Hoje vamos analisar um termo de embargo ambiental imposto pelo IBAMA ao proprietário de uma área rural no Mato Grosso acusado de desmatamento de floresta nativa amazônica que foi anulado através de uma ação judicial movida pelo produtor rural prejudicado.
Pois bem. A fiscalização ocorreu em 2009, tendo o IBAMA lavrado um auto de infração pelo desmatamento ilegal de 192,5 hectares de floresta, impondo uma multa administrativa de R$ 962.500,00, além de aplicar o termo de embargo à área, impedindo qualquer atividade econômica no local.
Após anos de tramitação do processo administrativo, o IBAMA reconheceu a prescrição da pretensão punitiva, ou seja, o prazo legal para aplicar a sanção foi excedido, levando ao cancelamento do auto de infração e consequentemente da multa.
No entanto, o IBAMA manteve o embargo sobre a propriedade rural, justificando que a medida poderia continuar válida, mesmo após o reconhecimento da prescrição da multa.
O problema é que o embargo ambiental estava impossibilitando a exploração econômica da propriedade rural, e foi por isso que o proprietário/autuado ajuizou uma ação anulatória do embargo contra o IBAMA, objetivando o cancelamento do embargo ambiental aplicado sobre sua propriedade.
O autor da ação alegou que o próprio IBAMA reconheceu a prescrição da pretensão punitiva no processo administrativo, cancelando apenas o auto de infração, o que era equivocado considerando que o embargo possui natureza de sanção, e por assim ser, os efeitos da prescrição também se estendem ao embargo.
O IBAMA foi citado e se defendeu dizendo ser inaplicável a prescrição para o termo de embargo (medida cautelar). Essa é uma tese se defea muito comum utilizada não apenas pelo IBAMA, mas por todos os órgãos ambientais. Contudo, essa tese não sustenta.
Prosseguindo, por se tratar de questão eminentemente de direito, não foi realizada nenhuma audiência, e logo após a réplica à contestação, o juiz acertadamente proferiu sentença julgando procedente o pedido de anulação do termo de embargo em razão da prescrição.
Agora vamos aos pontos que interessam. No caso, o autor da ação requereu tutela antecipada para suspender os efeitos do termo de embargo, mas o juiz postergou a análise da tutela provisória para depois da contestação, prática cada vez mais comum no Judiciário.
Como eu falei acima, após a contestação o autor apresentou réplica, e em exatos 10 dias foi proferida a sentença. E, na sentença, o juiz deferiu a tutela antecipada e julgou procedente o pedido.
DICA: quando o juiz posterga a análise da tutela antecipada, pode o advogado apresentar um pedido de reconsideração explicando a necessidade de sua urgência ou até mesmo uma petição simples. Vale lembrar que não existe previsão legal de pedido de reconsideração, mas também, não existe previsão legal impedindo o seu uso. Então, quando necessário, bora usar!
Continuando. O ponto central reside na prescrição. E o juiz foi escorreito ao reconhecer que a prescrição do auto de infração também se estende ao termo de embargo, porque ambas as medidas são sancionatórias.
Eu já falei diversas vezes no Canal da Comunidade Ambiental no YouTube que o Embargo Ambiental não é imprescrítivel e não pode ser confundido com a obrigação de reparar o dano na esfera cível, ok?
A verdade é que o IBAMA faz uma grande confusão com os institutos da prescrição das sanções administrativas e a responsabilidade civil pela reparação do dano ambiental. Mas cá entre nós, eles sabem que estão errados, acreditem!
Se fosse verdade que o embargo é imprescrítivel, então estar-se-ia criando um verdadeiro ato administrativo alienígena, ou melhor, um “ato administrativo zumbi”, consubstanciado no ato viciado e nulo em sua essência, pois prescrito, mas que permanece em vigor pelo livre convencimento motivado do julgador administrativo.
Fica claro, portanto, que IBAMA deseja, a manu militari, usar do argumento da imprescritibilidade do termo de embargo como meio de reparação material da área supostamente degradada, misturando os institutos da reparação do dano ambiental (cível) com a sanção administrativa (administrativa).
