Acertada a sentença proferida por um magistrado de primeira inastância reconhecendo a ocorrência da prescrição de um auto de infração e termo de embargo ambiental.
Tratando-se de Direito Ambiental, as mais variadas decisões relativas à prescrição em processos administrativos ambientais instaurados para apurar a prática de infração ambiental têm surgido em todos os sentidos, incluindo o reconhecimento da prescrição de autos de infração, mas não a prescrição de embargos ambientais.
Contudo, ainda há magistrados legalista e extremamente técnicos que estendem os efeitos da prescrição do auto de infração ambiental ao termo de embargo ambiental.
E nem poderia ser diferente, porque as duas medidas se tratam de sanções administrativas sujeitas, portanto, ao mesmo prazo prescricional, de modo que prescrita a pretensão punitiva relacionada ao auto de infração ambiental, também prescrito o embargo ambiental.
Uma decisão recente sobre este tema ilustra perfeitamente o acerto e a importância de se aplicar corretamente a legislação vigente, garantindo a justiça e a eficiência administrativa.
O caso em questão envolveu uma ação anulatória movida contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), buscando a nulidade de um Auto de Infração Ambiental e um Termo de Embargo/Interdição Ambiental.
A liminar foi prontamente deferida, evidenciando a urgência e a relevância do pedido para suspender os efeitos tanto do auto de infração ambiental como do termo de embargo.
Por se tratar de matéria eminentemente de direito, após a contestação do IBAMA, sobreveio sentença que reconheceu a prescrição da pretensão punitiva administrativa, tanto intercorrente quanto quinquenal, conforme previsto pela Lei 9.873/99 e pelo Decreto Federal 6.514/08, confirmando a liminar concedida.
Com efeito, a prescrição é um mecanismo de extinção de uma pretensão por meio da inação do titular dentro de um período determinado pela lei.
No direito ambiental, isso significa que o poder público tem um prazo para agir contra infrações, após o qual sua capacidade de punir e embargar atividades consideradas danosas ao meio ambiente expira.
O artigo 21 do Decreto Federal 6.514/08, especificamente um prazo prescricional para a Administração Pública apurar a prática do ato infracional, excetuadas as causas de interrupções desse prazo por atos inequívocos de apuração do fato, tais como a lavratura do auto de infração ou a realização de atos processuais que impulsionem o procedimento administrativo.
No caso, a decisão de reconhecer a prescrição e anular os atos administrativos é acertada e técnica, demonstrando que processos administrativos paralisados ou indevidamente prolongados sujeitam-se aos prazos prescricionais e que o embargo ambiental não é imprescritível.
Leia a íntegra da decisão
Trata-se de ação anulatória proposta por [autor] em face do INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA , objetivando, em sede de tutela de urgência, a concessão de provimento jurisdicional que determine a suspensão dos efeitos do Auto de Infração Ambiental e do Termo de Embargo/Interdição Ambiental e, ao final, a declaração de nulidade de tais atos.
A liminar foi deferida.
A seguir, manifestou-se o IBAMA, reconhecendo a prescrição da pretensão punitiva da Administração e requerendo a isenção do pagamento de honorários ou, subsidiariamente, a redução pela metade da verba sucumbencial.
É o relatório. Decido.
Fundamentação
Desnecessária a produção de outras provas e não havendo questões processuais pendentes, declaro saneado o feito e passo ao julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, do CPC.A par de outras teses, a parte autora alega a prescrição da pretensão punitiva da Administração, tanto intercorrente quanto quinquenal.
Com efeito, a prescrição da pretensão punitiva da administração pode se dar, em sua forma intercorrente, pela paralisação do processo administrativo por mais de 03 anos sem atos instrutórios válidos, ou pelo decurso, sem a ocorrência de marcos interruptivos, do prazo quinquenal previsto no art. 1º da Lei 9.873/99:
Art. 1º Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
§1º Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.
§2º Quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.
Redação similar contém o artigo 21 do Decreto Federal nº 6.514/08, que praticamente repete os termos da norma regulamentada:
Art. 21. Prescreve em cinco anos a ação da administração objetivando apurar a prática de infrações contra o meio ambiente, contada da data da prática do ato, ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que esta tiver cessado.
§1º Considera-se iniciada a ação de apuração de infração ambiental pela administração com a lavratura do auto de infração.
§2º Incide a prescrição no procedimento de apuração do auto de infração paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação.
§3º Quando o fato objeto da infração também constituir crime, a prescrição de que trata o caput reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.
§4º A prescrição da pretensão punitiva da administração não elide a obrigação de reparar o dano ambiental.
A contagem do prazo prescricional da pretensão punitiva propriamente dita se inicia a partir do fato (conduta ou resultado) e se encerra com o julgamento definitivo na esfera administrativa, interrompendo-se nas hipóteses elencadas na legislação de regência.
