Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz Federal da Vara Federal da Subseção Judiciária de…
Parte autora, brasileiro (a), estado civil, profissão, inscrito (a) no RG sob o n… e CPF…, residente e domiciliado (a) na Rua…, n…, Bairro…, Cidade/UF, CEP…, endereço eletrônico…, vem, por seus advogados, à presença de Vossa Excelência, propor a presente ação anulatória de auto de infração ambiental por ausência de provas de materialidade e de autoria da infração com pedido de tutela de urgência inaudita altera pars contra a Parte ré, pessoa jurídica, inscrita no CNPJ n…, com sede na Rua…, n…, Bairro…, Cidade/UF, CEP…, endereço eletrônico…, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.
Resumo Estruturado
A fim de facilitar a compreensão deste Juízo, os causídicos resumem, em poucas linhas, a teses esmiuçada na inicial, qual seja, nulidade da multa aplicada no auto de infração, em razão da inexistência de provas quanto à materialidade e autoria dos fatos, na medida em que sequer foi confeccionado um relatório de fiscalização demonstrando o nexo causal, com os elementos mínimos exigidos pela lei no caso em concreto;
Em sede liminar, requer-se a suspensão dos efeitos da multa e, via de consequência, a suspensão da cobrança nos autos da execução fiscal sob o n…, bem como a determinação de emissão de certidão de débitos fiscais positiva com efeitos de negativa em favor da parte autora.
Premente, portanto, a necessidade de suspensão de atos executórios, ante o valor expressivo da sanção eivada de vícios na sua apuração e já prescrita, em total desrespeito às normas legais, o que impõe o dever de reconhecimento de ofício das nulidades apontadas e da prescrição da pretensão punitiva estatal.
1. Síntese dos fatos
A parte autora é produtora rural senda proprietária do imóvel rural que, em 00.00.0000 o agente de fiscalização a parte autuada em razão da suposta conduta de destruir ou danificar 00,000 hectares de floresta nativa com utilização de fogo, sem autorização da autoridade ambiental competente, ocasião em que fora lavrado o auto de infração, com cominação de multa simples no importe de R$ 000.000,00 à época, que devidamente atualizado para a presente data perfaz o montante de R$ 000.000,00.
Para apuração da suposta infração ambiental instaurou-se o processo administrativo, o qual tramitou integralmente à revelia da parte autuada e foi arquivado na data de 00.00.0000, vez que o débito foi enviado para cobrança judicial e atualmente tramita nos autos da execução fiscal.
Ocorre que, conforme se demonstrará em tópicos próprios, no referido processo administrativo inexistem provas quanto à materialidade e autoria dos fatos, na medida em que sequer há um relatório de fiscalização pormenorizado, no qual se evidenciaria a materialidade, a autoria e o nexo causal.
É dizer: não existem elementos probatórios mínimos para dizer que a parte autora cometeu algum ilícito ambiental que possa se enquadrar na imputação feita pelo Estado
Ainda, é certo que a área autuada é reconhecida como área consolidada, de modo que inexiste desmatamento ou destruição de floresta nativa por meio do uso de fogo, tornando assim atípica a conduta imputada e evidenciando o vício na autuação, o que, por consequência, macula o processo administrativo.
Demais disso, verifica-se que nos autos de apuração houve clara violação aos princípios constitucionais do devido processo legal e da garantia ao contraditório e a ampla defesa, mormente pela ausência de notificação pessoal da parte autuada, mesmo a parte ré tendo acesso a bancos de dados nos quais constavam o seu endereço correto.
Logo, exsurge a necessidade de intervenção judicial para resolução da pendência e correção da ilegalidade. Frisa-se, por oportuno, que o Poder Judiciário tem a competência e o dever de intervir quando o ato for nulo, isso sem usurpar competência ou violar a independência e autonomia dos poderes, por configurar flagrante arbitrariedade.
Desta feita, sendo certo que a multa aplicada no auto de infração pode atingir o patrimônio da parte autora e encontra-se maculada pela violação aos princípios constitucionais do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa no decorrer da instrução do processo administrativo que a apurou, pela ausência provas quanto a materialidade e a autoria dos fatos, a declaração de sua nulidade é medida que se impõe.
