como de ajuizamento de ação regressiva contra a construtora, a citação dos condôminos para integrarem a lide é necessária para possibilitar a ampla aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, sob pena de tornar-se ineficaz a sentença impugnada. (ARE 929336 / RS. Relator(a): Min. GILMAR MENDES Julgamento: 26/01/2016. PROCESSO ELETRÔNICO DJe-019 DIVULG 01/02/2016 PUBLIC 02/02/2016).
Mais recentemente, o e. Min. Luís Roberto Barroso anulou ex officio uma ação civil pública que pedia a demolição de construções e retirada de vestígios, justamente porque os adquirentes não foram citados:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Loteamento irregular. Demanda que visa à regularização do empreendimento e também à reparação de danos ambientais causados na APP existente no local. Pronunciamento da c. Turma Especial – Público fixando a competência desta Câmara para o deslinde da controvérsia. Local que, quando da propositura, já havia ser tornado um bairro populoso, com várias casas e dotados de serviços públicos. Pedido de demolição das construções e retirada dos vestígios do parcelamento. Falta de citação dos adquirentes. Nulidade configurada. Ha litisconsórcio passivo necessário quando a sentença proferida em ações difusas atinge diretamente a esfera individual. Precedentes do D. STJ. Anulação do feito ex officio, com determinação. Recursos prejudicados. (ARE 1136171 / SP. Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO Julgamento: 05/06/2018. PROCESSO ELETRÔNICO DJe-114 DIVULG 08/06/2018 PUBLIC 11/06/2018).
No Superior Tribunal de Justiça, conforme anunciam os letrados r. doutrinadores, o entendimento é pacífico no sentido de configuração de litisconsórcio passivo necessário, para casos tal como o aqui debatido, vejamos:
PROCESSUAL CIVIL. LOTEAMENTO CLANDESTINO. ADQUIRENTES POSSUIDORES. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO. 1. Trata-se, na origem remota, de Ação Civil Pública movida contra loteadores e representantes de vendas, sob o fundamento de implantação de loteamento não registrado (clandestino). 2. No dano ambiental e urbanístico, a regra geral é a do litisconsórcio facultativo. Segundo a jurisprudência do STJ, nesse campo a “responsabilidade (objetiva) é solidária” (REsp 604.725/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 22.8.2005, p. 202); logo, mesmo havendo “múltiplos agentes poluidores, não existe obrigatoriedade na formação do litisconsórcio”, abrindo-se ao autor a possibilidade de “demandar de qualquer um deles, isoladamente ou em conjunto, pelo todo” (REsp 880.160/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 27.5.2010). 3. Contudo, como única forma de garantir plena utilidade e eficácia à prestação jurisdicional, impõe-se o litisconsórcio necessário entre o loteador e o adquirente se este, por mão própria, altera a situação física ou realiza obras no lote que, ao final, precisarão ser demolidas ou removidas. Precedentes: REsp 901.422/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14.12.2009; REsp 1.194.236/RJ, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 27.10.2010; REsp 405.706/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 23.9.2002. 4. A Segunda Turma do STJ, com a composição atual, em julgamento unânime e em relação ao mesmo loteamento ora em questão, assim já se posicionou: “Na ação civil pública de reparação a danos contra o meio ambiente os empreendedores de loteamento em área de preservação ambiental, bem como os adquirentes de lotes e seus ocupantes que, em tese, tenham promovido degradação ambiental, formam litisconsórcio passivo necessário” (REsp 901.422/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14.12.2009, grifo acrescentado). 5. No citado precedente, acrescentou a eminente Relatora, Ministra Eliana Calmon, em seu Voto: “Ora, como julgar a validade do parcelamento e as alterações empreendidas no meio ambiente unicamente com relação aos empreendedores, excluindo os adquirentes e ocupantes que também possam ou já tenham realizado alterações no bioma protegido pelas normas ambientais? De fato, a tutela do meio ambiente, como direito difuso, pressupõe a máxima concentração de medidas para que sua eficácia seja ótima, revelando-se a ação civil pública como instrumento concretizador dessa máxima efetividade da reparação e precaução do meio ambiente” (REsp 901.422/SP, Segunda Turma, DJe 14.12.2009). 6. “O litisconsórcio, quando necessário, é condição de validade do processo e, nessa linha, pode ser formado a qualquer tempo, enquanto não concluída a fase de conhecimento (…)” (AgRg no Ag 420256/RJ, Rel. Ministro Ari Pargendler, Terceira Turma, DJ 18/11/2002). No mesmo sentido: REsp 146.099/ES, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, DJ 14/02/2000; REsp 260.079/SP, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, DJ 20/06/2005. 7. Embargos de Declaração rejeitados. (EDcl no REsp 843.978/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/03/2013, DJe 26/06/2013).