O artigo 22 do Decreto Federal 6.514/08, estabelece que o prazo prescricional em destaque é interrompido:
“I – pelo recebimento do auto de infração ou pela cientificação do infrator por qualquer outro meio, inclusive por edital; II – por qualquer ato inequívoco da administração que importe apuração do fato ; e III – pela decisão condenatória recorrível. Parágrafo único. Considera-se ato inequívoco da administração, para o efeito do que dispõe o inciso II, aqueles que impliquem instrução do processo”.
Especial atenção merece o inciso que diz que a prescrição da ação punitiva da Administração Pública será interrompida por qualquer ato inequívoco da administração que importe apuração do fato.
Veja-se que não é qualquer ato praticado no curso do processo que terá o condão de provocar a dita interrupção.
Para configurar-se a interrupção da prescrição da ação punitiva estabelecida no caput do artigo 1º da Lei 9.873/99 e no artigo 21 do Decreto Federal 6.514/08, é preciso que o ato levado a efeito nos autos do processo administrativo tenha conteúdo relacionado à apuração do fato, ou seja, o ato processual deve implicar instrução do processo para cessar o prazo prescricional, segundo o artigo 22, inciso II do Decreto Federal 6.514/08.
São exemplos de atos que configuram instrução processual a elaboração de parecer técnico instrutório, a elaboração de contradita do agente autuante e a requisição de produção de prova pela autoridade julgadora.
Por outro lado, não serve para tal fim, por exemplo, os despachos que apenas determinem o encaminhamento dos autos para os setores da administração.
Diferentemente, a interrupção da prescrição intercorrente no processo administrativo de apuração da infração se dá até quando proferido simples despacho nos autos, desde que efetivamente impulsione o procedimento para o seu julgamento final.
As hipóteses de interrupção do triênio prescricional intercorrente são, portanto, mais amplas do que as da prescrição propriamente dita.
Nesse sentido, na doutrina, o magistério de Elody Nassar:
“Para a ocorrência da prescrição intercorrente há necessidade do concurso dos seguintes elementos: a) início do procedimento administrativo pela citação válida do indiciado ou acusado; b) paralisação do feito por mais de três anos; c) inocorrência de ato inequívoco, que importe apuração do fato; e d) ausência de julgamento ou despacho. Como se vê, além das hipóteses relacionadas no § 1º do art. 1º, devem ser considerados os casos de interrupção elencados no art. 2º, pois este dispositivo não faz qualquer ressalva no que se refere à prescrição normal ou intercorrente quando determina a sua interrupção.”(NASSAR. Elody. Prescrição na Administração Pública .2a Edição. São Paulo: Saraiva, 2009, pág. 235)
O que se deve atentar, entretanto, é que não é qualquer despacho que tem o condão de interromper o prazo prescricional intercorrente, mas, sim, aquele que efetivamente dê impulso ao procedimento , não servido à interrupção os despachos que não surtam tal efeito, como aqueles que apenas repetem o conteúdo de despacho anterior.
Isso porque atos procedimentais desse jaez mantém o processo no estado em que foi deixado quando proferido o despacho antecedente, não descaracterizando, portanto, a paralisação do procedimento, pelo menos até que se profira outro ato que efetivamente dê seguimento ao processo administrativo, visando à conclusão de seu julgamento.
Nesse sentido é a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4a Região, o qual entende que” a prescrição intercorrente somente ocorrerá se a Administração sem qualquer justificativa não adotar medida tendente ao exercício da pretensão de apurar a conduta ilícita, objeto do processo administrativo, e assim concluir o processo administrativo .”(TRF4, AG 5025336-15.2013.404.0000, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 29/10/2013).
Destaque-se, por oportuno, que a Orientação Jurídica Normativa Nº 06/2009/PFE/IBAMA, elaborada pela Procuradoria Federal Especializada em conjunto com o IBAMA, adota a mesma linha de entendimento aqui esposada, ao considerar que”os atos meramente procrastinatórios, que não objetivem a dar solução à demanda, embora se caracterizem formalmente como movimentação processual, não são hábeis a obstar a prescrição intercorrente .”
Cite-se um excerto do referido documento, que sintetiza as orientações adotadas pelo IBAMA acerca da prescrição intercorrente:
O escopo da norma é conferir andamento do processo visando ao deslinde da causa. Desse modo, é capaz de obstar a ocorrência da prescrição intercorrente, qualquer ato processual necessário a impulsionar o processo ao seu fim.
Os atos meramente procrastinatórios, que não objetivem dar solução à demanda, embora se caracterizem formalmente como movimentação processual, não são hábeis a obstar a prescrição intercorrente.
É necessário que se verifique o encadeamento lógico do ato e sua pertinência para o deslinde da causa.
Oportuno, contudo, registrar que as causas da prescrição da pretensão punitiva propriamente dita e as situações que obstam a ocorrência da prescrição intercorrente não se confundem.
