No caso em estudo, acertaram os dois desembargadores em manter a sentença que julgou improcedente a denúncia ofertada pelo Ministério Público Federal contra o acusado da prática dos crimes ambientais dos artigos 38, 38-A, e 40, todos da Lei 9.605/98.
Em síntese, a denúncia foi recebida e o juiz, em sentença publicada em 18-12-2017, julgou improcedente a pretensão punitiva para absolver os denunciados em razão da prática dos delitos dos artigos 38, 38-A, e 40, todos da Lei 9.605/98, com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal.
O MPF, inconformado com a sentença que absolveu os acusados, interpôs recurso de apelação, alegando que haviam nos autos elementos suficientes para ensejar a condenação dos réus.
O desembargador relator deu provimento ao recurso de apelação criminal do MPF para condenar os réus, mas um dos desembargadores acertadamente abriu divergência e foi seguido pelo desembargador revisor, mantendo-se a sentença absolutória;
Isso porque, tratava-se de crimes de vestígio, sendo imprescindível a realização de perícia técnica para comprovar o cometimento dos crimes ambientais previstos nos artigos 38 e 38-A, ambos da Lei Ambiental, não servindo o relatório do ICMBIO prova inequívoca para condenação.
Da mesma forma, entenderam os desembargadores que em absolver os acusados em razão de não ter sido demonstrado o efetivo prejuízo à Unidade de Conservação, e, portanto, manter a absolvição dos denunciados em relação ao tipo descrito no artigo 40 da Lei 9.605/98.
Assim, os acusados tiveram a absolvição mantida porque não comprovada a elementar “floresta” dos artigos 38, 38-A, bem como que não foi comprovado o dano à Unidade de Conservação para incidência do crime ambiental do art. 40, todos da Lei 9.605/98.
Ao nosso ver, os desembargadores relatores acertaram em manter a absolvição decretada pelo juiz de primeira instância, porque de fato não ao analisarmos os autos constatamos que não haviam provas de existência de “floresta” para caracterizar os crimes ambientais dos artigos 38, 38-A, tampouco prova de dano em Unidade de Conservação.
Basta analisar os autos da ação criminal para constatar a inexistência de indícios mínimos a caracterizar os crimes dos artigos 38, 38-A, e 40, todos da Lei 9.605/98, de modo que a absolvição era de rigor.
Leia o acórdão que manteve a absolvição dos acusados por crime ambiental
Segundo narrado na peça acusatória, após realizadas 3 (três) vistorias pelo ICMBio, nos meses de julho e outubro de 2014, para fins de apurar a ocorrência de danos na vegetação Bioma Mata Atlântica, no entorno da Unidade de Conservação Estação Ecológica do Carijós, em Florianópolis – SC, constatou-se a destruição de floresta considerada de Área de Preservação Permanente – APP.
O ilícito em comento encontra-se assim descrito na Lei de Crimes Ambientais:
Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:
Pena – detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.
Percebe-se, nesse contexto, que tal delito visa a tutelar somente a vegetação do tipo “floresta”, a qual, segundo o entendimento consolidado na Corte Superior e adotado por este Regional, consiste em “formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa. O elemento central é o fato de ser constituída por árvores de grande porte” ( RHC 63.909/CE, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, DJe 22-4-2019).
In casu, consoante a exordial acusatória, os réus foram os responsáveis pelo desmatamento de floresta considerada como Área de Preservação Permanente – APP, nos termos do artigo 4º, I, da Lei 12.651/2012, in verbis:
Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
I – as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:
a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;
b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;” (…)
IV – as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros.
Veja-se que, não obstante a alegação defensiva, nos memoriais apresentados, de ausência da elementar do tipo” floresta “, tenho que esta restou caracterizada.
Cumpre observar, nesse contexto, as seguintes considerações tecidas no Relatório de Fiscalização elaborado pelo ICMBio:
“O imóvel apresenta topografia plana, formada pelo acúmulo de sedimentos arenosos, típico das planícies quaternárias litorâneas, onde a cobertura vegetal nativa existente antes do corte constituía-se na vegetação de restinga, componente do Bioma Mata Atlântica, portanto, objeto de especial preservação, conforme previsto na Lei Federal nº 11.428/2006.
De acordo com Falkemberg (1999), na região sul do Brasil a vegetação de restinga é definida como um conjunto de ecossistemas que compreende comunidades vegetais florísticas e fisionomicamente distintas, situadas em terrenos predominantemente arenosos, de origens marinha, fluvial, lagunar, eólica ou combinações destas, de idade quaternária, em geral com solos pouco desenvolvidos, formando um complexo vegetacional edáfico e pioneiro, que depende mais da natureza do solo que do clima, encontrando-se em praias, cordões arenosos, dunas e depressões associadas, planícies e terraços.
Durante a primeira vistoria efetuou-se o registro de fotografias e de trekking da área desmatada. Conforme é possível verificar nas fotografias anexas ao presente documento, foi realizado o corte do fragmento de vegetação de restinga que existia no imóvel, sendo preservadas apenas algumas poucas árvores, dentre as quais alguns indivíduos de Pinnus sp. (espécie exótica invasora).
