O Tribunal Regional Federal da 4ª Região – TRF4, deferiu o pedido liminar de um morador da Praia do Morro das Pedras, para determinar ao Município de Florianópolis que, no prazo de 10 dias, adote providências para garantir a segurança dos habitantes e frequentadores do local, e para que proceda à instalação de estruturas capazes de impedir o desabamento do imóvel de propriedade do autor, sob pena de multa de R$ 1.000,00 por dia de atraso.
Índice
Entenda o caso
O morador da localidade do Morro das Pedras foi representado pelo advogado Cláudio Farenzena do escritório Farenzena Advocacia Ambiental, que requereram perante a 6ª Vara Federal de Florianópolis, a concessão de tutela cautelar antecedente.
O objetivo era compelir o Município de Florianópolis e a União, até então omissos, na obrigação de fazer consistente na adoção de providências para prevenir o desabamento do imóvel, bem como, resguardar os imóveis vizinhos, proteger bens e pessoas e impedir que a situação no local dos fatos se deteriore ou sejam ampliados os danos já causados, inclusive ao meio ambiente.
Alternativamente, foi requerida a concessão da cautelar para autorizar o morador, em caráter emergencial, a realizar a contenção das ondas, mediante a colocação de estruturas capazes de impedir o desabamento do imóvel, às suas expensas.
Decisão da 6ª Vara Federal
Antes de analisar o pedido cautelar, o magistrado da 6ª Vara Federal de Florianópolis, Dr. Marcelo Krás Borges, determinou a intimação dos requeridos ― Município de Florianópolis e União ― para que se manifestassem no prazo de 72 horas.
Contudo, em razão da urgência e risco iminente de desabamento, requereu-se a reconsideração da decisão e a inspeção da localidade pelo magistrado. Apesar de manter a oitiva dos requeridos, o magistrado determinou a intimação deles para que se manifestassem no prazo de 24 horas.
No entanto, após a manifestação, o magistrado indeferiu o pleito, em resumo, por entender que o imóvel da parte autora estaria construído sobre dunas e áreas de preservação permanente – APP, e que “não poderia o Poder Judiciário permitir que as APPs de dunas e faixa de praia sejam eliminadas ou deterioradas por contenções de pedras, terra, madeira, etc. destruindo o que a natureza levou séculos para moldar.”
Recurso ao TRF4
Diante da negativa do magistrado de primeiro grau e em razão da urgência que não poderia aguardar a instrução do processo, sob risco de irreversibilidade dos danos, foi interposto perante o TRF4, recurso de agravo de instrumento com pedido de tutela antecipada recursal.
O recurso foi distribuído ao Desembargador Federal Rogério Favreto, que entendeu estarem presentes os requisitos e concedeu o pleito, para determinar ao Município de Florianópolis a adoção de providências para garantir a segurança dos habitantes e frequentadores do Morro das Pedras, bem como, que instale estruturas capazes de impedir o desabamento do imóvel.
Opinião: inexistência de APP
Apesar de o imóvel do autor da ação estar construído à beira mar, em nossa opinião, inexiste área de preservação permanente, até porque, a vegetação até então existente foi engolida pelo mar, assim como ocorreu com os muros das casas.
Além disso, trata-se de imóvel construído há mais de 40 anos, em área urbana consolidada e antropizada, incentivada pela municipalidade, e ainda que se considere ser APP, evidente a perda de sua função ambiental.
É de bom alvitre dizer, que segundo o Plano Diretor de Florianópolis, o imóvel do autor da ação está definido como zoneamento de Área Residencial Predominante 2.5, ou seja, áreas destinadas ao uso preferencial de moradias, onde se admite pequenos serviços e comércios, com o número máximo de dois pavimentos
E, ainda que parte do imóvel esteja inserida em terreno de marinha, não significa necessariamente que é APP, pois sua qualificação de terreno de marinha decorre do direito real, e as APPs decorrem de previsões legais em direito ambiental.
Os eventos climáticos extremos e cada vez mais frequentes na costa leste de Florianópolis, principalmente no Morro das Pedras e Campeche, têm causado grandes prejuízos aos moradores, de modo que a adoção de providências efetivas e duradouras é necessária e urgente.