Ora, caso seja esse desejo, que lance mão do art. 4º da Lei de Ação Civil Pública, instituto cível aplicável caso seja necessário reparar o dano ambiental. Aliás, o §4º do artigo 21 do Decreto 6.514/08 é claro no sentido de que a prescrição da pretensão punitiva não elide a obrigação de reparar o dano ambiental. Óbvio que o embargo prescreve!
Mas Diovane, qual o fundamento para reconhecer a prescrição do embargo?
Bom, para começar, conforme recente entendimento firmado pelo Tribunal Regional Federal da Primeira Região, o reconhecimento da prescrição do Auto de Infração implica na prescrição de todos os atos dele derivados, dentre eles o Termo de Embargo. Foi exatamente isso que o juiz citou na sentença, e nem poderia ser diferente:
[…] III – O Termo de Embargo/ Interdição deriva da lavratura de Auto de Infração e, em sendo declarada a prescrição deste, todos os atos dele decorrentes também estão prescritos.
Falando em sentença:
III – DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, resolvendo o mérito na forma do artigo 487, inciso I, do CPC, para cancelar o termo de embargo […].
Tendo em conta a probabilidade do direito, consubstanciada nas razões da presente sentença, defiro o pedido de tutela provisória para suspender os efeitos do termo de embargo em comento.
Minha conclusão é que o juiz acertadamente concluiu que o embargo tinha caráter punitivo e, portanto, a sua manutenção indefinida sem uma justificativa razoável violava os princípios da duração razoável do processo e da eficiência administrativa. Diante disso, o juiz decidiu cancelar o termo de embargo.
DICA: No caso em estudo, o próprio IBAMA anulou o auto de infração, mas, caso isso não tivesse ocorrido, o melhor caminho seria propor uma ação anulatória apenas do auto de infração, cujo valor da ação é o valor da multa; e outra ação anulatória do termo de embargo, com o valor da ação de R$ 1.000,00.
Se o auto de infração não tivesse sido anulado, o tribunal condenaria o autor da ação ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, aqueles pagos pelo perdedor ao ganhador. Imagine ter que dar a notícia ao seu cliente de que ele foi condenado a pagar 10% de sucumbência sobre uma multa milionária. Nada legal, não é? Então, tomem cuidado ao propor uma ação.
Leia a sentença que anulou o termo de embargo ambiental
No caso vertente, não há controvérsia quanto à ocorrência da prescrição intercorrente no processo administrativo SEI, pois a Administração reconheceu sua ocorrência e declarou a nulidade do auto de infração ambiental.
A autoridade administrativa, porém, manteve o embargo aplicado, sob fundamento de que a natureza desta sanção permite sua permanência sobre o imóvel.
Conforme recente entendimento firmado pelo Tribunal Regional Federal da Primeira Região, o reconhecimento da prescrição do Auto de Infração implica na prescrição de todos os atos dele derivados, dentre eles o Termo de Embargo. Vejamos:
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. DESMATAMENTO. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DO AUTO DE INFRAÇÃO. PRESCRIÇÃO DOS ATOS DECORRENTES. TERMO DE EMBARGO. INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. EXCESSO DE PRAZO PARA JULGAMENTO. DEMORA INJUSTIFICADA. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA.
I – O IBAMA, no exercício regular do poder de polícia ambiental, detém, em perfeita sintonia com a tutela cautelar constitucionalmente prevista no art. 225, § 1º, V e respectivo § 3º, da Constituição Federal, atribuições para defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, para as presentes e futuras gerações (CF, art. 225, caput).
II – A demora excessiva e injustificada do Poder Público para a análise do processo administrativo, sob pena de violação aos princípios da eficiência, da moralidade e da razoável duração do processo, conforme preceitua a Lei nº 9.784/99 e os dispositivos insertos nos artigos 5º, inciso LXXVIII e 37, caput, da Constituição Federal, que a todos assegura o direito à celeridade na tramitação dos procedimentos administrativos, a autorizar, na espécie, a suspensão dos efeitos do referido Termo de Embargo até julgamento do citado processo (antecipação de tutela confirmada na sentença).