Citam-se ainda, acórdãos paradigmas do STJ: REsp 1.383.707/SC, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe de 05/06/2014; REsp 1.194.236/RJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 27/10/2010; RESP 480.712/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 20.6.2005; REsp n. 843.978/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 09/03/2012; REsp 405.706/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 23.9.2002; AgInt no AREsp 1.255.376/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Sessão Virtual de 07/05/2019 a 13/05/2019;
Na mesma linha, confira-se os arestos deste E. Tribunal Federal da 4ª Região:
ADMINISTRATIVO, PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESOCUPAÇÃO E DEMOLIÇÃO DE EDIFÍCIO RESIDENCIAL. RECUPERAÇÃO DA ÁREA AMBIENTAL DEGRADADA. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DOS CONDÔMINOS. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. EXTINÇÃO SEM ANÁLISE DE MÉRITO. 1. Não obstante a coisa julgada na ACP seja oponível contra todos, inclusive contra aqueles que não integraram a relação processual, e a responsabilidade civil ambiental seja solidária, podendo o autor escolher contra quem vai demandar, tenho que o regime da coisa julgada nas ações em defesa de interesses difusos não dispensa a formação do litisconsórcio necessário quando a decisão atingir diretamente a esfera individual, como no caso dos autos, afastando-se a facultatividade. 2. Embora requeridas medidas visando resguardar o direito dos condôminos (e possíveis adquirentes), dando ciência de eventuais óbices à construção daquele imóvel ante a existência de irregularidades ambientais, e que subsista a possibilidade de manifestação dos adquirentes em embargos de terceiro, bem como de ajuizamento de ação regressiva contra a construtora, a citação dos condôminos para integrarem a lide é necessária para possibilitar a ampla aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, sob pena de tornar-se ineficaz a sentença impugnada. (TRF4, AC 5003833-13.2011.4.04.7208, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D’AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 23/01/2014)
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. SUPERVENIÊNCIA DA CONCLUSÃO DO EMPREENDIMENTO. DEMOLIÇÃO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO ULTERIOR. ADQUIRENTES DAS UNIDADES IMOBILIÁRIAS. DIALETICIDADE. 1. Em se tratando de danos ambientais, a legislação de regência evidencia hipótese de verdadeira responsabilização solidária dos envolvidos, o que resulta na simples facultatividade de formação do litisconsórcio passivo. 2. Porém, quando a demanda puder resultar em ordem judicial de demolição de empreendimento imobiliário, forçoso reconhecer a necessidade de viabilização do direito de defesa e do contraditório aos proprietários das unidades imobiliárias, com a respectiva integração à lide processualizada. Precedentes. 3. Ou seja, não estando em discussão a questão específica da responsabilidade por dano ambiental, mas a garantia da dialeticidade, deve ser extinto o processo sem resolução de mérito quando o autor opta por não promover a cientificação dos interessados (proprietários de unidades imobiliárias de empreendimento cuja demolição é objeto de pedido principal em ação civil pública). 4. Apelação improvida. (TRF4, AC 5003445-76.2012.4.04.7208, TERCEIRA TURMA, Relator NICOLAU KONKEL JÚNIOR, juntado aos autos em 24/01/2013).
