Irretocável a decisão proferida por um magistrado do TJMT que concedeu a tutela antecipada para suspender os efeitos de termo de embargo ambiental aplicado contra a autora da ação anulatória que alegou a nulidade do ato administrativo por atipicidade,
Isso porque, a autora foi autuada com base no art. 50 do Decreto 6.515/08 por ela ter, em tese, destruído 215,40 hectares de vegetação nativa, entretanto, não constava no auto de infração ambiental se essa área estaria dentro da área de reserva legal, que é área de preservação permanente ou que esteja inserida em unidade de conservação, fato este que evidencia o equívoco no auto de infração.
É que o artigo 50 somente é aplicável a áreas objeto de especial preservação, todavia a vegetação descrita no auto de infração ambiental objeto da ação anulatória está inserida no bioma Amazônico, que não tem regime jurídico próprio e especial de conservação ou preservação definido pela legislação, diferente dos biomas Mata Atlântica (Lei Federal n. 11.428/2006) e Pantanal (Lei Estadual n. 8.830/2008).
A ação anulatória do auto de infração
A autora ajuizou ação anulatória do termo de embargo lavrado pela SEMA/MT por ocasião de autuação remota decorrente das constatações de supostas infrações ambientais, detectadas através do monitoramento contínuo realizado com imagens de satélite e do sistema de alerta de alterações de vegetação.
Na oportunidade, a SEMA/MT elaborou o parecer técnico no qual analisou imagens de satélite dos marcos temporais de 31.07.2016 e 26.07.2017, e concluiu que no ano de 2017 houve o desmatamento a corte raso de 215,40 hectares, de área de floresta, no bioma Amazônico.
Segundo a SEMA/MT, a área descrita no auto de infração ambiental seria objeto de especial preservação e o desmatamento ocorreu sem autorização do órgão ambiental competente, o que deu ensejo à lavratura do auto de infração e o termo de embargo com base no artigo 50 do Decreto n. 6.514/2008.
Ao propor a ação anulatória, a autora alegou a existência de vícios, porque no âmbito do Estado de Mato Grosso, apenas o pantanal e as planícies pantaneiras são objeto de especial preservação.
Ou seja, apenas as áreas restritas ao bioma Pantanal podem sofrer autuação pelo art. 50 do Decreto 6.514/08, inclusive, esse entendimento está amparado no parecer 12/SUBPGMA/2016, que foi homologado em 30.06.2016, que foi homologado pelo Estado do Mato Grosso.
Assim, por ausência de legislação específica que trate do regime jurídico próprio de conservação e preservação do bioma Amazônico, não há como se falar que ele é objeto de especial proteção, razão pela qual não merece reparos a concessão de tutela provisória de urgência para suspensão dos efeitos do termo de embargo.
Leia a decisão que deferiu a tutela antecipada e suspendeu o termo de embargo
Trata-se de pretensão anulatória de auto de infração e termo de embargo, com pedido de tutela de urgência inaudita altera pars, ajuizada em face do Estado de Mato Grosso, qualificados nos autos, pleiteando, em tese, a suspensão das medidas administrativas aplicadas pela ré, consubstanciada no Termo de Embargo Ambiental lavrado pela SEMA/MT.
O embargo ambiental recai sobre a sua propriedade rural, em decorrência de suposto cometimento de dano ambiental, praticado através de desmatamento a corte raso de 215,40 hectares, de área de floresta, no bioma Amazônico, área objeto de especial preservação, sem autorização do órgão ambiental competente, o que deu ensejo à lavratura do auto de infração ambiental e o termo de embargo ambiental, conforme descrito no relatório técnico de nº 813/GPFCD/CFFL/SUF/SEMA/2021.
No mérito, postula pela declaração de nulidade do Termo de Embargo Ambiental, haja vista que:
a) a autuação da suposta infração se deu fora da área de reserva legal, notadamente porque já havia sido autorizado o desmate para uso alternativo do solo em 2003, motivo pelo qual a autuação somente poderia se dar com base no art. 52 do Decreto 6.514/08, conforme Parecer Jurídico da PGE-MT;
b) diferentemente do que consta da autuação, a área em discussão não é “objeto de especial preservação”;
c) a vegetação local não é de floresta, mas sim de cerrado, o que impõe reserva legal na grandeza de 35% e não 80% de percentual da área do imóvel.