III – O Termo de Embargo/ Interdição deriva da lavratura de Auto de Infração e, em sendo declarada a prescrição deste, todos os atos dele decorrentes também estão prescritos. IV Recurso de apelação interposto pelo IBAMA a que se nega provimento. (1000332-44.2017.4.01.3603, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, DJ 23/07/2020)
Assim, deve ser admitida a juridicidade do reconhecimento da prescrição do Termo de Embargo, uma vez que provém de ato manifestamente prescrito.
Saliente-se, ademais, que o Tribunal Regional Federal da Primeira Região tem perfilhado entendimento de que a demora injustificada na conclusão do processo administrativo também permite o levantamento do termo de embargo incidente sobre a atividade do autuado, o qual não pode ficar indeterminadamente à mercê da Administração, sem definição de sua situação em prazo razoável. Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AMBIENTAL. AUTO DE INFRAÇÃO. TERMO DE EMBARGO. DESTRUIÇÃO DE VEGETAÇÃO NATIVA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE JULGAMENTO. EXCESSO DE PRAZO. RAZOABILIDADE. SUSPENSÃO DA MEDIDA RESTRITIVA. CABIMENTO.
I – Na hipótese dos autos, consta que o embargo da atividade econômica exercida pelo impetrante permanece por mais de um ano, sem que se tenha notícia do julgamento do respectivo processo administrativo, a demonstrar, assim, a demora excessiva e injustificada do Poder Público para a análise do processo administrativo, sob pena de violação aos princípios da eficiência, da moralidade e da razoável duração do processo, conforme preceitua a Lei nº 9.784/99 e os dispositivos insertos nos artigos 5º, inciso LXXVIII e 37, caput, da Constituição Federal, que a todos assegura o direito à celeridade na tramitação dos procedimentos administrativos, a autorizar, na espécie, a suspensão dos efeitos do referido Termo de Embargo até julgamento do citado processo.
II – Remessa oficial desprovida. Sentença confirmada. (REO 0002375-57.2015.4.01.3500 / GO, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Rel. Conv. JUIZ FEDERAL WALDEMAR CLAUDIO DE CARVALHO (CONV.), QUINTA TURMA, e-DJF1 p.911 de 18/11/2015).
Na hipótese dos autos, diante do decurso de mais de cinco anos sem que se tenha dado decisão definitiva e da ausência de justificativa para tanto, está configurada a demora excessiva e injustificada por parte da Administração, implicando ofensa ao princípio da duração razoável do processo e ao princípio da eficiência, o que faz incidir o entendimento acima.
As autoridades poderão impor o embargo, assim como outras sanções administrativas, cumulativamente ao infrator, se as razões de fato assim o determinarem.
Outrossim, a inclusão do nome do autuado na lista de pública de poluidores, não obstante tenha como finalidade precípua evitar o uso da área, provoca efeitos mais amplos e negativos ao autor, já que ele passa a ostentar publicamente o atributo de infrator ambiental, o que acarreta graves prejuízos a sua atividade econômica.
Dessa forma, quer sob uma perspectiva formal ou substancial, o embargo administrativo possui caráter punitivo, ainda que não predominante, razão pela qual não se pode conceber sua imprescritibilidade.
Dispositivo
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, resolvendo o mérito na forma do artigo 487, inciso I, do CPC, para cancelar o termo de embargo ambiental.
Tendo em conta a probabilidade do direito, consubstanciada nas razões da presente sentença, defiro o pedido de tutela provisória para suspender os efeitos do termo de embargo em comento.
Intime-se o gerente executivo do IBAMA em Sinop para cumprimento da ordem.
Condeno o réu a ressarcir as custas pagas pela parte autora e ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$ 5.000,00, por equidade, uma vez que não há valor de condenação, não é possível aferir o proveito econômico imediato da suspensão da medida de embargo e o valor da causa é ínfimo.
Sentença com remessa necessária.