Desta Casa de Justiça, colhem-se ainda os seguintes arestos de julgamentos: AC 5007797-77.2012.4.04.7208, TERCEIRA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 10/11/2016; AC 5005476-98.2014.4.04.7208, QUARTA TURMA, Relator EDUARDO VANDRÉ O L GARCIA, juntado aos autos em 30/11/2017; AC 5004211-66.2011.4.04.7208, QUARTA TURMA, Relator JORGE ANTONIO MAURIQUE, juntado aos autos em 25/07/2012; AG 5009476-76.2010.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 07/12/2010; AG 5023131-71.2017.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relatora MARIA ISABEL PEZZI KLEIN, juntado aos autos em 12/06/2017; e, AG 5016724-49.2017.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D’AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 27/04/2017;
Harmônico é o entendimento do Tribunal Regional Federal da 2ª Região:
PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO IRREGULAR. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DO POSSUIDOR. PRETENSÃO DE DEMOLIÇÃO DE CONSTRUÇÃO E DESOCUPAÇÃO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. 1. Ação civil pública ajuizada pelo ICMBio em face de ocupante, objetivando a condenação às obrigações de não erigir novas construções e não suprimir a vegetação do local, além de desocupar imediatamente a área, demolindo as estruturas fixadas e removendo os entulhos. Pleiteia a reparação do meio ambiente mediante a elaboração de Projeto de Recuperação da Área Degradada – PRAD, a ser avaliado pelo ICMBio, além do pagamento de indenização por danos interinos e morais causados à coletividade. 2. Embora o Superior Tribunal de Justiça reconheça, como regra, que havendo múltiplos agentes poluidores, não existe obrigatoriedade na formação do litisconsórcio, abrindo-se ao autor a possibilidade de “demandar de qualquer um deles, isoladamente ou em conjunto, pelo todo” (REsp 880.160/RJ, DJe 27.5.2010), no caso, é necessário que o possuidor, cessionário de direitos possessórios, integre a demanda, eis que o ICMBio pretende a desocupação de toda a área, bem como a demolição de construções erigidas sobre terreno. 3. Considerando os limites subjetivos da coisa julgada e que o ICMBio deduz pretensão que interfere no interesse jurídico de pessoa que apresenta direitos possessórios sobre a área em que se discute a existência de dano ambiental, é inevitável o reconhecimento do litisconsórcio necessário. 4. Apelação provida. Sentença anulada. Remessa necessária prejudicada. (TRF2. AC 0050967-25.2015.4.02.5111 – TRF2 2015.51.11.050967-6. Relator Luiz Paulo da Silva Araujo Filho. Orgão Julgador: 7ª TURMA ESPECIALIZADA Data de Decisão: 09/10/2017. Data de Disponibilização: 08/11/2017).
