Excelentíssimo (a) Senhor (a) Doutor (a) Juiz (a) Federal da Vara Federal da Subseção Judiciária de
Parte autora, brasileiro (a), estado civil, profissão, inscrito (a) no RG sob o n… e CPF…, residente e domiciliado (a) na Rua…, n…, Bairro…, Cidade/UF, CEP…, endereço eletrônico…, vem, por seus advogados, à presença de Vossa Excelência, propor ação ordinária para restituição de posse de animal com pedido de tutela de urgência contra Parte ré, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ n…, com sede na Rua…, n…, Bairro…, Cidade/UF, CEP…, endereço eletrônico…, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.
1. Da síntese dos fatos
A autora possui uma filha veterinária, a 18 anos foi deixando abandonado um papagaio que estava doente, sem quase nenhuma pena. Seu estado de saúde era tão debilitado que a autora necessitou por longo período triturar girassol, fazer papinha e dar na boca, além de ração e outros alimentos, vitaminas, estando condenado à morte caso não houvesse carinho e tratamento.
O animal se recuperou, e ao longo do tempo passou a desenvolver afeto com a autora, interagindo com filhos, falando e cantando, mantendo-se alegre, possuindo uma rotina totalmente adaptada.
Há até indício que o mesmo tenha sido nascido e criado em cativeiro antes de ir para a casa da autora, mas não tem conhecimento sobre o fato, considerando ter encontrado o mesmo abandonado e doente.
Quanto as maritacas, também ocorreu da mesma forma, sendo abandonada na clinica veterinária, toda machucada , levando mais de dois meses para colocar o pezinho no poleiro, passou a ter cuidados necessários com a autora, recuperando-se e desenvolvendo afeto em residência, sendo que a mesma era totalmente domesticada.
A filha da autora, que é veterinária, vai a casa da autora 3 vezes ao dia, por morarem bem próximos, possuindo cuidados veterinários contínuos.
Todas as manhãs os animais dão bom-dia a autora, e por ela são cuidados e amados, sendo a companhia da autora referidos animais.
Como o próprio auto de apreensão, todos os animais são bem cuidados e tratados, não possuindo qualquer empecilho para que se mantenham sob a guarda de terceiros ou em zoológico.
Destaca-se que os referidos animais foram apreendidos e enviados ao zoológico municipal do parque do Estoril, neste município de São Bernardo do Campo.
Tanto o papagaio, que convive a 18 anos com a autora e as maritacas a mais de 4 anos, estavam habituados a conviver com os familiares, pois há muito tempo estava com eles, sempre alegre, cantando, assobiando e chamando, entretendo o ambiente.
Sempre identificava quando a família chegava em casa, fazendo uma festa. Inclusive sempre chama pelo nome da autora, além de utilizar de fazes cotidianas.
Ademais, existia rotina de cuidados com eles; toda manhã era realizada limpeza em suas gaiolas, troca de água, alimentação com sementes, girassol, grãos e frutas; no almoço, arroz e verduras; a tarde e a noite, sempre a fartura de frutas, sementes e grãos.
Em dias de muito calor, borrifava água nele e ele continuava o “banho” dentro da vasilha de água.
Os animais a noite e dias de frio eram recolhidos em lugar aquecido, geralmente dentro da residência da autora.
Muitas vezes permanecia na gaiola, principalmente quando não havia ninguém em casa, para que ficassem protegidos de predoradores.
Não fosse isso, há o valor sentimental da convivência com o animal, acredita-se que o papagaio não mais poderá ser reitegrado a natureza, devido estar a mais de 18 anos em cativeiro, portanto, será mantido em cativeiro pelo resto de sua vida.
Assim, a presente ação é proposta porque a Requerente pretendem obter a guarda do “Louro” e das Maritacas, pois os agentes compareceram no domicílio dos Requerentes e apreenderam o “Louro”, com fundamento no DM 20041/17, ART. 62.
Segundo informado, os animais foram levados para o Zoológico Municipal Estoril.
A Requerente compareceu até o local, onde foi informada que ninguém pode ter acesso aos animais.