Na porção mais frontal do imóvel (mais próxima à rodovia) havia o predomínio da formação de Restinga Arbustiva, com características típicas, tais como: arbustos de 1 a 5 metros de altura (predominantemente mirtáceas), epifitismo (principalmente bromélias), trepadeiras e acumulo de serapilheira.
Tendo em vista que o corte da vegetação foi realizado manualmente e apenas os arbustos foram cortados, foi possível verificar um aspecto peculiar dessa formação florestal descrito na literatura especializada, que é o de um conjunto de ‘moitas de arbustos’ de extensão e forma variadas, em meio às quais ocorriam áreas abertas com cobertura vegetal variada, constituída tanto por espécies herbáceas, quanto por musgos ou agrupamentos de liquens terrícolas.
Já a porção mais aos fundos do imóvel era recoberta pela formação de Restinga Arbórea ou Mata de Restinga, com características condizentes com as descritas na literatura especializada (Araújo Lacerda 1987, Mantovani 2003), tais como: certa similaridade florística com a floresta ombrófila densa (por esta ter sido a fonte de espécies original das restingas), porém com dossel mais ralo, epifitismo relativamente menor e estrato médio pouco representativo, com maior expressividade dos estratos superiores, arbustivo e o herbáceo, este último caracteristicamente formado por densos agrupamentos de bromélias terrícolas.
O estrato superior, antes da intervenção, era dominado por Calophylum brasiliense (olandi) e Ficus organensis (figueira de folhas miúdas) com indivíduos atingindo mais e 8 metros de altura, o que evidencia o estágio avançado de regeneração da mata.
Como se vê, trata-se de área de vegetação pertencente ao Bioma Mata Atlântica, na qual há uma transição entre as vegetações Restinga Arbustiva (porção frontal próxima à Rodovia) e Restinga Arbórea em estágio avançado de regeneração, que, consoante a Resolução nº 417/2009 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, possuem os seguintes conceitos:
II – Vegetação arbustiva de Restinga:
a) Estágio Primário;
Fisionomia arbustiva com predominância de arbustos de ramos retorcidos, podendo formar moitas intercaladas com espaços desnudos ou aglomerados contínuos;
Estrato arbustivo predominante;
Altura das plantas: cerca de até 3 (três) metros, podendo ocorrer indivíduos emergentes com até 5 (cinco) metros, diâmetro da base do caule das espécies lenhosas em torno de 3 (três) centímetros;
Poucas epífitas, representadas por liquens e pteridófitas;
Ocorrência de espécies de trepadeiras;
Presença de serapilheira com espessura moderada;
Sub-bosque ausente;
Estrato herbáceo presente e nas áreas abertas e secas geralmente limitado a associações de liquens terrestres e briófitas; e
Espécies vegetais indicadoras
III – Vegetação arbórea de Restinga: (…)
d) Estágio avançado de regeneração.
Fisionomia arbórea;
Predominância do estrato arbóreo;
Árvores geralmente com altura entre 6 (seis) e 10 (dez) metros, DAP médio raramente ultrapassando 10 (dez) centímetros, podendo ocorrer árvores emergentes atingindo até 20 (vinte) metros;
Presença expressiva de epífitas;
Ocorrência de trepadeiras com riqueza de espécies acentuada em relação aos estágios sucessionais anteriores;
Serapilheira mais desenvolvida, podendo ocorrer acúmulo em alguns locais, com grande quantidade de folhas em adiantado estado de decomposição;
Presença de estratificação com sub-bosque desenvolvido, com aspecto semelhante aos da formação primária; e
Espécies vegetais indicadoras.”
Por conseguinte, sendo esta predominantemente arbórea, deve-se considerar a vegetação em comento como floresta. Em comunhão de ideias, colaciono imagem registrada pelos agentes do ICMBio e constante do Relatório de Fiscalização em local onde não houve supressão de vegetação:
Nessa toada, restando caracterizada a elementar do tipo “floresta”, cumpre verificar se esta se encontra circunscrita em Área de Preservação Permanente – APP.
Pois bem. Não obstante a defesa, no parecer técnico acostado ao evento 153, tenha concluído pela existência de apenas 1 (um) curso d’água no terreno, ressaltando, posteriormente, que este possui caráter efêmero, tenho que o conjunto probatório coligido nos autos dá conta da existência de cursos d’água considerados pela legislação como Área de Preservação Permanente. Senão vejamos.
Observe-se que o Parecer Técnico elaborado pelo IBAMA quando do requerimento de licenciamento ambiental, no bojo do processo constatou a presença de 3 (três) cursos d’água na propriedade, considerando-a como Área de Preservação Permanente, sob os seguintes argumentos:
“Isto se deve ao fato de as mesmas serem afloramentos do lençol freático e drenarem para o Rio Papaquara, inclusive com água corrente constantemente, o que faz com que a qualidade de suas águas interfira na qualidade da água desse rio e, consequentemente, da ESEC Carijós.”
