Defesa prévia. Auto de infração Indea/MT. Agrotóxicos. Multa ambiental Indea. Modelo de Defesa. Recurso. Herbicidas. Pulverização aérea. Aviação agrícola. Advogado.
ILUSTRÍSSIMO SUPERINTENDENTE DA UNIDADE LOCAL DE EXECUÇÃO DO INDEA – MATO GROSSO
Auto de Infração Ambiental n…
Protocolo SEGES n…
AUTUADO, brasileiro, casado, agricultor, inscrito no RG sob o n…, e CPF n…, residente e domiciliado na Fazenda…, Zona Rural, Cidade/MT, CEP…, vem, à presença de Vossa Senhoria, por sua representante legal[1], com fundamento no § 3º, art. 52 do Decreto 1.651/2013 e inciso II, § 1º, art. 14, da Lei 8.588/2006, apresentar
DEFESA PRÉVIA CONTRA AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL POR PULVERIZAÇÃO AÉREA DE AGROTÓXICOS
em razão do Auto de Infração Ambiental lavrado pelo Instituto de Defesa Agropecuária do Estado de Mato Grosso – Indea, em 24 de novembro de 2020, consoante as razões de fato e de direito a seguir expostas, requerendo após as formalidades legais, seja encaminhado à Comissão de Julgamento de Processos da Defesa Sanitária Vegetal para julgamento.
1. DA TEMPESTIVIDADE DA DEFESA PRÉVIA
Primeiramente, há que se registrar que o Autuado tomou conhecimento do Auto de Infração no dia 03 de dezembro de 2020, através do Edital de Notificação – INDEA, publicado no Diário Oficial n…, página 31-32, de 01 de dezembro de 2020, dispondo que:
Os autuados, pessoas físicas ou jurídicas, abaixo relacionadas, para apresentar Defesa Administrativa ou pagamento da multa, no prazo de 30 (trinta) dias. A não apresentação de defesa ou pagamento da multa no prazo deste edital, ensejará no encaminhamento para inscrição em dívida ativa e demais providencias.
Conforme consta no próprio edital de notificação, o prazo para apresentar defesa prévia é dia 30 (trinta) dias. Nos termos do § 3º, art. 4º, da Lei 11.419/2006[2], “considera-se como data da publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça eletrônico.” Já o § 4º, preceitua que “os prazos processuais terão início no primeiro dia útil que seguir ao considerado como data da publicação.”
Portanto, tendo ocorrido a disponibilização no dia 01.12.2020, e considerando o dia 02.12.2020 como o da publicação, exsurge que o dia de início da contagem do prazo é 03.12.2020, ou seja, primeiro dia útil ao da publicação. Indiscutível a tempestividade da presente defesa.
2. BREVE SÍNTESE DO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL
No dia 22 de novembro de 2020, alguns produtores vizinhos da Fazenda arrendada pelo Autuado, compareceram à ULE do Indea para registrar “denúncia” que um avião agrícola aplicava herbicida s na referida fazenda, e que teriam externado preocupação de ocorrer deriva do produto em suas propriedades, proveniente da aeronave.
A partir disso, em 23 de novembro de 2020, uma equipe de fiscalização se deslocou até a fazenda, e teria constatado a aeronave em plena operação. Segundo relatório dos fiscais:
Os fiscais deslocaram-se até uma das propriedades denunciantes para averiguar as consequências de uma possível deriva de agrotóxicos. Quando no local, foi possível observar a aeronave agrícola aplicando agrotóxicos na Fazenda.
Foi constatado pelos fiscais que aeronave fazia o percurso, durante a aplicação, em direção ao sitio vizinho. A aeronave quando chegava na divisa da propriedade Fazenda desligava a barra de aplicação e seguia o percurso, manobrando sobre a residência do sitio vizinho.
E ainda:
No período da tarde, após solicitar apoio policial, a polícia civil abriu a porteira da Fazenda, permitindo o acesso da equipe do Indea ao interior da propriedade.
O proprietário/responsável pela propriedade não encontrava-se no local, os fiscais do lndea, bem como outros fiscais de outro órgãos foram atendidos por funcionários dos aplicadores de agrotóxicos (aviação), da empresa que comercializou os agrotóxicos e os funcionários da própria fazenda que trabalham com pecuária.