Assim, desde a apreensão, a requerente tem buscado, em vão, saber como estão os animais, bem como vê-los, que, seja pessoalmente, seja via atendimento telefônico, não deixam que a família verifique a situação dos animais, pois eles são muito apegados e devem estar sofrendo muito com a ausência de todos.
Fato é que ao longo dos mais de 18 anos de vida, o Louro e aproximadamente 4 anos as maritacas estão totalmente ambientado ao meio doméstico, onde são cuidado, corretamente alimentados e acarinhados pela família.
A brusca apreensão como se deu, por certo, coloca em risco a saúde e bem-estar emocional do Louro e maritacas (análise feita pelo Poder Judiciário na decisão em anexo), o que, somado ao sentimento de tristeza dos Requerentes e sua família, motivam o ajuizamento da ação com a esperança de que será deferida a liminar a seguir pretendida.
2. Do pedido de tutela de urgência
Excelência, não se discute aqui, nem pretendem os Requerentes validar pela via judicial a situação de guarda de animal da fauna silvestre, mas sim fazer cessar a situação de risco a que estão sendo submetidos o Louro e maritacas, já que se trata de animal ambientado ao meio doméstico, que estabeleceu relação de confiança e carinho com a família, sendo inviável a recolocação ao habitat natural, assim como é inviável deixá-lo em cativeiro diverso do ambiente de conforto e acolhimento ao qual viveu por mais de 18 anos o papagaio verdadeiro e 4 anos as maritacas.
Entende a reclamante, concessa venia, que a situação em si já traz em seu conteúdo todos os contornos da urgência com que devem ser adotadas medidas visando à preservação da integridade física do Louro.
Mesmo assim, cumprindo o que determina o Código de Processo Civil, os Requerentes merecem obter a guarda do Louro e das maritacas de maneira liminar, considerando que presentes o os requisitos legais para sua concessão :
- Há prova inequívoca de que faz mais de 18 anos que os Requerentes e sua família cuidam do Louro e mais de 4 anos da maritaca,
- Há prova inequívoca da apreensão dos animais;
- Há prova inequívoca de que se trata de animal bem cuidado e ambientado ao meio doméstico, conforme fotos em anexo e apreensão dos animais;
- Sendo animal adaptado ao meio doméstico, há fundado receio de dano irreparável porque o estresse ao qual é submetido o animal com sua retirada do seu habitat, pode levá-lo à óbito, dada a sensibilidade e fragilidade desta espécie de ave (vide documento em anexo, análise feita pelo MM. Desembargador Samuel Junior, por ocasião da ação civil pública em caso semelhante que julgou improcedente referida ação, mantendo o papagaio com a Ré);
Soma-se a estes, ainda:
- O fato de que o papagaio convive com a Requerente antes da entrada em vigor da Lei qual originou a apreensão dos mesmos.
- A reversibilidade da tutela, caso concedida, já que o Requerente ficará como fiel depositária dos animais, ou se responsabilizarão pela Ave a qualquer título que o Estado Judicial lhe impuser, o que viabilizará a apreensão dele novamente, caso o Judiciário assim entenda ao final do processo;
- Por fim, a medida adotada pelo Estado contraria a razoabilidade do ato administrativo, já que o Estado pode, no momento da aplicação da Lei, ponderar se aquele ato é adequado e harmonioso ao contexto fático. Em outras palavras, pondera-se se é razoável retirar um papagaio e maritacas emocionalmente vinculado ao seu mantenedor, que goza de boa saúde, para deixá-lo enjaulado em local desconhecido, sem a menor referência de afeto, tudo para cumprir a letra fria da Lei?
Lei está, aliás, vigente posterior de quando a relação entre os animais e a Requerente já existia
Certamente, não é razoável! Podemos verificar que a demora em retomar a posse do animal acarreta sérios prejuízos, com iminente perigo de morte do animal.
O animal domesticado sente a falta de seu ambiente doméstico, pois ali está há tempos, muito bem ambientado, acostumado, seja com as pessoas, com o tratamento que lhe é dado, a alimentação etc.
A depressão afeta não só as pessoas que possuem a posse desses animais, como no caso da Requerente, mas também o animal, que acaba não se alimentando, não tendo os cuidados necessários e de costume, ficando completamente desolados.