Da mesma forma, o Relatório de Fiscalização – parte I, elaborado pelo ICMBio, igualmente constatou a presença de cursos d’água no local, assim como uma nascente, consoante se depreende da ilustração referente ao Anexo II (idem, fl. 18):
Ademais, perante a autoridade policial, a testemunha analista ambiental do ICMBio que vistoriou a propriedade, confirmou a existência de 3 (três) fluxos de água no interior da propriedade.
Referiu, nesse contexto, que, em virtude da construção da rodovia, os cursos d’água existentes na região sofreram algumas alterações, relatando ter encontrado a nascente de um deles do outro lado da rodovia, no morro, o qual passava por baixo da estrada e surgia no terreno.
Além disso, asseverou que foi detectado um afloramento de lençol freático em terreno vizinho, o qual adentrava a propriedade do réu e desaguava no primeiro córrego, confirmando, ainda, a existência de um terceiro curso d’água.
Cumpre destacar, nessa toada, o Parecer Técnico elaborado pela Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise, o qual atestou que, conquanto haja ação antrópica nos fluxos de água em comento, estes, originalmente, consistiam em leitos naturais, existentes, consoante Levantamento Aerofotogramétrico do estado de Santa Catarina elaborado pela Secretaria do Desenvolvimento Econômico Sustentável – SDS, desde o ano 1938:
“22. O primeiro aspecto é existência pretérita ou não de um curso d’água com leito natural antes das manutenções do leito que resultam atualmente em um canal retificado. Tal investigação recai na análise e interpretação de imagens orbitais (aerofotos antigas e imagens de satélite). Embora o levantamento aerofotogramétrico recente da SDS seja citado, não são apresentadas ilustrações a partir de suas imagens, nem suas próprias interpretações.
Uma rápida consulta às imagens disponíveis no Geoprocessamento Corporativo da PMF revela que o corpo d’água indicado como canal de drenagem está presente desde 1938 com alguma variação de sua posição na porção de manguezal e transição de manguezal, dentro do imóvel (Figura 01) . O uso de estereomodelos sobre pares de aerofotos de 1938 e 1957 podem melhorar ainda mais a interpretação.”
Veja-se que, consoante informações da Diretoria de Recursos Hídricos de Santa Catarina em ofício acostado aos autos pela defesa, o Levantamento Aerofotogramétrico, em que pese não substitua a análise in loco, possui “acurácia e precisão adequados para o planejamento territorial, assim como para o planejamento e gestão dos recursos hídricos”, porquanto “primou pela obtenção de informações geográficas confiáveis, consistentes (…)”, seguindo “técnicas e metodologias homologadas pelo CONCAR, pelo IBGE e pela ANAA”.
Por fim, consoante mencionado no próprio parecer técnico juntado pela defesa, a Base Cartográfica do Sistema de Geoprocessamento Corporativo da Prefeitura Municipal de Florianópolis, acessada por meio do endereço eletrônico http://geo.pmf.sc.gov.br/, registra a presença de 3 corpos hídricos na área em questão.
Assim, diante das 3 (três) vistorias realizadas pelos analistas ambientais, os quais ratificaram, perante a autoridade judicial, a existência dos córregos, em cotejo com os demais elementos elucidados, tenho que a tese defensiva revela-se frágil, porquanto se encontra isolada do restante do conjunto probatório.
Não se deve olvidar, outrossim, que o Direito Ambiental brasileiro baseia-se na máxima in dubio pro natura, de modo que, diante de incertezas acerca da natureza e espécie do curso d’água, o meio ambiente deve ser resguardado.
Nesse sentido, destaco o seguinte precedente desta Corte:
“ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. ORIGEM DE curso d’água LOCALIZADO NO CAMPUS NA UNIVERSIDADE. INCERTEZA. PROVA PERICIAL. CURSO D’ÁGUA CARACTERIZADO COMO ARTIFICIAL OU QUE COM SUA RETIFICAÇÃO DEIXOU DE SER NATURAL. CÓDIGO FLORESTAL. INEXISTÊNCIA DE DISTINÇÃO ENTRE CURSO D’ÁGUA NATURAL OU ARTIFICIAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. PROTEÇÃO DAS MARGENS. NÃO INDICAÇÃO DA REPOSIÇÃO NATURAL. CABIMENTO DE MEDIDAS COMPENSATÓRIAS. INDENIZAÇÃO EM PECÚNIA. AFASTAMENTO. 1. Persistindo incerteza quanto à natureza do canal de drenagem: se constitui ou não um curso d’água e, em caso positivo, se natural ou artificial, há de prevalecer o princípio in dúbio por ambiente ou in dúbio pro natura. 2. No que respeita às medidas compensatórias, uma vez reconhecida a inviabilidade de se recompor in natura o alegado dano ambiental, cabível a adoção de medidas compensatórias ecológicas, destinadas a recuperar a qualidade da água de todos os cursos d” água existentes no campus. 3. No caso, apesar de o dano ao meio ambiente ter sido provocado pela UFSC, a licença foi concedida pela FATMA e foi determinante para a degradação constatada nos presentes autos, cabendo a ambos, portanto, o dever de reparar. 4. Desnecessária a imposição de indenização, uma vez que as medidas de compensação impostas à ré já trazem em si benefícios ambientais que compensarão também a degradação transitória, remanescente ou reflexa do meio ambiente, e reverterão em benefício à Bacia Hidrográfica do Itacorubi, fim colimado pelo autor com o pedido. “(TRF4, APELREEX 5021309-83.2014.4.04.7200, 3ª Turma, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, juntado aos autos em 14-5-2015)
Nesses termos, atendidas às elementares necessárias à caracterização do delito, correta a capitulação legal da conduta no tipo colacionado.