Em algumas das casas da localidade, depois de destruir o muro, o mar ainda consumiu cerca de 10 metros de terreno, ou seja, não é a existência de vegetação no local que impediria a erosão.
Justamente por isso, é que, mesmo que se entenda pela retirada de todas as casas que estão construídas à beira mar ―, as quais, frise-se, não são ilegais ou irregulares ― em poucos anos a erosão chegará até as casas subsequentes. Daí a importância de se adotarem medidas efetivas para conter o avanço do mar.
Tutela cautelar antecedente
A tutela cautelar antecedente requerida para o morador do Morro das Pedras, é um procedimento previsto no art. 305 do Código de Processo Civil, conceituada por Fredie Didier Jr.[1], como aquela requerida dentro do mesmo processo em que se pretende, posteriormente, formular o pedido de tutela definitiva, cautelar e satisfativa:
Art. 305. A petição inicial da ação que visa à prestação de tutela cautelar em caráter antecedente indicará a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Seu objetivo é (i) adiantar provisoriamente a eficácia da tutela definitiva cautelar, e (ii) assegurar a futura eficácia da tutela definitiva satisfativa.
Trata-se de um procedimento próprio que pode ser utilizado quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, possibilitando a sua concessão antes mesmo da citação da parte adversa, de modo a garantir a sua plena efetividade.
Assim, neste procedimento cautelar, independentemente de ter ou não sido concedida a liminar, se faz necessário a complementação ou aditamento da inicial, para formular o pedido principal.
Leia na íntegra a decisão do Desembargador Federal Rogério Favreto
Trata-se de agravo de instrumento interposto por […] contra decisão proferida no evento 41 da Tutela Cautelar Antecedente 5013752-98.2021.4.04.7200 por ele movida em face da União e do Município de Florianópolis.
Relata o agravante que, na origem, requereu a concessão de tutela cautelar porque seu imóvel residencial localizado no Morro das Pedras, em Florianópolis ― construído há cerca de 40 anos ― está em risco iminente de desabamento em razão das marés de tempestades ocorridas a partir de maio de 2021 no local.
Assevera a parte agravante, em síntese, que eventos climáticos extremos que tiveram início no dia 08.05.2021 e atingiram a costa leste de Florianópolis, provocando danos gravíssimos na infraestrutura pública da localidade Morro das Pedras, e, inclusive, danos no imóvel do Agravante, o qual agora ameaça ruir por conta da erosão com o avanço do mar.
Alega que os moradores do local fizeram pedidos e manifestação com o objetivo de requerer ao Poder Público a adoção de medidas para prevenir que a erosão causasse o desabamento dos imóveis, mas que o Poder Público teria ficado omisso.
Afirma que corre sérios riscos de perder seu único imóvel, e não saberia mais a quem recorrer, uma vez que os órgãos responsáveis, como Defesa Civil, apenas mencionam a complexidade do problema e as probabilidades de os transtornos serem ainda maiores, mas informam que dependem do Município para dar prosseguimento em projetos de contenções.
Sustenta que a casa do Agravante, bem como dos demais imóveis lindeiros, está na iminência de ser destruída pela força do mar, sendo que todo esse material terá que ser retirado do local, sem falar na perda do imóvel pelos moradores, os quais ficarão “sem teto”.
Refere que a adoção de medidas urgentes para evitar que a casa do Agravante desabe e seja consumida pelo mar seria muito menos gravosa do que a possibilidade do seu desabamento, que causaria dano ambiental maior.
Cita a conclusão do Gerente de Operação e Assistência da Defesa Civil de Florianópolis que lavrou o Relatório de Vistoria 084/2021, de 17 de maio de 2021, é de que há risco de caráter público e particular.
Assevera que a adoção de providências no local é de utilidade pública, seu interesse não é estritamente privado e também não há impedimento de acesso à praia. Cita precedentes.
