Defesa prévia. Queimada, Fogo. Provocar incêndio. Auto de infração ambiental. Multa ambiental. Advogado. Modelo de defesa. Modelo de recurso. Escritório de advocacia de Direito Ambiental.
ILUSTRÍSSIMO SUPERINTENDENTE ESTADUAL DO INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA – ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL
Auto de Infração Ambiental
Termo de Embargo
AUTUADO, brasileiro, casado, produtor rural, inscrito no RG sob o n…, e CPF n…, residente na Zona Rural, S/N, Cidade/UF…, CEP…, vem, à presença de Vossa Senhoria, por seu advogado[1], com fundamento nos art. 69 e seguintes da Instrução Normativa Conjunta n. 02/2020 e art. 113 e seguintes do Decreto 6.514/2008, apresentar
DEFESA PRÉVIA CONTRA AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL LAVRADO POR USO DE FOGO – PROVOCAR INCÊNDIO
em razão do Auto de Infração Ambiental n… e Termo de Embargo n…lavrados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA em 02 de dezembro de 2020, consoante as razões de fato e de direito a seguir expostas.
1. DA TEMPESTIVIDADE DA DEFESA PRÉVIA
A audiência de conciliação foi designada para a data de 05.02.2021, sobrestando o prazo para apresentação de defesa prévia contra o auto de infração ambiental.
Dessa forma, conforme preceito legal do art. 113 do Decreto 6.514/2008[2] c/c § 1º do art. 49 da Instrução Normativa n. 2/2020[3], o prazo para a apresentação de Defesa Prévia contra auto de infração ambiental é de 20 (vinte) dias úteis, contados a partir da data da audiência de conciliação, de modo que a presente defesa se mostra tempestiva.
2. BREVE SÍNTESE DO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL
O requerente é ocupante do lote n… na localidade… no Estado do Mato Grosso do Sul, com área total de 87 hectares. Destes, parte é formada por pastagens plantadas e benfeitorias, e outra se encontra como reserva legal, área de preservação permanente e florestas.
O município em que inserida a propriedade rural, caracteriza-se fortemente pela estrutura fundiária baseada na pequena propriedade rural, tendo a agricultura familiar papel fundamental na participação da economia local e do próprio Autuado, por supostamente utilizar fogo em sua atividade.
O uso de fogo para limpeza de pastagens na região está se tornando prática costumeira. Essa característica tem trazido inúmeros prejuízos ao meio ambiente, a população e, sobretudo, a produtores familiares que tem na pequena parcela de terra, sua única fonte de renda para sustento da família.
Nesse contexto, parte dos produtores, pela possibilidade de “camuflagem” diante do grande número de pequenas propriedades, optam pela utilização do fogo e, por conseguinte, provocam focos de incêndio em vários locais simultaneamente.
Assim sendo, os vários focos de incêndio provocados simultaneamente por poucos produtores, com o favorecer das condições ambientais em épocas de estiagem, provocam queimadas em grandes extensões de terras acima dos limites das propriedades dos agentes causadores do fogo.
Não obstante, produtores que não tem nessa pratica a maneira de conduzir a propriedade rural, acabam sendo marginalizados no processo de fiscalização ambiental, ou seja, são caracterizados como sujeitos passivos da infração.
Nessa indevida caraterização, o autuado, pequeno produtor rural, foi autuado pela equipe de fiscalização do Ibama por suposta prática de uso de fogo ou provocação de incêndio em sua propriedade, conforme extrai-se do auto de infração ambiental n… e termo de embargo n…, que resultou na aplicação de multa ambiental no valor de R$ 232.500,00.
Ocorre que, o polígono anexo ao auto de infração denuncia que o fogo não foi induzido pelo autuado, porque oriundo de outra propriedade pelas condições de vento à época, mas não tem condições para identificar, nem conhecimento de quem possa ter o provocado o incêndio.
