O escritório ajuizou uma ação ordinária de regularização de guarda de ave silvestre cumulada com antecipação de tutela contra o IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, visando a guarda definitiva de um papagaio-verdadeiro que convive com o autor da ação há 37 anos.
O autor de ação e tutor do papagaio compareceu espontaneamente perante o Poder Judiciário com o objetivo de regularizar a guarda de papagaio de espécie não ameaçada de extinção, diferente daqueles casos em que o tutor só busca a tutela jurisdicional porque foi alvo de fiscalização e aplicações de sanções, tal como apreensão da ave silvestre.
O pedido de tutela antecipada (ou liminar) foi realizado para impedir que o IBAMA, ao saber da ação, realizasse fiscalização no local na residência do autor e apreendesse o papagaio, hipótese que poderia resultar na morte do papagaio, dada a relação de afeto com seu tutor, além do risco ao resultado útil do processo e perigo de dano.
Índice
Pedido para impedir a apreensão do papagaio
Para corroborar suas alegações em sede de tutela antecipada, e comprovar que possuía o papagaio há 37 anos, o autor da ação, dentre outras provas, apresentou atestado médico veterinário comprovando que a ave se encontra em ótimo estado de saúde, sem sinais de linha de-estresse nas penas, musculatura peitoral dentro da normalidade, sem afecções ou irritações de pele, garras perfeitas, olhos vívidos, e bem nutrido e calmo.
O atestado médico veterinário também atestou que o papagaio é uma ave domesticada que desenvolveu afinidade com seu tutor, sentindo-se seguro em sua presença, inclusive demonstrando afeto e ciúme se outra pessoa se aproxima, e que seu afastamento acarretaria enorme estresse à ave, possivelmente até sua morte, pois se encontra totalmente adaptado, sendo inviável sua reinserção na natureza.
Além disso, atestou a médica veterinária que o tutor e autor da ação de regularização de animal silvestre, mantém toda uma rotina de cuidados e atenção para com a ave, a qual se encontra adaptada, feliz, com cuidados apropriados, incluindo atenção e carinho e qualquer tentativa de reinserção a natureza ou retirada do convívio e rotina atual acarretará em extremo prejuízo a saúde e vida do papagaio.
Concessão de tutela antecipada para impedir a apreensão do papagaio
Ao analisar o pedido de tutela antecipada, o juízo responsável observou que o papagaio convivia com o autor da ação há 37 anos; a espécie não é ameaçada de extinção, e se encontra em bom estado de saúde, conforme atestado pela médica veterinária assistente.
Também anotou que a ave silvestre objeto da lide teria sido encontrada há 37 anos por um vizinho do autor à época, o qual teria entregado o papagaio aos cuidados do autor, e que agora, independentemente de procedimento fiscalizatório, pretende regularizar a posse de espécime proveniente da fauna silvestre.
O juízo ainda citou o documento emitido pela médica veterinária que atestou estar a ave em boas condições de saúde, sem sinais de estresse, bem nutrida, calma e domesticada, entendo, em juízo preliminar, presente a probabilidade do direito.
E, citando jurisprudência atual, o juízo entendeu que o perigo de dano estaria presente, já que a remoção compulsória do animal silvestre poderia gerar dano irreparável, inclusive com risco de estresse e morte da ave, conforme declarado pela médica veterinária, sendo indispensável avaliar criteriosamente os riscos de uma mudança, em especial sem o amparo e preparo adequados.
Assim, a tutela antecipada foi deferida para determinar ao IBAMA que se abstenha de apreender o papagaio e de impor qualquer tipo de penalidade administrativa ambiental ao autor até que se decida efetivamente o presente feito.
O IBAMA foi intimado e citado, comunicando nos autos que adotou as providências para evitar que a fiscalização apreendesse o papagaio, e em seguida ofereceu contestação, já devidamente impugnada pelo autor e tutor da ave silvestre. O processo seguirá até o julgamento definitivo.