2. Da ausência de provas de materialidade e de autoria – Vulneração dos princípios do contraditório, da ampla defesa e da motivação
Ab initio, imperioso consignar que o auto de infração ambiental está previsto nos artigos 70 a 76 da Lei Federal 9.605/98 e pode ser lavrado por agente ambiental designado para atividade de fiscalização, contra pessoas físicas e jurídicas que, por meio de uma ação ou omissão, violem as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
É o auto de infração que inaugura o processo administrativo destinado à apuração da infração ambiental, tratando-se, pois, de um documento público formal e que, por isso, deve conter requisitos mínimos de validade.
Ele é oriundo do exercício do poder de polícia que detém a administração pública e, por ser da espécie de atos administrativos punitivos e limitativos de direito, são vinculados à lei e devem respeitar, integralmente, o princípio da legalidade.
Dentre os requisitos de validade do auto de infração previstos na norma ambiental estão: ser lavrado em formulário próprio, sem emendas ou rasuras, com a identificação da parte autuada, a descrição clara e objetiva da infração administrativa constatada, a indicação dos dispositivos legais e regulamentares infringidos e as sanções e medidas administrativas cautelares aplicadas.
Referido documento deve conter, também, a descrição das circunstâncias que levaram a constatação da infração ambiental e a identificação da autoria, que se baseia na demonstração da relação da infração com a conduta da parte autuada, comissiva ou omissiva, e o seu elemento subjetivo, além do registro da situação por fotografias, vídeos, mapas, termos de declaração ou outros meios de prova.
Nele ainda deve constar os critérios para fixação da multa, a identificação do dano ambiental e dos responsáveis pela reparação e quaisquer outras informações consideradas relevantes para a caracterização da responsabilidade administrativa, que é de natureza subjetiva.
Assim, o preenchimento dos requisitos para lavrar o auto de infração é fundamental, porquanto deve ser assegurado ao infrator o devido processo legal, com direito ao contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos a eles inerentes, conforme expressamente previsto na Constituição Federal (art. 5º, LIV e LV), na Lei Federal 9.605/98 (art. 70, §4º) e Lei Federal 9.784/99 (art. 2º), de modo que considera-se que a descrição de infração que omite informações importantes para o pleno exercício do direito de defesa contém vício formal e insanável, o que conduz à nulidade do auto. É o presente caso.
Especificamente no caso de áreas irregularmente desmatadas ou queimadas, o agente ambiental autuante deve colher todas as provas possíveis de autoria e materialidade no ato da fiscalização, bem como a extensão do dano, podendo se apoiar em documentos, fotos e dados de localização, incluindo as coordenadas geográficas da área para posterior georreferenciamento.
Isso tudo porque as sanções administrativas possuem caráter penalizador e afiguram-se como medidas rigorosas e privativas de uma liberdade individual constitucionalmente assegurada, de modo que exigem a demonstração cabal da materialidade e da autoria, com a comprovação da ocorrência do dano ambiental e do dolo ou culpa, por força da teoria da culpabilidade, ou seja, deverá ser comprovado o elemento subjetivo do transgressor, além da demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano efetivamente causado.
Sendo assim, é fundamental a descrição clara e objetiva da infração, pois é a partir dos fatos narrados que o administrado poderá exercer seu direito de defesa. A partir do momento em que esta descrição é genérica e insuficiente, inviável se torna o exercício desse direito, como é o caso dos autos.
Ademais, consigna-se que há infrações administrativas que, para sua configuração, a própria lei – neste caso o Código Florestal (art. 38, §3º) e o Decreto Estadual 1.436/2022 (art. 9º, parágrafo único) – exige expressamente o estabelecimento de nexo causal para apuração da responsabilidade pela infração, a exemplo da infração de fazer uso de fogo sem autorização, como é o caso dos autos. Vejamos:
Lei 12.651/2012 (Código Florestal). Art. 38. § 3º Na apuração da responsabilidade pelo uso irregular do fogo em terras públicas ou particulares, a autoridade competente para fiscalização e autuação deverá comprovar o nexo de causalidade entre a ação da proprietária ou qualquer preposto e o dano efetivamente causado.
