Neste artigo vamos analisar duas modalidades de prescrição da pretensão punitiva que podem ocorrer no processo administrativo ambiental instaurado para apurar infração ambiental e causar a sua nulidade.
A prescrição da pretensão punitiva se subdivide em prescrição da pretensão punitiva propriamente dita que pode ocorrer antes ou depois da lavratura do auto de infração e prescrição da pretensão punitiva intercorrente trienal, que se dá no curso do processo administrativo ambiental.
A disciplina legal da matéria relacionada à prescrição, em âmbito federal, foi dada pela Lei 9.873/99 e, posteriormente, de forma específica, pelo Decreto 6.514/08.
Embora referidas normas sejam federais, o Decreto 6.514/08 é bastante usado por Estados e Municípios para lavrar autos de infração ambiental e instaurar processos administrativos, aplicando-se a eles as disposições relativas à prescrição. Já a Lei 9.873/99 não se aplica a entes estaduais e municipais.
Diante desse quadro, no contexto do processo administrativo de apuração de infração ambiental, a prescrição da pretensão punitiva aqui analisada tem lugar a partir da lavratura do auto de infração e enquanto perdurar o procedimento apuratório.
Assim, durante o processo, transcorrem, concomitantemente, os prazos da prescrição da pretensão punitiva intercorrente (de 03 anos) e da prescrição da pretensão punitiva propriamente dita (em regra, de 05 anos).
Índice
Prescrição da pretensão punitiva propriamente dita
A prescrição da pretensão punitiva está diretamente ligada à atuação Estatal com vistas a apurar eventual infração administrativa ambiental e aplicar a penalidade dela decorrente.
Ou seja, uma vez que a Administração se mantenha inerte por determinado período de tempo fixado em lei, restará obstada a possibilidade de exercer seu poder-dever punitivo.
A contagem do prazo prescricional da pretensão punitiva propriamente dita se inicia a partir do fato (conduta ou resultado) e se encerra com a decisão administrativa, também chamada de “coisa julgada”.
O artigo 1º, da Lei 9.873/99, estabeleceu o prazo de 5 anos para a Administração Pública apurar a infração administrativa e consolidar a sanção a ser aplicada.
De acordo com o artigo 1º da Lei 9.873/99, prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
No caso do processo administrativo punitivo ambiental, a Administração Pública terá, então, 5 anos, em regra, a partir da data do cometimento da infração, ou da cessação do ato ilegal, nos casos das infrações permanentes, para lavrar o auto de infração, promover toda a apuração necessária e decidir, de forma definitiva, pela homologação do auto de infração ambiental e confirmação das sanções inicialmente aplicadas pelo agente de fiscalização.
Qual é o prazo da prescrição quando a infração também constitui crime?
O prazo da prescrição da pretensão punitiva, como regra geral, é de 5 anos, nos termos do artigo 1º da Lei 9.873/99. No entanto, o § 2º da mesma Lei traz uma regra diferenciada para os casos em que a infração administrativa também constitui crime, a saber:
§2º Quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.
Dessa forma, cotejando o disposto no artigo 1º, § 2º, da Lei 9.873/99, com os princípios da razoabilidade e procedendo-se a uma interpretação lógica e sistemática, não se pode inferir que se aplica o § 2º a qualquer fato que seja tipificado como infração administrativa e crime ambiental.
Percebe-se que no tocante a aplicação do prazo prescricional penal a Lei estabeleceu um único requisito objetivo, qual seja, o enquadramento da infração administrativa ambiental também como crime ambiental.
Não importa, para fins de aplicação do prazo da legislação penal o grau de censurabilidade social e ambiental da conduta praticada pelo administrado, ou seja, independente da conduta, o que interessa é aferir se há correspondência com algum tipo penal e então aplicar o prazo prescricional do Código Penal.
Isso porque, a exigência da lei diz respeito exclusivamente ao fato delituoso que confere ao Estado um prazo para apuração e aplicação da penalidade administrativa e penal em igual prazo, seja superior ou inferior ao prazo geral de 5 anos.
Como saber o prazo da prescrição quando a infração é crime ambiental?