Segundo os autos, teriam sido encontrados na pista do avião, onde acontecia o abastecimento com a calda de agrotóxicos, “Herbicida Tordon XT (fabricante Dow Agrosciences), inseticida Incrível (fabricante Ihara), inseticida Sperto (fabricante UPL), inseticida Fastac Duo (Fabricante Basf)”, e, “um tambor do inseticida Fastac Duo (Fabricante Basf), com data de vencimento de outrubro de 2019”, com capacidade de 5 litros, contendo 3,5 litros, iludindo os fiscais de que referido produto teria sido usado na pastagem.
Os fiscais ainda localizaram “8,5 litros do inseticida Incrível (fabricante Ihara), em embalagens de 5 litros, com vencimento em agosto de 2019”. As notas fiscais, assim como o contrato de prestação de serviços para aplicação aérea dos produtos foram entregues aos fiscais e constam nos autos às fls. 21-22.
Os produtos vencidos foram apreendidos e depositados na empresa de produtos agropecuários na condição de fiel depositária, através do Termo de Apreensão. Do relatório elaborado pelos fiscais, extrai-se importante trecho ao deslinde da questão:
Em análise às notas fiscais foi constatado que a empresa comercializou produtos com prazo de vencimento de agosto de 2019 e outubro de 2019, porém indicou na nota fiscal que o vencimento seria 22/11/2020. Foi lavrado Auto de Infração para a empresa vendedora.
Durante inspeções em propriedades vizinhas, no dia 23 e 28 de novembro de 2020, supostamente atingidas por “provável deriva” da aplicação de agrotóxicos, os fiscais teriam encontrado:
“sintomas visíveis de fitotoxidez em diversas espécies de plantas, como mandioca, quiabo, mamão, algodão, mamona, em espécies nativa e espécies espontâneas, semelhantes à deriva causada por herbicida hormonal 2,4-D e Picloram.”
Já “em fiscalização realizada em 28 de novembro de 2020 também foi constatado os sintomas supracitados em vegetação nativa localizado em áreas de preservação permanente, no interior da Fazenda.”
De acordo com o histórico do autuante (fls. 03-13):
“a provável deriva de herbicidas se fez visível através de sintomas de fitotoxidez em plantas sensíveis, bem como pôde ser observados e relatados nos termos de Inspeção em vários casos no entorno da fazenda.”
Por fim, os fiscais relatam que lavraram Termos de Inspeção/Fiscalização/Notificação e o Auto de Infração Ambiental. O proprietário recusou-se assinar o Auto de Infração bem como o Termos de Inspeção/Fiscalização/Notificação, e ambos foram encaminhados ao endereço indicado pelo produtor via correios, através de carta registrada.
Em verdade, o Auto de Infração foi lavrado para o proprietário da aeronave agrícola que fazia a aplicação de herbicidas. Já para o Autuado, foi lavrado o outro Auto de Infração como incurso nos artigos 35, I, II, III; 41, XXXVIII e XXXIX; 44, XLI; 46, XIV, todos do Decreto 1.651/2013 c/c com o art. 10, I, alínea “a” e “b” da Instrução Normativa n. 2/2008/MAPA, in verbis:
Decreto nº 1.651, de 11 de Março de 2013
Art. 35 Para efeito de segurança operacional, a aplicação terrestre, de Agrotóxicos e Afins fica restrita a área tratada observando-se as seguintes regras:
I – não é permitida a aplicação terrestre mecanizada de agrotóxicos e afins em áreas situadas a uma distância mínima de 90 (noventa) metros de povoações, cidades, vilas bairros, e mananciais de captação de água, moradia isolada agrupamento de animais e nascentes ainda que intermitentes;
II – fica proibida a utilização de Agrotóxicos e Afins nas áreas de preservação permanente, reserva legal, reservas naturais de patrimônio público ou privado, unidades de conservação de proteção integral e outras áreas de proteção previstas de acordo com o Código Florestal e Código Ambiental do Estado; (Nova redação dada pelo Dec. 568/16)
III – os danos, advindos da utilização de Agrotóxicos e Afins serão de inteira responsabilidade do usuário ou prestador de serviços;
Art. 41 As responsabilidades administrativas, cíveis e penais, recairão, sobre o registrante, o fabricante, o comerciante, as empresas prestadoras de serviços, o transportador, o armazenador, o empregador, o depositário, o detentor, o profissional, o aplicador e o usuário, na forma que dispuser este Regulamento, considerados como tais: […]
XXXVIII – o usuário e/ou prestadora de serviços que utilizar Agrotóxicos e Afins sem respeitar as condições de segurança para proteção da saúde humana e do meio ambiente;
XXXIX – quem concorrer, de qualquer modo, para a prática de infração ou dela obter vantagem.