2.2. Delito do artigo 38-A da Lei 9.605/98
Considerando a destruição efetuada em vegetação não circunscrita na APP, aos réus foi imputado, ainda, o seguinte crime:
“Art. 38-A. Destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.”
Note-se que o tipo em comento possui como objeto vegetação primária ou, ainda, secundária em estágio médio ou avançado de regeneração, segundo os conceitos estabelecidos na Resolução nº 4, de 4-5-1994, do CONAMA, porquanto situada no estado de Santa Catarina.
Na hipótese sub examine, conforme o Relatório de Fiscalização referente aos Autos de Infração elaborados por analistas ambientais, a vegetação pertencente ao Bioma Mata Atlântica encontra-se em estágio avançado de regeneração, o que foi corroborado quando dos depoimentos judiciais.
Registre-se, nesse contexto, que os analistas ambientais do ICMBio, quando questionados pela autoridade judicial, estimaram a média de 40 (quarenta) anos para a recuperação de algumas espécimes, haja vista o seu grande porte.
Assim, verifica-se que os fatos narrados na exordial adequam-se perfeitamente ao referido crime.
2.3. Delito do artigo 40 da Lei 9.605/98
Em decorrência dos ilícitos mencionados alhures, o órgão acusatório atribuiu aos denunciados, ainda, a prática do crime do artigo 40 da Lei de Crimes Ambientais, in verbis:
“Art. 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localização:
Pena – reclusão, de um a cinco anos.
1º Entende-se por Unidades de Conservação de Proteção Integral as Estações Ecológicas, as Reservas Biológicas, os Parques Nacionais, os Monumentos Naturais e os Refúgios de Vida Silvestre.”
Segundo NUCCI, trata-se de crime material, exigindo-se, pois, resultado naturalístico,” consistente na efetiva causação do dano, direto ou indireto à Unidade de Conservação “(NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. vol. 2. 11 ed., rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense: 2018, p. 772).
Verifico, assim, que a conduta imputada aos acusados se amolda, ao menos formalmente, ao referido delito.
- Materialidade
3.1. Delitos dos artigos 38 e 38-A, ambos da Lei 9.605/98
Verifica-se que a materialidade delitiva em relação a ambos os delitos restou evidenciada pelos seguintes elementos:
(a) Relatório de Fiscalização – parte I, referente aos Autos de Infração nº 017231-A e 027333-A, que apontou as seguintes considerações acerca do local examinado:
“O imóvel apresenta topografia plana, formada pelo acúmulo de sedimentos arenosos, típico das planícies quaternárias litorâneas, onde a cobertura vegetal nativa existente antes do corte constituía-se na vegetação de restinga, componente do Bioma Mata Atlântica, portanto, objeto de especial preservação, conforme previsto na Lei Federal nº 11.428/2006. De acordo com Falkemberg (1999), na região sul do Brasil a vegetação de restinga é definida como um conjunto de ecossistemas que compreende comunidades vegetais florísticas e fisionomicamente distintas, situadas em terrenos predominantemente arenosos, de origens marinha, fluvial, lagunar, eólica ou combinações destas, de idade quaternária, em geral com solos pouco desenvolvidos, formando um complexo vegetacional edáfico e pioneiro, que depende mais da natureza do solo que do clima, encontrando-se em praias, cordões arenosos, dunas e depressões associadas, planícies e terraços.
Durante a primeira vistoria efetuou-se o registro de fotografias e de trekking da área desmatada. Conforme é possível verificar nas fotografias anexas ao presente documento, foi realizado o corte do fragmento de vegetação de restinga que existia no imóvel, sendo preservadas apenas algumas poucas árvores, dentre as quais alguns indivíduos de Pinnus sp. (espécie exótica invasora).
Na porção mais frontal do imóvel (mais próxima à rodovia) havia o predomínio da formação de Restinga Arbustiva, com características típicas, tais como: arbustos de 1 a 5 metros de altura (predominantemente mirtáceas), epifitismo (principalmente bromélias), trepadeiras e acumulo de serapilheira.
