O processo administrativo sancionador ambiental se inicia com a lavratura do auto de infração ambiental, constituindo-se em um conjunto de fases por meio das quais a Administração Pública apura a ocorrência de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
Ao término desse processo, a Administração emite uma decisão julgadora que pode resultar na aplicação de sanções administrativas ao infrator.
Para que seja válido, tanto o processo administrativo como a imposição de sanções, a Administração Pública deve respeitar não somente os princípios previstos no art. 37 da Constituição Federal (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência).
Além disso, também deve obedecer aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, da verdade real, da motivação, da razoabilidade, da proporcionalidade, da duração razoável do processo, dentre outros.
Em âmbito federal, em que inseridas as competências do IBAMA e ICMBio, o processo administrativo instaurado para apurar infrações ambientais é regulado pela Lei Federal 9.784/99, bem como pela Lei Federal 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais) e Decreto Federal 6.514/08.
Já Estados e Municípios podem ter suas próprias normas processuais, mas é comum que utilizem o Decreto Federal 6.514/08 para lavrar auto de infração, instaurar o processo administrativo e aplicar penalidades — o que acontece por ausência de norma específica que regule a matéria —, contudo, não se aplicam as disposições da Lei Federal 9.784/99, devendo, porém, seguir o rito previsto no referido decreto, se for o caso.
Ao processo administrativo federal, aplicam-se subsidiariamente as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal, a teor do artigo 79 da Lei 9.605/98, o que é fundamental para a contagem dos prazos prescricionais da pretensão punitiva.
Índice
O que é o auto de infração ambiental e quais seus requisitos
O auto de infração ambiental é um ato administrativo dotado de imperatividade, presunção relativa de legitimidade, veracidade e legalidade, lavrado por agente de fiscalização contra pessoas físicas ou jurídicas que, por meio de uma ação ou omissão, violem as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
Para sua lavratura, a conduta independe de dano efetivo, bastando que viole às normas jurídicas, ou seja, independe de dano ambiental material, bastando uma conduta infracional, ainda que dela não decorra nenhum efetivo dano material.
Para ser válido, deve ser lavrado por agente competente, em formulário próprio; conter todos os seus elementos componentes (sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade); com a identificação do autuado, a descrição clara e objetiva da infração administrativa constatada.
Também deve conter a indicação dos dispositivos legais e regulamentares infringidos (tipicidade), a indicação de sanções e a aplicação de eventuais medidas administrativas cautelares, não devendo conter emendas ou rasuras que comprometam sua validade.
Há ainda, infrações administrativas que dependem do preenchimento de requisitos específicos no ato da lavratura do auto de infração, a exemplo das infrações de desmatamento e queimadas.
Para essas infrações, relacionadas ao uso de fogo, provocar incêndio ou queimadas, deve o agente de fiscalização colher todas as provas possíveis de autoria e materialidade, da extensão do dano, bem como dependem da comprovação do nexo de causalidade entre a ação do proprietário ou qualquer preposto e o dano efetivamente causado.
Da mesma forma é a infração de causar poluição prevista no artigo 61 do Decreto 6.514/08, cuja imposição de penalidade depende de laudo técnico elaborado por órgão ambiental competente, identificando a dimensão do dano decorrente da infração e em conformidade com a gradação do impacto.
Auto de infração ambiental inaugura o processo administrativo
É o auto de infração ambiental que inaugura o processo administrativo destinado à apuração da infração, assegurando-se ao autuado o direito ao contraditório e à ampla defesa, oportunidade na qual poderá pagar a multa, oferecer defesa ou, se houver previsão legal, requerer a conversão da multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.
A previsão legal (lei) do auto de infração está contida no artigo 70 da Lei 9.605/08, que prevê as autoridades competentes para lavrá-lo, os prazos processuais, as sanções e os valores mínimo e máximo da multa.
Após a sua lavratura, cópia do auto de infração, acompanhado de toda documentação pertinente, é encaminhada ao Ministério Público (Federal ou Estadual) para que seja apurado eventual crime ambiental e/ou ilícito civil.
Após a lavratura do auto de infração, o autuado deve ser cientificado, assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, de modo que a descrição que omite informações importantes para o pleno exercício do direito de defesa ou é demasiadamente genérica pode ser considerada vício formal e insanável que conduz à nulidade do auto.
O auto de infração ambiental, portanto, nada mais é que um ato administrativo que deve conter todos os seus elementos constitutivos vinculados à Lei, podendo ser complementado por outros documentos que comporão o processo administrativo.
Vale observar que para a lavratura do auto de infração ambiental não há espaço de discricionariedade do agente de fiscalização na forma como é preenchido – isto é, diante de uma infração ao meio ambiente, deve lavrar o auto preenchendo todos os seus requisitos.
