Hoje quero comentar um caso interessante que um leitor aqui do blog me enviou, cuja sentença que reconheceu a prescrição do processo administrativo ambiental foi reformada para reestabelecer o trâmite da execução fiscal de multa ambiental.
No caso em análise, o Município de Florianópolis ajuizou a execução fiscal em 2020 contra uma pessoa autuada por infração ambiental no ano de 2006, anexando simples petição e Cédula de Dívida Ativa – CDA.
O Juízo intimou o Município de Florianópolis a se manifestar acerca de possíveis causas interruptivas da prescrição, mas não houve manifestação, sendo então reconhecida a prescrição e determinada a baixa dos autos.
No caso, o executado (autuado em 2006) não estava representado por advogado e o Juízo intimou o Município de Florianópolis de ofício para que se manifestasse acerca da possível ocorrência de prescrição.
Embora o prazo prescricional tem seu marco inicial com a constituição definitiva do crédito tributário cuja ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, é sempre importante analisar a íntegra do processo administrativo para identificar a data da sua constituição definitiva.
Contudo, o executado (autuado) não tinha advogado constituído nos autos da execução fiscal e o Juiz de 1ª instância reconheceu a prescrição de ofício com base na data de constituição definitiva do crédito constante na CDA, o que é plenamente possível.
Juiz reconheceu a prescrição para ajuizamento da execução fiscal
O Juízo considerou que a constituição definitiva do crédito ocorreu em 10.11.2006 conforme informação constante na CDA juntada pelo próprio Município de Florianópolis (exequente) e o ajuizamento da execução fiscal em 31.03.2020.
A fundamentação e dispositivo da sentença foram assim redigidos:
É o relatório. Decido.
De acordo com o artigo 142 do Código Tributário Nacional, o prazo prescricional tem seu marco inicial com a constituição definitiva do crédito tributário. Por sua vez, o art. 174 do mesmo diploma legal afirma que “a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva”.
No presente caso, a constituição definitiva do crédito ocorreu em 10/11/2006, conforme informação do próprio exequente (evento n. 1) e o ajuizamento da presente execucional em 31/03/2020.
Ademais, intimado, o exequente deixou de comprovar a existência de quaisquer causas suspensivas ou interruptivas da prescrição, bem como, tratando-se de matéria de ordem pública, cediço que ao Juízo é permitido o seu conhecimento de ofício, de maneira que afastada, portanto, qualquer argumento no sentido de reconhecer-se a preclusão nesse particular.
Dito isso, na hipótese em tela não se aplica a Súmula 106 do STJ, uma vez que a demora para ajuizar o feito não decorreu da inércia dos mecanismos de justiça, devendo ser imputada exclusivamente ao exequente. Nesse norte:
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. AJUIZAMENTO TARDIO DA AÇÃO. DECURSO DE MAIS DE 5 (CINCO) ANOS ENTRE A DATA DA CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO E A PROPOSITURA DA AÇÃO. NORMA PREVISTA NO CAPUT DO ART. 174 DO CTN. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. RECURSO DESPROVIDO. […] (TJSC, Apelação n. 0301213-74.2015.8.24.0235, de TJSC, rel. PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVA, 1ª Câmara de Direito Público, j. 01-09-2020).
Dessa forma, considerando a data da constituição definitiva do crédito tributário (10/11/2006) e a data do ajuizamento da presente demanda (31/03/2020), inarredável o reconhecimento da prescrição total do crédito sub judice.
Isso posto, JULGO EXTINTA a presente Execução Fiscal, com resolução de mérito, em virtude da prescrição, nos moldes do art. 156, V, do CTN c/c art. 487, II, do CPC.
Vale lembrar que a prescrição é matéria de ordem pública, cediço que ao Juízo é permitido o seu conhecimento de ofício, de maneira que afastada, portanto, qualquer argumento no sentido de reconhecer-se a preclusão nesse particular.
Não era aplicável ao caso a Súmula 106 do STJ, uma vez que a demora para ajuizar o feito não decorreu da inércia dos mecanismos de justiça, devendo ser imputada exclusivamente ao município exequente.
TJSC deu provimento ao recurso para afastar a prescrição executória
O raciocínio do Juízo não estava errado, contudo, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina deu provimento ao recurso de apelação do Município de Florianópolis e afastou a prescrição.