Caso isolado
O autor da ação não foi alvo de fiscalização e nem teve seu papagaio apreendido, porém, decidiu buscar o apoio técnico-jurídico para regularizar a ave que possui há 37 anos, cuja espécie não está ameaçada de extinção, conforme Portaria 148, de 7 de junho de 2022.
No caso, não há qualquer risco de ameaça para a ave enquanto espécie silvestre para ser mantido no seu lar, junto com o autor, considerando a ausência de qualquer indício de maus-tratos, crueldade e propósito mercantil.
Trata-se de um caso isolado, onde de boa-fé, o Autor, na adolescência, recebeu o papagaio ainda filhote e muito debilitado, passando a lhe dar todo o afeto e carinho, que com o tempo se tornou recíproco, tornando-se laços afetivos indissolúveis.
Segundo a médica veterinária “a ave encontra-se adaptada, feliz, com cuidados apropriados, incluindo atenção e carinho e qualquer tentativa de reinserção a natureza ou retirada do convívio e rotina atual acarretará em extremo prejuízo a saúde e vida da ave”.
Ademais, mesmo levando em consideração que as normas ambientais visam proteger o meio ambiente, é evidente que retirar o papagaio do seu lar e afastá-lo das pessoas com as quais convive há quase quatro décadas acarretaria maiores prejuízos do que sua manutenção.
Além disso, os Tribunais já se consolidaram quanto à possibilidade de posse doméstica de animais silvestres mantidos por muitos anos em cativeiro doméstico, sem indícios de maus-tratos, especialmente porque a readaptação desses animais é procedimento complexo, que acabaria, por muitas vezes, pondo em risco a sua integridade, em prejuízo maior que o da efetiva proteção.
Dessa forma, o autor, receoso em perder a ave, buscou pela prestação jurisdicional para impedir que os órgãos ambientais promovessem qualquer procedimento de apreensão do papagaio, bem como para conseguir regularizar a guarda do animal silvestre.
O mais importante da concessão da antecipação de tutela é impedir a ocorrência de um dano irreparável ou de difícil reparação à parte, de forma a evitar ou ao menos minorar a ineficácia do provimento final.
É possível regularizar um animal silvestre?
A resposta é depende. Não se desconhece que a Constituição Federal, prevê em seu art. 225, § 1º, VII, que incumbe ao Poder Público proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade, questão regulamentada pela legislação infraconstitucional.
Todavia, a devolução de um animal silvestre ao seu habitat natural, quando há muito adaptado em ambiente doméstico, não é razoável, nem lhe proporcionaria proteção, tendo em vista que ninguém melhor que o seu tutor para cuidar da saúde do animal silvestre, que na maioria das vezes não sobreviveria fora dele.
Aqui, calham-se lúcidas as palavras do eminente Desembargador Federal Johonsom Di Salvo, do TRF-3, que ao julgar a Apelação Cível 0020180-02.2010.4.03.6100 em 12.09.2017, consignou importante reflexão:
Mas aqui cabe perguntar: qual a utilidade de se devolver ao habitat selvagem animais que se acostumaram a uma vida aprazível em cativeiro? Quem vai protegê-los dos outros animais predadores de suas espécies? O IBAMA – órgão federal notoriamente carente de recursos – terá condições de remeter os animais em segurança até um local selvagem onde sejam repostos na natureza?
E outras questões se alevantam: será que algum zoológico destinará à ave de que cuida este processo o mesmo tratamento de excelência que o apelante lhe tributa há tantos anos?
A emenda pretendida pelo réu não será pior do que o soneto? Ora, a decisão judicial também deve se pautar pela razoabilidade.