Art. 44 São infrações: […]
XLI – utilizar Agrotóxicos, seus Componentes e Afins, sem respeitar as condições de segurança para a proteção da saúde humana e do meio ambiente;
Art. 46 Sem prejuízo das penalidades prevista no artigo anterior, as infrações da presente Lei, seu Regulamento e Atos Normativos ficam sujeitas às seguintes multas, isolada ou cumulativamente: […]
XIV – utilizar agrotóxicos, seus componentes e afins sem os devidos cuidados com a proteção da saúde humana e do meio ambiente – multa de 200 a 600 UPF/MT;
Instrução Normativa nº 2 de 03/01/2008 / MAPA
Art. 10. Para o efeito de segurança operacional, a aplicação aeroagrícola fica restrita à área a ser tratada, observando as seguintes regras:
I – não é permitida a aplicação aérea de agrotóxicos em áreas situadas a uma distância mínima de:
a) quinhentos metros de povoações, cidades, vilas, bairros, de mananciais de captação de água para abastecimento de população;
b) duzentos e cinqüenta metros de mananciais de água, moradias isoladas e agrupamentos de animais;
Contudo, o auto de infração é absolutamente nulo, pois a responsabilidade administrativa assim como a penal, são subjetivas, e jamais podem ser aplicadas para terceiro que não praticou a infração, muito menos por mera presunção, razão pela qual, requer o cancelamento do Auto de Infração Ambiental hostilizado.
3. DOS FATOS QUE ORIGINARAM O AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL
Primeiramente, registra-se que a suposta recusa em assinar o Auto de Infração não ocorreu no dia 28 de novembro conforme narrado pelos fiscais, e sim, em data posterior e incerta, quando o Autuado compareceu à Unidade do Indea para prestar esclarecimentos, que de forma vexatória, não foram aceitos pelas autoridades.
O Autuado estava em viagem nacional no dia dos fatos, e não na fazenda. Também não se recusou a assinar o documento, e apenas teve ciência que havia sido autuado, por meio da publicação editalícia.
Pois bem. Dos autos, extrai-se que no dia 22 de novembro de 2020, os moradores vizinhos à Fazenda arrendada pelo Autuado teriam comparecido à ULE do Indea para registrar “denúncia” que um avião agrícola aplicava agrotóxicos na referida fazenda, e que teriam externado preocupação de ocorrer deriva de agrotóxicos em suas propriedades, proveniente da referida aeronave, sendo que a fiscalização ocorreu no dia seguinte, 23 de novembro, data em que constatou-se a aplicação aérea de agrotóxicos.
Nesse ponto, chama-se a atenção desta Comissão de Julgamento de Processos da Defesa Sanitária Vegetal, que os moradores vizinhos à fazenda do Autuado apenas externaram preocupação na deriva de herbicidas. Em nenhum momento consta que houve a efetiva deriva sobre suas propriedades.
Salta aos olhos ainda, o relato dos fiscais que, no próprio dia 23, dia da fiscalização, bem como no dia 28, de:
“sintomas visíveis de fitotoxidez em diversas espécies de plantas, como mandioca, quiabo, mamão, algodão, mamona, em espécies nativa e espécies espontâneas, semelhantes à deriva causada por herbicida hormonal 2,4-D e Picloram,” por provável deriva de agrotóxicos, e ainda, “os sintomas observados foram epinastia das folhas, pecíolo, ramos e caules, alteração na venação das folhas e encarquilhamento, o caules quebradiço, clorose, murchamento, necrose das folhas e alterações no crescimento.” (destaquei da fl. 04).
Ocorre que a pulverização aérea foi iniciada somente no exato dia 23, data da fiscalização. Prova disso, são as notas fiscais emitidas pela empresa de produtos agropecuários no fim da tarde do dia 22, que podem ser consultadas eletronicamente.