Aduz que houve a atipicidade da conduta ocorrida pelo equívoco na autuação – eis que no auto de infração vergastado evidencia-se que a descrição do ilícito ambiental se enquadra no artigo 52 do que no artigo 50 do Decreto 6.514/08.
Assevera ainda que no âmbito do Estado de Mato Grosso, apenas o pantanal e as planícies pantaneiras são objeto de especial preservação, ou seja, apenas as áreas restritas ao bioma Pantanal podem sofrer autuação pelo art. 50 do Decreto 6.514/08, conforme parecer 12/SUBPGMA/2016, que foi homologado em 30.06.2016. Assim, por ausência de legislação específica que trate do regime jurídico próprio de conservação e preservação do bioma Amazônico, não há como se falar que ele é objeto de especial proteção.
Afirma que o caso é idêntico a de outros na qual a autoridade julgadora da SEMA reconheceu como nula a autuação e o embargo efetivado em área desmatada fora da autorização para desmate e que, inicialmente, foi considerada como área de reserva legal, o que ensejou a autuação pelo artigo 51 do Decreto 6.514/08, mas que, em verdade, era área passível de conversão para uso alternativo do solo, pois fora da reserva legal, ocasionando a retificação da autuação para o artigo 52 do Decreto 6.514/08.
Sustenta que é costumeiro o acerto do órgão ambiental na autuação referente ao desmate fora de área de reserva legal, ainda que em área do bioma Amazônia, com vegetação nativa do tipo “floresta”, com enquadramento no artigo 52 do Decreto 6.514/08.
Aponta equívocos na autuação pelo órgão ambiental, vez que, embora conste no relatório técnico nº 813/GPFCD/SUF/SEMA/2021 que o suposto desmate teria ocorrido em área inserta no bioma “Amazônia” e com formação vegetal do tipo “floresta”, conforme entendimento técnico pretérito do IBAMA e da própria SEMA, bem como pelo relatório técnico de identificação de fitofisionomias, a área autuada e embargada, apesar de estar inserida na Amazônia Legal, apresenta o bioma “cerrado” e possui formação vegetal característica desse bioma (formações savânicas).
Aduz que apesar de a área embargada estar inserida na Amazônia Legal, o seu bioma é “cerrado”, consoante se demonstra através dos documentos anexos a esta inicial, portanto, possui o percentual de 35% de preservação de vegetação nativa à título de reserva legal.
Quanto à área autuada, alega que a preservação ambiental do imóvel da autora está em percentual muito superior ao exigido pela lei, já que, conforme descrito no croqui do CAR, o imóvel tem 741,1325 hectares de vegetação nativa.
Isto é, há 77% do imóvel com vegetação nativa preservada, percentual maior que o dobro exigido a título de reserva legal para o bioma “cerrado”.
Afirma que o embargo se deu dentro de área disponível para uso alternativo do solo. Ou seja, ainda que viesse a ter ocorrido desmate sem autorização, esse se deu em área passível de conversão de uso alternativo do solo, já que a propriedade ainda tem saldo de vegetação nativa para conversão.
Pois bem. A concessão da tutela de urgência prevista no art. 300 do CPC está condicionada à existência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
Nesse sentido, bem destacam Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Arenhart e Daniel Mitidieiro:
“A probabilidade que autoriza o emprego da técnica antecipatória para a tutela de direitos é a probabilidade lógica – que é aquela que surge da confrontação das alegações e das provas com os elementos disponíveis nos autos, sendo provável a hipótese que encontra maior grau de confirmação e menor grau de refutação nesses elementos. O juiz tem que se convencer de que o direito é provável para conceder tutela provisória”.
No caso, entendo que a tutela de urgência, como posta inicialmente, pode ser concedida no momento, pelos fundamentos expostos a seguir.
Expõe a requerente que houve equívoco por parte da fiscalização de propriedade rural eis, que a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA) em razão da suposta destruição, “através de desmatamento a corte raso, de 215,40 hectares de vegetação nativa em área objeto de especial preservação, sem autorização do órgão ambiental competente”.
De acordo com a SEMA, a propriedade estaria inserta em área de floresta, no Bioma Amazônia, o que a caracterizaria como área objeto de especial preservação.