Veja o voto que deu provimento ao recurso de apelação para afastar a prescrição executória:
Decido.
O recurso apresenta-se tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual merece ser conhecido; recebo-o também em seus efeitos legais (arts. 1.012, caput, e 1.013, caput, do CPC).
Nos termos do art. 932, V, a e b, do Código de Processo Civil, incumbe ao relator, depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária à “súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal” e a “acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos”, ao encontro do que também dispõe o art. 132, XVI, do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça.
A controvérsia cinge-se à verificação do termo inicial da prescrição de crédito decorrente de multa administrativa ambiental.
O recurso, adianto, merece provimento.
Observo que o crédito inscrito na CDA tem origem em auto de infração da FLORAM (Ev. 1, CDA2 – 1G), configurando-se, portanto, como crédito não tributário, cujo prazo prescricional é, à semelhança do crédito tributário, de 5 (cinco) anos, a teor do que preconiza o art. 1º do Decreto n. 20.910/1932.
Especialmente quanto à sistemática da contagem da prescrição para cobrança de multa administrativa com origem em infração à legislação ambiental, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial n. 1.112.577/SP, pelo rito dos recurso repetitivos (Temas ns. 146 e 147), assim já decidiu:
ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA ADMINISTRATIVA. INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. PRESCRIÇÃO. SUCESSÃO LEGISLATIVA. LEI 9.873/99. PRAZO DECADENCIAL. OBSERVÂNCIA. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO DO ART. 543-C DO CPC E À RESOLUÇÃO STJ N.º 08/2008.
1. A Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental de São Paulo-CETESB aplicou multa à ora recorrente pelo fato de ter promovido a “queima da palha de cana-de-açúcar ao ar livre, no sítio São José, Município de Itapuí, em área localizada a menos de 1 Km do perímetro urbano, causando inconvenientes ao bem-estar público, por emissão de fumaça e fuligem” (fl.. 28).
2. A jurisprudência desta Corte tem reconhecido que é de cinco anos o prazo para a cobrança da multa aplicada ante infração administrativa ao meio ambiente, nos termos do Decreto n.º 20.910/32, o qual que deve ser aplicado por isonomia, à falta de regra específica para regular esse prazo prescricional.
3. Não obstante seja aplicável a prescrição quinquenal, com base no Decreto 20.910/32, há um segundo ponto a ser examinado no recurso especial – termo inicial da prescrição – que torna correta a tese acolhida no acórdão recorrido.
4. A Corte de origem considerou como termo inicial do prazo a data do encerramento do processo administrativo que culminou com a aplicação da multa por infração à legislação do meio ambiente. A recorrente defende que o termo a quo é a data do ato infracional, ou seja, data da ocorrência da infração.
5. O termo inicial da prescrição coincide com o momento da ocorrência da lesão ao direito, consagração do princípio universal da actio nata. Nesses termos, em se tratando de multa administrativa, a prescrição da ação de cobrança somente tem início com o vencimento do crédito sem pagamento, quando se torna inadimplente o administrado infrator. Antes disso, e enquanto não se encerrar o processo administrativo de imposição da penalidade, não corre prazo prescricional, porque o crédito ainda não está definitivamente constituído e simplesmente não pode ser cobrado.
6. No caso, o procedimento administrativo encerrou-se apenas em 24 de março de 1999, nada obstante tenha ocorrido a infração em 08 de agosto de 1997. A execução fiscal foi proposta em 31 de julho de 2002, portanto, pouco mais de três anos a contar da constituição definitiva do crédito.
7. Nesses termos, embora esteja incorreto o acórdão recorrido quanto à aplicação do art. 205 do novo Código Civil para reger o prazo de prescrição de crédito de natureza pública, deve ser mantido por seu segundo fundamento, pois o termo inicial da prescrição quinquenal deve ser o dia imediato ao vencimento do crédito decorrente da multa aplicada e não a data da própria infração, quando ainda não era exigível a dívida.
8. Recurso especial não provido. Acórdão sujeito ao art. 543-C do CPC e à Resolução STJ n.º 08/2008. (STJ, Recurso Especial n. 1.112.577/SP, rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, j. 9-12-2009)
A orientação foi sedimentada por meio da edição da Súmula n. 467/STJ:
Prescreve em cinco anos, contados do término do processo administrativo, a pretensão da Administração Pública de promover a execução da multa por infração ambiental.