Os produtos foram entregues ao Autuado pela própria empresa, conforme expressa menção nas notas fiscais. Ora. É indiscutivelmente impossível que a aplicação dos produtos no dia 23 tenha provocado os sintomas de toxidade nas plantas, como relataram os fiscais.
Ademais, o Fastac Duo[3], Incrível[4] e Sperto[5], são produtos para controle de cigarrinhas-das-pastagens, percevejos e mosca-branca na cultura de pastagem, conforme colhe-se da própria bula dos produtos, e são tão ineficazes aos seres vivos, incluindo as plantas, que recomenda-se apenas 24h de intervalo para reentrada no local da aplicação. Veja, “recomenda-se”.
Já o Redutan NPK Sili[6] é um fertilizante foliar, e não herbicida, enquanto o Zartan[7] e Tordon[8] (também com 24h de intervalo para reentrada no local da aplicação) que servem para controle de ervas daninhas em diversas culturas, inclusive nas espécimes que teriam sido verificados os “sintomas visíveis de fitotoxidez,” e que não afetam plantas, sequer foi utilizado na data da fiscalização, ou data anterior.
Logo, nenhum dos produtos utilizados poderia ter causado os “sintomas” observados pelos fiscais, que concluíram, equivocadamente, pela provável deriva de herbicida aérea, veja:
Em fiscalização realizada em 28 de novembro de 2020 também foi constatado os sintomas supracitados em vegetação nativa localizado em áreas de preservação permanente, no interior da Fazenda.
A provável deriva de herbicidas se fez visível através de sintomas de fitotoxidez em plantas sensíveis, bem como pôde ser observados e relatados nos termos de Inspeção em vários casos no entorno da fazenda. As consequências de uma deriva de qualquer um dos inseticidas, aplicados nas pastagens da fazenda, à saúde humana, bem como à fauna silvestre e animais domésticos não é visível ao olho nu, o que não descarta sua provável ocorrência.
O Autuado sequer estava na fazenda, tão pouco na pista de pouso, e sua ausência foi consignada pelos próprios fiscais no relatório, apesar de confuso, pois a pessoa que se recusou a assinar os termos, não foi o Autuado.
Portanto, a narrativa dos fiscais, concessa venia, não permite extrair nenhum dado autorizador para imputar ao Autuado referidas condutas, que são próprias do transgressor.
Frise-se, que o sistema legal brasileiro não permite a imputação de infrações administrativas por mera presunção. Definitivamente, o Auto de Infração Ambiental padece de nulidade e deve ser declarado nulo por esta Comissão julgadora.
4. DO MÉRITO DA DEFESA PRÉVIA
A Constituição Federal de 1988 assegura em seu art. 5º, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, e ainda:
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Ademais, à luz do princípio da intranscendência das penas, elencada no art. 5º, XLV da CF/88, nenhuma pena passará da pessoa do condenado, o que impossibilita penalizar o Autuado por supostas práticas cometidas por terceiros.
De mais a mais, a dúvida não pode militar em desfavor do Autuado, haja vista que a imposição de multa administrativa possui caráter penalizador, e afigurando-se como medida rigorosa e privativa de uma liberdade pública constitucionalmente assegurada (CF/88, art. 5º, XV, LIV, LV, LVII e LXI), requer a demonstração cabal da autoria e materialidade, pressupostos autorizadores da imposição de sanção.
Assim, na hipótese de constarem nos autos elementos de prova que conduzam à dúvida acerca da autoria delitiva, a nulidade do auto de infração ambiental é medida que se impõe, em observância ao princípio do in dubio pro reo.
Cumpre lembrar que o servidor público está vinculado diretamente ao preceito Constitucional do art. 37[9], orientando que o descumprimento dos princípios ali inseridos, sobretudo o da legalidade, torna nulo os atos administrativos praticados.
Sobre referido princípio, o emérito Professor Carvalho Filho ensina:
O princípio da legalidade é certamente a diretriz básica da conduta dos agentes da Administração. Significa que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Não o sendo, a atividade é ilícita. Tal postulado, consagrado após séculos de evolução política, tem por origem mais próxima a criação do Estado de Direito, ou seja, do Estado que deve respeitar as próprias leis que edita.