Sustenta que os requisitos para concessão da tutela pretendida restam presentes, pois o imóvel residencial do Agravante está em iminente risco de desabamento em razão da elevação do nível do mar e das ressacas que provocam e continuam provocando erosão, de modo que a adoção de providências para evitar uma catástrofe é de urgência urgentíssima.
Alega que a demora do resultado desta lide acarretará danos irreparáveis, agravando exponencialmente e de forma irreversível os bens, a saúde, segurança, bem-estar e moradia não apenas do Agravante, mas de toda a comunidade, tendo em vista a imensa quantidade de detritos que serão lançados ao mar e indubitavelmente se espalharão ao longo de anos pela costa.
Destaca-se que a medida pleiteada não é irreversível, porquanto, em caso de improcedência do pedido nos autos de origem, é viável, fáticamente, o desfazimento das providências adotadas pela parte agravada que visem o desabamento da casa do Agravante.
Refere que havia pedido o benefício de gratuidade judiciária, o qual não foi ainda apreciado pelo juízo a quo, motivo pelo qual o requer neste recurso.
Por fim, requer a reforma do decisum agravado, com a consequente concessão da tutela antecipada recursal inaudita altera pars, para determinar aos Agravados a imediata obrigação de fazer consistente na adoção de providências para prevenir o desabamento do imóvel do Agravante, bem como, resguardar os imóveis vizinhos do desabamento deste, proteger bens e pessoas e impedir que a situação no local dos fatos se deteriore ou sejam ampliados os danos já causados, inclusive ao meio ambiente, concedendo prazo não superior a 24h para implementação das medidas, sob pena de multa não inferior a R$ 5.000,00 por dia de atraso.
Alternativamente, requer seja o Agravante autorizado em caráter emergencial, a realizar a contenção das ondas, mediante a colocação de estruturas como paliçadas, sacos de areia ou terra ou blocos de pedra, tudo às suas expensas, para evitar maiores danos, inclusive à coletividade.
Requer a concessão dos benefícios da justiça gratuita ao Agravante.
É o relatório.
A respeito da tutela de urgência, dispõe o art. 300 do Código de Processo Civil:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
O Juiz Federal Marcelo Krás Borges, da 6ª Vara Federal de Florianópolis, assim se pronunciou (evento 41 da tutela cautelar antecedente 5013752-98.2021.4.04.7200/SC):
“O Ministério Público Federal informou que o imóvel encontra-se em terreno de marinha, bem como parte do imóvel possui zoneamento de Área de Preservação Permanente.
Com efeito, o “Parquet” trouxe estudo técnico no evento 33 que demonstra que a localidade em questão é considerada Área de Preservação Permanente pelos critérios estabelecidos na Resolução CONAMA 303/2002 e pelo novo Código Florestal.
Ademais, praias e dunas frontais também são consideradas Áreas de Preservação Permanente pela própria Lei Municipal 482/14, art. 43.
Assim, a construção e a manutenção de edificações sobre o cordão de dunas das praias impedem a regeneração natural da vegetação de restinga com função fixadora de dunas.
De outra parte, o Laudo Técnico 013/2011, juntado pelo Ministério Público Federal no evento 33, comprova que as intervenções para a contenção das ondas, mediante a colocação de estruturas como paliçadas, sacos de areia ou terra e blocos de pedra, executadas sobre o cordão dunar e a faixa de praia, contribuem para agravar cada vez mais os danos ambientais, pois, ao não encontrar a barreira natural das dunas para a amortecer os impactos das ondas, o mar se choca contra as estruturas artificialmente erigidas, como se houvesse um paredão, e extrai a areia da faixa de praia. Com isso, as intervenções humanas acabam modificando a dinâmica geral de circulação de sedimentos de toda a praia e das praias vizinhas, podendo provocar danos em outros locais e assim sinérgica e sucessivamente, num efeito dominó.
Assim sendo, além de serem um grave risco à integridade física das pessoas, as obras de contenção têm impedido o livre trânsito e circulação de pessoas na praia e no próprio mar, o que contraria o art. 10 da Lei 7.661/11.