Em caso praticamente idêntico, assim decidiram o Tribunal de Justiça de São Paulo e o Tribunal de Justiça do Amazonas, respectivamente:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL – PARCELAMENTO ILEGAL E CLANDESTINO DE SOLO – DANOS AMBIENTAIS CONSTATADOS – EDIFICAÇÕES EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – PLEITO VOLTADO À REGULARIZAÇÃO DO LOTEAMENTO OU À DESOCUPAÇÃO DA ÁREA, ALÉM DA REPARAÇÃO DOS DANOS AMBIENTAIS – LOTES ADQUIRIDOS DE BOA-FÉ PELOS OCUPANTES – RESULTADO DA DEMANDA QUE AFETARÁ DIRETAMENTE OS ADQUIRENTES QUE, EM TESE, TENHAM PROMOVIDO DEGRADAÇÃO AMBIENTAL – ANÁLISE DA CONTROVÉRSIA À LUZ DOS PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO DIREITO À MORADIA – CITAÇÃO – LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO – RECONHECIMENTO – NULIDADE CONFIGURADA – ANULAÇÃO DO FEITO, COM DETERMINAÇÃO. Tratando-se de ação civil pública ambiental que visa à regularização de loteamento clandestino ou a desocupação e demolição de imóveis lá erigidos, bem como a apuração e condenação dos réus a procederem à reparação dos danos ambientais causados em áreas de preservação permanente, de rigor o reconhecimento de que todos os adquirentes e moradores dos lotes são partes legítimas para figurarem no polo passivo da presente ação, ocorrendo, no caso, litisconsórcio passivo necessário, nos termos do art. 114 do NCPC, razão pela qual deve ser reconhecida a nulidade do feito, com determinação de retorno dos autos à Vara de Origem, para regular processamento. (TJSP; Apelação Cível 0001997-73.2011.8.26.0247; Relator (a): Paulo Ayrosa; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente; Foro de Ilhabela – Vara Única; Data do Julgamento: 09/02/2017; Data de Registro: 12/02/2017).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTOS CLANDESTINOS. ÁREAS OCUPADAS POR TERCEIRAS PESSOAS QUE NÃO PARTICIPARAM DA RELAÇÃO PROCESSUAL. DEMANDA QUE RESULTA EM DEMOLIÇÕES. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. PRECEDENTE STJ. LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA NAS AÇÕES COLETIVAS. PRECEDENTE STJ. ERROR IN PROCEDENDO. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO. – […]; – Em demandas que visem à reparação de danos ambiental e urbanístico, tem-se como regra o litisconsórcio passivo facultativo, razão pela qual, havendo múltiplos agentes poluidores, cada um pode ser demandado isoladamente; – Sucede que, consoante entendimento do STJ, na ação civil pública de reparação a danos contra o meio ambiente os empreendedores de loteamento em área de preservação ambiental, bem como os adquirentes de lotes e seus ocupantes que, em tese, tenham promovido degradação ambiental, formam litisconsórcio passivo necessário para viabilizar a eficácia da ordem judicial que importe em demolições; – Apelação da DPE/AM conhecida e provida. Apelação do IMPLURB prejudicada. (Apelação Cível 0606923-80.2015.8.04.0001. Relator (a): Mirza Telma de Oliveira Cunha; Comarca: Manaus/AM; Órgão julgador: Terceira Câmara Cível; Data do julgamento: 11/11/2019; Data de registro: 26/11/2019).
É flagrante, portanto, que a lide atrai a figura do litisconsórcio passivo necessário. Tal entendimento mostra-se salutar na medida em que a ordem judicial oriunda deste feito importará na afetação de direitos alheios e, não tendo as terceiras pessoas (Apelantes) a oportunidade de se defenderem, restará trucidado não apenas o Estado Democrático de Direito no qual se firma o Brasil, mas também, as garantias constitucionais consubstanciadas nos princípios da dignidade da pessoa humana, da moradia, do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, debatidos exaustivamente no capítulo anterior, que por si só, autorizam a nulidade da sentença guerreada, aliás, do próprio processo.
Como se vê, basta que o imóvel objeto da lide por supostos danos ambientais esteja na posse de terceiros para que se configure o litisconsórcio passivo necessário. No presente caso, tratando-se de ação civil pública que visa o desfazimento do loteamento, é de rigor a inclusão dos adquirentes de lotes que terão sua esfera jurídico-patrimonial diretamente atingida, na medida que os Apelantes adquiriram, construíram e ocuparam a área de boa-fé. Repise-se, além de se tratar de loteamento aprovado pela municipalidade no ano de 1981, alguns dos lotes objeto da ação, foram adquiridos muitos anos antes dos fatos narrados pelo Parquet, e sem qualquer relação com os Réus, que sequer produziram provas nos autos. Aliás, ausentes na audiência de instrução e julgamento.
