O Tribunal acertou ao negar provimento ao Recurso de Agravo de Instrumento, com pedido de liminar, interposto pelo Estado (ente público) contra a decisão proferida pelo Juízo de primeira instância, que, nos autos da Ação Declaratória de Nulidade de Auto de Infração Ambiental com pedido de tutela antecipada deferiu a liminar almejada para suspender o auto de infração e a respectiva cobrança da multa ambiental em razão da falha da intimação da parte autuada no processo administrativo ambiental que culminou na ocorrência da prescrição.
No caso, em 3.5.2010 foi lavrado o auto de infração em razão da constatação desmate de 70,0211 ha de vegetação nativa em área de reserva legal sem autorização do órgão ambiental competente, nos anos entre 2005 e 2008 resultando no processo administrativo instaurado em 26.5.2010.
Em relação a pretensão punitiva, o Decreto Estadual 1.986/2013 que prevê causas de prescrição no processo administrativo ambiental do Estado do Mato Grosso é inaplicável naquele momento, diante das datas apresentadas (conduta e autuação) anteriores à norma.
Entretanto, há vício em relação ao cerceamento de defesa, cujo cerne da questão referia-se em analisar a possibilidade de realização de citação via edital antes de esgotados os meios de citação pessoal.
O Estado insurgiu-se contra decisão que concedeu a suspensão a nulidade da notificação via edital realizada nos autos dos processos administrativos ambientais, ao argumento de que as notificações foram enviadas via correio ao endereço do autuado.
Ocorre que, conforme bem assinado pelo Tribunal, as referidas notificações foram enviadas por meio de carta registrada com aviso de recebimento para determinado endereço visando notificar a parte autuada para, querendo, apresentar defesa administrativa.
Contudo, as respectivas cartas retornaram com informação de que “não recebido”, e decorrido o prazo de defesa foi declarada a revelia, resultando na homologação dos Autos de Infração lavrado em seu desfavor.
Bem analisado os autos do processo administrativo, constatamos que, de acordo com os comprovantes de endereço juntados aos autos, o autuado residia em outro endereço, sendo inclusive notificado em outras ocasiões pelo órgão ambiental e constando nos seus cadastros conforme verifica-se dos documentos constantes nos próprios autos do processo administrativo.
Registre-se que Lei Estadual 7.692/2002 do Mato Grosso (que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual) disciplina que o administrado tem, dentre outros, o direito de ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado (art. 6º, inciso I), prevendo no tocante as citações e intimações:
Art. 38 – No curso de qualquer procedimento administrativo, as citações e intimações, quando feitas pessoalmente ou por carta com aviso de recebimento, observarão as seguintes regras:
I – constitui ônus do requerente informar seu endereço para correspondência, bem como alterações posteriores;
II – considera-se efetivada a intimação por carta com sua entrega no endereço fornecido pelo interessado;
III – na citação e intimação pessoal, caso o Destinatário se recuse a assinar o comprovante de recebimento, o servidor Encarregado certificará a entrega e a recusa;
IV – quando o particular estiver representado nos autos por procurador, a este serão dirigidas as intimações, salvo disposição expressa em contrario.
Constata-se que, apesar do órgão ambiental possuir em seus cadastros o endereço correto e hábil a encontrar o autuado, limitou-se a enviar a correspondência ao endereço da Fazenda, o que denota que não houve um mínimo de esforço para encontrar o autuado.
Assim, certa a decisão do Tribunal em manter a decisão liminar proferida pelo Juízo de primeira instância, porque não há como considerar que se encontrava em lugar incerto uma pessoa que em outras ocasiões é notificada no endereço correto.
Embora as condutas e as atividades consideradas lesivas sujeitem os infratores às sanções administrativas ao meio ambiente, não se pode desprezar a observância ao devido processo legal, tendo agido corretamente tanto o Juízo de primeiro grau ao deferi a liminar pleiteada, como o Tribunal ao manter tal decisão e desprover o recurso do Estado do Mato Grosso.
