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Lei 9.784/199 – Regula o processo administrativo em âmbito federal
A Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999, não é legislação ambiental, mas regula e orienta o processo administrativo em âmbito federal, não se estendendo aos processos administrativos estaduais e municipais quando estes possuírem legislação própria que regulamente seus processos.
Merece destaque o art. 26, segundo o qual a intimação deve ser feita por meio que assegure a certeza da ciência do interessado e que, quando estes forem indeterminados, desconhecidos ou tenham domicílio indefinido, a intimação deverá ser efetuada por meio de publicação oficial.
Ou seja, é previsão legal desde 1999, que se coaduna com o direito ao contraditório e à ampla defesa, que a notificação por edital constitui exceção à regra de notificação pessoal ou postal, cabível somente quando frustradas as tentativas de intimação do autuado ou quando estiver ele em lugar incerto e não sabido.
Essa regra pode ser invocada, inclusive, para processos administrativos ambientais instaurados por órgãos federias desde 1999.
Também merece destaque o artigo 50, que impõe à Administração Pública o dever de motivar os atos administrativos, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos que neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses do administrado, sendo que sua violação conduz à anulação do ato.
Ou seja, as decisões administrativas de imposição de penalidade, ainda que cautelares, devem ser devidamente motivadas, de forma explícita, clara e congruente.
Contudo, essas decisões podem consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato, o que caracteriza a motivação per relationem ou aliunde.
Lei 9.873/1999 – Dispõe sobre o prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva
A Lei Federal 9.873 de 23 de novembro de 1999 não é exclusiva da área ambiental, mas estabelece o prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, excetuadas as infrações de natureza funcional e de processos de natureza tributária.
Contudo, tal lei não é aplicada a processos administrativos ambientais estaduais ou municipais que tenham normas próprias sobre prescrição ou que sejam omissas.
Referido diploma dispõe sobre a prescrição da pretensão punitiva quinquenal; do prazo prescricional quando a infração administrativa também configurar crime ambiental; da prescrição intercorrente trienal; da prescrição da ação de execução para a cobrança da multa ambiental; e, ainda, dos atos que interrompem a prescrição.
Merece destaque a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a prescrição disciplinada pela Lei 9.873/99 é inaplicável à atuação administrativa dos Estados e Municípios na apuração de infrações ambientais, uma vez que o âmbito de eficácia destes diplomas normativos circunscreve-se ao exercício do Poder de Polícia da Administração Pública Federal.
[…] 4. O art. 1º do Decreto 20.910/1932 regula somente a prescrição quinquenal, não havendo previsão acerca de prescrição intercorrente, prevista apenas na Lei 9.873/1999, que, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não se aplica às ações administrativas punitivas desenvolvidas por Estados e Municípios, em razão da limitação do âmbito espacial da lei ao plano federal.
5.Dessa forma, ante a ausência de previsão legal específica para o reconhecimento da prescrição administrativa intercorrente na legislação do Estado do Paraná, ante a inaplicabilidade do art. 1º do Decreto 20.910/1932 para este fim, bem como das disposições da Lei 9.873/1999, deve ser afastada a prescrição da multa administrava no caso, já que, em tais situações, o STJ entende caber “a máxima inclusio unius alterius exclusio, isto é, o que a lei não incluiu é porque desejou excluir, não devendo o intérprete incluí-la”
(REsp 685.983/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 20/6/2005, p. 228). 6. Recurso Especial provido. (REsp 1662786/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/05/2017, DJe 16/06/2017)
Significa dizer que, se a legislação estadual ou municipal não prevê a hipótese de prescrição intercorrente ou propriamente dita, que podem ocorrer no curso do processo administrativo ambiental, não se pode aplicar, nem por analogia, a Lei Federal 9.873/99.
Lei 9.985/00 – Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC
A Lei Federal 9.985 de 18 de julho de 2000 regulamentou o artigo 225, inciso III, da Constituição Federal, instituindo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, popularmente chamada de Lei do SNUC, que estabelece critérios e normas para criação, implantação e gestão das unidades de conservação.
O Decreto 6.514/08 dispõe, entre seus artigos 84 e 93, das infrações administrativas cometidas exclusivamente em Unidades de Conservação – UCs.
A Lei do SNUC divide as Unidades de Conservação em Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável. Enquanto o objetivo daquelas é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, estas, por sua vez, visam a compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela de seus recursos naturais.
Dentro das Unidades de Conservação de Proteção Integral também foram definidas categorias, que se dividem em: Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural e Refúgio da Vida Silvestre.
Já as categorias de Unidades de Conservação de Uso Sustentável são: Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN).
As unidades de conservação são criadas por ato do Poder Público, geralmente através de decreto, e devem ser precedidas de estudos técnicos e de consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade.
Questão importante foi enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça (AgRg no AREsp 611.366), em situação que, apesar de envolver o crime ambiental previsto no artigo 40 da Lei 9.605/98, com redação idêntica à infração administrativa do artigo 91 do Decreto 6.514/08, foi se o dano causado ao Parque Nacional da Serra da Canastra – Unidade de Conservação Federal (UCF) instituída pelo Decreto 70.355/1972 – configurava o crime ambiental do art. 40, mesmo em se tratando de propriedade privada, pois não efetivada a desapropriação pelo Poder Público.
