Em que pese o Decreto n. 9.760 de 2019 ter revogado os parágrafos 1º e 2º, e parágrafo único, do art. 122, do Decreto 6.514/08, que determinavam a intimação do autuado por edital, muitos processos administrativos, em trâmite ou já finalizados e que originaram inclusive execução fiscal pelo não pagamento da multa ambiental, podem ser anulados.
Isso porque, quando o autuado por infração ambiental era intimado para apresentação das alegações finais por publicação em edital, sem que fossem esgotadas as possibilidades de intimação pessoal, ficava limitado a exercer seu direito ao contraditório e a ampla defesa.
Isto porque, o art. 122, parágrafo único, do Decreto Federal nº 6.514/08, quando expressamente determinava a intimação para apresentação de alegações finais através de edital, limita direito do interessado, sem base legal para tanto.
Com efeito, o dispositivo do decreto em foco não tem respaldo em lei, sendo certo que referida restrição poderia ser feita somente mediante lei em sentido formal, não por meio de decreto, podendo-se questionar inclusive a previsão em lei de disposição semelhante, em face do princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa.
Como é sabido, na ordem hierárquica, a Constituição Federal é a base de toda a ordenação jurídica, superior a todas as leis, que não podem contrariá-la, sob pena da mácula da inconstitucionalidade.
Lei inconstitucional não se cumpre, pois não obriga nem desobriga ninguém, porque não tem validade. No que concerne à lei e ao decreto, deve ficar claro que lei tem mais força normativa porque para sua formação, concorrem conjuntamente o Poder Legislativo e o Poder Executivo.
A lei é formada por parlamentares, discutida e aprovada depois de apreciado o Projeto de Lei. Já o Decreto é um ato administrativo, formado pelo Chefe do Poder Executivo e não pode se sobrepor ao texto da lei.
Contudo, a mais importante de todas as distinções entre a lei e o decreto é que a lei obriga a fazer ou deixar de fazer, e o decreto, não.
É o princípio genérico da legalidade, previsto expressamente no artigo 5.º, inciso II, da Constituição Federal, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar alguma coisa senão em virtude de lei”.
Somente a lei pode inovar o Direito, ou seja, criar, extinguir ou modificar direitos e obrigações.
Convergindo a este entendimento, José Afonso da Silva[1] ensina que:
Fundamenta o devido processo legal, outra garantia constitucional, em três outros princípios: o acesso à justiça, o contraditório e a plenitude de defesa (ou ampla defesa).
Assim, a todo o ordenamento jurídico pátrio, por mandamento constitucional, obriga-se o respeito a tais garantias, nos diversos cenários que envolvam relações entre entidades físicas ou jurídicas, envolvam ou não o Estado como parte litigante.
Portanto, para que o autuado por infração ambiental possa apresentar uma defesa preparada com rigor e eficiência, há de receber todas as informações existentes contra ele, devendo desta forma ser intimado e notificado regularmente, hipótese que só é exceção quando configurada a impossibilidade de intimação do autuado.
Ademais, o preceito legal que regula o Processo Administrativo no âmbito federal é a Lei nº 9.784/99, que estabelece em seu art. 2º, em consonância com a norma constitucional, que a Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Também são princípios basilares do processo administrativo, assim como o judicial, a ampla defesa e o contraditório, gravados no artigo 5º, LV, da Constituição Federal o qual estabelece que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Os postulados da ampla defesa e do contraditório, decorrentes do princípio mais amplo do devido processo legal, foram concedidos expressamente, não apenas aos “acusados em geral”, com também aos “litigantes”, seja em processo judicial, seja em processo administrativo.
Esta garantia fundamental do cidadão constitucionalmente reconhecido traduz a exigência de que o exercício do poder público se realize de maneira justa, implicando para o administrado os direitos de conhecer os fatos e fundamentos invocados pela autoridade e de ser ouvido e contrapor-se às suas alegações.
Conforme preceitua Alberto Xavier, em explanação a respeito do tema, pontua que:
“O direito de ampla defesa reveste, hoje, a natureza de um direito de audiência (audi alteram partem), nos termos do qual nenhum ato administrativo suscetível de produzir consequências desfavoráveis para o administrado poderá ser praticado de modo definitivo sem que a este tenha sido dada a oportunidade de apresentar razões (fatos e provas) que achar convenientes à defesa dos seus interesses”. (Do Lançamento. Teoria Geral do Ato, do Procedimento e do Processo Tributário, 2ª edição, p. 162, Forense)
Com efeito, o artigo 26 da Lei nº 9.784/99 dispõe nos parágrafos 3º e 4º:
3º A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.
4º No caso de interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido, a intimação deve ser efetuada por meio de publicação oficial.
Assim sendo, percebe-se que neste ato de intimação por edital para apresentação de alegações finais, a autoridade viola diplomas legais, se não esgotar todas as tentativas de localizar o autuado.
Dessa forma, evidencia-se a necessidade de intimação do autuado para apresentação de alegações finais através de correspondência com aviso de recebimento ou outro meio que assegure a sua ciência, e não mediante edital, privilegiando-se, assim, o princípio constitucional da ampla defesa e contraditório.