O princípio da prevenção impõe a prevalência da obrigação de antecipar e impedir a ocorrência de danos ambientais sobre a adoção de medidas para repará-los ou compensá-los.
O art. 3 da Lei 6.938/81 conceitua poluição como sendo a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e,
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.
Segundo o inciso IV do mesmo art. 3 da Lei 6.938/81, entende-se por poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.
Também a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal 6.938/81) consagra, em seu art. 14, §1º, a responsabilidade objetiva ambiental:
Art. 14. § 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
Como se pode perceber, a legislação ambiental brasileira adotou a teoria do risco integral, segundo a qual aquele que contribui de qualquer forma para a ocorrência de riscos/danos ao meio ambiente tem a obrigação de preveni-los/repará-los, sendo tal responsabilidade ônus inerente à própria atividade, dispensando-se a perquirição de elemento subjetivo (culpa ou dolo) e não se aplicando as causas de exclusão de responsabilidade civil. Na lição de ÉDIS MILARÉ[1]:
A adoção da teoria do risco da atividade, da qual decorre a responsabilidade objetiva, traz como consequências principais para que haja o dever de indenizar: a) a prescindibilidade de investigação de culpa; b) a irrelevância da licitude da atividade; c) a inaplicação das causas de exclusão da responsabilidade civil.
Ademais, como demonstra a seguinte passagem da obra de PAULO AFFONSO LEME MACHADO[2], há consenso quanto ao reconhecimento de que:
A licença ambiental não libera o empreendedor licenciado de seu dever de reparar o dano ambiental. Essa licença, se integralmente regular, retira o caráter de ilicitude administrativa do ato, mas não afasta a responsabilidade civil de reparar.
A ausência de ilicitude administrativa irá impedir a própria Administração Pública de sancionar o prejuízo ambiental; mas nem por isso haverá irresponsabilidade civil.
A própria Constituição Federal tornou clara a diferença e a independência dos três tipos de responsabilidade – penal, administrativa e civil – ao dizer, no art. 225, §3º:
“as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
A irresponsabilidade administrativa ou penal não acarreta a irresponsabilidade civil.
Com efeito, havendo riscos de prejuízos à sociedade e ao meio ambiente, devem ser adotadas todas as medidas preventivas necessárias para evitar a sua ocorrência, sendo os impactos conhecidos (prevenção) ou não (precaução) pela comunidade científica.
Índice
Princípio da Prevenção
O princípio da prevenção impõe a prevalência da obrigação de antecipar e impedir a ocorrência de danos sociais e ambientais sobre a adoção de medidas para repará-los ou compensá-los. A respeito do tema, vale trazer à colação o escólio de ÉDIS MILARÉ[3]:
O princípio da prevenção é basilar em Direito Ambiental, concernindo à prioridade que deve ser dada às medidas que evitem o nascimento de atentados ao ambiente, de modo a reduzir ou eliminar as causas de ações suscetíveis de alterar sua qualidade. […]
Ou seja, diante da pouca valia da simples reparação, sempre incerta e, quando possível, excessivamente onerosa, a prevenção é a melhor, quando não a única solução.
A seu turno, o princípio da precaução, adotado expressamente pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – Rio 92, que resultou em declaração da qual o Brasil é signatário, impõe que:
Princípio 15 – Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.
Conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça – STJ, prolatada no âmbito do Recurso Especial 1.285.463 – SP, de relatoria do Ministro Humberto Martins, a ausência de certeza científica, longe de justificar uma ação possivelmente degradante do meio ambiente, deve incitar o julgador a mais prudência.
Aliás, conforme determinação expressa contida no art. 2, §2º, da Lei da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC (Lei Federal 12.608/12):
Art. 2, § 2º. A incerteza quanto ao risco de desastre não constituirá óbice para a adoção das medidas preventivas e mitigadoras da situação de risco.
Prevenção e Reparação do dano
No Direito Ambiental, em razão dos princípios da prevalência do meio ambiente, da prevenção e da precaução, ganham relevo as tutelas específicas de urgência, sobretudo aquelas que permitem o afastamento do próprio ilícito (ditas inibitórias), impedindo, consequentemente e não raras vezes, a ocorrência do dano ambiental.
Imprescindível se esclarecer que a tutela judicial ambiental não se ocupa apenas da reparação do dano ambiental, mas calca-se, também, na necessidade de se atacar o próprio ilícito ambiental, visto aqui de forma divorciada do dano.
É que o dano, aliado ao ilícito, reflete apenas um pressuposto da reparação, nada impedindo (aliás, impondo-se) que o ilícito seja combatido independentemente da ocorrência do dano.
A sistemática da tutela judicial ambiental obedece ao entendimento de que, antes da ocorrência do dano ambiental, deve-se optar pelo provimento capaz de inibir ou de remover o ilícito.
Diferentemente, após a ocorrência do dano ambiental, busca-se a reparação específica pelo prejuízo causado, reparação essa denominada específica porque deverá recompor o estado anterior (in natura).
Conclusão
Há casos, portanto, em que se verifica um ato antijurídico que deve ser combatido mesmo que ainda não tenha ocorrido dano ou mesmo que nem venha a ocorrer. A constatação desse ato, pelo simples fato de ser ilícito, pode ensejar provimento jurisdicional apto à sua inibição/remoção.
MARCELO ABELHA[4] ensina que:
Por outro lado, se ainda não houve o dano mas existe um estado potencial de sua ocorrência, é possível dividir essa fase em dois momentos: a) sem o dano, mas já ocorrido o ilícito; b) sem o dano, mas não ocorrido o ilícito.
No caso a tem-se uma conduta antijurídica de ferimento do direito, mas que ainda não causou dano (e pode nem vir a causar) e que deve ser debelada mediante uma tutela específica que reverta o ilícito e permita seja alcançado o mesmo resultado que se teria caso o dever positivo ou negativo fosse espontaneamente cumprido.
No caso b nem o dano e nem o ilícito ocorreram, mas existe um estado potencial de ocorrência de um e/ou outro. Nessa situação, é possível a utilização da tutela específica que permita o alcance do cumprimento da conduta que se espera seja cumprida.
Não é outra a interpretação extraída do art. 497, parágrafo único, do Código de Processo Civil:
Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.
Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo.
Por tudo isso, diante de uma situação de emergência, é possível a efetiva intervenção judicial, mormente em observância ao direito à vida, ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao da prevenção, segundo o qual, a Administração Pública, ou quem faça as suas vezes, na certeza de evento danoso, tem a obrigação de evitá-lo”, descabendo “invocar meros juízos de conveniência ou oportunidade em sentido contrário[5].