Ainda que reconhecida a importância de área de interesse ambiental local, não há justificativa para aplicação do embargo acautelatório contra imóveis construídos em área de preservação permanente – APP já há alguns anos.
Isso porque, o embargo impossibilita a utilização do imóvel, fato diametralmente oposto à medida, cujo objetivo é impedir a continuidade do dano ambiental, propiciar a regeneração do meio ambiente e dar viabilidade à recuperação da área degradada.
Ora. Se não há continuidade de dano ambiental, não há que se falar em embargo, pois como medida de polícia, é destinado à satisfação de finalidades específicas a garantir o resultado prático do processo administrativo.
E isso, sobretudo, quando se tratar de situação estável, que perdura há anos, tolerada pela Administração desde a construção, e, assim, por óbvio, inexistirá o perigo da demora a justificar a drástica imposição de embargo acautelatório, que se afigura verdadeira medida sancionatória.
Índice
1. Termo de embargo só serve para impedir continuidade do dano
Se não houver correspondência entre as medidas de polícia e a finalidade para a qual foram criadas, alguns pressupostos de validade do ato administrativo não estarão preenchidos.
É que tais medidas devem ser destinadas a promover consequências no mundo fático, isto é, para prevenir a ocorrência de novas infrações, resguardar a recuperação ambiental e garantir o resultado prático do processo administrativo.
Com efeito, é pressuposto de validade do ato a pertinência entre seu objeto e o resultado previsto em lei que se espera com a prática desse ato. Essa é a lição de Fernanda Marinela[1]:
Todavia, o ato administrativo, além da finalidade geral que é o interesse coletivo, deve também observar a finalidade específica, prevista pela lei, tendo em vista que, para cada propósito que a Administração pretende alcançar, existe um ato definido em lei, porque, conforme veremos em tópico seguinte, o ato administrativo caracteriza-se por sua tipicidade, atributo pelo qual o ato administrativo deve corresponder às figuras previamente definidas em lei, como aptas a produzirem determinado resultado.
Vê-se que, só estará autorizada intervenção tão drástica se adotada com o fito de prevenir a ocorrência de novas infrações, resguardar a recuperação ambiental e garantir o resultado prático do processo administrativo, o que evidentemente não é o caso de uma construção, ainda que em APP, cuja situação é estável e perdura por anos.
2. Termo de embargo ambiental e a possibilidade de regularização
O embargo do empreendimento tem como pressuposto de validade que a medida tenha por efeito prático propiciar a recuperação de eventual dano ambiental, obviamente, nos casos em que for exigida tal recuperação.
A medida de embargo da propriedade, geralmente não só limita a utilização normal do bem, mas também proíbe qualquer atividade, o que se mostra, indubitavelmente, irreversível, sobretudo quando se tratar de imóvel passível de regularização.
A regularização de imóveis construídos em área de preservação permanente – APP é possível, conforme autoriza a Lei 13.465, de 2017, resultante da conversão da Medida Provisória 759, de 2016, que prevê normas gerais e procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana (REURB).
3. Diferença entre termo de embargo acautelatório e sancionatório
Quando analisamos processos administrativos ambientais, percebemos, sem grandes esforços, que a medida acautelatória administrativa aplicada à parte autuada geralmente é desarrazoada e sem fundamento, e para tanto, há medidas que permitem sua suspensão.
Para reforçar a necessidade de suspensão do termo de embargo imposto, necessário se faz esclarecer a diferença entre embargo aplicado como medida acautelatória e embargo sancionatório.
O embargo ambiental, na maioria das vezes, é interpretado de forma equivocada pela equipe de fiscalização, a qual não faz a correta interpretação da norma ao impor o embargo, porque quando não houver a continuidade de atividade poluidora ou degradadora, não há motivos para impor o embargo
Há dois tipos de embargos: o acautelatório, aplicado como medida administrativa cautelar; e, o sancionatório, aplicado quando do julgamento do processo administrativo, o qual observa o devido processo legal.
A diferença entre os dois tipos de embargos é muito bem delineada por Curt Trennepohl[2], ex-presidente do IBAMA e autor da obra “Infrações Ambientais”. Para o doutrinador, embargos acautelatórios são aqueles aplicados pelo agente de fiscalização no ato da constatação da irregularidade e servem para impedir a continuidade da infração.
Já os embargos sancionatórios, são definidos pelo referido doutrinador como sendo aqueles que dependem da confirmação do embargo acautelatório pela autoridade julgadora, após o devido processo legal e ampla defesa.
Sendo assim, não há se falar em continuidade de atividade poluidora ou degradadora para imposição de embargo acautelatório quando o imóvel já está construído, pois mesmo que se entendesse (hipoteticamente) que o uso do imóvel implicasse em um dano, tratar-se-ia de imóvel passível de regularização (REURB).
4. Conclusão sobre impossibilidade de impor embargo ambiental
Deveras, é dever do poder público a preservação e proteção dos espaços territoriais especialmente protegidos, à luz dos princípios e da norma constitucional.
No entanto, deve-se ponderar a sua atuação à vista das peculiaridades do caso, notadamente da razoabilidade, pois a despeito de reconhecer a pertinência e importância da proteção ambiental, não pode agir manu militari, desproporcionalmente, impondo obrigações desarrazoadas, como a indisponibilidade total do bem, com o risco de violação flagrante do direito constitucional a atividade econômica, comprometendo a função social da propriedade, incorrendo, assim, no periculum in mora inverso, o que é totalmente vedado.
O receio que justifica a atuação do poder geral de cautela é o que se relaciona a um dano provável, embasado em circunstâncias concretas ─ e não apenas possível ou eventual ─, e, ainda, a um perigo iminente, de forma que a espera do curso normal do processo resulte na inutilidade do provimento.
Frise-se que o embargo constitui sanção, com previsão legal específica, aplicado quando houver risco de a continuidade da atividade agravar os danos ao meio ambiente, o que não se não for o caso, inexiste a possibilidade de um dano iminente irreversível ao meio ambiente, daí porque falecerá razão à medida de embargo, mormente em se tratando de situação estável que perdura há anos.
Em que pese em se tratando de preservação ambiental deva prevalecer o interesse público sobre o particular, a desproporcionalidade da medida de embargo, por vezes, extrapola aquelas necessárias a garantir a compensação ambiental, a caracterizar o periculum in mora inverso.
Dito isso, é de se reforçar que, o embargo deve estar atrelado ao efeito prático de garantir a regeneração de uma área em caso de dano ambiental, sendo a pertinência entre a medida de polícia e a finalidade específica pressuposto de validade desse ato administrativo.
Portanto, não é razoável impor ou manter embargo sobre uma propriedade, muito menos, opor ao particular restrição administrativa desprovida de necessidade prática, de modo que, em casos assim, será possível suspender o termo de embargo até o julgamento definitivo do processo é de rigor.