Nesse sentido, torna-se necessário a concessão com URGÊNCIA da tutela, como forma de cumprimento estrito da lei, que tem o cunho da proteção ambiental em todos os sentidos, não deixando que a presente situação venha ter o desfecho avassalador.
jurisprudência dos Tribunais Superiores é uníssona em abrigar a pretensão da Requerente como medida de proteção aos animais que se encontram em situação semelhante à de Louro.
A Requerente compareceu várias vezes ao zoológico, local em que os pássaros foram levados, para tentarem ver, porém, não lhes foram permitido acesso.
Assim Excelência, pede-se que em caráter liminar, seja concedida inaudita altera parte, a tutela antecipada, deferindo aos Requerentes a guarda do Louro, nomeando-os como fiéis depositários e autorizando a obter a sua posse direta, a fim de trazê-lo novamente ao ambiente doméstico.
3. Do mérito
É certo que a guarda de animais silvestres como animais de estimação é uma realidade que não pode ser desprezada.
Trata-se de uma questão complexa, pois envolvem fatores como o bem-estar animal, aspectos culturais, afetivos, econômicos etc.
Dentre tantos fatores, há aquele que se destaca, pois realmente importa: o que é melhor para o bem-estar animal? Certamente, o melhor para o animal silvestre é viver em seu habitat natural.
Porém, tanto o papagaio, como as maritacas há muito são criados fora desse meio, bem como há indícios que são de cativeiro desde seu nascimento, de modo que sua reinserção ao habitat natural será, na prática, a decretação de sua sentença de morte, já que, conforme podemos observar nas fotos acostadas aos autos, eles estão completamente adaptados ao ambiente doméstico.
A Requerente junta decisões exaradas pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça e pelo Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, que ratificam o quanto acima sustentado, assim como pede licença para colacionar os seguintes arestos:
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. APREENSÃO DE PAPAGAIO. ANIMAL ADAPTADO AO CONVÍVIO DOMÉSTICO. POSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DA POSSE DO RECORRIDO. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO- PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ. 1. In casu, o Tribunal local entendeu ser “questionável se a retirada do animal do cativeiro doméstico efetivamente atende ao seu bem-estar. Pelo tempo de vida doméstica e pela sua completa adaptação ao meio em que vive, difícil identificar qualquer vantagem em transferir a posse para um órgão da Administração Pública” (fl. 280, e-STJ). Vale dizer, a Corte de origem considerou as condições fáticas que envolvem o caso em análise para concluir que o animal deveria continuar sob a guarda do recorrido, uma vez que era criado como animal doméstico. 2. Ademais, a fauna silvestre, constituída por animais “que vivem naturalmente fora do cativeiro”, conforme expressão legal, é propriedade do Estado (isto é, da União) e, portanto, bem público. In casu, o longo período de vivência em cativeiro doméstico mitiga a sua qualificação como silvestre. 3. A Lei 9.605/1998 expressamente enuncia que o juiz pode deixar de aplicar a pena de crimes contra a fauna, após considerar as circunstâncias do caso concreto. Não se pode olvidar que a legislação deve buscar a efetiva proteção dos animais, finalidade observada pelo julgador ordinário. Incidência da Súmula 7/STJ. 4. Agravo Regimental não provido. (STJ – AgRg no AREsp: 345926 SC 2013/, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 25/03/2014, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/04/2014) (Grifo nosso) ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. APREENSÃO DE PAPAGAIOS. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 1º DA LEI 5.197/1997 E DO ART. 25 DA LEI 9.605/1998. INEXISTÊNCIA. 1. Hipótese em que o recorrido impetrou Mandado de Segurança contra a apreensão de dois papagaios que viviam em sua residência havia 25 anos. 2. O Tribunal de origem, após análise da prova dos autos, constatou que os animais foram criados em ambiente doméstico, sem indícios de maus-tratos, tendo consignado não se tratar de espécie em extinção. Dessa forma, concluiu que as aves deveriam continuar sob a guarda do impetrante, pois sua readaptação a outro local lhes seria danosa. 3. Inexiste violação do art. 1º da Lei 5.197/1997 e do art. 25 da Lei 9.605/1998 no caso concreto, pois a legislação deve buscar a efetiva proteção dos animais. Após 25 anos de convivência, sem indício de terem sido maltratados e afastada a caracterização de espécie em extinção, é desarrazoado determinar a apreensão de dois papagaios para duvidosa reintegração ao seu habitat. 4. Registre-se que, no âmbito criminal, o art. 29, § 2º, da Lei 9.065/1998 expressamente prevê que, “no caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.” 5. Recurso Especial não provido. (STJ – REsp: RS 2008/, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 23/06/2009, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/09/2010).