Contudo, muito embora não remanesça dúvidas acerca da caracterização dos adquirentes dos lotes como litisconsortes passivos necessários, ainda assim a necessidade de sua integração no processo passou desapercebida até o presente momento, após o seu julgamento definitivo, nulidade que não pode ser ignorada e que é passível de reconhecimento de ofício a qualquer tempo antes do trânsito em julgado.
Importa consignar ainda, que a sentença guerreada confronta inclusive, o art. 506 do CPC, que de forma categórica e induvidosa, dispõe que “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros.”
Édis Milaré citando Marcelo Buzaglo Dantas obtempera em sua obra Direito do Ambiente:
Não se pode descartar peremptoriamente a configuração do litisconsórcio necessário, tal qual se dá, por exemplo, quando, a par dos malefícios da fonte poluidora, também se questione a higidez do ato que ensejou o seu funcionamento. Basta pensar, diz ele, “em uma ação civil pública cujo objeto se consubstancia na obtenção da tutela específica da obrigação de não fazer, consistente na paralisação de uma atividade licenciada pelo órgão ambiental competente.
Parece óbvio que a demanda há de contemplar um pedido de anulação do ato administrativo respectivo, o que enseja a necessidade de citação do órgão público integrante do Sisnama que expediu referida autorização, sob pena de nulidade do feito (art. 47, parágrafo único, do CPC). É que, caso tal não ocorra e a sentença porventura venha a julgar procedente o pedido, a licença outorgada pelo órgão ambiental será atingida pelo ato jurisdicional sem que este tenha tido a oportunidade de vir a juízo defender a legitimidade de seu ato.
Nesse caso haveria, de uma só vez, ofensa aos princípios constitucionais do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa (art. 5.º, LIV e LV, da CF/1988), bem como ao disposto no art. 472[17], 1ª parte, do CPC, segundo o qual ‘a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiro.”
Deveras, nesses e em todos os casos em que a ação difusa evidenciar interesses de particulares que podem ter sua esfera jurídico-patrimonial atingida pelos efeitos da sentença, impõe-se, sob pena de inexistência do ato jurisdicional em relação a eles, a formação do litisconsórcio passivo necessário.[18]
Deste modo, tendo em vista a gravidade do abalo à esfera jurídico-patrimonial, em especial a seu direito à moradia, e os precedentes pacíficos colacionados, é forçoso reconhecer a nulidade de todo o processo, ante a necessidade de os Apelantes integrarem o polo passivo da ação civil pública, em litisconsórcio passivo necessário, ou, subsidiariamente, a nulidade da sentença, determinando-se a baixa dos autos à origem até atingir o momento da prática dos atos de citação dos Apelantes.
7. PEDIDO ALTERNATIVO – AUSÊNCIA DE PROVAS NECESSÁRIAS AO JULGAMENTO DE MÉRITO
Por força do princípio da eventualidade, em caso de não provimento do presente recurso para decretar a nulidade do processo, ou, subsidiariamente, da sentença, necessário alertar, que a demanda não contou com o adequado prolongamento da fase de instrução probatória, porquanto, neste caso, seria imprescindível a realização de prova pericial para apurar uma série de questões não reveladas de forma suficiente através da reduzida prova documental, como:
a) a caracterização dos imóveis objeto do Loteamento… de acordo com o zoneamento municipal, a fim de averiguar a possibilidade de licenciamento e regularização;
b) a configuração da vegetação no local – inicialmente apontada como restinga – e a existência de área de preservação permanente, de risco ou de outros espaços especialmente protegidos, na medida em que a sua incidência, por si só, não é capaz de obstar a regularização do loteamento;
c) a possibilidade de regularização por se tratar de loteamento implantado sobre outro loteamento que fora devidamente aprovado pelo Poder Público em 1981, o qual encontra-se em área consolidada, ao contrário da narrativa do Parquet, bem como, que incide sobre a área a Lei 13.465/2017.
d) de forma geral, a identificação das particularidades da área em que se localiza o loteamento, acompanhada de informações acerca das ruas, do sistema de iluminação pública, água, bem como de outras que forem pertinentes ao estudo do presente caso, com vistas inclusive a sua regularização; e,
e) que, por meio de perícia técnica, fique demonstrado de forma inequívoca que somente a demolição das edificações viabilizariam a projeção da possibilidade de restauração do ecossistema do local.