Leia o acórdão que manteve a sentença que suspendeu o auto de infração e multa ambiental do Mato Grosso
VOTO
Conforme consignado no relatório, trata-se de Recurso de Agravo de Instrumento, com pedido de liminar, interposto pelo Estado de Mato Grosso, contra a decisão proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de […], que, nos autos da Ação Declaratória de Nulidade de Auto de Infração com pedido de tutela antecipada ajuizada por […], deferiu a liminar almejada, para suspender o auto de infração e a respectiva cobrança da multa advinda da autuação, mediante prestação de caução no valor de R$ 586.064,28, que deverá ser prestada pela parte autora no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de ineficácia da decisão com fulcro no art. 300, caput e §§ 1º, 2º e 3º, do Código de Processo Civil.
Consignou, ainda, que prestada a caução, a parte requerida deverá SUSPENDER o auto de infração e a respectiva cobrança da multa ambiental advinda da autuação no prazo de 5 dias, sob pena de multa diária a ser suportada pelo servidor público responsável no valor de R$ 500,00 limitada a R$ 10.000,00 com fulcro no art. 297 do Código de Processo Civil.
Extrai-se dos autos que, o agravado ajuizou a ação anulatória de origem, alegando, em síntese, que:
a) houve violação ao contraditório e à ampla defesa em sede administrativa;
b) que estaria prescrita a pretensão punitiva da Administração Pública no presente caso;
c) que ocorreu a prescrição intercorrente no curso do processo administrativo instaurado para apurar a existência da infração;
d) que a SEMA/MT não realizou a devida instrução do processo administrativo e suprimiu a fase instrutória;
e) que o auto de infração em questão não identificou o perímetro no qual teria ocorrido o desmate objeto da autuação;
f) que sua propriedade encontra-se com o uso consolidado, cabendo, então, a aplicação do disposto no art. 59, § 4º, do Código Florestal;
g) que houve erro no cálculo do valor da multa; e,
h) que o Estado de Mato Grosso deveria ser condenado ao pagamento de danos morais.
A liminar foi deferida pelo Juízo a quo, nos seguintes termos:
[…]. O auto de infração constatou que no imóvel denominado houve desmate de 70,0211 ha de vegetação nativa em área de reserva legal sem autorização do órgão ambiental competente, razão pela qual foi originado o processo administrativo.
Da análise do aludido processo administrativo, observa-se que, após sua distribuição em 26.5.2010, proferiu-se o despacho determinando a intimação do autuado em 29.1.2013, e, após a tentativa de intimação no endereço descrito no auto de infração restar inexitosa (não procurado), proferiu-se o despacho com a determinação de intimação via edital em 29.12.2015.
No dia 25.1.2019, constatou-se a ausência de autos de infração anteriores aptos a gerar efeitos de reincidência, motivo pelo qual em 6.2.2019 o processo foi encaminhado ao (à) responsável para emissão de decisão administrativa.
A decisão administrativa proferida em 8.5.2019 homologou o auto de infração e aplicou a penalidade administrativa nele descrita – R$ 5.000,00 por hectare de área de reserva legal desmatada (70,00211 ha), perfazendo R$ 350.105,50.
O débito foi atualizado no dia 5.9.2019, a totalizar R$ 586.064,28, razão pela qual se certificou o cadastramento do processo no sistema de acompanhamento de dívida ativa – SADA em 24.9.2019 e determinou-se o arquivamento em 3.10.2019.
Todavia, como já dito, o processo administrativo é iluminado pela razoável duração com os meios que garantam a celeridade da tramitação (art. 5º, inciso LXXVIII, da CRFB/88).
Em princípio, não parece ser razoável o tempo de tramitação do processo administrativo n. 388179/2010, pois que o auto de infração foi lavrado em 3.5.2010, dois simples despachos para intimação do autuado foram prolatados em 29.1.2013 e em 29.12.2015, o primeiro para tentativa pessoal e o segundo por edital, sendo que a decisão administrativa só foi proferida em 8.5.2019, mesmo com a revelia do autuado intimado por edital.
De outro lado, a inscrição na dívida ativa pode imobilizar a atividade econômica daquele que foi autuado, notadamente quando o processo administrativo transcorrido à revelia do autuado demora mais de 9 anos para ser apreciado.
