Sem reparos a decisão do Magistrado da Justiça Estadual de São Paulo que concedeu a tutela antecipada para determinar a imediata devolução devolução de um animal silvestre apreendido pela Polícia Ambiental que convivia com a autora da ação há 25 anos.
A apreensão do animal silvestre ocorreu após denúncia anônima, e a própria Polícia Militar Ambiental registrou na descrição do Registro de Ocorrência que o animal vivia “espaço adequado possuindo a sua disposição água e alimentação adequados, com proteção e abrigo contra as intempéries do tempo”.
A Polícia Militar Ambiental também não constatou qualquer indício de maus-tratos ou interesse comercial, mas mesmo assim, lavrou o auto de infração ambiental por possui animal silvestre em cativeiro sem autorização e realizou a apreensão do animal silvestre de maneira totalmente desproporcional e irrazoável.
Após a apreensão do animal silvestre, a autora e dona do animal procurou um Escritório de Advocacia Ambiental especializado que então propôs uma ação anulatória de auto de infração com regularização de guarda de animal silvestre cumulada com pedido de tutela provisória de urgência para devolução/restituição de animal apreendido.
Após o protocolo da ação, o Magistrado, em menos de 5 horas, proferiu acertada e irretocável decisão que concedeu a tutela antecipada e determinou a devolução do animal silvestre.
A decisão do Magistrado está pautada na jurisprudência consolidada no sentido de que o animal silvestre adaptado em ambiente doméstico não deve ser devolvido à natureza por não haver qualquer benefício ao animal, sendo viável a regularização e permanência com seus tutores.
Leia a decisão que concedeu a liminar e determinou a devolução do animal silvestre
Trata-se de Procedimento Comum Cível no qual se reclama a restituição de animal doméstico, jabuti, apreendido em operação policial, mas já adaptado há 25 anos ao ambiente doméstico e ao convívio com a família da autora.
Sustenta, em síntese, que conquanto não dispõe da autorização para a sua detenção, o animal não sofre maus tratados e é tratado como um membro de sua família, dispondo de cuidado, abrigo e alimentação condizentes com as suas necessidades. Junta jurisprudência.
Requer seja determinada a restituição do jabuti, bem como a sua guarda provisória até o julgamento final da lide.
Deixo de designar audiência de conciliação ante a indisponibilidade qualitativa do direito público que matiza a relação em análise, e ante a ausência de margem aos procuradores públicos de transigir com o interesse administrativo (artigo 334, § 4º, inciso II, do Código de Processo Civil).
Ademais, sendo hipótese excepcional de pronta composição, Fazenda Pública do Estado de São Paulo poderá apresentar pedido de audiência ou proposta de conciliação em preliminar de defesa.
A dedução de tutela provisória, segundo a Lei e histórica doutrina, não se dá pautado exclusivamente no risco do direito.
O risco de direito é – sabe-se – verso e reverso, e não basta em si mesmo. Sensibiliza, contudo não decide. É mais inerente à Realidade das coisas e ao Tempo que propriamente ao rito jurisdicional.
Comumente, e aqui não é diferente, o dito perigo na demora é palpável. Some-se ao perigo, evidente impaciência da parte com a situação.
Apesar de tudo isso, o verdadeiro requisito pendente de análise é outro: probabilidade de direito, seja decorrente de prova inequívoca, seja ao menos de fumaça de direito. Centro a análise, pois, nele.
A Lei Federal nº 9.605/98 estabelece sanções de natureza penal e administrativa a quem pratica atos lesivos ao meio ambiente, como no caso de guarda de animais silvestres sem a devida licença:
“Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Pena – detenção de seis meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas:
I – quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida;
II – quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural;
III – quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.
§ 2º No caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.
§ 3° São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras.
§ 4º A pena é aumentada de metade, se o crime é praticado:
I – contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção, ainda que somente no local da infração;
II – em período proibido à caça;
III – durante a noite;
IV – com abuso de licença;
V – em unidade de conservação;
VI – com emprego de métodos ou instrumentos capazes de provocar destruição em massa.
§ 5º A pena é aumentada até o triplo, se o crime decorre do exercício de caça profissional.
§ 6º As disposições deste artigo não se aplicam aos atos de pesca.”