Nesse sentido, a produção de provas é imprescindível a se verificar a verdadeira situação fática-jurídica do Loteamento…, conforme precedente deste Egrégio Tribunal:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. OCUPAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA EX OFFICIO. 1. Consigno que a solução adequada à controvérsia imprescinde da produção de prova técnica a fim de efetivamente verificar a extensão dos prejuízos ambientais causados pela ocupação da região e qual a melhor solução a ser adotada em prol do meio ambiente – manutenção da ocupação com construção de equipamentos ou remoção das construções -, ainda que ausente requerimento das partes a tanto. Tal providência reveste-se de especial importância diante do conflito de garantias constitucionais presente na espécie (proteção do meio ambiente e direito à moradia). Forçosa, pois, a produção da prova pericial aos fins adrede apontados, de maneira que possam ser acertadamente ponderados os direitos em conflito. 2. Sentença anulada de ofício. 3. Apelações prejudicadas. (TRF4, AC 5007797-77.2012.4.04.7208, TERCEIRA TURMA, Relator CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, juntado aos autos em 30/01/2014).
No caso dos autos guerreados, a prova documental produzida ao longo do feito, muito embora forneça alguns dados, não desvenda de forma satisfatória todos estes detalhes essenciais para a verificação do êxito dos pedidos contidos na peça inicial, além de, ter sido elaborada de forma unilateral pelo Poder Público, através de seus órgãos competentes, ante a inexistência de qualquer documento juntado pelos Réus tidos como os loteadores clandestinos e invasores da área, e muito menos pelos Apelantes, que não fizeram parte da lide, e dessa forma, tiveram seu direito ao contraditório totalmente tolhido. Por outro lado, consta nos autos, documentos dando conta que o proprietário de toda a área supostamente invadida, não figura como réu, nem como assistente.
Desta forma, na hipótese remota deste Egrégio Tribunal Federal não vislumbrar os casos de anulação do processo ou da sentença por ausência de litisconsórcio necessário e violação dos princípios debatidos, mostra-se inafastável a anulação da sentença e o retorno da demanda à fase de produção de prova em virtude da existência de um pronunciamento judicial sem a suficiência de provas comumente exigidas para este tipo de demanda.
8. POSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO
Ad argumentandum tantum, a sentença guerreada acolheu a tese aventada pelo Parquet, de que o Loteamento… implantado sobre o suposto loteamento clandestino ou irregular, não se subsume à regularização fundiária, pois ausentes os requisitos da Lei 10.257/01, Lei 11.977/09 e Lei 13.240/15, pois, não haveria no local fornecimento de serviços de água e esgoto; densidade demográfica risível por se tratar de casas de veraneio e a população não é de baixa renda; e que a energia elétrica foi fornecida por meio de TAC, ainda que existisse determinações de ligação de energia elétrica da Justiça Estadual Catarinense.
Ocorre que as casas não são de veraneio. A grande parte dos moradores são efetivos, fixos e de baixa renda. Basta verificar in loco. Além disso, as casas são abastecidas pelo sistema de saneamento público, conforme faturas de água acostas ao presente recurso.
Por outro lado, o loteamento não está em área de marinha, e também não obsta o acesso as praias. Trata-se, pois, de área consolidada, antropizada e com população de baixa renda, cuja sentença que determinou a demolição e recuperação da área é extrema e desproporcional, ferindo de morte o princípio constitucional do direito à moradia[19]. Nestes casos, o direito ao meio ambiente previsto no art. 225 da Carta Primaveral merece mitigação.