O princípio “implica subordinação completa do administrador à lei. Todos os agentes públicos, desde o que lhe ocupe a cúspide até o mais modesto deles, devem ser instrumentos de fiel e dócil realização das finalidades normativas”. […] O princípio da legalidade denota exatamente essa relação: só é legítima a atividade do administrador público se estiver condizente com o disposto na lei.[10]
Di Pietro, comenta o desprestígio do administrador à Constituição:
A consequência é que a evolução do direito administrativo depende, em grande parte, de reformas constitucionais, o que conduz a dois caminhos: (a) um, lícito, que é a reforma pelos instrumentos que a própria Constituição prevê; (b) outro que é feito ao arrepio da Constituição, que vai sendo atropelada pelas leis ordinárias, por atos normativos da Administração Pública e, às vezes, sem qualquer previsão normativa; c) a Administração Pública, com muita frequência, coloca-se na frente do legislador. Daí o desprestígio da Constituição e do princípio da legalidade.[11]
O multisciente Professor Celso Antônio Bandeira de Mello[12] lembra da subordinação da Administração às leis, principalmente à Constituição:
O princípio da legalidade explicita a subordinação da atividade administrativa à lei e surge como decorrência natural da indisponibilidade do interesse público, noção, esta, que, conforme foi visto, informa o caráter da relação de administração. No Brasil, o art. 5º, inciso II, da Constituição dispõe: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Fato incontroverso, é que não há nos autos do processo administrativo, qualquer informação concreta de que o Autuado teria concorrido para as infrações, o que viola o art. 15 da Lei 8.588/2006 regulamentado pelo Decreto 1.651/2013, que:
Art. 15. Constitui infração toda ação ou omissão que importe na inobservância de preceitos estabelecidos nesta lei, ou na desobediência às determinações de caráter normativo dos órgãos ou das autoridades administrativas competentes.
Cediço que a Administração Pública só pode fazer o que está expressamente previsto em lei, ou seja, no caso, o Indea só pode lavrar auto de infração ambiental para quem pratica uma ação ou omissão contrária a legislação ambiental, o que não é o caso, como será melhor delineado nos capítulos seguintes, e que importa na anulação do auto de infração em tela.
4.1. DA NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL POR VÍCIO INSANÁVEL – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO NEXO CAUSAL – VULNERAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INTRANSCENDÊNCIA DAS PENAS
Cediço que a responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais adere à propriedade, como obrigação propter rem, sendo possível cobrar também do atual proprietário, condutas derivadas de danos provocados pelos proprietários antigos.
Porém, a responsabilidade administrativa por dano ambiental é exclusiva do infrator, assim como a criminal, não sendo possível a aplicação de nenhuma sanção a terceiros que não tenham infringido diretamente a legislação ambiental.
É que pelo princípio da intranscendência das penas (art. 5º, inc. XLV, CF/88), aplicável não só ao âmbito penal, mas também a todo o Direito Sancionador, não é possível aplicar auto de infração ambiental a pessoa que não tenha praticado o dano ambiental.
Isso porque, a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.
A diferença entre os dois âmbitos de punição e suas consequências fica bem estampada da leitura do art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81, segundo o qual, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.
O art. 14, caput, também é claro:
Art 14 – Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: […]
Em resumo: a aplicação de multa ambiental limita-se aos transgressores; a reparação ambiental, de cunho civil, a seu turno, pode abranger todos os poluidores, a quem a própria legislação define como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3º, inc. V, do mesmo diploma normativo).
Note-se que a própria lei já define como poluidor todo aquele que seja responsável pela degradação ambiental – e aquele que, adquirindo a propriedade, não reverte o dano ambiental, ainda que não causado por ele, já seria um responsável indireto por degradação ambiental (poluidor, pois).
Mas fato é que o uso do vocábulo “transgressores” no caput do art. 14, comparado à utilização da palavra “poluidor” no § 1º do mesmo dispositivo, deixa a entender aquilo que já se podia inferir da vigência do princípio da intranscendência das penas:
a responsabilidade civil por dano ambiental é subjetivamente mais abrangente do que as responsabilidades administrativa e penal, não admitindo estas últimas que terceiros respondam a título objetivo por ofensa ambientais praticadas por outrem.
Sabe-se que a responsabilidade ambiental gera efeitos nas três esferas: administrativa (multa ambiental), criminal (quando a infração constituir crime o infrator responde um processo judicial criminal) e cível (recuperação do meio ambiente), mas devido a natureza sancionadora, somente a responsabilidade civil é objetiva e solidária, não sendo possível imputar crime ambiental muito menos multa administrativa a terceiro que não tenha concorrido diretamente para o dano ambiental, como é o caso em tela.