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE OFENSA AO ART. 535.FALTA DE OMISSÃO OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO OU ERRO MATERIAL.ALEGAÇÕES GENÉRICAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 284 DO STF, PORANALOGIA. QUESTÃO CONTROVERTIDA SURGIDA APENAS NO ACÓRDÃO ATACADOPELO ESPECIAL. NECESSIDADE DE PREQUESTIONAMENTO POR MEIO DE EMBARGOSDE DECLARAÇÃO. MANUTENÇÃO DA OMISSÃO. INDISPENSÁVEL INTERPOSIÇÃO DORECURSO COM BASE NO ART. 535 DO CPC PARA DEBATER O TEMA. APLICAÇÃODE PENALIDADES POR INFRAÇÃO AMBIENTAL. PRINCÍPIO DAPROPORCIONALIDADE. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA N. 7 DO STJ. 1. Na origem, trata-se de ação ordinária movida em desfavor do IBAMA a fim de assegurar aos autores a concessão definitiva da guarda doméstica do papagaio da espécie amazonas aestiva. Essa ação foi julgada procedente por sentença mantida pelo acórdão ora impugnado. 2. Quanto à alegada afronta ao art. 535, inc. II, do CPC, em face de suposta contradição no julgado ao entender que (i) o laudo analisado fora elaborado pela parte, quando, na verdade, teria sido elaborado pelo perito, (ii) o depósito doméstico de animal silvestre era possível, quando haveria proibição expressa na Resolução CONAMA384/2006, art. 1º, §§ 1º e 2º, inc. I, e o animal não recebera maus tratos, quando o laudo pericial teria cativeiro”, conforme expressão legal, é propriedade do Estado (isto é, da União) e, portanto, bem público. In casu, o longo período de vivência em cativeiro doméstico mitiga a sua qualificação como silvestre. 3. A Lei 9.605/1998 expressamente enuncia que o juiz pode deixar de aplicar a pena de crimes contra a fauna, após considerar as circunstâncias do caso concreto. Não se pode olvidar que a legislação deve buscar a efetiva proteção dos animais, finalidade observada pelo julgador ordinário. Incidência da Súmula 7/STJ. 4. Agravo Regimental não provido. (STJ – AgRg no AREsp: 345926 SC 2013/, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 25/03/2014, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/04/2014) (Grifo nosso) ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. APREENSÃO DE PAPAGAIOS. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 1º DA LEI 5.197/1997 E DO ART. 25 DA LEI 9.605/1998. INEXISTÊNCIA. 1. Hipótese em que o recorrido impetrou Mandado de Segurança contra a apreensão de dois papagaios que viviam em sua residência havia 25 anos. 2. O Tribunal de origem, após análise da prova dos autos, constatou que os animais foram criados em ambiente doméstico, sem indícios de maus-tratos, tendo consignado não se tratar de espécie em extinção. Dessa forma, concluiu que as aves deveriam continuar sob a guarda do impetrante, pois sua readaptação a outro local lhes seria danosa. 3. Inexiste violação do art. 1º da Lei 5.197/1997 e do art. 25 da Lei 9.605/1998 no caso concreto, pois a legislação deve buscar a efetiva proteção dos animais. Após 25 anos de convivência, sem indício de terem sido maltratados e afastada a caracterização de espécie em extinção, é desarrazoado determinar a apreensão de dois papagaios para duvidosa reintegração ao seu habitat. 4. Registre-se que, no âmbito criminal, o art. 29, § 2º, da Lei 9.065/1998 expressamente prevê que,”no caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.”5. Recurso Especial não provido. (STJ – REsp: RS 2008/, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 23/06/2009, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/09/2010).