Tendo em vista que o corte da vegetação foi realizado manualmente e apenas os arbustos foram cortados, foi possível verificar um aspecto peculiar dessa formação florestal descrito na literatura especializada, que é o de um conjunto de ‘moitas de arbustos’ de extensão e forma variadas, em meio às quais ocorriam áreas abertas com cobertura vegetal variada, constituída tanto por espécies herbáceas, quanto por musgos ou agrupamentos de liquens terrícolas.
Já a porção mais aos fundos do imóvel era recoberta pela formação de Restinga Arbórea ou Mata de Restinga, com características condizentes com as descritas na literatura especializada (Araújo Lacerda 1987, Mantovani 2003), tais como: certa similaridade florística com a floresta ombrófila densa (por esta ter sido a fonte de espécies original das restingas), porém com dossel mais ralo, epifitismo relativamente menor e estrato médio pouco representativo, com maior expressividade dos estratos superiores, arbustivo e o herbáceo, este último caracteristicamente formado por densos agrupamentos de bromélias terrícolas.
O estrato superior, antes da intervenção, era dominado por Calophylum brasiliense (olandi) e Ficus organensis (figueira de folhas miúdas) com indivíduos atingindo mais e 8 metros de altura, o que evidencia o estágio avançado de regeneração da mata.
O estudo do caso, com base nas constatações da vistoria in loco, análise das imagens históricas da área (fotografias aéreas dos anos de 138, 1957, 1978, e 1998; ortofotos dos anos de 2002, 2003, 2007 e 2010/2011; e imagem de satélite de 2009) e consulta à bibliografia especializada, permitiu verificar que a vegetação suprimida no imóvel correspondia a um fragmento da restinga arbustiva e arbórea que originalmente recobria extensas áreas nas planícies da Ilha de Santa Catarina e hoje está reduzida a ‘ilhas’ em meio à ocupação urbana. (…)
Ao considerarmos que o principal objetivo de uma Unidade de Conservação de Proteção Integral, que é o caso das Estações Ecológicas, é a garantia da preservação da biota abrigada em seu território, qualquer atividade que possa afetar os processos ecológicos mantenedores dessa biota acarretará danos à unidade de conservação. Ao se analisar os impactos de supressões ilegais de vegetação sobre as comunidades biológicas, conclui-se que os mais significativos estão vinculados ao processo de fragmentação de habitats ocasionado ou intensificado por estas.
A fragmentação de habitats, que é o processo no qual um habitat contínuo é dividido em fragmentos isolados é, possivelmente, a mais profunda alteração causada pelo homem ao meio ambiente e uma das principais causas de perda de biodiversidade. Em se tratando de unidades de conservação, na grande maioria dos casos a área de entorno originalmente integrava uma paisagem contínua à área da unidade, favorecendo populações cuja viabilidade ecológica dependia de área maior do que aquela compreendida nos limites da unidade.
Quando esse entorno está intensamente fragmentado, a unidade passa a ser um fragmento isolado, algo como uma “ilha” abrigando o que resta da diversidade biológica da área original. Esse isolamento afeta significativamente a dinâmica das comunidades ali abrigadas, uma vez que interfere em quase todos os processos ecológicos responsáveis pela manutenção da biodiversidade.
No que diz respeito às comunidades vegetais, o isolamento leva a alterações em mecanismos como polinização, dispersão de sementes por animais, herbivoria, etc. No caso da fauna, tal isolamento, além de acarretar em diminuição na disponibilidade de recursos (como alimento e abrigo), acaba por representar uma barreira reprodutiva, o que pode levar à diminuição da variabilidade genética das populações faunísticas abrigadas na unidade.”
(b) Anexo II do citado relatório, que ilustra ambas as áreas desmatadas – APP e Bioma Mata Atlântica – bem como as nascentes e os cursos d’água situados na área (idem, fl. 18);
(c) Registros fotográficos da área degradada;
(d) Relatório de Fiscalização – parte II, referente ao Auto de Infração;
(e) Depoimentos testemunhais confirmando a supressão de vegetação na propriedade.
Por conseguinte, restam configurados os crimes do artigo 38 e 38-A da Lei de Crimes Ambientais.
3.2. Delito do artigo 40 da Lei 9.605/98
No tocante ao crime do artigo 40 do mesmo diploma legal, consigno que, consoante mencionado alhures, este requer resultado naturalístico, consistente no dano direto ou indireto à Unidade de Conservação.
Contudo, na hipótese em apreço, o Relatório de Fiscalização restringiu-se a apontar os possíveis danos ocasionados pela supressão de vegetação em relação à Estação Ecológica de Carijós.
Destaco, por oportuno, precedente desta Turma referente a caso semelhante:
“DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA FORMAL DA DENÚNCIA. Não atende aos requisitos previstos no art. 41 do Código de Processo Penal a denúncia que imputa a prática do crime do art. 40, caput, da Lei n.º 9.605/98, sem indicar qual seria o dano causado à Unidade de Conservação, limitando-se a afirmar que houve dano indireto, impondo-se a concessão da ordem, para o trancamento da ação penal nesse ponto.”(TRF4, HC 5011949-59.2015.4.04.0000, 8ª Turma, Relator Des. Federal Leandro Paulsen, juntado aos autos em 16-6-2015)
Assim, ainda que haja a presunção de danos, inexiste nos autos elementos que apontem os efetivos prejuízos – diretos ou indiretos – ocasionados à Unidade de Conservação, elemento necessário à configuração do tipo penal.