O Decreto Federal de criação do referido parque foi editado em 1972 e a desapropriação jamais se consumou, permanecendo a área sob a propriedade do particular.
Ocorre que o art. 10 do Decreto-Lei n. 3.365/41, que dispõe sobre as desapropriações por utilidade pública, estabelece que a expropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do decreto e findos os quais este caducará.
No caso, o dano à Unidade de Conservação ocorreu no ano de 2008, e considerando que não houve a expropriação no prazo de 5 anos, contados a partir de 1972, o decreto caducou, afastando-se a tipicidade do crime ambiental do artigo 40 da Lei 9.605/98.
Decreto 20.910/32 – Regula o prazo prescricional
O Decreto Federal 20.910, de 06 de janeiro de 1932, regula o prazo prescricional das dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, inclusive para o ajuizamento de ação que objetive declarar nulo auto de infração ambiental.
O referido Decreto regula o prazo prescricional para a execução de multas administrativas, que é de 5 anos, contados do término do processo administrativo, conforme teor da Súmula 467 do STJ, ante a inaplicabilidade dos prazos prescricionais da Lei Federal 9.873/99 aos Estados e Municípios.
Ou seja, finalizado o processo administrativo nestes entes e não havendo legislação acerca do prazo prescricional para ajuizamento da execução fiscal, aplica-se a prescrição quinquenal do aludido decreto.
Entretanto, o próprio Superior Tribunal de Justiça tem entendido, mais recentemente, que o Decreto 20.910/32 regula somente a prescrição quinquenal, não havendo previsão acerca de prescrição intercorrente, a qual é prevista apenas na Lei 9.873/1999 e no Decreto Federal 6.514/08, e, portanto, não se aplica às ações administrativas punitivas desenvolvidas por Estados e Municípios:
Consoante a pacífica jurisprudência do STJ, “o art. 1º do Decreto 20.910/1932 apenas regula a prescrição quinquenal, não havendo previsão acerca de prescrição intercorrente, apenas prevista na Lei 9.873/1999, que, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não se aplica às ações administrativas punitivas desenvolvidas por Estados e Municípios, em razão da limitação do âmbito espacial da lei ao plano federal”
(STJ, REsp 1.811.053/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 10/09/2019). […]. (STJ – REsp: 1897072 PR 2020/0247317-3, Relator: Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Data de Julgamento: 01/12/2020, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/12/2020)
Significa dizer que, ante a ausência de previsão legal específica para o reconhecimento da prescrição administrativa intercorrente na legislação dos Estados e Municípios, e não sendo aplicável o Decreto 20.910/32 nem a Lei 9.873/1999 para esse fim, o Superior Tribunal de Justiça tem afastado a prescrição intercorrente em tais situações.
Código Penal – Regula a prescrição dos crimes e infrações ambientais
O Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1949, mais conhecido como “Código Penal”, é aplicável para aferição do prazo prescricional das infrações administrativas, quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime ambiental.
Referidos prazos prescricionais estão previstos no artigo 109 do Código Penal, e quando a infração administrativa também constituir crime ambiental, o prazo da pretensão punitiva, seja para lavrar o auto de infração, seja durante o processo administrativo, será o previsto naquele artigo, e não a regra geral da prescrição quinquenal.
A título de exemplo, cite-se a infração administrativa de causar dano à unidade de conservação prevista no artigo 91 do Decreto 6.514/08, que também configura o crime ambiental do artigo 40 da Lei 9.605/98, com redação idêntica, cuja pena máxima cominada para o delito é de 5 anos.
Nesse caso, considerando a pena máxima em abstrato cominada para o crime, o prazo prescricional será de 12 anos, conforme disposto no artigo 109, inciso III, do Código Penal; ou seja, esse é o prazo que a Administração Pública tem para apurar o ilícito ambiental, contado da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
Já a infração administrativa do art. 74 do Decreto 6.514/08 constitui também o crime ambiental elencado no art. 60 da Lei 9.605/98, cuja pena máxima em abstrato é de 6 meses, de modo que que a prescrição da pretensão punitiva ocorre em 3 anos, nos termos do artigo 109, inciso I, do Código Penal, por se tratar de pena inferior a 1 ano.
Entendemos que também incide no processo administrativo o disposto no art. 114, inciso I, do Código Penal, que prevê a prescrição da pena de multa em 2 anos, quando esta for a única cominada ou aplicada, desde que a infração administrativa que resultou na multa constituir crime ambiental e a pena de multa for aplicada isoladamente.
Significa dizer que, sobrevindo decisão da autoridade julgadora ao final do procedimento administrativo que impõe única e exclusivamente a penalidade de multa pecuniária – simples ou diária –, observa-se se, entre a data da notificação do autuado, ainda que por edital, e a decisão administrativa condenatória transcorreu lapso temporal superior a 2 anos, observada as causas interruptivas, e se tiver transcorrido mais de 2 anos, estará prescrita a pena de multa.