Ação de guarda de animal silvestre – Auto de infração ambiental – Apreensão de aves silvestres (papagaio e sabiá laranjeira), pela Polícia Ambiental Aves que foram adquiridos pela autora há vários anos, antes da entrada em vigor da Lei nº. 9.605/98. Demonstração de que as aves são tratadas com o máximo cuidado pela autora Determinação para que as aves continuem sob a guarda da autora – Ação julgada procedente Recurso não provido. (TJ-SP- APL: 00109090820118260361 SP 0010909- 08.2011.8.26.0361, Relator: Zélia Maria Antunes Alves, Data de Julgamento: 27/03/2014, 1a Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Data de Publicação: 28/03/2014). (grifo nosso) ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. APREENSÃO E REMOÇÃO DE ANIMAIS SILVESTRES. INDEFERIMENTO DA INICIAL. DESCABIMENTO. LIMINAR. DEFERIMENTO. Verificando-se que, ao menos em relação a uma das aves apreendidas e removidas, não se está diante de hipótese autorizadora do indeferimento da inicial, na forma do artigo 10, Lei n.º 12.016/09, impõe-se a desconstituição da sentença, de modo a viabilizar o regular processamento do writ, deferindo-se, desde já, a liminar pleiteada, para atribuir ao impetrante a guarda doméstica provisória do papagaio durante o trâmite do processo administrativo correspondente à infração ambiental. (Apelação Cível Nº , Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 27/03/2013). (TJ-RS – AC: RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Data de Julgamento: 27/03/2013, Vigésima Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 11/04/2013).
AMBIENTAL. ADMINISTRATIVO. APREENSÃO DE ANIMAL SILVESTRE EM CATIVEIRO. PAPAGAIO DE ESTIMAÇÃO EM CONVÍVIO COM OS DONOS HÁ MAIS DE 14 ANOS. ESPÉCIE NÃO AMEAÇADA DE EXTINÇÃO. BONS TRATOS. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DA POSSE COM OS DONOS. 1. Apelação interposta pelo IBAMA em face da sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para assegurar ao autor a posse de seu papagaio, bem como determinou ao IBAMA que procedesse às providências necessárias para regularização da guarda doméstica do animal pelo autor. 2. A legislação ambiental (art. 29 da Lei nº 9.605/98 e o art. 24, parágrafo 3º, III, do Decreto n. 6.514/2008) prevê a ocorrência de crime ambiental e infração administrativa no caso de guarda de animal silvestre sem a devida autorização do órgão ambiental competente. 3. O objetivo da legislação ambiental é a busca da efetiva proteção dos animais, devendo a intenção do legislador guiar a interpretação do julgador nos casos em que se discute questão ambiental. Todavia, devem ser consideradas as suas peculiaridades: animal não está ameaçado de extinção; longo tempo de convivência com seus donos; bons tratos. Interpretação da norma ambiental de acordo com o princípio da razoabilidade, mantendo-se a guarda do animal com os seus donos ante as especificidades do caso concreto. 4. Apelação não provida. (TRF-5 – AC: 75004220104058100, Relator: Desembargador Federal Marcelo Navarro, Data de Julgamento: 06/06/2013, Terceira Turma).
