No último dia 14 de junho foi proferida a sentença pelo Juízo da Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Juína/MT que determinou ao IBAMA que proceda a regularização do papagaio “Bicudo” em ação patrocinada pelo Escritório Farenzena & Franco Advogados.
O caso ganhou grande repercussão após Cleviane ter postado um vídeo nas suas redes sociais onde apareceria muito emocionada e triste com a ameaça do IBAMA em apreender o papagaio Bicudo que vivia solto após uma denúncia.
A sentença favorável de regularização do papagaio Bicudo foi muito comemorada pelos mais de 1 milhão de seguidores de Cleviane que acompanharam a Live de divulgação da notícia o dia 17 de junho (clique aqui para assistir) com a participação do Dr. Nelson Tonon Neto que esteve à frente do caso.
Índice
Origem da Ação Judicial
Em 2020, Cleviane Moreira Leite encontrou um papagaio-campeiro, batizado de “Bicudo”, em estado de desnutrição e à beira da morte. Com o passar do tempo, o papagaio integrou-se plenamente ao ambiente familiar de Cleviane.
Entretanto, em meados julho de 2023 o IBAMA expediu uma notificação por meio da qual solicitou à Cleviane a apresentação de “toda documentação que comprove a origem legal do papagaio denominado BICUDO.
A notificação do IBAMA foi motivada por “denúncia de crime ambiental praticado via mídias sociais” e tinha o objetivo intrínseco de apreender o papagaio “Bicudo”.
Contudo, o caso do papagaio “Bicudo” tinha uma grande peculiaridade que o diferencia de outras situações: a ave vivia e vive solta, nunca tendo sido posta em cativeiro ou presa em gaiolas.
O papagaio Bicudo também não tinha asas cortadas e muito menos esteve sujeito a abuso ou maus-tratos, o que lhe permitia voar para a floresta e retornar para o ambiente doméstico a qualquer momento.
Papagaio Bicudo vive solto
O fato de a ave viver livre é evidenciado nas próprias redes sociais de Cleviane[1], que são de conhecimento público (sobretudo em virtude da grande repercussão que o caso tomou).
Algumas reportagens veiculadas na televisão sobre o “Bicudo” foram de grande valia para ilustrar as excelentes condições em que o animal vive e a importância das atitudes da parte autora para a preservação da fauna brasileira.
Por exemplo, em matéria especial por conta do Dia Nacional do Papagaio (12/08), o programa Mais Você, apresentado por Ana Maria Braga, exibiu conteúdo sobre o Bicudo[2].
Mas após a ameaça do IBAMA em apreender o papagaio Bicudo, Cleviane ajuizou uma ação na Vara Federal de Juína/MT, requerendo a tutela antecipada para impedir a apreensão do papagaio e, posteriormente, a concessão da guarda definitiva.
Cleviane apresentou diversas provas, incluindo declarações testemunhais, um atestado veterinário que afirmava a inviabilidade de apreensão para posterior tentativa de reintrodução do papagaio Bicudo na natureza, bem como destacou o bem-estar da ave em seu ambiente atual e bons tratos.
Tutela antecipada deferida impedindo a apreensão do papagaio Bicudo
Ao ajuizar a ação, Cleviane requereu a concessão de tutela provisória de urgência para assegurar a guarda provisória do papagaio “Bicudo” até o fim do processo.
Isso porque os requisitos da probabilidade do direito (amparados nos documentos que acompanharam a inicial que comprovam o bem-estar da ave e afeto com a parte autora, além de toda jurisprudência pacífica sobre a matéria), e no perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (consubstanciado na possibilidade de apreensão do papagaio “Bicudo”) estavam presentes.
O pedido de concessão de tutela provisória de urgência foi acertadamente deferido, nos seguintes termos:
In casu, existe documentação apta a demonstrar que o animal encontra-se amplamente adaptado ao cotidiano ao qual esta inserido, assim como há relatório veterinário atestando o bom estado de saúde e declarações pessoas conhecidas da autora informando que se trata de animais que convivem com o demandante há anos.
Ademais, o vínculo afetivo criado entre a família e o animal não pode ser desprezado, pois concorre para a saúde desses envolvidos. Trata-se de um fato consolidado a inserção do papagaio em contexto urbano, familiar e sua domesticação, por longo período, de modo que é mais razoável manter a posse do animal com a autora do que os deixar fragilizados, sem real perspectiva de possível inserção desse animal em habitat natural. […]
Por fim, o perigo ao resultado útil do processo também resta evidente, diante da possibilidade de apreensão do papagaio pelo IBAMA.
DISPOSITIVO
Por essas razões, DEFIRO o pedido de tutela de urgência para determinar que o IBAMA se abstenha de proceder à apreensão do papagaio Bicudo, que se encontra na tutela da autora.