Quem pode lavrar o auto de infração ambiental
Conforme o § 1º do artigo 70, da Lei 9.605/98, as autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo são os funcionários de órgãos ambientais responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental que integram o Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, dentre eles:
- Órgãos executores (federais): IBAMA e ICMBio;
- Órgãos Seccionais (órgãos estaduais): ADEMA/SE, CETESB/SP, CPRH/PE, FEAM/MG, FEMARH/RR, FEPAM/RS, FLORAM, IAT/PR, IDEMA/RN, IEF/MG, IEMA/ES, IMA/AC, IMAC/AC, IMA/SC, IMASUL/MS, INEA/RJ, INEMA/BA, IPAAM/AM, NATURATINS/TO, SEAMA/ES, SEDAM/RO, SEMA/AP, SEMA/BA, SEMA/CE, SEMACE/CE, SEMAD/GO, SEMAD/MG, SEMA/MA, SEMA/MT, SEMAR/PI e SEMAS/PB; etc, e,
- Órgãos Locais (órgãos municipais): Secretarias, Fundações, Institutos e demais órgãos criados com a finalidade de fiscalização ambiental.
Mas nem todos os funcionários dos órgãos que integram o SISNAMA são competentes para lavrar auto de infração, pois conforme o art. 70, § 1º, da Lei 9.605/98, tais autoridades devem ser “designadas para as atividades de fiscalização”.
Auto de infração ambiental lavrados por técnicos ambientais do IBAMA e ICMBio
No caso específico do IBAMA e ICMBio, a Lei 10.410/02 criou e disciplinou a Carreira de Especialista em Meio Ambiente, composta pelos cargos de Gestor Ambiental, Gestor Administrativo, Analista Ambiental, Analista Administrativo, Técnico Ambiental, Técnico Administrativo e Auxiliar Administrativo.
Mas somente o Analista Ambiental detém competência originária para exercer, dentre outras, a atividade de “fiscalização”, conforme dispõe o inciso I do artigo 4º da referida Lei.
Contudo, no ano de 2006, foi acrescido o parágrafo único ao art. 6º da Lei 10.410/02, que possibilitou ao cargo de Técnico Ambiental o exercício da atividade de fiscalização ambiental, desde que “designado para a atividade por ato próprio”. Essa designação geralmente é realizada através de “portaria”.
Portanto, no caso dos servidores do IBAMA e 16, somente os cargos de Analista Ambiental e Técnico Ambiental, este último mediante designação por ato próprio, é que detêm competência para lavrar autos de infração, enquanto na legislação estadual e municipal essa competência advém da própria legislação local, e também por atos de designação própria.
Mais de um auto de infração ambiental lavrado pela mesma infração
Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, que compõem o SISNAMA, podem exercer a fiscalização ambiental de forma comum.
Contudo, em caso de ilícito ambiental, se diferentes órgãos lavrarem autos de infração para o mesmo infrator e conduta, somente o auto lavrado pelo ente competente para o licenciamento é que será considerado para fins de apuração da infração, sendo os demais arquivados, conforme determina o artigo 17 e § 3º da Lei Complementar 140/2011:
Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.
§3º O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.
Por exemplo, se o IBAMA e a SEMA/MT lavraram autos de infração para o mesmo infrator pela conduta de desmatamento local na Floresta Amazônica, cuja concessão de autorização para supressão de vegetação cabia à SEMA/MT, somente o auto lavrado por esta deve prevalecer.
Isso porque, é a SEMA/MT o órgão competente para o licenciamento, de modo que o auto de infração ambiental lavrado pelo IBAMA deve ser arquivado, já que a SEMA/MT realizou a fiscalização, por força do princípio que proíbe a dupla punição pelo mesmo fato (non bis in idem).
Apenas a título informativo, até a edição da Lei Complementar 140/2011, entendia-se possível a ocorrência de bis in idem, na hipótese de cobrança por Estado ou Município de multa já paga à União.
Todavia, o oposto não impedia a cobrança dos demais entes, em razão da falta de previsão legal, tendo em vista que o artigo 76 da Lei 9.605/98 apenas prevê que “o pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência”.
Ou seja, se lavrado um auto de infração por IBAMA (União) e órgão estadual pelo mesmo fato, o pagamento da multa ao Estado por primeiro substitui a multa imposta a poteriori pelo IBAMA.
Por outro lado, se a multa fosse paga primeiro à União, o Estado também teria direito à cobrança da multa, ainda que pelo mesmo fato, e isso não configuraria violação ao princípio do non bis in idem. Esse entendimento prevalece em alguns tribunais para autuações anteriores à Lei Complementar 140/2011.