É muito comum o ajuizamento de ações penais para apurar o crime de desobediência por descumprimento de termo de embargo ambiental administrativo imposto durante a fiscalização ambiental que constatou infração ambiental.
Contudo, a responsabilização por crime de desobediência diante do descumprimento de embargo ambiental administrativo é inadmissível pelo simples motivo.
Esse é o nosso entendimento, no sentido de que não é possível responsabilizar penalmente pessoas físicas e menos ainda as jurídicas pela prática do crime de desobediência, uma vez que somente os crimes ambientais admitem a pessoa jurídica como sujeito ativo. Estão sujeitos, porém, à responsabilização penal por crimes ambientais eventualmente praticados.
Com efeito, a existência de penalidades administrativas destinadas a assegurar o cumprimento do embargo (previstas na Lei 9.608/98 e Decreto 6.514/08), a exemplo da aplicação de multa diária, afasta a caracterização de crime de desobediência.
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Crime de desobediência
O ilícito relacionado à desobediência está tipificado no art. 330 do Código Penal, que assim dispõe:
Art. 330 – Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.
O sujeito ativo dos crimes em geral “é a pessoa que pratica a infração penal. Qualquer pessoa física capaz e com 18 (dezoito) anos completos pode ser sujeito ativo de crime”, conforme lembra Rogério Sanches Cunha[1].
O doutrinador ainda assevera No crime de desobediência, o sujeito ativo é a pessoa física maior de 18 (dezoito) anos que desobedece ordem legal de funcionário público.
Crime de desobediência não pode ser imputado às pessoas jurídicas
As pessoas jurídicas somente podem figurar como sujeito ativo de crimes ambientais, o que ocorre por força da regra insculpida no art. 225, §3º, da Constituição Federal de 1988. A saber:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Para dar efetividade ao mandamento constitucional, foi editada a Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais), que, em seu art. 3º, caput, dispõe que:
Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.
Ao comentar as normas colacionadas acima, Rogério Sanches de Cunha[2] destaca:
Conclusão: tanto a pessoa física quanto a pessoa jurídica praticam crimes (ambientais), podendo ambas ser responsabilizadas administrativamente, tributária, civil e penalmente.
A pessoa jurídica, no entanto, só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral, conforme dispõe o art. 3º da Lei 9.605/98. Essa tem sido a corrente prevalente no STJ.
Portanto, somente os crimes ambientais admitem a pessoa jurídica como sujeito ativo, forçoso concluir pela impossibilidade de imputação da prática do crime de desobediência às pessoas jurídicas. Porém, sujeitam-se elas à responsabilização penal por crimes ambientais porventura praticados.
Mas então, qual a sanção para quem descumpre embargo ambiental?
O descumprimento de embargo administrativo ambiental constitui infração própria, punível administrativamente mediante a aplicação das sanções previstas nos arts. 18 e 79 do Decreto Federal 6.514/2008, que assim estabelecem:
Art. 18. O descumprimento total ou parcial de embargo, sem prejuízo do disposto no art. 79, ensejará a aplicação cumulativa das seguintes sanções:
I – suspensão da atividade que originou a infração e da venda de produtos ou subprodutos criados ou produzidos na área ou local objeto do embargo infringido; e
II – cancelamento de registros, licenças ou autorizações de funcionamento da atividade econômica junto aos órgãos ambientais e de fiscalização.
Art. 79. Descumprir embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas: Multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).
Outra ferramenta disponível na legislação para conter a perpetuação de ilícitos ambientais consiste na possibilidade de aplicação de multa diária ao infrator, consoante dispõe o art. 72, III, da Lei 9.605/98:
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º: […]
III – multa diária; […]
§5º A multa diária será aplicada sempre que o cometimento da infração se prolongar no tempo.
A aludida modalidade sancionatória foi regulamentada no Decreto 6.514/08 da seguinte forma:
Art. 3º As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções: […]
III – multa diária; […]
Art. 10. A multa diária será aplicada sempre que o cometimento da infração se prolongar no tempo. […]
Conclui-se assim, que aquele que descumprir embargo imposto em razão da detecção de conduta contrária à legislação de proteção do meio ambiente, de maneira a ensejar o prolongamento da infração no tempo, está passível de sofrer as sanções administrativas previstas nos dispositivos supratranscritos, mas jamais ao crime de desobediência.
Conclusão
Conforme visto, se, pela desobediência de uma ordem oficial alguma lei comina determinada penalidade administrativa ou civil, não se deverá reconhecer o crime, salvo se a dita lei ressalvar expressamente a cumulativa aplicação do art. 330 do CP
Especificamente no caso do descumprimento de termo de embargo, não há se falar em configuração do crime de desobediência porque para essa conduta já há expressa previsão de sanção administrativa, sem a ressalva de que a infração admite, cumulativamente, responsabilização penal.
Com efeito, não basta o descumprimento do embargo para ensejar o crime de desobediência, sendo indispensável que haja previsão de sanção específica em casos tais, ou seja, que a infração também é punível pelo crime de desobediência.
Assim, o descumprimento de embargo não configura crime de desobediência (art. 330 do CP), porque a legislação previu alternativas para que ocorra o efetivo cumprimento das medidas de embargo, tais como a aplicação de multa diária.
Portanto, em virtude de haver na legislação (Lei 9.605/98 e Decreto 6.514/08) penalidades administrativas destinadas a assegurar o cumprimento do embargo, descarta-se a caracterização do crime de desobediência por descumprimento de embargo, sob pena de configurar bis in idem.
[1] CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal – Parte Geral (arts. 1 ao 120). Volume Único. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 150.
[2] Ob. Cit. p. 151.