Fato é, que o fogo causou prejuízos não apenas em sua propriedade rural, mas em várias outras pequenas propriedades vizinhas. A análise dos fatos destaca evidências de que o autuado não provocou a conduta descrita no auto de infração ambiental.
2.1. DO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL LAVRADO POR PROVOCAR INCÊNDIO
Segundo consta no auto de infração em epígrafe, no dia 03.12.2020, o autuado teria incidido na conduta infracional de:
Destruir 31 hectares de floresta nativa, na região amazônica objeto de especial preservação, com uso de fogo, sem a licença do órgão ambiental competente, conforme polígono.
O auto de infração ambiental foi lavrado como incurso nos artigos 70 e 72 da Lei 9.605/98, e, artigos 3º, 50 e 60 do Decreto 6.514/08, assim redigidos:
Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente. […]
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º: […]
II – multa simples;
Art. 3º As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções: […]
II – multa simples;
Art. 50. Destruir ou danificar florestas ou qualquer tipo de vegetação nativa ou de espécies nativas plantadas, objeto de especial preservação, sem autorização ou licença da autoridade ambiental competente:
Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por hectare ou fração.
Art. 60. As sanções administrativas previstas nesta Subseção serão aumentadas pela metade quando:
I – ressalvados os casos previstos nos arts. 46 e 58, a infração for consumada mediante uso de fogo ou provocação de incêndio;
Entretanto, a narrativa posta pela equipe de fiscalização do Ibama não retrata a veracidade dos fatos, razão pela qual o auto de infração ambiental merece ser declarado nulo, com o devido desembargo da área, conforme será demonstrado.
3. DO MÉRITO DA DEFESA PRÉVIA
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, trata do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, definindo no §1°, a incumbência do Poder Público a assegurar a efetividade desse direito, como segue, in verbis:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
Veja que a Constituição incumbe ao Poder Público, o dever de assegurar a promoção da educação e conscientização ambiental.
Para tanto, a conscientização e, sobretudo, a educação ambiental não se faz por ação forçada, pelo julgo compulsório de instituir réu sem a análise dos fatores que compõe a infração ao meio ambiente.
Ademais, não se pode ater a infração isolada sem a devida atenção aos fatos que motivaram a ação. O que se busca pela redação dada é – independentemente da existência ou não da motivação -, o sujeito passivo à imposição de sansão.
Pois bem. A motivação é algo inerente ao ser humano, apresentando-se de diferentes formas, desde o planejamento à concepção propriamente dita, ou seja, por nossa habilidade de se racionalizar os fatos, podemos estimar as consequências que determinada ação acarreta.
Assim como a motivação pode travar decisões entre diferentes formas de se realizar determinada atividade, temos também, o dever de considerar esta relação no julgamento de condutas.
A identificação dessa motivação, portanto, apresenta-se como ferramenta determinante na análise do conjunto de ações que coincidiram nas consequências.
Dessa maneira, possível observar a aplicação justa na forma da Lei, através da identificação do real motivo que causou a realização de um fato para, só então, impor uma penalidade, caso seja a ocasião.
Feita essa digressão e analisando os autos, verifica-se que as condições que dispuseram à aplicação da sansão ao autuado, produtor rural, não direciona a uma motivação, limitando-se apenas a dar o enquadramento de conduta, como transcreve a descrição da infração antes citada.
O enquadramento de um indivíduo pela simples relação com o local da infração não pode ser usada como pressuposto de validação de sujeito passivo, ou seja, não se fundamenta legalmente, pois tenta validar, antes da análise dos pressupostos de fatos e de direito, o suposto agente da infração, por mera suposição ou ilação.
Ainda, a motivação é o exame das questões de fato e de direito, onde se constrói as bases lógicas da parte decisória.
É onde se fixa as premissas da decisão após laborioso exame das alegações relevantes que as partes formularam, bem como do enquadramento do litígio nas normas legais aplicáveis. Vale ressaltar, no entanto, que se trata de enquadramento genérico.