Pois bem. Após a edição da Lei Federal n.12.651/2012, que instituiu o Novo Código Florestal, já em 2016, foi editada a Medida Provisória n. 756, convertida na Lei Federal n. 13.465/2017, dispondo sobre a regularização fundiária rural e urbana. Referida norma revogou o Capítulo III da Lei Federal n. 11.977/2009, que tratava da regularização fundiária de assentamentos urbanos, e trouxe significativas alterações para as políticas públicas voltadas às áreas urbanas.
Como se vê, referida Lei de Regularização Fundiária é posterior ao ajuizamento da ação civil pública em questão, e elenca condições aptas a se concluir pela possibilidade de regularização do suposto loteamento clandestino ou irregular, ainda que se entenda, como já mencionado neste recurso, que o aludido loteamento na verdade, está sobre o Loteamento…, aprovado pela Prefeitura em 1981.
Referida legislação introduz o procedimento de regularização fundiária de interesse específico (Reurb-E) e de interesse social (Reurb-S), sendo esta admitida em núcleos urbanos informais como é o caso dos autos. Isso porque, referida lei possui como objetivo (art. 10, Lei 13.465/2017):
I – identificar os núcleos urbanos informais que devam ser regularizados, organizá-los e assegurar a prestação de serviços públicos aos seus ocupantes, de modo a melhorar as condições urbanísticas e ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior;
II – criar unidades imobiliárias compatíveis com o ordenamento territorial urbano e constituir sobre elas direitos reais em favor dos seus ocupantes;
III – ampliar o acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, de modo a priorizar a permanência dos ocupantes nos próprios núcleos urbanos informais regularizados;
IV – promover a integração social e a geração de emprego e renda;
V – estimular a resolução extrajudicial de conflitos, em reforço à consensualidade e à cooperação entre Estado e sociedade;
VI – garantir o direito social à moradia digna e às condições de vida adequadas;
VII – garantir a efetivação da função social da propriedade;
VIII – ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes;
IX – concretizar o princípio constitucional da eficiência na ocupação e no uso do solo;
X – prevenir e desestimular a formação de novos núcleos urbanos informais;
XI – conceder direitos reais, preferencialmente em nome da mulher;
XII – franquear participação dos interessados nas etapas do processo de regularização fundiária.
Portanto, é possível considerar que se aplica ao caso em análise a regularização fundiária de interesse social, sendo passível de regularização o trecho inserido em área de preservação permanente ou unidade de conservação que se encontra ocupada e em área consolidada.
Superada essa reflexão, sabe-se que a jurisprudência consolidada deste Egrégio Tribunal Federal, enaltece o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO DA EDIFICAÇÃO. INVIABILIDADE. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. ZONA URBANA CONSOLIDADA. Devem ser mitigadas as restrições de construção em Áreas de Preservação Permanente, mormente nas hipóteses de zonas urbanas consolidadas e antropizadas, tendo sido constatado que a total recuperação do meio ambiente ao seu estado natural dependeria de ação conjunta, com a remoção de todas construções instaladas em área de ocupação histórica, sendo certo que a retirada de uma edificação isoladamente, em atenção ao princípio da proporcionalidade, não surtiria efeitos significantes ao meio ambiente, haja vista que as adjacências do local encontram-se edificadas. (TRF4, AC 5001563-50.2010.4.04.7208, TERCEIRA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 09/06/2016).