Frise-se que o fato do local estar destituído de vegetação nativa ou inteiramente ocupado com construções não o descaracteriza como APP, nem dele retira o seu valor ecológico, conforme impõe a regra do art. 3º, caput e inciso II da Lei 12. 651/12.
Consoante o Código Florestal (art. 8º, caput, da Lei 12.651/12), a intervenção ou a supressão de vegetação nativa em APP somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental, regras que devem ser interpretadas restritivamente.
Assim, as contenções contra o avanço do mar protegem unicamente as construções feitas sobre o cordão de dunas. Praias e dunas são destinadas ao uso comum do povo, sendo vedada qualquer atividade de construção que represente obstáculo ou limitação à livre circulação de pessoas, ao acesso desimpedido e ao pleno gozo dos seus atributos naturais.
A proteção das dunas e da faixa de praia, em toda sua extensão, também revela importante papel de proteção contra a força destruidora da maré.
Assim, não poderia o Poder Judiciário permitir que as APPs de dunas e faixa de praia sejam eliminadas ou deterioradas por contenções de pedras, terra, madeira, etc. destruindo o que a natureza levou séculos para moldar.
Isto posto, não havendo plausibilidade ou verossimilhança no direito invocado, indefiro o pedido liminar.
Citem-se.
Intimem-se.
Designe-se audiência de conciliação, na forma virtual.”
Analisando o conjunto probatório até então presente nos autos, tenho que devem ser reformadas as conclusões do decisum hostilizado.
Neste momento, de apreciação de pedido liminar, cabe apreciar se há probabilidade do direito e existência de perigo de dano na espécie.
Pedido cautelar. Urgência.
Primeiramente, importa referir que neste momento discute-se a possibilidade de adoção (seja pelo Poder Público, seja pelo próprio agravante) de medidas que impeçam o desabamento iminente da única residência do autor sobre a praia e seu engolfamento pelo mar em razão de eventos climáticos extremos.
Acaso ocorra de fato o desabamento do imóvel ao longo da instrução processual – o que, de acordo com os documentos acostados aos autos de origem, é um risco concreto – eventual omissão quanto à proteção do imóvel esvaziaria por completo o objeto da ação, o que não se mostra possível neste momento preliminar.
Eventuais questões atinentes ao mérito deverão ser debatidas na origem após a oportunização de contraditório e de produção de provas.
Nesta fase do processo de origem – em estágios ainda muito iniciais – qualquer decisão de tutela provisória será proferida com base em elementos ainda muito precoces, que deverão ser objeto de amplo contraditório ao longo da instrução.
Neste momento, trata-se tão-somente de uma análise de razoabilidade quanto às tutelas de urgência, para que o amplo contraditório acima mencionado possa ser devidamente realizado.
Ocorre que há dois possíveis prejuízos segundo cada possível decisão a ser tomada nesta seara: de um lado, ao se optar pelo resguardo preventivo absoluto do meio ambiente, o direito à moradia e à segurança do agravante poderia ser prejudicado. Por outro lado, caso se protejam apenas os direitos do agravante, poderiam ocorrer danos ao meio ambiente.
O presente recurso trata tão-somente da avaliação de riscos e benefícios da concessão de medida cautelar de caráter extremamente urgente, que é o que passo a avaliar.
Verossimilhança do pedido.
Acerca da verossimilhança do pedido, refiro que aspecto importante no caso concreto é que a situação ora em análise é bastante evidente, de pronto: para fins de apreciação do presente recurso, os elementos que já se encontram nos autos são suficientes para que se constate que o risco à residência é concreto e iminente.
Foram anexadas as seguintes imagens à petição inicial do presente recurso: […]
Ademais, a reportagem de telejornal local juntada à origem não deixa dúvidas da excepcionalidade, do perigo e da urgência da situação do imóvel em questão e dos imóveis vizinhos (evento 17 dos autos de origem, 5013752-98.2021.4.04.7200, VÍDEO2, VÍDEO3, VÍDEO4).