Portanto, há de ser considerado por esta d. Comissão de Julgamento de Processos da Defesa Sanitária Vegetal, que o Auto de Infração Ambiental lavrado em desfavor do Autuado é eivado de vícios o que caracteriza sua nulidade, conforme melhor fundamentação a seguir.
4.2. DA ATIPICIDADE DA CONDUTA – AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL LAVRADO CONTRA TERCEIRO – IMPOSSIBILIDADE
Como visto no capítulo anterior, a responsabilidade civil pela Fazenda é do proprietário, e solidariamente do Autuado, ora arrendatário. Tal fato, porém, não atrai a responsabilidade administrativa e criminal do dono de imóvel, e muito menos do Autuado porque estas últimas possuem natureza penalizadora.
Pois bem. Segundo o Auto de Infração Ambiental lavrado pelos agentes de fiscalização do Indea, cujo valor aplicado a título de multa foi de 400 UPF/MT, o Autuado teria praticado a conduta prevista nos artigos 44, XLI e 46, XIV, do Decreto 1.651/2013, in verbis:
Art. 44 São infrações: […]
XLI – utilizar Agrotóxicos, seus Componentes e Afins, sem respeitar as condições de segurança para a proteção da saúde humana e do meio ambiente;
Art. 46 Sem prejuízo das penalidades prevista no artigo anterior, as infrações da presente Lei, seu Regulamento e Atos Normativos ficam sujeitas às seguintes multas, isolada ou cumulativamente: […]
XIV – utilizar agrotóxicos, seus componentes e afins sem os devidos cuidados com a proteção da saúde humana e do meio ambiente – multa de 200 a 600 UPF/MT;
Sobreleva notar, que o Autuado não se enquadra em nenhuma disposição retro. É que o Autuado foi apenas o contratante dos serviços de pulverização aérea de herbicidas, e não poderia cometer as infrações. De igual modo, não aplicou nenhum defensivo como descrito e muito menos pilotou a aeronave. O fato é incontroverso, e consta no campo “irregularidades” do próprio auto de infração ambiental, senão vejamos:
Aplicação aérea de agrotóxicos sobre áreas de proteção permanentes, curso d’água, e sobrevoo na vila da comunidade pé de galinha.
A infração em análise, se realmente existiu, seria própria do causador do dano, ou seja, do piloto da aeronave que descumpriu as normas, tanto o é, que a Instrução Normativa n. 02/2008/MAPA, prevê regras que devem ser cumpridas pelo piloto, como as dispostas na da qual destaca-se o art. 4º:
Art. 4º Nas áreas de pouso e decolagem, deverão ser observados pelas empresas de aviação agrícola, pessoa física ou jurídica, o disposto nos regulamentos aeronáuticos em vigor, no que se refere à utilização e registro das áreas de pouso e decolagem empregadas nos trabalhos de aviação agrícola, sem prejuízo das normas estabelecidas nesta Instrução Normativa, inclusive no que diz respeito à estocagem de produtos, que deverá ser feita em local seguro, no que se refere à operação aeronáutica e contaminação ambiental.
Ademais, o art. 10 da mesma instrução normativa, que visa regulamentar o trabalho da aviação agrícola, disciplina, conforme consignado no auto de infração ambiental lavrado em desfavor do Autuado:
Art. 10. Para o efeito de segurança operacional, a aplicação aeroagrícola fica restrita à área a ser tratada, observando as seguintes regras:
I – não é permitida a aplicação aérea de agrotóxicos em áreas situadas a uma distância mínima de:
a) quinhentos metros de povoações, cidades, vilas, bairros, de mananciais de captação de água para abastecimento de população;
b) duzentos e cinqüenta metros de mananciais de água, moradias isoladas e agrupamentos de animais;
Ora. Sendo o Autuado contratante do serviço de pulverização aérea, é evidente que não poderia ser autuado, pois não possui competência nem aptidão técnica para determinar qual seria a rota de voo da aeronave e demais especificidades necessárias, as quais cabem ao piloto verificar.
Imagine-se, um passageiro do aplicativo Uber ou Táxi fosse responsável pelas infrações de trânsito cometidas pelo motorista? Claro que não! E nem poderia, pois o Código de Trânsito prevê a infração ao condutor infrator. Trazendo essa analogia aos autos, verifica-se que o condutor da aeronave não era o Autuado.