Pela motivação, o fiscal ambiental deve justificar sua ação, indicando os fatos (pressupostos de fato) que ensejam o ato e os preceitos jurídicos (pressupostos de direito) que autorizam sua prática.
Contudo, a decisão de lavrar auto de infração ambiental em face do autuado, simples produtor rural que sofreu irremediável prejuízo com o fogo, não analisou devidamente os pressupostos de fato, limitando-se a indicar o direito, que não é absoluto.
3.1. DOS PRESSUPOSTOS DO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL
Diante das informações levantadas pelo autuado, o fogo que atingiu a área referenciada pelo polígono em anexo ao auto de infração ambiental, não trouxe em nenhum momento, qual a vantagem que o fogo causou ao autuado ou ao sistema familiar de produção que conduz.
Pelo contrário, na situação, além dos prejuízos ambientais à área de reserva florestal e de preservação permanente que mantinha na propriedade, o fogo provocou perdas significativas também nas instalações, pastagens, e, inclusive, a morte de animais do rebanho.
Outro prejuízo econômico evidenciado, diz respeito a pequena parcela de terra que tem no cultivo de espécies forrageiras utilizadas como fonte alimentar do rebanho bovino, destruída pelo fogo.
Não obstante, cercas para contenção do gado também foram atingidas pelo fogo, causando à perda quase que completa.
Por outro lado, as iniciativas tomadas de imediato pelo autuado no sentido de contenção dos danos, conseguindo inclusive, a contenção do fogo, aliada a medidas que contribuem para o equilíbrio do ambiente de produção familiar e natureza vem de encontro com a premissa de conscientização e preservação ambiental, ao contrário da perspectiva de agente causador da suposta infração.
3.2. DO SUJEITO PASSIVO
In casu, a suposta infração ambiental praticada na área não contou com a anuência do produtor familiar ora autuado. Não se pode inverter os fatos por mera presunção.
Afinal, como quedou destacado nas linhas anteriores, a postura do autuado antes da passagem do fogo na propriedade, já era de prática, mesmo que inconsciente, de preservação e recuperação de recursos naturais.
Acrescente-se, ademais, que o autuado, produtor familiar, tem na atividade agrícola sua fonte principal fonte de renda, restringida à área da propriedade, sua matriz produtiva de subsistência e de geração de renda para incremento de qualidade de vida à sua família.
O autuado manifestou ainda, de forma espontânea a contenção do dano, pois, além da degradação ambiental, houve perda de alimento para rebanho bovino da propriedade acarretando em prejuízos financeiros pela necessidade de alugar pastos em áreas de terceiros.
Não menos importante, o baixo grau de escolaridade do autuado (produtor familiar, analfabeto, que nunca frequentou escola), com consequente limitação de instrução, não impediu a colaboração com a fiscalização, nem ofereceu resistência, e concedeu livre acesso a propriedade, além da pronta apresentação de documentação solicitada pelos agentes de fiscalização.
O produtor manifestou ainda o comprometimento na recuperação dos danos que o fogo que invadiu a propriedade casou, mesmo tendo sido provocado por terceiro, porque é de seu interesse recuperar a área para a manutenção do seu rebanho e da sadia qualidade de vida de sua família.
Portanto, o sujeito passivo da respectiva multa deve ser a pessoa física que pratica a conduta descrita na norma, na qual sem a convergência dos elementos de pressuposto de fato não se aperfeiçoa o ato e, consequentemente, não terá condições para produzir efeitos válidos e, por conseguinte, a multa é nula, pois foi aplicada contra quem não a devia.
3.3. DA NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO POR VÍCIO INSANÁVEL
Está pacificado na jurisprudência, sobretudo naquela do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que a responsabilidade administrativa por dano ambiental é exclusiva do infrator, ou seja, não é possível aplicar sanções a terceiros que não tenham infringido diretamente a legislação ambiental.