A Defesa Civil do Município de Florianópolis reconheceu a gravidade da atual conjuntura do Morro das Pedras, ao afirmar que “tendo em vista o atingimento da faixa de areia pelos escombros provenientes das estruturas rígidas construídas em área de preservação permanente, se concluí um risco de caráter público”, conforme OE 188/SMSP/DDC/2021 – Florianópolis, 31 de maio de 2021 (processo originário, evento 39, ANEXO2).
Conforme acima mencionado, existem no mérito diversas questões complexas não apenas acerca das características naturais do local, mas também de sua história e regime jurídico. Tais questões não são necessariamente relevantes neste momento, e deverão ser discutidas após a instrução probatória.
O que parece seguro afirmar, por ora, é que a única moradia do agravante corre risco concreto de desabamento, sem que tenha sido possível uma solução até então para o problema apenas com ações dos moradores. Isto é, o direito à moradia e à segurança do agravante encontra-se em risco enquanto perdurar a omissão do Poder Público.
Assim, há verossimilhança do pedido, assim como extrema urgência, pois a mora, neste caso, pode ocasionar graves danos em muitos aspectos: a perda da única residência do agravante, que é pescador, humilde e que viveu sua vida inteira no local; risco público, inclusive de segurança pública, em caso de desabamento; e, por fim, riscos ambientais ainda não calculados que seriam advindos da erosão do terreno em que se encontra o imóvel, com o risco de lançamento dos escombros na praia e no mar.
Caracterizado o periculum in mora e o fumus boni iuris, resta abordar a fundamentação da decisão agravada a respeito da proteção do meio ambiente e intervenções humanas no local.
Para contrapor tal prejuízo às possíveis soluções a serem dadas sob título da tutela provisória, há que se perquirir, também, se os prejuízos possíveis ao meio ambiente ainda justificariam a manutenção da decisão agravada, o que passo a tratar a seguir.
Reversibilidade da medida cautelar. Ausência ou risco mínimo de danos ao meio ambiente. Proporcionalidade.
Há indícios suficientes que não haveria incremento de riscos ao meio ambiente pela determinação de que o Poder Público tome medidas para proteger a segurança dos cidadãos do Morro das Pedras, ou que, se presentes, tais riscos seriam ainda assim de menor monta do que o risco de desabamento por completo da residência, considerando que a casa já se encontra no local há 40 anos.
Trata-se, por ora, de avaliação de possíveis benefícios e riscos em caráter emergencial, durante o andamento do processo.
Seria necessário haver firme demonstração de risco de danos concretos e severos ao meio ambiente para que se pudesse cogitar que eventuais danos advindos de estruturas emergenciais instaladas pelo Município poderiam causar maiores prejuízos ao interesse público do que o desabamento de residências na praia.
Ao indeferir o pedido liminar, o juízo a quo fundamentou sua decisão, de maneira geral, em três fundamentos: (1) que a praia constitui bem de uso comum do povo; (2) que a área seria caracterizada como APP; e (3) que “não poderia o Poder Judicíário permitir que as APPs de dunas e faixa de praia sejam eliminadas ou deterioradas por contenções de pedras, terra, madeira, etc. destruindo o que a natureza levou séculos para moldar”.
Inobstante as razões descritas pelo magistrado de origem, tenho que tais motivos não são suficientes para permitir que a erosão causada por violentas tempestades carregue para o mar as moradias do Morro das Pedras.
Quanto ao motivo (1), dificilmente haveria o exercício do direito ao uso de bem comum do povo caso a praia fique tomada de escombros das residências ora em perigo – e, muito mais grave, haveria ainda o risco de desabamento em presença de pessoas, que correriam, portanto, risco de vida. Assim, uma limitação emergencial do uso da praia pelo povo é justificado no caso concreto.
Quanto ao motivo (2), a caracterização da área como APP será discutida ao longo da instrução, em que deverá ser apurada a natureza do local atualmente e também à época de construção do imóvel. Quanto à faixa de areia em si, ainda que caracterize APP, é possível que nela seja realizada contenção emergencial no caso concreto, tendo em vista todos os riscos acima reportados. Assim, tal discussão é, por ora, inoficiosa.