Daí o equívoco da togada singular ao concluir que a data de 10-11-2006 seria a da constituição definitiva do crédito.
Isso porque a informação contida no título executivo se resume a “Ref.: AI/08211/FLORA 10/11/2006” (Ev. 1, CDA2 – 1G), do que se depreende que essa é a data da lavratura do auto de infração, e não a data em que se encerrou o respectivo processo administrativo, não consistindo, portanto, termo inicial do lustro prescricional.
Logo, de rigor a cassação da sentença, com o retorno dos autos à origem para regular processamento do feito.
Ante o exposto, com fulcro nos arts. 932, V, a e b, do CPC e 132, XVI, do Regimento Interno deste Sodalício, conheço do recurso e dou-lhe provimento, nos termos da fundamentação.
Segundo o TJSC, o Juízo cometeu equívoco ao concluir que a data de 10.11.2006 seria a da constituição definitiva do crédito, porque essa seria a data de lavratura do auto de infração ambiental, e não a data em que se encerrou o respectivo processo administrativo, não consistindo, portanto, termo inicial do lustro prescricional.
Com base nesse argumento, o TJSC cassou a sentença, determinando o retorno dos autos à origem para regular processamento do feito.
Conclusão
Na verdade, quem errou não foi o Juiz de 1º instância, e sim, o TJSC, porque intimado, o Município de Florianópolis exequente deixou de comprovar a existência de quaisquer causas suspensivas ou interruptivas da prescrição.
E, somado isso, a CDA juntada nos autos pelo próprio Município de Florianópolis comprovava que a data de constituição definitiva do crédito era de fato 10.11.2006, enquanto a execução fiscal somente foi ajuizada em 31.03.2020.
Ora, a data de constituição definitiva do crédito deve ser indicada na Cédula de Dívida Ativa – CDA pelo ente que realizar a inscrição do devedor, e caso ela demonstre que a execução fiscal foi ajuizada mais de 5 anos após a data que o crédito foi constituído definitivamente, correta a sentença que reconheceu de ofício a ocorrência de prescrição executória.
Concessa venia, quem se equivocou não foi o juiz de 1ª instância, mas sim o próprio TJSC que deu provimento ao recurso de apelação do Município de Florianópolis que somava apenas 3 laudas.
Tratava-se de um recurso de apelação extremamente genérico e desprovido do mínimo de argumentos, os quais faço questão de repisá-los:
2. DAS RAZÕES RECURSAIS
A sentença extintiva da presente ação de execução fiscal deve ser revista em face dos flagrantes equívocos, tanto na fundamentação restrita à matéria tributária como no termo de contagem adotado.
Trata-se de débito inscrito em dívida ativa oriundo de multa ambiental, atividade estatal sancionadora que não se confunde com cobrança de créditos tributários.
Além de buscar fundamento na matéria tributária estranha para o caso, a sentença também adotou termo inicial equivocado.
A data de 10/11/2006, referida na fundamentação como sendo a “constituição definitiva do crédito”, na verdade é a data da lavratura do auto de infração.
Não se pode confundir data da lavratura do auto com a data emque o respectivo crédito se torna exigível.
A contagem da prescrição quinquenal na hipótese inicia com o término do processo administrativo e não da lavratura do auto de infração.
Caro leitor, acredite, esses foram os argumentos do mérito do recurso de apelação do Município de Florianópolis, os quais foram acatados pelo TJSC.
Ocorre que o Município de Florianópolis, assim como o TJSC, esqueceram-se de mencionar que o Juízo de 1ª instância reconheceu a prescrição com base na data de constituição definitiva do crédito, e não com base na data de lavratura de auto de infração.
A prescrição para ajuizamento da execução fiscal de multa ambiental é de 5 anos e começa a ser contada na data da constituição definitiva do crédito tributário.
Portanto, correta a sentença que reconheceu a prescrição ainda que tal tenha sido aferida através da Cédula de Dívida Ativa – CDA na qual constava a data da constituição definitiva do crédito, e equivocado o entendimento do TJSC que se limitou a analisar a data de lavratura do auto de infração ambiental.