Logo não pode ser acusado de ação ou omissão as regras ambientais. E mais. Não estava no local, nem na cidade. Estava em viagem nacional. Tratava-se de uma contratação para um serviço, assim como o passageiro que contrata o motorista de Uber ou Táxi.
E ainda que fosse diferente, seria necessário que os agentes de fiscalização do Indea descrevessem de forma clara e precisa a conduta realizada pelo Autuado para configuração das infrações, até mesmo para possibilitar o exercício do contraditório e da ampla defesa.
Nesse sentido, é entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que não configura infração administrativa se ausente o dolo ou culpa. À propósito:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DANO AMBIENTAL. AUTO DE INFRAÇÃO. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA. EXIGÊNCIA DE DOLO OU CULPA. MULTA. CABIMENTO EM TESE.
1. Segundo o acórdão recorrido, “a responsabilidade administrativa ambiental é fundada no risco administrativo, respondendo, portanto, o transgressor das normas de proteção ao meio ambiente independentemente de culpa lato senso, como ocorre no âmbito da responsabilidade civil por danos ambientais” (e-STJ fl. 997).
2. Nos termos da jurisprudência do STJ, como regra a responsabilidade administrativa ambiental apresenta caráter subjetivo, exigindo dolo ou culpa para sua configuração. Precedentes: REsp 1.401.500 Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 13/9/2016, AgRg no AREsp 62.584/RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Rel. p/ acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 7/10/2015, REsp 1.251.697/PR, Rel. Ministro. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17/4/2012. 3. Recurso Especial parcialmente provido. (REsp 1640243/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/03/2017, DJe 27/04/2017).
Repise-se, que quando da fiscalização, os fiscais avistaram in loco o sobrevoo, e inclusive consignaram em relatório que a aeronave desligava a barra de aplicação na divisa da propriedade, e depois de manobrar continuava a pulverização, veja:
Os fiscais deslocaram-se até uma das propriedades denunciantes para averiguar as consequências de uma possível deriva de agrotóxicos. Quando no local, foi possível observar a aeronave agrícola aplicando agrotóxicos na Fazenda.
Foi constatado pelos fiscais que aeronave fazia o percurso, durante a aplicação, em direção ao sitio vizinho. A aeronave quando chegava na divisa da propriedade Fazenda desligava a barra de aplicação e seguia o percurso, manobrando sobre a residência do sitio vizinho.
Não há provas de que o Autuado tenha incorrido para os fatos de deriva de herbicida nas propriedades vizinhas, sendo qualquer manutenção do auto de infração ambiental um verdadeiro ato tirânico. Aliás, não há provas as propriedades vizinhas teriam sido afetadas pelas herbicidas, senão mera “provável deriva de agrotóxico”.
Ora! Isso não serve para manutenção do auto de infração ambiental, e nem poderia. Relembre-se os princípios aos quais a Administração está adstrita.
Também não se revela razoável afirmar, que a responsabilidade do Autuado seria resultado lógico de eventual comportamento omissivo de sua parte, pois este, como consabido, só se verifica nas hipóteses em que o agente (suposto poluidor), tendo o dever de impedir a degradação, deixa mesmo assim de fazê-lo, beneficiando-se, ainda que de forma indireta, do comportamento de terceiro diretamente responsável pelo dano causado ao meio ambiente. Isso porque, o Autuado como os próprios fiscais observaram, não estava acompanhando o serviço de pulverização, aliás, não estava na fazenda, ou melhor, na cidade.
O Autuado é consumidor final, e nessa condição, não poderia incorrer naquelas infrações, nem responder por elas. Repise-se, não houve descumprimento das normas de uso de herbicidas, tão pouco concorrência para sua prática ou obtenção de vantagem, conforme indicam os incisos XXXVIII e XXXIX, do art. 41, do Decreto 1.651/2013.
Com a devida vênia, o cometimento de delitos pelos administrados não pode ser imputado diretamente pela autoridade fiscalizadora por simples presunção quando da ausência de flagrante delito e sem o devido processo legal ou investigação. Ou seja, a simples condição de contratante dos serviços de pulverização em propriedade arrendada, não constitui por si só, justa causa à…