Nesses termos, deve ser mantida a absolvição dos denunciados em relação ao tipo descrito no artigo 40 da Lei 9.605/98, com fulcro no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal.
- Autoria e dolo
Acerca dos pontos, insta observar os fundamentos constantes na sentença de primeiro grau (evento 199 do processo originário):
“Quanto ao mérito, a materialidade e a autoria delitivas restaram inicialmente comprovadas pelos seguintes documentos: Auto de Infração, Laudo Pericial, fotos e demais documentos acostados aos autos, interrogatório dos réus e oitiva das testemunhas.
Não obstante, conforme documentos juntados nos autos judicial, inquérito policial e dos depoimentos dos acusados, bem como na oitiva de testemunhas, restou incontroverso que houve dano ambiental (destruir, mediante corte) às áreas de 1,36 hectares de vegetação natural considerada de preservação permanente (margens de cursos d’água e de nascentes), sem autorização do órgão ambiental competente, com impacto sobre a Estação Ecológica de Carijós, como também “destruir, mediante corte, área de 0,2 hectares de vegetação nativa objeto de especial preservação (mata atlântica), sem autorização ou licença da autoridade competente, com impacto sobre a Estação Ecológica de Carijós.
Restou claro também que foi o acusado o responsável pela contratação do prestador de serviço o então funcionário por ordem daquele, é quem deu as determinações ao executor dos serviços de capina de remoção das árvores.
Assim, mesmo que tenha deixado a administração da empresa ainda era o administrador quando deu as ordens de capina que resultou no dano ambiental. (…)”
Como se observa, em que pese tenha reputado insuficiente o conjunto probatório para subsidiar um decreto condenatório, o magistrado sentenciante considerou demonstrada a autoria delitiva. Vejamos. […]
Destaca-se, por fim, que dos depoimentos ilustrados infere-se que as condutas ocorreram em duas oportunidades, a primeira consistindo, como referiu o prestador de serviços, na capina da área e a segunda, na retirada da vegetação mais densa, uma vez que lhe foi solicitado para “dar uma clareada no terreno, para ‘retirar uns galhos”.
Destarte, comprovadas a materialidade, a autoria e o dolo dos agentes, sendo os fatos típicos, antijurídicos e culpáveis e inexistindo causas excludentes, a condenação dos réus é a medida que se impõe, em razão da prática dos delitos dos artigos 38 e 38-A, ambos da Lei 9.605/98.
[…]
- Dispositivo
Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação criminal e e comunicar o juízo de origem para que dê cumprimento aos termos da decisão de segundo grau, uma vez implementadas as condições previstas neste julgamento.
VOTO DIVERGENTE
Com a devida vênia, ouso divergir do douto relator. Colho da sentença a seguinte passagem:
“No entanto, no decorrer do processo, não restou cabalmente demonstrada a inexistência do crime previsto no artigo 38 da Lei 9.605/98. Com efeito, o conceito de floresta é de formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos densa.
No presente caso, conforme se pode verificar dos documentos técnicos que serviram como fundamento para levar o autor a acreditar na suposta materialidade da conduta, exceção feita à característica arbórea (apesar da não densa), todos os demais elementos da definição de floresta não se encontram presentes.
De fato, a supressão não atingiu árvores de grande porte, mas porções de vegetação rasteira ou constituída de pequenos arbustos e de árvores de portes menores, consoante se pode observar das fotografias tiradas do local.
O próprio documento técnico ESEC Carijós – ICMBIO, que em tese serviria para comprovar a materialidade delitiva, em momento algum menciona a palavra floresta, limitando-se a informar, de maneira genérica, ora o” corte de árvores “, ora de” fragmento de vegetação de restinga “.
Afirma-se, ainda que a altura dos arbustos (e não árvores) seria de 1 a 5 metros, ou seja de pequeno ou médio porte. Logo, não tendo havido intervenção no elemento constitutivo do tipo floresta, não há que se falar, nem mesmo em tese, na prática do crime do artigo 38 da Lei nº 9.605/98.
Também não foi produzido nenhum laudo pericial que pudesse esclarecer se efetivamente existe curso d’água no local ou se área é de preservação permanente. Mero relatório técnico do ICMBIO não constitui prova pericial, não servindo como prova inequívoca ou robusta para a condenação.
Assim, não havendo prova cabal da existência de floresta em área de preservação permanente, resta descaracterizado o crime do artigo 38 da Lei 9.605/98.
Quanto ao crime do artigo 40 da Lei 9.605/98, também não restou demonstrado de forma inequívoca o dano direto ou indireto à Estação Ecológica de Carijós.
Seria necessário que o Ministério Público Federal tivesse produzido prova pericial para esclarecer tal questão e não foi feito. Saliente-se que mesmo no inquérito policial não existe Laudo da Polícia Federal que pudesse demonstrar de forma cabal o dano à Estação Ecológica de Carijós. Assim, a única solução é a absolvição.