Na singularidade, a devolução da ave – aclimatada a um suave cativeiro, sem sofrer maus tratos e sendo bem cuidada – ao seu habitat natural ou mesmo a entrega a zoológicos não seria razoável tendo em vista que já está adaptada ao convívio doméstico há muito tempo; já perdeu o contato com o habitat natural e estabeleceu laços afetivos com a família do apelante, de modo a tornar a mudança arriscada para a sobrevivência da ave, com perigo de frustração da readaptação.
No caso da ação narrada no início deste artigo, o acolhimento da pretensão também corrobora a tutela cautelar do meio ambiente, prevista no artigo 225 da Constituição Federal, pois tende a regularizar a situação do autor junto ao órgão de fiscalização ambiental a fim de que, sob sua vigilância, o Autor mantenha a guarda do seu do seu papagaio de forma legal.
Critérios para possuir um animal silvestre
A Resolução CONAMA 489, de 26 de outubro de 2018, que estabelece critérios gerais para a autorização de uso e manejo, em cativeiro, da fauna silvestre e da fauna exótica, dispõe:
Art. 3º Para os efeitos desta Resolução, adotam-se as seguintes definições:
I – animal de estimação: espécime proveniente de espécie da fauna silvestre ou fauna exótica adquirido em criadouros ou empreendimentos comerciais legalmente autorizados ou mediante importação autorizada, com finalidade de companhia;
VII – fauna silvestre: espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras;
Art. 5º A propriedade de animais de estimação não se insere em quaisquer das categorias de atividades e empreendimentos tratadas no artigo anterior, sendo vedada a reprodução, a exposição à visitação pública e finalidade diversa à de estimação.
§ 1º Para os fins do caput deste artigo, é suficiente o cadastro previsto na plataforma nacional, não se exigindo processo de licenciamento, autorização ou CTF.
§ 2º A reprodução não intencional de espécimes de que trata o caput deverá ser comunicada pelo proprietário, na forma e no prazo estabelecidos pelo órgão ambiental competente, com a comprovação de ascendência, para registro na plataforma nacional e demais providências de destinação.
§ 3º A propriedade dos animais de que trata o caput poderá ser transferida, desde que acompanhada de seu certificado de origem e a transferência seja registrada pelo proprietário na plataforma nacional.
§ 4º O proprietário de animal da fauna silvestre ou da fauna exótica adquirido anteriormente à implantação do certificado de origem, poderá registrar o seu animal na plataforma nacional apresentando a nota fiscal ou, no caso de transferência de propriedade do animal, apresentando nota fiscal endossada ou nota fiscal acompanhada do termo de transferência.
Pela interpretação literal da lei, em princípio, ainda que seja possível a propriedade de animais da fauna silvestre, a sua aquisição deveria ter sido realizada por meios legalmente autorizados, o que não aconteceu.
Critérios para possuir um animal silvestre
A apreensão de um animal silvestre há muito adaptado em ambiente doméstico é deveras extrema, e se mostra desarrazoada na medida em que não traz qualquer benefício ao animal, muito menos ao meio ambiente.
A jurisprudência consolidou entendimento de que animal silvestre há muito adaptado em ambiente doméstico não deve ser devolvido à natureza, sob pena de não trazer benefício ao animal, sendo viável sua regularização e permanência com seus tutores:
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. NÃO CONFIGURADA A VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO. MULTA JUDICIAL POR EMBARGOS PROTELATÓRIOS. INAPLICÁVEL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 98 DO STJ. MULTA ADMINISTRATIVA. REDISCUSSÃO DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7 DO STJ. INVASÃO DO MÉRITO ADMINISTRATIVO. GUARDA PROVISÓRIA DE ANIMAL SILVESTRE. VIOLAÇÃO DA DIMENSÃO ECOLÓGICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA.
Na origem, trata-se de ação ordinária ajuizada pela recorrente no intuito de anular os autos de infração emitidos pelo Ibama e restabelecer a guarda do animal silvestre apreendido. 2. […].