Código de Processo Civil – Aplicado ao processo administrativo
Segundo dispõe o artigo 15 do Código de Processo Civil de 2015, na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.
O dispositivo é claro em admitir aplicação supletiva e subsidiária das normas desse diploma processual, na ausência de normas específicas sobre processo administrativo, sem que isso afronte as normas específicas do processo administrativo, uma vez que não se afasta vigência de nenhuma legislação, mas tão somente a complementa naquilo que for omissa.
Percebe-se que o Código de Processo Civil contém diversos enunciados normativos que reproduzem disposições constitucionais ou se destinam a concretizá-las, explicitando-as melhor e tendo uma importante função retórica de contribuir para sua aplicação mais efetiva e adequada.
A aplicação da norma processual em referência aos processos administrativos de forma supletiva e subsidiária é plenamente possível e até mesmo aconselhável, porque estabelece relação integrativa, assim como outros diplomas federais (Código de Penal, Código de Processo Penal, etc.).
Não há qualquer óbice de aplicação do CPC aos processos administrativos, sobretudo quando órgãos estaduais e municipais se utilizam de legislação federal, a exemplo da Lei 9.605/98 e Decreto 6.514/08, para lavrar auto de infração e impor sanções aos administrados.
Inclusive, no dia 06.03.2023, o Supremo Tribunal Federal – STF, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5492, proposta pelo Estado de Rio de Janeiro, integrada por outros 17 Estados que concordavam com o pedido, reconheceu constitucional a expressão “administrativo” contida no artigo 15 do Código de Processo Civil, não havendo mais óbice à aplicação dos dispositivos processuais civis aos processos administrativos federais, estaduais e municipais.
Portanto, sempre será possível aplicar as normas do Código de Processo Civil para integrar o Processo Administrativo diante de omissão deste, cuja resposta conferida pelo sistema processual civil não seja incompatível com os princípios regedores do processo administrativo, sobretudo após o Supremo Tribunal Federal – STF declarar constitucional a expressão “administrativos” do art. 15, conforme ADI 5492.
Código Tributário Nacional – CTN
O Código Tributário Nacional – CTN dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios, e não se aplica ao processo administrativo ambiental sancionador, porque a multa sanção é crédito-não tributário decorrente do exercício do poder de polícia pela Administração Pública.
A multa ambiental possui natureza de sanção (créditos de natureza não-tributária), que não se enquadra no conceito de tributo e, portanto, não se aplica o Código Tributário Nacional – CTN, nem as regras de Direito Privado, uma vez que a Administração, ao aplicar a multa, está agindo no exercício do poder de polícia – isto é, o vínculo é de natureza administrativa.
Por outro lado, o CTN se aplica à Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA, por se tratar de uma espécie de tributo sujeita a lançamento por homologação, a qual foi instituída pela Lei 10.165/00, que alterou a Lei 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente).
Até porque, a TCFA é referente ao exercício regular do poder de polícia conferido ao IBAMA para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais.
E tanto o é, que o próprio art. 23 do Decreto 6.514/08 dispõe que os prazos prescricionais nele previstos não se aplicam aos procedimentos relativos à TCFA.
A TCFA, portanto, não se confunde com multa aplicada por infração administrativa às normas de proteção do meio ambiente.
E, em se tratando de tributo, está sujeito à homologação, cujo quinquênio da constituição do crédito tributário começa a ser contado do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorreu o fato gerador, aí sim aplicável o Código Tributário Nacional – CTN (art. 173, inciso I, parágrafo único).
Legislação estadual e municipal ambiental
A Constituição Federal determina em seu art. 225 que cabe ao Poder Público, assim como à coletividade, a defesa e preservação do meio ambiente, dispondo no § 3º que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Já o art. 24, inciso VI, estabelece a competência concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal para legislar em matéria ambiental.
Significa que Estados e Municípios podem estabelecer suas próprias infrações administrativas por ilícitos ambientais, bem como dispor sobre o processo administrativo.
No caso do Municípios, essa competência fica circunscrita quando houver interesse local e suplementando a legislação federal e estadual, no que couber, por força do art. 30, incisos I e II.
Logo, os Municípios podem estabelecer normas supletivas e complementares relacionados ao meio ambiente, observadas as que forem estabelecidas nas esferas estadual e federal.
Importante destacar que a maioria dos órgãos ambientais estaduais e municipais integrantes do SISNAMA utiliza o Decreto 6.514/08 e a Lei Federal 9.605/98 para lavrar auto de infração, instaurar o processo administrativo e aplicar penalidades.
Entretanto, nem sempre tais órgãos seguem o rito previsto na referida legislação, limitando-se a indicação do dispositivo violado, o que, para nós, viola o princípio da legalidade e da reserva legal.
Ou o órgão aplica a norma integralmente, ou nada aplica, pois à Administração não é dado o poder de escolher artigos, incisos e alíneas aleatoriamente para punir o administrado, desprezando outros, em detrimento do postulado constitucional da ampla defesa, tendo em vista que a discricionariedade do Administrador encontra limite no devido processo legal.