Antes de iniciar a leitura desse post, sugerimos que você visite o Manual do processo administrativo ambiental – Parte 1, onde fizemos um panorama geral do processo administrativo, e elencamos os prazos do processo administrativo ambiental federal, como ocorre a fiscalização ambiental e lavratura do auto de infração ambiental.
As fases elencadas na Parte 1 antecedem as fases que iremos tratar neste post, quais sejam, medidas cautelares, circunstâncias majorantes e atenuantes, notificação do autuado e indicação de sanções pelo agente de fiscalização quando da lavratura do auto de infração ambiental.
Índice
Medidas Cautelares
As medidas cautelares têm como objetivo prevenir a ocorrência de novas infrações, resguardar a recuperação ambiental e garantir o resultado prático do processo administrativo.
Assim, constatada uma infração que gera a continuidade do dano ambiental, o agente de fiscalização pode aplicar, cautelarmente, a apreensão; o embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas; a suspensão de venda ou fabricação de produto; a suspensão parcial ou total de atividades.
Também podem ser aplicadas as medidas cautelares de destruição ou inutilização dos produtos, subprodutos e instrumentos da infração; e/ou a demolição, as quais constam em termos próprios, que não devem possuir emendas ou rasuras que comprometam sua validade, além de conter a indicação dos respectivos dispositivos legais e regulamentares infringidos e os motivos que ensejaram a sua aplicação.
Entretanto, na maioria das vezes, em especial nos casos de embargo de área, as medidas cautelares são muito mal aplicadas.
Os agentes veem a lavratura do auto de infração ambiental como motivo para aplicar medidas cautelares, totalmente desarrazoadas, desproporcionais e que na prática nenhuma função terá.
É que se não há a continuidade do dano ambiental, não há que se falar em aplicação de medida cautelar, pois como medida de polícia é destinada à satisfação de finalidades específicas a garantir o resultado prático do processo administrativo.
Assim, se a medida cautelar não corresponder entre as medidas de polícia e a finalidade para a qual foram criadas, alguns pressupostos de validade do ato administrativo não estarão preenchidos, pois as medidas elencadas devem ser destinadas a promover consequências no mundo fático.
Isto é, para prevenir a ocorrência de novas infrações, resguardar a recuperação ambiental e garantir o resultado prático do processo administrativo, ou seja, sua aplicação não é automática apenas porque um auto de infração foi lavrado.
Vale lembrar que há dois tipos de embargos: o acautelatório, aplicado como medida administrativa cautelar; e, o sancionatório, aplicado quando do julgamento do processo administrativo, o qual observa o devido processo legal.
A diferença entre os dois tipos de embargos é muito bem delineada por Curt Trennepohl[1], ex-presidente do IBAMA e autor da obra “Infrações Ambientais”.
Para o doutrinador, embargos acautelatórios são aqueles aplicados pelo agente de fiscalização no ato da constatação da irregularidade e servem para impedir a continuidade da infração.
Já os embargos sancionatórios são definidos pelo referido doutrinador como sendo aqueles que dependem da confirmação do embargo acautelatório pela autoridade julgadora, após o devido processo legal e ampla defesa.
O receio que justifica a atuação do poder geral de cautela é o que se relaciona a um dano provável, embasado em circunstâncias concretas ─ e não apenas possível ou eventual ─, e, ainda, a um perigo iminente, de forma que a espera do curso normal do processo resulte na inutilidade do provimento.
Frise-se que o embargo constitui sanção, com previsão legal específica, aplicado quando houver risco de a continuidade da atividade agravar os danos ao meio ambiente; caso contrário, inexistindo a possibilidade de um dano iminente irreversível ao meio ambiente, falece razão à medida de embargo.
Em que pese em se tratando de preservação ambiental deva prevalecer o interesse público sobre o particular, a desproporcionalidade da medida de embargo não deve extrapolar o necessário a garantir a compensação ambiental, a caracterizar o periculum in mora inverso.
