Alegações Finais. Auto de Infração Ambiental. Princípio da intranscendência das penas. Auto de infração lavrado contra terceiro. Ilegitimidade. Multa Ambiental. Processo Administrativo Ambiental. Defesa. Advogado. Escritório de Advocacia.
ILUSTRÍSSIMA SENHORA GERENTE DE DESENVOLVIMENTO AMBIENTAL DO INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ
AUTUADO, previamente qualificado, vem, à presença de Vossa Senhoria, por sua advogada[1], com fundamento nos art. 107[2] da Portaria Conjunta CPMA/IMA n. 143/2019 e art. 122[3] do Dec. 6.514/2008, apresentar
ALEGAÇÕES FINAIS PARA AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL
em face de Auto de Infração Ambiental n… e Termo de Embargo n…, lavrados em 28 de setembro de 2015 por Fiscal da Fundação do Meio Ambiente – Fatma, extinta[4] pela Lei 17.354/2017 que criou o Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina – IMA, consoante as razões de fato e de direito a seguir expostas.
1. DA TEMPESTIVIDADE
Registra-se de início, que o Autuado foi cientificado para apresentar alegações finais através do Ofício n…/2020 encaminhado por carta, o qual foi recebido em 01 de junho de 2020, cujo prazo para apresentação de alegações finais é de 10 (dez) dias úteis contados a partir do recebimento da notificação, consoante os artigos 28 e 108 da Portaria Conjunta CPMA/IMA n. 143/2019. Os prazos ficaram suspensos em razão da COVID-19. Portanto, indiscutível a tempestividade das presentes alegações.
2. DOS FATOS
No dia 05 de abril de 2019, um Agente Fiscal da extinta Fatma realizou fiscalização na propriedade rural do Autuado, localizada no interior do Município…, para averiguar suposta irregularidade relacionada a supressão de vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, que resultou na lavratura do Auto de Infração Ambiental n… e Termo de Embargo n… com enquadramento nos artigos, 48, 49, caput, e parágrafo único do Decreto 6.514/08, in verbis:
Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas ou demais formas de vegetação nativa em unidades de conservação ou outras áreas especialmente protegidas, quando couber, área de preservação permanente, reserva legal ou demais locais cuja regeneração tenha sido indicada pela autoridade ambiental competente:Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por hectare ou fração.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica para o uso permitido das áreas de preservação permanente.
Art. 49. Destruir ou danificar florestas ou qualquer tipo de vegetação nativa, objeto de especial preservação, não passíveis de autorização para exploração ou supressão:
Multa de R$ 6.000,00 (seis mil reis) por hectare ou fração.
Parágrafo único. A multa será acrescida de R$ 1.000,00 (mil reais) por hectare ou fração quando a situação prevista no caput se der em detrimento de vegetação primária ou secundária no estágio avançado ou médio de regeneração do bioma Mata Atlântica.
Como medida sancionadora, foi aplicada multa simples no valor de R$ 48.000,00, bem como lavrado termo de embargo. Notificado, o Autuado apresentou Defesa Prévia, alegando, em síntese, que a área objeto da infração foi adquirida em 2018, conforme consta na certidão de inteiro teor juntada aos autos, enquanto os eucaliptos foram plantados pelo antigo proprietário há 07 (sete) anos, ou seja, no início de 2011.
Instado, o agente fiscal impugnou todos os esclarecimentos do Autuado por meio de Manifestação acerca da Defesa Prévia n…/2019, mas não negou que a plantação de eucaliptos teria ocorrido em 2011.
Entretanto, com a devida vênia, os autos deveriam ter sido arquivados ex officio, pois evidente a ilegitimidade do Autuado, conforme será demonstrado a seguir.
3. DO MÉRITO
A Constituição Federal de 1988 assegura em seu art. 5º, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, e ainda, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
À luz do princípio da intranscendência das penas, elencada no art. 5º, XLV da CF/88, nenhuma pena passará da pessoa do condenado, o que impossibilita penalizar o Autuado por supostas práticas cometidas por terceiros.
De mais a mais, a dúvida não pode militar em desfavor do Autuado, haja vista que a imposição de multa administrativa possui caráter penalizador, e afigurando-se como medida rigorosa e privativa de uma liberdade pública constitucionalmente assegurada, exige a demonstração cabal da autoria e materialidade, pressupostos autorizadores da imposição de sanção, e na hipótese de constarem nos autos elementos de prova que conduzam à dúvida acerca da autoria delitiva, a nulidade do auto de infração é medida que se impõe, em observância ao princípio do in dubio pro reo.