Todavia, o que se depreende dos autos é que o animal está no convívio familiar da autora há muitos anos, o que realmente não pode ser desconsiderado neste momento.
É o que se extrai também dos depoimentos juntados à inicial (fls. 56/59), onde supostos vizinhos atestam a falta de maus tratos e mesmo o tratamento digno oferecido ao animal.
Considerando que o animal encontra-se na posse da autora por cerca de duas décadas e meia, certamente, a convivência entre estes desenvolveu laços afetivos e até mesmo dependência mútua.
Eventual retorno do animal ao habitat natural poderia restar comprometido depois anos no convívio familiar.
O espécime não está incluído como animal em extinção nas relações trazidas pela ICMBio e pelo Decreto Estadual de nº 63.853, de 27 de novembro de 2018, o que autorizaria a manutenção do jabuti em poder da autora.
Segundo jurisprudência, a possibilidade da aplicação do perdão judicial e isenção da multa administrativa para os casos em que o animal silvestre, mantido em cativeiro e que não consta da lista dos ameaçados de extinção, justifica a não penalização da conduta e, por conseguinte, autorizaria a permanência na guarda doméstica. Nesse sentido:
“Apelação. Fauna. Auto de infração ambiental – apreensão de ave silvestre papagaio. Posse, pela parte, por mais de 13 anos. Vínculo afetivo notório – ave que não está sob ameaça de extinção. Considerando que a posse, durante 13 anos, de papagaio, embora ave silvestre, fez gerar vínculo afetivo, além do fato de restarem comprovados os cuidados para com a ave, o não retorno do papagaio ao habitat natural não lhe será prejudicial, aliado à hipótese de não se tratar de animal em ameaça de extinção. Recurso provido” (Apelação Cível nº 1029299-84.2016.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Des. Rel. Mauro Conti Machado; data de julgamento: 08 de julho de 2021).
“MEIO AMBIENTE – APELAÇÃO AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER POSSE DE AVES SILVESTRES EM CATIVEIRO – Sentença de procedência, com ordem de devolução dos animais ao autor, assim como anulação dos autos de infração Insurgência do réu, postulando a retomada dos animais. Descabimento. Demonstrada a posse dos animais, pelo autor, por longo período, que varia de oito a mais de vinte anos. Vínculo afetivo caracterizado. Inexistência de maus tratos. Não constatação de danos à saúde dos animais. Observadas as peculiaridades do caso concreto, é possível a manutenção da posse de animal silvestre, em razão da relação de afeto desenvolvida – Imagens e declarações carreadas aos autos que atestam o longo lapso temporal de convivência das aves com o autor, bem como a ausência de precariedade do ambiente em que viviam. Restituição dos animais bem determinada. Sentença mantida RECURSO IMPROVIDO, com observação” (Apelação Cível nº1002276-02.2020.8.26.0320,da Comarca de Limeira; 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo; Des. Rel. Luís Fernando Nishi; data de julgamento: 23 de junho de 2021).
Pelo exposto, DEFIRO a tutela para autorizar a restituição e guarda do jabuti à autora bem como para que a ré se abstenha de promover qualquer tipo de sanção administrativa ou penalidade em razão da posse do animal silvestre indicado na exordial, autorizando que o PATRONO desde logo leve diretamente esta decisão para liberação do animal.
Além do decidido, a fim de estimular a objetividade, pontuo:
Considerando a causa de pedir, em COOPERAÇÃO com as partes, vislumbro que a litigiosidade aparentemente se resume apenas à possibilidade de manutenção da guarda do jabuti apreendido.
Cite-se o(a) réu(ré) Fazenda Pública do Estado de São Paulo, na pessoa de seu representante legal, no endereço acima indicado, para os atos e termos da ação proposta, cientificando-o(a) de que não contestado o pedido no prazo de 30 (trinta) dias úteis, presumir-se-ão verdadeiros os fatos alegados pelo(s) autor(es), nos termos do artigo 344 do Código de Processo Civil.
Considerando que não será marcada audiência de conciliação, advirto que o prazo de resposta tem contagem a partir da juntada do mandado cumprido, na forma do artigo 335, inciso III, e artigo 231, inciso II, ambos do Código de Processo Civil.
Cumpra-se, na forma e sob as penas da Lei, servindo esta decisão como mandado.