Todavia, a autuação da suposta infração se deu fora da área de reserva legal, notadamente porque já havia sido autorizado o desmate para uso alternativo do solo em 2003, motivo pelo qual a autuação somente poderia se dar com base no art. 52 do Decreto 6.514/08, conforme Parecer Jurídico da PGE-MT.
Ou seja, a área em discussão não é “objeto de especial preservação” como escrito no art. 50 do Decreto 6.514/2008.
Nesse sentido, no tocante a infrações contra a flora, preceitua o art. 50 do Decreto 6.514/08, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, é infração:
“art. 50 – Destruir ou danificar florestas ou qualquer tipo de vegetação nativa ou de espécies nativas plantadas, objeto de especial preservação, sem autorização ou licença da autoridade ambiental competente: Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por hectare ou fração”.
Por seu turno, o art. 52 do mesmo Decreto, afirma que é infração:
“art. 52 – Desmatar, a corte raso, florestas ou demais formações nativas, fora da reserva legal, sem autorização da autoridade competente: Multa de R$ 1.000,00 (mil reais) por hectare ou fração.”
Da simples leitura do auto de infração vergastado evidencia-se que a descrição do ilícito ambiental feita pelo próprio agente autuante se enquadra muito melhor no artigo 52 do que no artigo 50 do Decreto 6.514/08.
De acurada análise do acervo probatório que dá suporte ao aludido pedido liminar, avista-se em sede de cognição sumária, que Subprocuradora-Geral de Defesa do Meio Ambiente exarou o parecer nº 12/SUBPGMA/2016, que foi homologado em 30.06.2016 pelo Procurador-Geral do Estado e que concluiu que, no âmbito do Estado de Mato Grosso, apenas o pantanal e as planícies pantaneiras são objeto de especial preservação, ou seja, apenas as áreas restritas ao bioma Pantanal podem sofrer autuação pelo art. 50 do Decreto 6.514/08.
Ademais, a autora acostou ao autos casos semelhantes onde o desmate a corte raso de vegetação nativa fora de área de reserva legal, mesmo dentro do bioma Amazônia e a autuação da infração, se deu com base no art. 52 do Decreto 6.514/08.
Verifica-se que a autuação com base no art. 50 é aplicável a áreas objeto de especial preservação, todavia a vegetação em análise insere-se no bioma Amazônico, que não tem regime jurídico próprio e especial de conservação ou preservação definido pela legislação, diferente dos biomas Mata Atlântica (Lei Federal n. 11.428/2006) e Pantanal (Lei Estadual n. 8.830/2008).
Assim, verifica-se que a lavratura do auto de infração se deu por ela ter, em tese, destruído 215,40 hectares de vegetação nativa, entretanto, não consta no auto de infração que essa área está dentro da área de reserva legal, que é área de preservação permanente ou que esteja inserida em unidade de conservação, fato este que evidencia o equívoco no auto de infração.
Portanto, a título de probabilidade do direito, com base nos fundamentos acima delineados, aliados à extensão do imóvel, tem-se que cabe à autora a tutela de urgência invocada, sendo a urgência fundamentada, sem maiores delongas, na necessidade de assegurar o possa explorar devidamente a sua propriedade, uma vez que depende do uso dela para o seu sustento e de sua família, estando impedida de comercializar a sua produção, de obter empréstimos, entre outros efeitos negativos que a existência de embargo na área rural ocasiona, sendo o suficiente nesse grau de cognição.
No mais, para os efeitos do § 3º do art. 300 do Código de Processo Civil, ressalto que não há qualquer risco de irreversibilidade da presente ordem.
Ante o exposto, defiro em favor do autor a tutela de urgência pleiteada, para fins de determinar a imediata suspensão dos efeitos do Termo de Embargo lavrado pela SEMA/MT, lançado sobre o imóvel rural, registrada na matrícula perante o Cartório de Registro de Imóveis do 1º Ofício de Tabaporã, cuja área total é de 968 hectares.
Intime-se a parte requerida para que, ciente, cumpra a presente determinação, bem como, oficie-se à Secretaria de Estado de Meio Ambiente – SEMA, para cumprimento.
Cite-se a parte ré para responder aos termos da presente demanda no prazo de 30 dias (art. 335, inciso III c.c. e art. 183, todos do CPC).