No que atine ao mérito de fato, em relação à guarda do animal silvestre, em que pese à atuação do Ibama na adoção de providências tendentes a proteger a fauna brasileira, o princípio da razoabilidade deve estar sempre presente nas decisões judiciais, já que cada caso examinado demanda uma solução própria.
Nessas condições, a reintegração da ave ao seu habitat natural, conquanto possível, pode ocasionar-lhe mais prejuízos do que benefícios, tendo em vista que o papagaio em comento, que já possui hábitos de ave de estimação, convive há cerca de 23 anos com a autora.
Ademais, a constante indefinição da destinação final do animal viola nitidamente a dignidade da pessoa humana da recorrente, pois, apesar de permitir um convívio provisório, impõe o fim do vínculo afetivo e a certeza de uma separação que não se sabe quando poderá ocorrer.
Recurso especial parcialmente provido. (STJ, 2ª Turma, REsp 1.797.175/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, julgado em 21/03/2019, REPDJe 13/05/2019, DJe 28/03/2019).
AMBIENTAL. APELAÇÃO CÍVEL. IBAMA. GUARDA DOMÉSTICA DE ARARA. NULIDADE DA SENTENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. ESTADO. LEGITIMIDADE PASSIVA. TERMO DE COMPROMISSO DE DEPOSITÁRIO. ANIMAL ADAPTADO AO CONVÍVIO DOMÉSTICO. RAZOABILIDADE.
Não se configura cerceamento de defesa quando o conjunto probatório dos autos é suficiente para formação da convicção do magistrado.
A competência para licenciamento/autorização de guarda doméstica de animais silvestres é exclusiva do Estado do Rio Grande do Sul, exceto excepcional aplicação do art. 15 da LC 140/11, o que não é o caso dos autos. Contudo, essa constatação não obsta a que parte autora demande o IBAMA – órgão ambiental federal, tendo em vista que a Lei Complementar 140/11 não reduziu a competência comum dos entes da Federação em ações administrativas de fiscalização ambiental.
É indispensável que se proteja a fauna, principalmente pelo que ela representa para a biodiversidade e para o desenvolvimento dos ecossistemas. Daí o interesse em se coibir o comércio ilegal das espécies oriundas da fauna silvestre. Contudo, não se pode chegar ao ponto, por exemplo, de se sacrificar o próprio animal ao argumento de que se estaria protegendo a espécie.
Prudente, pois, a sentença que acolheu a pretensão da autora de permanecer na guarda da arara, considerando que, em casos como o retratado nos autos, envolvendo aves silvestres, a jurisprudência, mais do que a mera aplicação do texto da lei, tem buscado melhor adequar os interesses postos em conflito, ponderando a razoabilidade das autuações e apreensões, sempre atentando para as peculiaridades do caso concreto.
Em um contexto em que o animal já possui largo convívio com a família e recebe afeto e todos os cuidados necessários para sua saúde e bem-estar, a permanência da arara com o interessado normalmente não redunda danos ao meio ambiente, ao contrário, preserva o vínculo afetivo já estabelecido ao longo dos anos.
(TRF4, 4ª Turma, AC 5016192-52.2016.4.04.7100, Relatora Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 27/05/2021.
Como se vê, é firme a jurisprudência, segundo a qual é possível a manutenção em ambiente doméstico de animal silvestre já adaptado, desde que não haja indícios de maus tratos e quando a devolução ao seu hábitat natural traria mais prejuízos do que ganhos ao animal em termos de proteção e bem estar.
2 Comentários. Deixe novo
Caso eu entre com a Ação e não seja favoravel ao meu pedido, eu tenho chances de perder o animal e ainda ser multada?
Se a ação foi julgada improcedente em primeira instância, é cabível para a interposição de recurso para o segundo grau. Por isso é importante analisar a viabilidade e preenchimento dos requisitos antes de ingressar com a ação. Entre em contato pelo botão do WhatsApp ao lado que podemos verificar se no seu caso a ação seria viável.