Indicação de sanções
Ao lavrar o auto de infração, cabe ao agente de fiscalização indicar as sanções aplicáveis, devendo observar a gravidade dos fatos, considerando os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e o meio ambiente, bem como os antecedentes do infrator e sua capacidade econômica.
A gravidade dos fatos considera os motivos da infração, se intencional (quando evidenciada a intenção do autuado em praticar a conduta, por ação ou omissão) ou não intencional (quando não evidenciada a intenção do autuado), bem como as consequências para a saúde pública e para o meio ambiente.
Quanto à capacidade econômica do infrator, a indicação do valor da multa considera, na hipótese de infrator pessoa jurídica de direito privado, a sua receita bruta anual.
Já se o infrator for pessoa física, considera-se, para fins de indicação de multa, o seu patrimônio bruto ou os rendimentos anuais constantes da Declaração de Imposto de Renda.
Caso o agente de fiscalização não disponha de informações para realizar a classificação da capacidade econômica do autuado, pode fazê-lo com base na capacidade aparente verificada no momento da autuação, sendo permitido ao autuado requerer a reclassificação da sua capacidade econômica mediante comprovação documental, por ocasião da defesa.
Circunstâncias majorantes e atenuantes
As circunstâncias majorantes e atenuantes relacionadas à infração são indicadas pelo agente de fiscalização no ato da lavratura do auto de infração e da elaboração do relatório de fiscalização, as quais serão apreciadas pela autoridade julgadora, ainda que não indicadas pelo agente, e podem ser afastadas quando incabíveis ou desacompanhadas de justificativa detalhada para sua aplicação.
São consideradas como circunstâncias atenuantes o baixo grau de instrução ou escolaridade do autuado; o arrependimento eficaz do autuado, manifestado pela espontânea reparação do dano, limitação significativa da degradação ambiental causada ou apresentação de denúncia espontânea.
Ainda como circunstâncias atenuantes, tem-se a comunicação prévia pelo autuado do perigo iminente de degradação ambiental; e a colaboração com a fiscalização, esta caracterizada pelo não oferecimento de resistência e o livre acesso às dependências, instalações ou locais de ocorrência da infração, bem como, a apresentação de documentos ou informações no prazo estabelecido.
Por outro lado, são consideradas como circunstâncias majorantes praticar a infração para obter vantagem pecuniária; ter coagindo outrem para a execução material da infração; concorrer para danos à propriedade alheia; atingir áreas sujeitas, por ato do Poder Público, a regime especial de uso; em período de defeso à fauna; em domingos ou feriados; à noite; em épocas de seca ou inundações.
Além disso, são circunstâncias majorantes, o emprego de métodos cruéis no manejo de animais; mediante fraude ou abuso de confiança; mediante abuso do direito de licença, permissão ou autorização ambiental; no interesse de pessoa jurídica mantida, total ou parcialmente, por verbas públicas ou beneficiada por incentivos fiscais; facilitada por funcionário público no exercício de suas funções; e, no exercício de atividades econômicas financiadas direta ou indiretamente por verbas públicas.
Notificação do autuado
Após a lavratura do auto de infração, o autuado deve ser notificado pessoalmente; por seu representante legal; por carta registrada com aviso de recebimento; por edital, se estiver o infrator autuado em lugar incerto, não sabido ou se não for localizado no endereço; ou através de meios que assegurem sua inequívoca ciência.
O autuado deve ser notificado por meios que realmente assegurem a certeza de sua ciência de todas as fases do processo, sob pena de gerar a nulidade ou anulabilidade do auto de infração, dos atos subsequentes ou do próprio processo administrativo.
Entendemos que os meios de notificação devem seguir uma obrigatória e necessária ordem cronológica, de modo que a notificação editalícia somente pode ocorrer após exauridas todas as tentativas de localizar o autuado.
Inclusive, eventuais tentativas de notificação infrutíferas devem ser registradas e fundamentadas no próprio processo administrativo.