O prazo prescricional das infrações ambientais pode ser menor ou maior do que 05 anos quando a conduta praticada também constituir crime ambiental, caso em que deverá ser observado o artigo 109 do Código Penal:
Art. 109 do Decreto-Lei nº 2848 de 1940.A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010)
I – em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;
II – em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;
III – em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;
IV – em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;
V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;
VI – em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.
Esse prazo na esfera administrativa, porém, não é ininterrupto. É a própria lei que estabelece alguns eventos capazes de interromper o prazo prescricional em processos administrativos ambientais.
Isso quer dizer que, cada vez que o Estado pratica um ato que se enquadra nas modalidades estabelecidas na Lei, o prazo que ele possui para apurar a infração ambiental e consolidar a penalidade é interrompido, voltando a correr integralmente.
Quantas vezes a prescrição pode ser interrompida
Como já mencionado, a disciplina geral sobre a prescrição da pretensão punitiva, pela Administração Pública Federal, consta da Lei 9.873/99, havendo disposição específica em relação aos processos administrativos punitivos ambientais no Decreto 6.514/08.
Especificamente sobre os prazos interruptivos da prescrição, serão observadas as normas constantes do artigo 2º da Lei 9.873/99 e do artigo 22 do Decreto 6.514/08.
Já analisamos aqui no nosso site cada uma das classes de atos capazes de interromper o prazo prescricional que podem ser praticados no processo administrativo para apuração de infração ambiental.
Prescrição somente pode ser interrompida uma única vez
Embora a doutrina e jurisprudência majotária sejam no sentido de que há vários atos capazes de interromper a prescrição no processo administrativo ambiental, é necessário observar que, via de regra, cada tipo de ato somente poderá ocorrer mais de uma vez.
Para nós, não é possível que a Administração promova diversas ações dentro do processo administrativo punitivo podendo interromper a prescrição mais de vez, na verdade, várias vezes.
Esse entendimento de que a Administração Pública pode interromper a prescrição mais de uma vez com determinados atos realizados no curso do processo administrativo está equivocado e deve ser revisto pela doutrina e jurisprudência. Mas isso é tema para outro artigo que será publicado aqui no site.
Marcos interruptivos da prescrição da ação punitiva
Embora nosso Escritório passou a entender que a prescrição da pretensão punitiva somente pode ser interrompida uma única vez no curso do processo administrativo, não é esse o atual entendimento majoritário da jurisprudência.
Por isso, necessário explicar ao leitor quais são os atos que, para a atual jurisprudência são capazes de interromper a prescrição. Neste ponto, prevê o art. 2º da Lei 9.873/99:
Art. 2º Interrompe-se a prescrição da ação punitiva:
I – pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital;
II – por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;
III – pela decisão condenatória recorrível.
IV – por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal.
Vale lembrar a informação de que a prescrição da pretensão punitiva do Estado, decorrente do poder de polícia, interrompe-se, de acordo com o atual entimento, toda vez que verificada a ocorrência de evento com previsão no artigo 2º da Lei 9.873/99, reiniciando-se, por inteiro, a contagem do interstício temporal.
Atos que interrompem ou não a prescrição
Com efeito, meros atos processuais praticados no curso do processo administrativo de apuração de infração ambiental que não importem na efetiva apuração do fato não possuem o condão de obstar o curso do prazo prescricional.
Já os atos de comunicação que tenham sido realizados para chamar o interessado ao processo no intuito de se defender, para comunicá-lo da prolação de decisão, que importem na apuração do fato ou tentativa de conciliação são aptos a interromper o prazo prescricional.
A lei foi expressa em relação aos atos que podem interromper a prescrição, o que leva à conclusão lógica de que se fosse qualquer ato capaz de interromper o lustro prescricional o legislador não teria expressamente previstos essas causas. Assim, não cabe ao intérprete restringir as causas interruptivas da prescrição onde o ordenamento não o fez.
Para as infrações ambientais, a interpretação à expressão “ato inequívoco da administração que importe apuração do fato” encontra-se prevista na própria norma ambiental, que os definiu como “aqueles que impliquem instrução do processo”.