É que a responsabilidade civil de reparar o dano difere da responsabilidade administrativa decorrente de multa aplicada pela prática de infração ambiental, sendo que apenas a primeira pode ser imputada de forma objetiva, por ofensas ambientais praticadas por terceiros.
Assim, se não ficar demonstrado o nexo causal entre as ações e os danos ambientais descritos no auto de infração impugnado, não há como imputar ao autuado a responsabilidade pelo fogo ou incêndio na propriedade, muito menos aplicar a respectiva sanção aplicada.
Tal entendimento jurisprudencial está em sintonia com o princípio elencado no art. 5º, inc. XLV, Constituição Federal, traduzido pela intranscendência das penas, e plenamente aplicável ao direito administrativo por força da sua natureza penalizadora.
E que nem se cogite a presunção de legitimidade do ato administrativo, porque não há como se aplicar sanção ao autuado, por utilização de fogo, porque não comprovado o nexo de causalidade entre o comportamento do agente e o resultado danoso.
Não obstante, resta ausente qualquer informação sobre a origem e a autoria do incêndio provocado, que não pode ser imputada ao autuado, justamente porque a responsabilidade administrativa ambiental é de índole subjetiva, aferida, portanto, mediante a comprovação da culpa.
Na hipótese dos autos, inviável atribuir ao autuado a prática da infração ambiental quando ausente prova de que tenha, criminosamente, provocado o incêndio em questão ou praticado qualquer ato causador dos danos na vegetação.
Frise-se que o incêndio que atingiu parcialmente a propriedade do autuado teve origem desconhecida e atingiu várias outras propriedades rurais vizinhas, destruindo por completo a as pastagens e espécies forrageiras que seriam utilizadas para alimentar o gado.
Evidentemente, a descrição da infração tipifica conduta comissiva que não foi perpetrada pelo autuado, porquanto o nexo causal entre o dano ambiental e qualquer comportamento vedado pelo ordenamento não ficou demonstrado pela equipe de fiscalização do Ibama.
Ora. O simples fato de o incêndio que provocou os alegados danos ambientais ter ocorrido em imóvel do autuado não permite a configuração do nexo causal capaz de torná-lo responsável por tais atos.
Rememore-se que, a aplicação de sanção pela Administração Pública consiste em ato administrativo, baseado em poder de polícia ambiental e que goza de presunção de legalidade e legitimidade, a qual não é absoluta.
No entanto, tal presunção foi ilidida ante a ausência de demonstração de que o fogo tenha se originado na propriedade do autuado, verificando-se equivocada a autuação pela prática da infração ambiental descrita.
À fiscalização cabia, portanto, ter constatado não apenas o fato de ter havido queima de área ou floresta, mas identificar a origem do fogo e a autoria do dano ambiental, antes de atribui-la a quem quer que seja.
Se a versão era de que o fogo se iniciou, clandestinamente, na propriedade do autuado, a fiscalização deveria ter levantado o local de origem do incêndio, para poder questionar depois eventual defesa do autuado que, inclusive, neste aspecto, junta relatórios e prova de suas alegações.
Enfim, o contexto probatório é suficiente para elidir a presunção em favor do ato administrativo, pois não se pode confundir responsabilidade objetiva por danos ao meio ambiental com a falta da própria causalidade, na medida em que não provado que o autuado iniciou o fogo, incêndio ou queimada, como constou do auto de infração.
Não houve, cabe lembrar, a imputação de qualquer outra infração, como a de que teria se omitido quanto à adoção de medidas de prevenção contra incêndio para efeito de tornar subsistente a responsabilidade pelos danos ambientes ocorridos.
Portanto, não sendo possível imputar ao autuado conduta praticada por terceiro, ainda que desconhecido, por supostos danos ao meio ambiente, o auto de infração ambiental afigura-se eivado de vícios, sobretudo pela ausência de autoria, o que caracteriza sua nulidade nos termos do art…