ADMINISTRATIVO – AMBIENTAL -“PAPAGAIO DE CARA ROXA”MANTIDO EM VIDA DOMÉSTICA HÁ MAIS DE TRÊS DÉCADAS – ENTREGA DA AVE AO IBAMA – IMPOSSIBILIDADE – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE – SENTENÇA MANTIDA. 1. Agravo retido não conhecido por não requerer a agravante expressamente, na apelação, sua apreciação pelo tribunal, nos exatos termos do artigo 523, § 1º, do Código de Processo Civil. 2. Não se desconhece que a posse de animal silvestre sem autorização ou permissão da autoridade competente, constitui infração ambiental, nos termos do artigo 29 da Lei nº 9.605/1998, passível, portanto, de apreensão, o que, em princípio leva ao reconhecimento da legalidade do ato da autarquia ambiental, mas necessário se faz observar ao princípio da razoabilidade. 3. O papagaio que o IBAMA pretende apreender vive com a impetrante há muito tempo e o vínculo desta e de sua filha com o animal fica evidente diante de sua iniciativa de recorrer ao Judiciário almejando ver reconhecido o direito de com ele permanecer. 4. Assinale-se que a ave está sob a guarda e cuidados da impetrante, há mais de três décadas, o que faz supor que sua reintrodução ao meio ambiente poderia resultar em dano irreversível para a própria ave, que se acostumou a não ter de lutar pela própria sobrevivência no habitat natural respectivo, bem como poderia tornar- se presa fácil para os respectivos predadores, ou ter de suportar a rejeição – muito comum do bando ao qual procure se acostar. 5. Assim, no caso em apreço, retirar o papagaio do ambiente doméstico acarretar-lhe-ia mais prejuízo do que efetiva proteção, mormente considerando a longa permanência desse pássaro sob os cuidados da impetrante. 6. Mantida a sentença que determinou ser jurídico, justo e razoável que não se pertube a convivência harmônica, consolidada ao longo de mais de 25 (vinte e cinco) anos, entre a impetrante e seu papagaio – desde que ela efetivamente cumpra os compromissos que assumir perante o IBAMA, seguindo as orientações dos agentes competentes, inclusive autorizando a implantação de um chip para monitoramento do animal, para a devida fiscalização e o mais que seja necessário. (TRF-3 – AMS: 16203 SP 0016203-41.2006.4.03.6100, Relator: JUIZ CONVOCADO HERBERT DE BRUYN, Data de Julgamento: 18/04/2013, SEXTA TURMA).
Há que se ponderar também que a relação de domesticação do animal papagaio data a mais de 18 anos, e das maritacas a mais de 4 anos, anterior, portanto, à entrada em vigor da Lei, estando isenta de sua aplicação.
A atuação do órgão ambiental há de se desenvolver na linha de eficácia imediata de imposição ao poder público e à coletividade do dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, para a presente e futuras gerações ( CF , art. 225 , caput c/c o art. 5º , § 1º).
Em sendo assim, esse equilíbrio há de se efetivar de forma mútua, envolvendo o homem, a fauna e a flora, de modo que a apreensão de animais silvestres, criados em ambiente doméstico, como no caso, em que não se verifica a ocorrência de quaisquer maus-tratos e/ou a exploração ilegal do comércio de aves, convivendo em uma relação harmoniosa e benéfica para ambos os lados, afigura-se muito mais prejudicial do que a sua permanência sob a cuidadosa e eficiente guarida daqueles que já a detém, de há muito tempo, como no caso em exame.
O papagaio sem dúvida, a muito tempo já encontrou um novo” habitat “, com as características de integração do homem-natureza, em perfeito equilíbrio socioambiental, onde o carinho humano, que se transmite ao pássaro, elimina-lhes as barras do cativeiro, propiciando-lhes um ambiente familiar, ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida deles próprios e daqueles que os cercam, em clima de paz e felicidade.
Retirá-lo desse convívio humano é cometer gravíssima agressão ambiental, o que não se recomenda, nem se permite.
De mais a mais, ainda que assim não entenda esse MM. Juízo dado o caráter protetivo desta Lei, aos Requerentes sequer foi viabilizado pelo Poder Público a guarda da ave pela via administrativa, ou ainda, sequer lhe foi disponibilizado um meio para que pudesse adequar-se aos formalismos legais.
Há também outro aspecto que merece atenção: o espírito da Lei que trata dos crimes ambientais, pois visa proteger a fauna selvagem mediante, dentre outros, a punição ao traficante de animais, muito distante da relação existente no caso em análise.
Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida: Pena – detenção de seis meses a um ano, e multa. § 1º Incorre nas mesmas penas: I – quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida; II – quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural; III – quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente. § 2º
No caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.
Assim, temos que a própria lei prevê que no caso de guarda doméstica (exatamente a situação narrada), o Juiz pode até mesmo deixar de aplicar a pena, considerando as circunstâncias, bem como a não ameaça de extinção.