Em relação ao artigo 64, também não pode ser aplicado, pois não foi realizada construção em solo não edificável. Foi simplesmente realizada uma limpeza no terreno, com a retirada de alguma vegetação, mas não foi erigida nenhum imóvel ou construção. Assim a vegetação já se encontra em processo de regeneração, não se aplicando o artigo 64 da Lei 9.605/98.”
Com efeito, a despeito da existência de parecer o ICMBIO, tratando-se de crime que deixa vestígios, indispensável a realização de perícia técnica para demonstrar a ocorrência do crime nos termos do artigo 158, do CPP.
Não fosse o bastante, referido parecer sequer mencionada a existência de floresta, como anotado pelo juízo na origem, mas tão somente a existência de restinga no local em que, em tese, teria ocorrido o crime ambiental.
Colho do sitio eletrônico do Ministério do Meio Ambiente a seguinte definição para floresta:
“Definição de Floresta
Cotidianamente, denomina-se” floresta “qualquer vegetação que apresente predominância de indivíduos lenhosos, onde as copas das árvores se tocam formando um dossel. No entanto, existem diversas definições, criadas para atender objetivos específicos, como a definição de floresta da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) ou da UNFCCC (Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas).
O Serviço Florestal Brasileiro, no desenvolvimento de seus trabalhos e na elaboração dos relatórios nacionais e internacionais sobre os recursos florestais do país, tem considerado como floresta as tipologias de vegetação lenhosas que mais se aproximam da definição de florestas da FAO.” ( http://www.mma.gov.br/florestas.html)
Ora, ainda que não haja uma definição legal, tampouco consenso quanto a este conceito, tenho que a orientação do Ministério do Meio Ambiente é parâmetro seguro para, ao menos, dar alguma segurança jurídica sobre os limites daquilo que venha a ser floresta.
E, da leitura acima, tenho que vegetação de restinga, arbustiva ou arbórea, não se configuram floresta. Expandir tal conceito, com a devida licença, violaria o princípio da tipificidade, de modo a albergar situação não prevista em lei.
Assim, acolhendo ainda os demais fundamentos da sentença, tenho por negar provimento ao recurso.
Quanto aos demais pontos, acompanho o voto do eminente relator, ressalvando minha compreensão quanto aos crimes tipificados no artigo 38 e 38-A, da lei nº 9605/98, vez entendo haver consunção entre os delitos.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação criminal.
VOTO-VISTA
Apregoa a acusação que os réus incorreram na prática dos crimes previstos no art. 38, 38-A e art. 40 da Lei 9.605/98, visto que suprimiram a vegetação de porte significativo, que ocupava cerca de 1,36 hectares em área situada em Florianópolis.
Segundo a denúncia o desbaste alcançou mata ciliar protetora de margens de cursos d’água e de nascentes, sem autorização do órgão ambiental competente, com impacto sobre a Estação Ecológica de Carijós.
Destacou a acusação que parte da vegetação do local consistia em objeto de especial preservação (mata atlântica). Os tipos penais em destaque assim determinam:
Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:
Pena – detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.
Art. 38-A. Destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.
É objeto de discussão definir se a vegetação suprimida consistia em floresta, situada em área ciliar (local de preservação permanente) e flora em regeneração do Bioma Mata Atlântica.
Da informação técnica oriunda do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMbio, colho os seguintes elementos:
Durante a primeira vistoria efetuou-se o registro de fotografias e de trekking da área desmatada. Conforme é possível verificar nas fotografias anexas ao presente documento, foi realizado o corte do fragmento de vegetação de restinga que existia no imóvel, sendo preservadas apenas algumas poucas árvores, dentre as quais alguns indivíduos de Pinnus sp. (espécie exótica invasora).
Na porção mais frontal do imóvel (mais próxima à rodovia) havia o predomínio da formação de Restinga Arbustiva, com características típicas, tais como: arbustos de 1 a 5 metros de altura (predominantemente mirtáceas), epifitismo (principalmente bromélias), trepadeiras e acumulo de serapilheira.
Tendo em vista que o corte da vegetação foi realizado manualmente e apenas os arbustos foram cortados, foi possível verificar um aspecto peculiar dessa formação florestal descrito na literatura especializada, que é o de um conjunto de ‘moitas de arbustos’ de extensão e forma variadas, em meio às quais ocorriam áreas abertas com cobertura vegetal variada, constituída tanto por espécies herbáceas, quanto por musgos ou agrupamentos de liquens terrícolas.
Já a porção mais aos fundos do imóvel era recoberta pela formação de Restinga Arbórea ou Mata de Restinga, com características condizentes com as descritas na literatura especializada (Araújo Lacerda 1987, Mantovani 2003), tais como: certa similaridade florística com a floresta ombrófila densa (por esta ter sido a fonte de espécies original das restingas), porém com dossel mais ralo, epifitismo relativamente menor e estrato médio pouco representativo, com maior expressividade dos estratos superiores, arbustivo e o herbáceo, este último caracteristicamente formado por densos agrupamentos de bromélias terrícolas.