E é de “instrução” todo ato que objetivamente se preste à formação de uma decisão, o que se aplica, por meio de raciocínio jurídico analógico, ao processo administrativo em primeira instância, que é onde efetivamente o fato será apurado.
Logo, a “instrução” a que se reporta o Decreto 6.514/08 e que decorre dos termos da Lei 9.873/99, se materializa nos atos praticados no processo administrativo com a finalidade de instruir a formação da decisão administrativa em primeira instância e que constituem procedimento de apuração.
A decisão condenatória recorrível é aquela da qual ainda cabe recurso administrativo, mantendo aberta a possibilidade de discussão da autuação no âmbito administrativo.
Por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal (artigo 2º, inciso IV,da Lei 9.873/99) se enquadram, por exemplo, o pedido de parcelamento da multa.
Também se enquadra nessa hipótese a proposta de celebração de termo de compromisso ou termo de ajustamento de conduta, bem como a audiência de conciliação, os procedimentos referentes à conversão de multa, dentre outros previstos em lei.
Essas hipóteses interrompem a prescrição no processo administrativo porque materializam o intuito dos envolvidos no processo punitivo ambiental em por fim ao conflito de interesses de forma consensual.
Contudo, embora a jurisprudência seja escassa, a prescrição da pretensão punitiva somente pode ser interrompida uma única vez no curso do processo, e não toda vez que a Administração pratica determinados atos previsto no art. 2º da Lei 9.873/99, tema para outro post aqui do blog.
Prescrição intercorrente administrativa
O § 1º, do art. 1º, da Lei 9.873/99, estabelece que incide a prescrição para o caso de oprocesso permanecer paralisado por três anos. Estes o seus termos:
§1º Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.
A regra é repetida pelo § 2º, do art. 21, do Decreto 6.514/08, que estabelece o processo administrativo para apuração as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, e que tem a seguinte redação:
§2º Incide a prescrição no procedimento de apuração do auto de infração paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação.
Segundo Maria Helena Diniz (Dicionário Jurídico, vol. 3. Ed. Saraiva, 1998, p. 699) , a prescrição intercorrente “é admitida pela doutrina e jurisprudência, surgindo após a propositura da ação. Dá-se quando, suspensa ou interrompida a exigibilidade, o processo administrativo ou judicial fica paralisado por incúria da Fazenda Pública”.
Assim que, para a incidência da prescrição intercorrente, basta a paralisação do processo administrativo por 3 anos ou mais, sem qualquer tipo de ato capaz de interromper o prazo prescricional trienal.
Assim, quando a Administração Pública não pratica atos de despacho ou julgamento durante o período de três anos, estará caracterizada a sua inércia e consequentemente a prescrição intercorrente.
Vale observar que são comuns processos administrativos que possuem documentos como certidões, pareceres, manifestações e afins que são equivocadamente intitulados como despachos, mas que na verdade não possuem o condão de interromper a prescrição intercorrente trienal.
Por fim, relembra-se que a Lei 9.873/99 e o Decreto 6.514/08 não estabelecem prazo para o julgamento do processo administrativo ambiental, mas sim lapso prescricional ligado à sua paralisação, isto é, à demonstração de desídia da Administração em apurar a infração ambiental.
Conclusão
A prescrição intercorrente deve ser entendida como uma forma de sanção imputada à própria Administração, que, em face da sua inércia, não promoveu os meios e atos necessários para remover o estado de paralisia do processo.
Consequentemente, para caracterizar a prescrição, é necessária a demonstração de que a Administração não praticou qualquer ato processual tendente a apurar a infração ambiental.
A literalidade das legislações é clara quanto à imposição da prescrição da pretensão punitiva e da prescrição intercorrente em processos administrativos ambientais quando ausente marcos interruptivos.
Vale lembrar que para demonstrar a prescrição em uma ação anulatória de auto de infração ambiental, cabe ao advogado apresentar a cópia do processo administrativo e demonstrar de maneira cabal a existência de prescrição, seja ela a prescrição da pretensão punitiva, intercorrente ou ambas.