Concessa venia, mas não parece razoável que o direito à moradia se sobreponha ao do meio ambiente, quando não houver comprovação de que a demolição das casas resultará em efetivo benefício ao meio ambiente. Neste passo, calham as lúcidas observações do eminente Desembargador Luiz Carlos de Castro Lugon:
Tenho como premissa a supremacia do meio ambiente, mesmo nas situações em que haja a efetiva configuração do fato consumado, de modo que sejam desestimuladas práticas de violações ecológicas contando com o beneplácito fundado na constatação de que “o mal já está feito.” Porém, ainda que não perca de vista a realçada importância do meio ambiente, com o incentivo de peculiaridades do caso concreto, pode-se amenizar a regra de prevalência, mesmo que esteja em pauta a integridade ambiental de área de preservação permanente. Assim penso, guiado pela ideia de que benefício algum surtirá em prol do meio ambiente a paralisação da obra, uma vez que a recuperação da restinga, pela intervenção da própria natureza, é inviável naquele trecho.[20]
É incontroverso que a demolição trará prejuízos aos moradores, não só de ordem patrimonial, como também moral. Os moradores são pessoas humildes, ao contrário do que fez parecer o ilustre representante do Ministério Público Federal. Os Apelantes, durante anos, economizaram para adquirir um lote, certos que naquela região, construiriam sua moradia definitiva, mesmo porque, o Loteamento… foi aprovado pelo Poder Público ainda em 1981, assim como o Loteamento…, Loteamento… e Loteamento…, todos confrontantes um do outro. O fato de chamar-se popularmente de Loteamento…, deriva do simples fato de que foi a requerida na origem, tida como loteadora clandestina, que teria comercializado alguns lotes, mas não todos.
Há indícios nos autos a demonstrar que, efetivamente, as construções podem, caso sejam de fato irregulares, serem regularizada, pois, cediço que demolir, é medida extrema, que somente pode ser adotada nos casos em que a regularização seja considerada impossível, o que não parece ser o caso dos autos, mesmo porque, faltam estudos. Repise-se que não foi oportunizado aos moradores o direito de apresentar defesa técnica, nem de regularizar o loteamento nos termos da Lei 13.465/2017, caso seja de fato irregular, incidindo, portanto, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade ao provimento jurisdicional.
9. PREQUESTIONAMENTO
No caso de não provimento do presente recurso de apelação, e desejando os Apelantes ascender às Instâncias Superiores, então necessário, nessa oportunidade, prequestionar a matéria, sobretudo, para que este E. Tribunal Federal aprecie expressamente os dispositivos legais e constitucionais abaixo suscitados:
- 1º do CPC: violação do processo enquanto dever de interpretação conforme os valores e normas fundamentais estabelecidos na Constituição Federal;
- 7º do CPC: dever do juiz em zelar pelo efetivo contraditório;
- 8º do CPC: dever do juiz em resguardar e promover a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência;
- 10 do CPC: decidir sem dar a parte o direito de se manifestar;
- 18 do CPC: vedação aos réus em pleitear e defender direito de terceiros;
- 114 do CPC: litisconsórcio passivo necessário;
- 115, inc. I, do CPC: a ausência de contraditório torna a sentença nula;
- 116, do CPC: litisconsórcio passivo necessário em razão da natureza da demanda;
- 370, caput, do CPC: necessidade de produção de provas para que o juiz resolva o mérito;
- 464, caput do CPC: necessidade de prova pericial para averiguar a verdadeira condição do loteamento enquanto provocador de suposto dano ambiental;
- 485, inc. IV, do CPC, ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo para decidir o mérito do processo;
- 996 do CPC: cabimento de recurso de apelação por terceiro prejudicado que não fez parte do processo.
- parágrafo único do art. 996 do CPC: demonstração de a decisão sobre a relação jurídica submetida à apreciação judicial atingir direitos dos Apelantes;
- 1.009 do CPC: cabimento de recurso de apelação;
- 1º, inc. III, da CF/88: dignidade da pessoa humana enquanto direito à moradia;
- 5º, caput, da CF/88: princípio da isonomia enquanto garantia à propriedade.
- 5º, caput e incisos LV da CF/88: contraditório e ampla defesa;
- 5º, caput e incisos LIV da CF/88: princípio do devido legal enquanto afetação na esfera jurídica patrimonial;
- 5º, caput e incisos XXII e XXIII da CF/88: direito de propriedade e função social;
- 6º, caput, da CF/88: direito à moradia
- 225, caput, da CF/88: possibilidade de mitigação do direito ao meio ambiente em face do direito à moradia, da dignidade da pessoa humana;