Quanto ao motivo (3), ainda que se sensibilize com a evolução natural dos ecossistemas e das paisagens, tenho que é cabível que o Poder Judiciário permita em caráter excepcional, urgente, e de maneira abundantemente justificada, que sejam feitas intervenções na faixa de praia. Isso porque busca-se, com isso, justamente a manutenção, por ora, de situação concreta o mais próxima possível daquela já presente no local, para que se possa, eventualmente, tratar do mérito da questão e obter-se uma solução definitiva.
Ressalto que as medidas ora postuladas são reversíveis, diferentemente do que ocorrerá acaso venha, de fato, a desabar a residência na faixa de praia e no mar.
Portanto, reputo necessária a concessão do pedido liminar, para que se ordene ao Município de Florianópolis a adoção de medidas essenciais à manutenção da segurança do imóvel objeto da ação de origem contra os efeitos da erosão e da ressaca causadas pelas tempestades que ocorrem em Florianópolis desde maio de 2021.
Desse modo, garantem-se dois importantes valores em discussão no caso concreto: a segurança e a viabilidade direito à moradia do agravante e de seus vizinhos (aspecto econômico/social), e a proteção do meio ambiente e do ecossistema praiano e marítimo no local. Isto é, devem ser realizadas as obras emergenciais pelo Município com observância de análise técnico-ambiental das medidas.
Nesse sentido, precedente da 4ª Turma deste Tribunal, a respeito de situação fática idêntica, também acerca do Morro das Pedras em Florianópolis:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. CAMPECHE. TUTELA DE URGÊNCIA. DEFERIDA EM PARTE. AGRAVO INTERNO. PREJUDICADO. 1. O agravo de instrumento não deve ser conhecido com relação àquelas matérias não enfrentadas pelo juízo a quo, sob pena de supressão de instância. 2. Não obstante a controvérsia fática, neste momento os elementos de prova demonstram que estão sendo realizadas obras na praia e em dunas sem amparo técnico. Assim, há probabilidade do direito e perigo de dano (art. 300 do CPC). Conciliando os bens discutidos nos autos, devem ser possibilitadas apenas obras emergenciais pelo Município, não dispensada a análise técnico-ambiental das medidas. 3. A multa fixada revelou-se adequada para a finalidade, exceto no ponto em que foram destinadas às pessoas físicas responsáveis pelos entes públicos. 4. Agravo de instrumento conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido. 5. Com o julgamento do agravo de instrumento, resta prejudicado o agravo interno interposto. (TRF4, AG 5038144-08.2020.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relator CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 04/02/2021)
Diante desse quadro, o agravante poderá ter sua segurança e seu direito à moradia protegidos enquanto corre o processo, período durante o qual o meio ambiente estará também devidamente resguardado dentro dos ditames da razoabilidade e da proporcionalidade, atingindo-se o equilíbrio da medida da tutela provisória.
Para a execução das medidas de contenção, o Município de Florianópolis deverá proceder à instalação de estruturas que sejam, de um lado, efetivamente eficazes para conter os riscos de desabamento, e, de outro, de menor efeito adverso possível ao meio ambiente no local.
A critério da municipalidade, tais medidas poderão ser estendidas às demais residências afetadas na mesma região, mesmo que não sejam objeto do presente recurso nem do processo de origem, mas por medida de isonomia, economicidade e atendimento ao interesse coletivo e público. […]
Conclusão.
Demonstrada a urgência e a verossimilhança das alegações, merece ser deferido o pedido liminar.
A questão de fundo deverá ser exaustivamente examinada em sede de cognição plena, na qual será possível o devido aprofundamento quanto aos elementos de mérito da lide após a produção de provas.
Do exposto, defiro o pedido de antecipação da tutela recursal para determinar ao Município de Florianópolis o prazo de 10 dias para que adote providências para garantir a segurança dos habitantes e frequentadores do Morro das Pedras e para que proceda à instalação de estruturas capazes de impedir o desabamento do imóvel de propriedade da parte agravante, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais) por dia de atraso.
Deferida a AJG.
Intimem-se com urgência, sendo a parte agravada para os fins do disposto no art. 1.019, II, do Código de Processo Civil.