A decisão foi bem alicerçada na legislação e jurisprudência pátrias, levando em consideração as declarações testemunhais a comprovar a convivência entre “Bicudo” e Cleviane há anos, além do atestado de lavra de médica veterinária, a expressar o bom estado de saúde do animal e o risco (inclusive de morte da ave) em caso de apreensão pelo IBAMA.
Mesmo assim, o IBAMA interpôs Agravo de Instrumento contra a decisão liminar, mas não conseguiu reverter a decisão que deferiu a liminar impedindo-o de apreender o papagaio Bicudo.
Contestação do IBAMA e réplica de Cleviane
O IBAMA, em sua contestação, argumentou que a posse de animais silvestres sem autorização era ilegal e incentivava a impunidade e o tráfico de animais.
Sustentou que a manutenção de Bicudo com Cleviane seria prejudicial para a proteção da fauna e destacou a necessidade de aplicar penalidades para infrações ambientais.
Em resposta à contestação, Cleviane apresentou uma réplica detalhada, rebatendo os argumentos do IBAMA. Ela enfatizou que Bicudo vivia solto, sem qualquer tipo de aprisionamento, e que a ave estava plenamente adaptada ao convívio familiar.
A réplica também reforçou a posição de que a retirada de Bicudo de seu ambiente atual poderia acarretar graves prejuízos à sua saúde e bem-estar, inclusive a morte.
A sentença de regularização do Papagaio Bicudo
Apesar da ameaça do IBAMA em apreender o papagaio IBAMA, no último 14 de junho foi proferida a sentença pela Vara Federal Cível e Criminal de Juína/MT favoravelmente à Cleviane.
O juiz confirmou a concessão da tutela antecipada, impedindo a apreensão de Bicudo pelo IBAMA, e determinou a concessão da guarda definitiva da ave à autora.
A decisão destacou a ausência de maus-tratos e a adaptação do papagaio ao ambiente familiar como fatores cruciais para a manutenção de sua guarda com Cleviane. Leia um trecho da decisão:
Ao contrário do que tenta narrar o IBAMA, a autora comprova documentalmente pelo atestado médico id 1883145160 que exerce bons tratos ao animal criado com estima no seio de sua família e que vem se desenvolvendo bem e saudável.
Os registros em rede social trazidos pelo IBAMA só reforçam a visão de autêntica estima havida entre o animal e a família, bem como a narrativa de que o animal está bem e é bem tratado.
Importante destacar, em contraponto às alegações do IBAMA de que o animal conseguiria se adaptar ao seu habitat original na natureza, que ele fora encontrado recém-nascido pela família, o que faz crer que ele dificilmente se adaptará ao ambiente natural.
Logo, não tendo sido apontada nenhuma prova objetiva de cometimento de maus tratos ao animal e tendo sido suficientemente comprovado que ele cresce e se desenvolve bem e saudável, concluo que a melhor medida em sua defesa é mantê-lo com a parte autora.
III – DISPOSITIVO
Ante o exposto:
- INDEFIRO o pedido de retratação e mantenho a decisão id 1887493174 por seus próprios fundamentos;
- CONFIRMO a concessão de antecipação de tutela para determinar que o IBAMA se abstenha de proceder à apreensão do papagaio Bicudo, que se encontra na tutela da autora;
- JULGO PROCEDENTE o pedido formulado para determinar ao IBAMA que conceda a guarda definitiva do papagaio “Bicudo” à parte autora, adotando, isto posto, todos os atos necessários à sua regularização.
Conclusão
Como se sabe, o objetivo maior da legislação ambiental é a busca da efetiva proteção dos animais, devendo tal intenção do legislador guiar a interpretação do julgador em todos os casos em que se discute questão ambiental, não soando razoável, no processo interpretativo, ficar restrito ao elemento literal, devendo ele compreender todo o contexto que envolve a valoração dos fatos e da incidência da norma.
A apreensão para tentativa de devolução do papagaio “Bicudo” ao seu habitat natural, isto é, longe de Cleviane, não seria razoável, nem lhe proporcionaria proteção, tendo em vista que ninguém melhor que a própria Cleviane e sua família para cuidar de sua saúde e bem-estar, como já vem fazendo ao longo dos anos desde que o resgatou desnutrido e prestes a sucumbir à vida. Afinal, trata-se de ave que vive solta e tem livre acesso entre o ambiente doméstico e a floresta.
Na sentença, o Juiz ressaltou a importância de considerar o bem-estar do animal e a relação afetiva desenvolvida com seus cuidadores humanos. A manutenção da guarda de Bicudo com Cleviane demonstra um equilíbrio entre a proteção e bem estar dos animais, servindo como um precedente importante para casos futuros, e também reforça a necessidade de um olhar humano e compassivo na resolução de disputas que envolvem animais.
[1] Disponível em: <https://www.instagram.com/cleviane_moreira/>. Acesso em 25 out 2023.
[2] Disponível em: <https://globoplay.globo.com/v/11856313/> Acesso em 24 out 2023.