As circunstâncias narradas pela Lei estão diretamente ligadas à como o animal é tratado e como é visto dentro da família, pois hoje, as aves são um integrante da família da Requerente, fazendo muita falta, chegando a causar enormes transtornos psicológicos, tendo em vista a falta que sentem e não terem conhecimento de como o animal está.
Por fim, retoma-se à análise da ilegalidade do ato de apreensão do papagaio, já que é desprovido dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade.
No clássico ensinamento de JELLINEK relativo à análise do ato administrativo consistente no uso do poder de polícia:”não se abatem pardais disparando canhões”. É assim que o Requerido agiu ao retirar o papagaio do ambiente doméstico para colocá-lo em ambiente desconhecido, longe do convívio afetivo que a ave estabeleceu com os Requerentes, sendo: desproporcional e desarrazoada tal atitude.
4. Da viabilidade da guarda provisória
O problema apresentado ao Poder Judiciário pode ser resolvido mediante a concessão da guarda do animal a Requerente, conforme breve histórico apresentado.
Relativamente ao destino a ser dado aos animais silvestres apreendidos, o Decreto nº 3.179, de 1999, previa a possibilidade de mantê-los com particulares, estes na condição de fiéis depositários, caso restasse inviabilizada a soltura no habitat ou a entrega aos cuidados de técnicos especializados.
De todo modo, já se podia extrair da norma que a guarda doméstica seria excepcional e como medida de ultima ratio, pois somente autorizada caso prejudicadas as duas outras opções anteriores, in verbis: Art. 2º As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções:(…) omissis IV – apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração; § 6º A apreensão, destruição ou inutilização, referidas nos incisos IV e V do caput deste artigo, obedecerão ao seguinte: I – os animais, produtos, subprodutos, instrumentos, petrechos, equipamentos, veículos e embarcações de pesca, objeto de infração administrativa serão apreendidos, lavrando-se os respectivos termos; II – os animais apreendidos terão a seguinte destinação: a) libertados em seu habitat natural, após verificação da sua adaptação às condições de vida silvestre; b) entregues a jardins zoológicos, fundações ambientalistas ou entidades assemelhadas, desde que fiquem sob a responsabilidade de técnicos habilitados; ou c) na impossibilidade de atendimento imediato das condições previstas nas alíneas anteriores, o órgão ambiental autuante poderá confiar os animais a fiel depositário na formados arts. 1.265 a 1.282 da Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, até implementação dos termos antes mencionados;
Diante da necessidade de regular a concessão do depósito doméstico provisório de animais silvestres apreendidos pelas atividades de fiscalização ambiental, o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA editou a Resolução nº 384, de 27 de dezembro de 2006.
Em sua redação, a Resolução deixa evidenciar a natureza excepcional da medida aqui estudada, exigindo que reste comprovada a impossibilidade de atender às exigências previstas no artigo 2º, parágrafo sexto, inciso II, alíneas a e b, do Decreto nº 3.179, de 1999, podendo a qualquer tempo ser revista, no interesse da conservação (art. 6º, 7º, inciso I).
Nesse sentido, o artigo 5º da mencionada Resolução dispõe: Art. 5º Não existindo a possibilidade de retirar o animal da posse do autuado no ato da fiscalização, justificadas as razões para tanto, deverá ser lavrado Termo de Apreensão e Depósito em caráter emergencial e temporário, que não poderá ultrapassar quinze dias úteis, confiando-se ao depositário a integral responsabilidade pelo espécime apreendido, para que sejam viabilizadas as condições para a destinação adequada do animal pelo órgão ambiental competente.(…) omissis § 3º.
A lavratura do Termo de Depósito Doméstico Provisório de que trata o § 1º deste artigo estará sujeita à prévia avaliação, por técnico legalmente habilitado, sobre as condições de manutenção e o grau de dependência do animal com o ser humano. Segundo a Resolução CONAMA nº 384, de 2006, o Termo de Depósito Doméstico Provisório destina-se aos anfíbios, répteis, aves e mamíferos da fauna silvestres brasileira, excluídos aqueles com potencial de invasão de ecossistemas e os que constem nas listas oficiais da fauna brasileira ameaçada de extinção, nacional, estadual, regional ou local e no Anexo I da Convenção Internacional para o Comércio de Espécies da Fauna e Flora Ameaçadas de Extinção – CITES, salvo na hipótese de assentimento prévio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA ou do órgão ambiental estadual competente, mediante parecer técnico.