Decreto Estadual 1.436/2022. Art. 9º O relatório de fiscalização deverá conter:
I – a descrição das circunstâncias que levaram à constatação da infração ambiental e à identificação da autoria;
II – o nexo de causalidade entre a situação infracional apurada e a conduta do infrator identificado, comissiva ou omissiva;
III – o registro dos meios de prova, evidências materiais, documentais ou testemunhais coletadas, aptos à demonstração dos elementos do tipo infracional cometido e à realização do cálculo para dosimetria da sanção;
IV – os critérios utilizados para a fixação da sanção administrativa da pena;
V – a identificação clara e objetiva do dano ambiental;
VI – as circunstâncias agravantes e atenuantes; e
VII – todos e quaisquer outros elementos considerados relevantes para a caracterização da responsabilidade administrativa.
Parágrafo único. No caso de infração pelo uso irregular do fogo em terras públicas ou particulares, o relatório de fiscalização deverá demonstrar a ação ou omissão verificada, o nexo de causalidade entre a conduta do infrator ou qualquer preposto e o dano causado.
Deste modo, não estabelecida a conexão entre como e de que forma a conduta da alegada parte transgressora contribuiu para o dano ambiental, não está autorizada a lavratura de auto de infração apenas porque a parte autuada é proprietária ou possuidora da área da suposta infração.
Até mesmo porque não se pode olvidar que a passagem de fogo pelas propriedades, muitas das vezes, é acidental.
No caso sob exame, não há provas ou evidências de que a suposta infração ocorreu na propriedade da parte autora; não há menção das coordenadas geográficas que delimitariam o polígono de ocorrência da infração ambiental; sequer há imagens da suposta cicatriz de queima “constatada” dentro da propriedade rural da parte autora, bem como não há qualquer indicativo relacionando a ação da proprietária e o dano ambiental supostamente causado.
De plano, verifica-se que inexiste o cumprimento do art. 38, §3º, do Código Florestal que impõe ao Estado o dever de comprovar o nexo causal em caso de infrações pelo uso irregular de fogo.
Esmiuçando o alegado, registra-se que tanto no auto de infração lavrado quanto no seu respectivo parecer técnico, os agentes da equipe de fiscalização não indicaram as coordenadas georreferenciadas do local da infração.
O auto de infração limitou-se a fazer menção ao parecer técnico, no qual a equipe de fiscalização também não indicou as coordenadas georrefenciadas do local da infração, constando apenas que “foi detectada uma cicatriz de queima de 00,00 hectares dentro do perímetro da área da propriedade rural total da Fazenda, sendo subdividido em dois polígonos, um fora da área de reserva legal de 0,000 hectares e um dentro da área de reserva legal com 00,00 hectares”. Nem mesmo foi juntado algum mapa para verificar se o dano se deu na propriedade da parte autora.
Frisa-se que no auto de infração, que instrui os autos do processo administrativo, apura-se, tão somente, a suposta destruição da vegetação em área de reserva legal (00,000ha).
A descrição sumária lançada no auto de infração vergastado, somada à inexistência de documento, a exemplo de um relatório de fiscalização pormenorizado, que permita que se identifique e delimite a área objeto da autuação, as espécies de vegetação que tenham sido destruídas, obstam a demonstração segura da materialidade da infração.
No mesmo sentido, também violam o direito ao contraditório e ampla defesa, vez que não há como a parte autuada saber com clareza qual a área que teria ocorrido os fatos a si imputados, se realmente dentro da propriedade, qual a dimensão do suposto dano, tampouco saber se o número de hectares indicados no auto de infração corresponde com a dosimetria do valor da multa imposta.
Com efeito, a indicação das coordenadas georreferenciadas é requisito fundamental para delimitação do local de ocorrência da infração ambiental, sobretudo para que a parte autuada tenha ciência exata do fato que lhe é imputado, sob pena de cerceamento de defesa.
Não há nos autos do processo administrativo, também, nenhum indicativo que tenha sido a parte autuada a responsável pelo suposto dano, qual a conduta efetivamente desempenhada por ela, nem mesmo que havia vegetação nativa na área autuada ou que ela seria realmente área de reserva legal.
O que se vê, é uma imputação genérica que não permite aferir qual o dano (se é que ele existe!) e se ele foi causado pela parte autuada.
É bom salientar que para o direito administrativo sancionador, não basta a mera indicação de dispositivos violados, vez que no auto de infração ambiental deve constar a descrição de todos os fatos que constituírem a infração ambiental por ocasião do ato fiscalizatório, somado aos elementos probatórios que…