O prazo para julgamento do auto de infração é de 30 dias, salvo se forem determinadas diligências probatórias ou informações complementares pela autoridade julgadora, podendo ter prioridade no julgamento os processos que constarem embargo/interdição de obras ou atividades e/ou apreensão de bens, na dicção do art. 29, § 5º, do aludido Decreto Estadual n. 1.986/2013.
Ainda que se trate de prazo impróprio, a ausência de conclusão do processo administrativo ultrapassa 9 anos, não podendo a parte autora suportar o ônus do tempo em detrimento de possível omissão da parte ré.
Ademais, o processo administrativo foi analisado sem que tivesse sido oportunizado ao autuado o direito de exercer defesa porque a única tentativa de intimação pessoal via postal retornou com o motivo “não procurado”.
Ao que tudo indica, não foram respeitados o contraditório e a ampla defesa no processo administrativo, uma vez que sequer houve a tentativa dos Correios em localizar o destinatário, além de inexistirem demais diligências pela parte requerida.
No respeitante, precedente desta Corte de Justiça:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL. OMISSÃO. EXECUÇÃO FISCAL. NULIDADE DA CITAÇÃO POR EDITAL. OCORRÊNCIA. ENDEREÇO NÃO PROCURADO. EMBARGOS ACOLHIDOS COM EFEITOS INFRINGENTES. Acolhem-se os embargos de declaração opostos para sanar a omissão existente e, consequentemente, reconhecer a nulidade da citação por edital realizada em sede de processo administrativo, uma vez que não houve diligência por parte dos Correios para localização do endereço do executado, constando no Aviso de Recebimento devolvido apenas a informação de “não procurado”. (N.U 1000665-14.2018.8.11.0025, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, MARIA APARECIDA RIBEIRO, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 13/07/2021, Publicado no DJE 23/07/2021).
O perigo de dano é evidente, não só pelo largo lapso sem resolução do processo administrativo, que ultrapassa 9 anos, mas também por eventuais prejuízos advindos da inscrição na dívida ativa, que pode ocasionar em execução fiscal e na prática fica impedida de ter acesso a linhas de financiamento para o fomento de sua atividade agrícola.
Assim, ao menos em sede de cognição sumária, presentes a probabilidade de o direito existir, é de se conceder o pedido liminar para suspender o auto de infração.
E de forma a garantir a proteção ambiental, a suspensão deve vir acompanhada de caução de R$ 586.064,28, mesmo valor da multa atualizada e cadastrada no processo no sistema de acompanhamento de dívida ativa – SADA no dia 24.9.2019, em consonância com a certidão da coordenadora e arrecadação da SEMA.
III – DISPOSITIVO
Ante o exposto:
a) DEFIRO O PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA para SUSPENDER o auto de infração e a respectiva cobrança da multa advinda da autuação, mediante prestação de caução no valor de R$ 586.064,28, que deverá ser prestada pela parte autora no prazo de 15 dias, sob pena de ineficácia desta decisão com fulcro no art. 300, caput e §§ 1º, 2º e 3º, do Código de Processo Civil;
b) Prestada a caução, a parte requerida deverá SUSPENDER o auto de infração n. 121295 e a respectiva cobrança da multa advinda da autuação no prazo de 5 dias, sob pena de multa diária a ser suportada pelo servidor público responsável no valor de R$ 500,00 limitada a R$ 10.000,00 com fulcro no art. 297 do Código de Processo Civil. […].
Contra a referida decisão, insurge-se o Estado de Mato Grosso.
Ab initio, cabe registrar que em sede de agravo de instrumento não é dado ao relator do recurso esgotar toda a matéria, mormente quando esta ainda não tenha sido objeto de decisão pelo Juízo Singular, sob pena de supressão de instância e consequente violação ao princípio do duplo grau de jurisdição.
Assim, as alegações do agravante que não sejam relacionadas a suposta nulidade de citação no processo administrativo, com a consequente violação aos princípios do contraditório e ampla defesa e o prazo para julgamento do auto de infração previsto no artigo 29 do Decreto Estadual 1.986/2013 não devem ser conhecidas, uma vez que tais argumentações não foram apreciadas pelo Juízo a quo.