De todo modo, o Termo limitar-se-á a duas espécimes por depositário (art. 7º, § 2º). O Decreto nº 3.179, de 1999, foi revogado pela publicação, no Diário Oficial da União de 23 de julho de 2008, do Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008, o qual, em seu texto original, não mais previa a manutenção da guarda doméstica provisória de animais silvestres:
Art. 107. Após a apreensão, a autoridade competente, levando-se em conta a natureza dos bens e animais apreendidos e considerando o risco de perecimento, procederá da seguinte forma: I – os animais da fauna silvestre serão libertados em seu hábitat ou entregues a jardins zoológicos, fundações, centros de triagem, criadouros regulares ou entidades assemelhadas, desde que fiquem sob a responsabilidade de técnicos habilitados.
Foi com edição do Decreto nº 6.686, de 10 de dezembro de 2008, que a guarda doméstica foi novamente prevista no texto do Decreto nº 6.514, de 2008, restando, por conseguinte, autorizadas a aplicação das normas contidas na Resolução CONAMA nº 384, de 2006, acima expostas, uma vez que o próprio texto regulamentar faz expressa menção à observância aos regulamentos vigentes: Art. 107. Após a apreensão, a autoridade competente, levando-se em conta a natureza dos bens e animais apreendidos e considerando o risco de perecimento, procederá da seguinte forma: I – os animais da fauna silvestre serão libertados em seu hábitat ou entregues a jardins zoológicos, fundações, entidades de caráter cientifico, centros de triagem, criadouros regulares ou entidades assemelhadas, desde que fiquem sob a responsabilidade de técnicos habilitados, podendo ainda, respeitados os regulamentos vigentes, serem entregues em guarda doméstica provisória. Assim, em atenção ao regulamento vigente, qual seja a Resolução CONAMA nº 384/2006, ao proceder a fiscalização e autuação do infrator (§ 2º do art. 5º da Resolução), deve- se verificar a possibilidade de destinação imediata dos animais silvestres atendendo à primeira parte do art. 107, inciso I.
Caso esta alternativa reste inviabilizada, situação a ser demonstrada por prévio laudo técnico especializado que ateste as condições do cativeiro, se adequadas ou não a manutenção da espécie, e o grau de dependência do animal com o ser humano (§ 3º do art. 5º c/c art. 8º da Resolução), será possível depositar o animal silvestre sob a guarda provisória de particulares.
A possibilidade da manutenção excepcional e provisória dos animais silvestres sob guarda domiciliar decorre do fato de que, quando trazidos ao convívio doméstico, perdem a habilidade de buscar o alimento na natureza, de se proteger dos predadores ou de situações adversas. Dessa forma, a adaptação com o apoio de técnicos especializados é medida que se impõe como forma de assegurar o sucesso da inserção dos animais na vida natural, diminuindo as chances de morte e, consequentemente, da perda daquela biodiversidade.
Também por tais razões, entende-se que para os casos de guarda ilegal de animais silvestres deve-se sempre privilegiar a visão biocêntrica disposta no parágrafo primeiro, inciso I e VII, do artigo 225 da Constituição Federal, atuando no sentido de privilegiar a preservação de todas as formas de vida – bens sem titularidade, pois de natureza difusa, transindividual, afastando a análise sob a visão estritamente antropocêntrica, na qual, na maioria dos casos, se não em sua integralidade, beneficia somente a alguns (aqueles que se apropriaram indevidamente do patrimônio público) em detrimento de toda a coletividade.
Em outras palavras, entende-se que na aplicação das normas ambientais os princípios devem ser aplicados em favor do meio ambiente, ao invés de resguardar interesses estritamente privados.
Aplica-se aqui o princípio da vida sustentável, o qual busca proteger todas as espécies de vida no planeta a fim de garantir qualidade de vida satisfatória ao ser humano.