Cumpre lembrar que o servidor público está vinculado diretamente ao preceito Constitucional do art. 37[5], orientando que o descumprimento dos princípios ali inseridos, sobretudo o da legalidade, torna nulo os atos administrativos praticados. E sobre referido princípio, o emérito Professor Carvalho Filho ensina:
O princípio da legalidade é certamente a diretriz básica da conduta dos agentes da Administração. Significa que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Não o sendo, a atividade é ilícita. Tal postulado, consagrado após séculos de evolução política, tem por origem mais próxima a criação do Estado de Direito, ou seja, do Estado que deve respeitar as próprias leis que edita. O princípio “implica subordinação completa do administrador à lei. Todos os agentes públicos, desde o que lhe ocupe a cúspide até o mais modesto deles, devem ser instrumentos de fiel e dócil realização das finalidades normativas”. […] O princípio da legalidade denota exatamente essa relação: só é legítima a atividade do administrador público se estiver condizente com o disposto na lei.[6]
Di Pietro, comenta o desprestígio do administrador à Constituição:
A consequência é que a evolução do direito administrativo depende, em grande parte, de reformas constitucionais, o que conduz a dois caminhos : (a) um, lícito, que é a reforma pelos instrumentos que a própria Constituição prevê; (b) outro que é feito ao arrepio da Constituição, que vai sendo atropelada pelas leis ordinárias, por atos normativos da Administração Pública e, às vezes, sem qualquer previsão normativa; a Administração Pública, com muita frequência, coloca-se na frente do legislador. Daí o desprestígio da Constituição e do princípio da legalidade.[7]
Como se vê, o princípio da legalidade é fundamental para o funcionamento da Administração Pública, lhe sendo vedado decidir contrariamente à Lei, e por assim ser, há um óbice a aplicação de qualquer penalidade ao Autuado, de modo que não há de se concluir pela responsabilidade administrativa solidária do Autuado, conforme será melhor explicado.
4. DA NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO POR VÍCIO INSANÁVEL – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO NEXO CAUSAL – VULNERAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INTRANSCENDÊNCIA DAS PENAS
Os eucaliptos objeto do auto de infração, estavam plantados há pelo menos 09 anos quando da fiscalização (em 2019), ou seja, foram plantados em 2011, fato incontroverso, já que tratavam-se de indivíduos adultos. Ademais, o fiscal durante sua manifestação à defesa prévia, não negou a data da plantação informada pelo Autuado, que inclusive, foi confirmada pelo expert que elaborou parecer técnico.
Cediço que a responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais adere à propriedade, como obrigação propter rem, sendo possível cobrar também do atual proprietário, condutas derivadas de danos provocados pelos proprietários antigos.
Porém, a responsabilidade administrativa por dano ambiental é exclusiva do infrator, assim como a criminal, não sendo possível a aplicação de nenhuma sanção a terceiros que não tenham infringido diretamente a legislação ambiental. Entenda como terceiro, o Autuado.
É que pelo princípio da intranscendência das penas (art. 5º, inc. XLV, CF/88), aplicável não só ao âmbito penal, mas também a todo o Direito Sancionador, não é possível aplicar auto de infração ambiental a pessoa que não tenha praticado o dano ambiental.
Isso porque, a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.
A diferença entre os dois âmbitos de punição e suas consequências fica bem estampada da leitura do art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81, segundo o qual, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.
Em resumo: a aplicação de auto de infração ambiental limita-se aos transgressores; a reparação ambiental, de cunho civil, a seu turno, pode abranger todos os poluidores, a quem a própria legislação define como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3º, inc. V, do mesmo diploma normativo).
Note-se que a própria lei já define como poluidor todo aquele que seja responsável pela degradação ambiental – e aquele que, adquirindo a propriedade, não reverte o dano ambiental, ainda que não causado por ele, já seria um responsável indireto por degradação ambiental (poluidor, pois).
Mas fato é que o uso do vocábulo “transgressores” no caput do art. 14, comparado à utilização da palavra “poluidor” no § 1º do mesmo dispositivo, deixa a entender aquilo que já se podia inferir da vigência do princípio da intranscendência das penas: a responsabilidade civil por dano ambiental é subjetivamente mais abrangente do que as responsabilidades administrativa e penal, não admitindo estas últimas que terceiros respondam a título objetivo por ofensa ambientais praticadas por outrem.
Sabe-se que a responsabilidade ambiental gera efeitos nas três esferas: administrativa (multa ambiental), criminal (quando a infração constituir crime o infrator responde um processo judicial criminal) e cível (recuperação do meio ambiente), mas devido à natureza sancionadora, somente a responsabilidade civil é objetiva e solidária, não sendo possível imputar crime ambiental muito menos multa administrativa a terceiro que não tenha concorrido diretamente para o dano ambiental, como é o caso do Autuado.
Portanto, há de se considerar que o Auto de Infração Ambiental n… lavrado para o Autuado é eivado de vícios o que caracteriza sua nulidade, pois a autoria do suposto dano ambiental não ficou comprovada, e nem poderia ser, porque jamais poderia ter sido provocada pelo Autuado que adquiriu a propriedade rural em data em que os eucaliptos já estavam plantados há 11 anos, razão pela qual, dada a subjetividade, requer o cancelamento do auto de infração e arquivamento do processo com a consequente extinção do embargo.
5. ATENUANTES
Por força do princípio da eventualidade, requer, no caso inacreditável de manutenção do auto de infração, ante as teses aventadas, que sejam aplicadas as causas atenuantes do art. 14, I, II, III e IV, do Decreto 6.514/08, que determinam ao órgão ambiental estabelecer de forma objetiva, critérios complementares para a atenuação das sanções administrativas.