O estrato superior, antes da intervenção, era dominado por Calophylum brasiliense (olandi) e Ficus organensis (figueira de folhas miúdas) com indivíduos atingindo mais e 8 metros de altura, o que evidencia o estágio avançado de regeneração da mata.
Os autos de infração assim descrevem possível infração ambiental:
AI – Descrição: “Destruir, mediante corte, área de 1,36 hectare de vegetação natural considerada de preservação permanente (margens de cursos d’agua e de nascentes),sem autorização do órgão ambiental competente, com impacto sobre a Estação Ecológica de Carijós
AI – Descrição: “Destruir, mediante corte, 0,2 hectares (dois décimos de hectare) de vegetação nativa objeto de especial preservação (mata atlântica), sem autorização ou licença da autoridade competente, com impacto sobre a Estação Ecológica de Carijós
O corte de vegetação é facilmente percebido do exame dos registros fotográficos que acompanharam o auto de infração.
Todavia, para caracterização dos delitos imputados, que envolve dano a vegetação de local considerado de preservação permanente ou objeto de especial preservação (Mata Atlântica), somente a prova técnica pericial, na forma do art. 158 do CPP, poderia demonstrar a constatação de todas as elementares presentes nos tipos penais do art. 38 e 38-A da Lei 9.605.
A definição das margens ciliares como área de preservação permanente decorre do Código Florestal, que em seu art. 2º delimita os locais especialmente protegidos de acordo com a largura dos cursos d’água:
Art. 2º Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será:
1 – de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;
2 – de 50 (cinquenta) metros para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
3 – de 100 (cem) metros para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
4 – de 200 (duzentos) metros para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
5 – de 500 (quinhentos) metros para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;
Do que vislumbro do bojo probatório colhido no decorrer da instrução processual, tem-se que não há certeza que o corte de vegetação alcançou área de preservação permanente. Não se conhece a largura do curso d’água no local e a qual distância se deu o desbaste.
Do mesmo modo, não há prova segura que no terreno parte da vegetação suprimida consistia em objeto de especial preservação, constituindo espécies típicas da mata atlântica.
A prova do crime deve ser feita pelo órgão acusador. É certo que não houve perícia oficial no local. O Ministério Público ampara-se apenas nas conclusões da autoridade ambiental para concluir acerca da prática de crime pelos denunciados, sem elementos convincentes para tanto.
Vladimir Passos de Freitas, (Crimes contra a natureza, 2000, p. 144), ao tecer comentários a respeito do art. 48 da lei ambiental, elucidou que se trata de infração que deixa vestígios, sendo imprescindível a realização de perícia.
A jurisprudência do STJ aponta para a imprescindibilidade da perícia para caracterização do crime ambiental. Cito os seguintes precedentes:
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME AMBIENTAL. ARTIGOS 40 E 63 DA LEI 9.605/98. DELITOS QUE DEIXAM VESTÍGIOS. FALTA DE REALIZAÇÃO DA PERÍCIA TÉCNICA. IMPRESCINDIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O acórdão recorrido foi proferido em sintonia com o entendimento desta Corte, fundamentado no art. 158 do Código de Processo Penal, segundo o qual, o exame de corpo de delito é imprescindível para comprovar a materialidade das infrações que deixam vestígios, sendo que a sua realização de forma indireta somente é possível quando esses tiverem desaparecido ou o lugar tenha se tornado inapropriado para a sua realização, situações que não se apresentam no caso ora examinado. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AGARESP – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – 1265705 2018.00.62109-1, RIBEIRO DANTAS, STJ – QUINTA TURMA, DJE DATA:01/08/2018)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME AMBIENTAL: LEI N. 11.426/2006. BIOMA MATA ATLÂNTICA. PRESENÇA DE VESTÍGIOS. PERÍCIA NÃO REALIZADA POR DESÍDIA ESTATAL. MATERIALIDADE NÃO COMPROVADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a realização de perícia técnica apropriada é imprescindível para a efetiva comprovação de delitos que deixem vestígios, exceto se tais elementos probantes tiverem desaparecido ou se o lugar do crime tiver se tornado inapropriado à realização do laudo técnico, o que não ocorreu na hipótese. 2. O acórdão vergastado consignou expressamente que os documentos carreados aos autos não comprovaram que a área degradada se enquadraria nos conceitos legais, de modo a tipificar a conduta dos acusados, o que torna indispensável a realização da perícia. 3. Agravo regimental desprovido. .(AGRESP – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – 1671529 2017.01.18478-4, RIBEIRO DANTAS, STJ – QUINTA TURMA, DJE DATA:30/05/2018)
Ante o exposto, voto por acompanhar a divergência e mantenho a absolvição dos réus da imputação dos crimes do art. 38 e 38-A da Lei 9.605, uma vez que ausente prova convincente para condenação (art. 386, VII do CPP).