Outrossim, oportuno anotar que a caução determinada na decisão liminar recorrida foi devidamente prestada pelo agravado/autor, conforme pode ser observado nos ids. 64020659, 64020683 e 66300172, mas até o julgamento do presente recurso, não foi analisada pelo Magistrado de Primeiro Grau.
Pois bem. Com relação ao prazo de trinta dias para julgamento do auto de infração, previsto no artigo 29 do Decreto Estadual nº. 1.986/2013, entendo que o Magistrado a quo não agiu com o costumeiro acerto neste ponto, uma vez que o § 1º do mencionado artigo dispõe que a inobservância do prazo para julgamento não implica em nulidade processual.
É cediço que, referido prazo é considerado impróprio, tratando-se de mera irregularidade que faz nascer para o administrado o direito de requerer a conclusão do procedimento em mora, não tendo o condão de gerar, necessariamente, a nulidade do auto de infração, principalmente se o excesso do prazo não causar efetivo prejuízo para a parte autuada.
Por outro lado, analisando os autos do processo administrativo, verifica-se que houve a expedição de AR ao agravado, o qual retornou sem o devido cumprimento pelo motivo “Não procurado”.
De igual modo, a decisão administrativa consignou que em uma análise preliminar verificamos que o AR – Aviso de Recebimento, referente ao Ofício notificando o autuado da lavratura do Auto de Infração foi devolvido sem o recebimento, contando no envelope a informação dos Correios “Não Procurado”, razão pela qual a intimação será feita via Edital”.
Ocorre que, conforme o órgão, no site dos Correios há informação de que a indicação de “não procurado” significa que o destinatário fica em localidade onde a agência postal não faz entregas.
De acordo com o nos termos do artigo 4º do Decreto nº 1.986/2013, a intimação somente poderia ter sido feita por meio de publicação em Diário Oficial (edital), no caso de interessados indeterminados, desconhecidos com domicílio indefinido, o que não é o caso dos autos, já que, aparentemente, o agravado sequer foi procurado para intimação.
Veja-se disposição do artigo:
Art. 4 º A intimação do Auto de Infração e demais termos que eventualmente o acompanharão dar-se-á das seguintes formas:
I – pessoalmente;
II – por seu representante legal;
III – por carta registrada com aviso de recebimento;
IV – por edital, se estiver o autuado em lugar incerto ou não sabido.
Ademais, ressalta-se que, no processo administrativo, a intimação por edital é medida excecional, devendo ser realizada apenas quando restarem infrutíferas as tentativas de ciência, sob pena de cerceamento de defesa.
Nesse sentido é a jurisprudência:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO – PROCESSO ADMINISTRATIVO – INFRAÇÃO AMBIENTAL – DECISÃO DEFERITÓRIA DA SUSPENSÃO DOS EFEITOS DO AUTO DE INFRAÇÃO – CITAÇÃO POR EDITAL – NULIDADE – NÃO ESGOTAMENTO DAS TENTATIVAS DE CITAÇÃO PESSOAL – ARTIGO 96, § 1º, DECRETO N. 6.514/2008 – INÉRCIA DO ÓRGÃO AMBIENTAL – DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO.
Devem ser assegurados ao autuado da infração administrativa ambiental, o contraditório e a ampla defesa, de sorte que deverá ser intimado pessoalmente, por meio do seu representante legal, por carta registrada com aviso de recebimento, ou por edital, caso esteja em lugar incerto, não sabido ou não for localizado.
(N.U 1011626-55.2019.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, MARCIO VIDAL, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 2/3/2020, publicado no DJE 12/3/2020).
Desse modo, não restou demonstrada a probabilidade do direito invocado pelo Estado de Mato Grosso, já que aparentemente o contraditório e a ampla defesa no processo administrativo não foram respeitados.
Ante o exposto, em dissonância com o parecer ministerial, desprovejo o recurso de agravo de instrumento apresentado pelo Estado de Mato Grosso.
É como voto.