A primeira notificação é pessoal, que pode ocorrer após a lavratura do auto na presença do infrator ou realizada por um agente de fiscalização, desde que não comprometa as atividades da equipe de fiscalização.
Importante destacar que mesmo diante da recusa em assinar o auto e seus acessórios ─ fato que deve ser certificado na presença de duas testemunhas ─, o agente de fiscalização o entrega ao autuado, iniciando-se a contagem do prazo para o oferecimento de defesa. Esse mesmo procedimento pode ser adotado quando se tratar de representante legal.
Já a notificação por carta registrada com aviso de recebimento é realizada quando não for possível a notificação pessoal do autuado ou do seu representante legal, e é considerada válida quando a sua devolução indicar a recusa do recebimento pelo autuado.
Também será válida se recebida no mesmo endereço do autuado, por funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência nos condomínios edilícios ou loteamentos com controle de acesso ou quando enviada para o endereço atualizado da pessoa jurídica.
Lado outro, se constatada a devolução da notificação enviada por via postal com aviso de recebimento porque o autuado se mudou ou seu endereço é desconhecido, o órgão ambiental autuante deve realizar a consulta na base de dados em que tiver acesso e notificar o autuado novamente no novo endereço encontrado.
Tratando-se de pessoa jurídica autuada, o órgão ambiental pode notificar o sócio e, inclusive, o advogado, desde que conste nos autos procuração com outorga de poderes específicos para recebimento de notificações, o que acontece geralmente quando o procurador apresenta o instrumento em casos de notificações prévias.
Mas se ainda assim não for possível notificar o autuado, à autoridade ambiental cabe proceder a notificação por edital, mas somente se estiver o autuado em lugar incerto, não sabido ou se não for localizado no endereço.
Essa modalidade de intimação é a última instância que deve ser adotada, pois de caráter excepcional.
Para tanto, deve ficar demonstrado nos autos de forma cabal o desconhecimento do local em que se encontra o autuado ou se este é estrangeiro não residente e sem representante constituído no país.
Também há a possibilidade de substituir a intimação pessoal ou por via postal com aviso de recebimento por intimação eletrônica quando houver concordância expressa do autuado e tecnologia disponível que confirme o seu recebimento.
Em qualquer dos casos, ao receber a notificação se iniciam os prazos para a práticas dos atos processuais, cuja perda acarreta a preclusão para sua prática, e ainda que alguns insistam em falar em “revelia”, o art. 27 da Lei Federal 9.784/99 dispõe que o desatendimento da intimação não importa o reconhecimento da verdade dos fatos, nem a renúncia a direito pelo administrado, assegurando-se ao autuado, no prosseguimento do processo, o direito de ampla defesa ao interessado.
Logo, a falta de apresentação de defesa, sua intempestividade ou ausência dos requisitos não produz o efeito da revelia como se dá com o processo judicial. Ou seja, o único efeito da “revelia” no processo administrativo é a preclusão do ato, não se reputando como verdadeiros os fatos imputados ao autuado.
A notificação deve conter o prazo para o autuado apresentar defesa ou impugnação contra o auto de infração ou aderir a uma das seguintes soluções legais possíveis para o encerramento do processo, quais sejam: pagamento da multa com desconto; parcelamento da multa; ou conversão da multa em serviços de preservação, de melhoria e de recuperação da qualidade do meio ambiente.
No processo administrativo federal, desde 01 de janeiro de 2023, não existe mais possibilidade de requerer a designação de audiência de conciliação.
Uma observação muito importante é que o acesso do autuado ou de seu procurador legalmente constituído aos autos do processo administrativo pode ser considerado comparecimento espontâneo do infrator, dispensando a sua notificação e iniciando o prazo para oferecimento de defesa.
[1] TRENNEPOHL, Curt. Infrações ambientais: comentários ao Decreto 6.514/2008 / Curt Trennepohl, Terence Trennepohl, Natascha Trennepohl. 3ª ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. Página 87.