Estas vão além daquelas que são estabelecidas no art. 2º da Lei nº 9.873/99. Diversamente do que ocorre com a prescrição da pretensão punitiva, na intercorrente até mesmo a regularização de um vício formal ou a repetição de uma diligência, se formalizada nos autos, tem o efeito de interromper a prescrição, desde que imprimam lógica e continuidade ao procedimento.
Em resumo, o processo administrativo não pode ficar paralisado por mais de 03 anos sem despacho. Ao contrário da prescrição propriamente dita, a prescrição intercorrente é interrompida por qualquer despacho com conteúdo instrutório , mesmo aqueles não destinados à apuração de fatos, necessários à interrupção do lustro fatal.
Não se prestam, entretanto, à interrupção do triênio prescricional, os despachos que apenas repetem o conteúdo dos anteriores ou aqueles sem conteúdo instrutório algum.
No caso dos autos, o IBAMA, por meio do evento Id: 23946023 manifestou- se reconhecendo a prescrição da pretensão punitiva da Administração e requerendo a isenção do pagamento de honorários ou, subsidiariamente, a redução pela metade da verba sucumbencial.
Com efeito, os artigos 18 e 19, § 1º , da Lei 10.522/2002 dispõem que:
Art. 18. Ficam dispensados a constituição de créditos da Fazenda Nacional, a inscrição como Dívida Ativa da União, o ajuizamento da respectiva execução fiscal, bem assim cancelados o lançamento e a inscrição, relativamente:
I -a contribuição de que trata a Lei n o 7.689, de 15 de dezembro de 1988 , incidente sobre o resultado apurado no período-base encerrado em 31 de dezembro de 1988;
II – ao empréstimo compulsório instituído pelo Decreto-Lei n o 2.288, de 23 de julho de 1986 , sobre a aquisição de veículos automotores e de combustível;
III -a contribuição ao Fundo de Investimento Social – Finsocial , exigida das empresas exclusivamente vendedoras de mercadorias e mistas, com fundamento no art. 9 o da Lei n o 7.689, de 1988 , na alíquota superior a 0,5% (cinco décimos por cento), conforme Leis n os 7.787, de 30 de junho de 1989, 7.894, de 24 de novembro de 1989 , e 8.147, de 28 de dezembro de 1990, acrescida do adicional de 0,1% (um décimo por cento) sobre os fatos geradores relativos ao exercício de 1988, nos termos do art. 22 do Decreto-Lei n o 2.397, de 21 de dezembro de 1987;
IV – ao imposto provisório sobre a movimentação ou a transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira – IPMF , instituído pela Lei Complementar n o 77, de 13 de julho de 1993 , relativo ao ano-base 1993, e às imunidades previstas no art. 150, inciso VI, alíneas a, b, c e d, da Constituição;
V -a taxa de licenciamento de importação, exigida nos termos do art. 10 da Lei n o 2.145, de 29 de dezembro de 1953 , com a redação da Lei n o 7.690, de 15 de dezembro de 1988 ;
VI – à sobretarifa ao Fundo Nacional de Telecomunicações ;
VII – ao adicional de tarifa portuária , salvo em se tratando de operações de importação e exportação de mercadorias quando objeto de comércio de navegação de longo curso;
VIII -a parcela da contribuição ao Programa de Integracao Social exigida na forma do Decreto-Lei n o 2.445, de 29 de junho de 1988 , e do Decreto-Lei n o 2.449, de 21 de julho de 1988 , na parte que exceda o valor devido com fulcro na Lei Complementar n o 7, de 7 de setembro de 1970, e alterações posteriores;
IX – à contribuição para o financiamento da seguridade social – Cofins , nos termos do art. 7 o da Lei Complementar n o 70, de 30 de dezembro de 1991 , com a redação dada pelo art. 1 o da Lei Complementar n o 85, de 15 de fevereiro de 1996 .
X – a Cota de Contribuição revigorada pelo art. 2 o do Decreto-Lei n o 2.295, de 21 de novembro de 1986 (…)
Art. 19. Fica a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional autorizada a não contestar, a não interpor recurso ou a desistir do que tenha sido interposto, desde que inexista outro fundamento relevante, na hipótese de a decisão versar sobre:
I – matérias de que trata o art. 18;
II – matérias que, em virtude de jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal, ou do Superior Tribunal de Justiça, sejam objeto de ato declaratório do
Procurador-Geral da Fazenda Nacional, aprovado pelo Ministro de Estado da Fazenda.
§1º Nas matérias de que trata este artigo, o Procurador da Fazenda Nacional que atuar no feito deverá, expressamente, reconhecer a procedência do pedido, quando citado para apresentar resposta, hipótese em que não haverá condenação em honorários, ou manifestar o seu desinteresse em recorrer, quando intimado da decisão judicial.
Como se vê, a norma a que alude a Procuradoria Federal é de aplicação exclusiva a matérias tributárias, não sendo, pois, o caso de aplicação da lei especial, em detrimento do CPC, em casos como o dos autos, que tratam de matéria não tributária (multa ambiental).
Assim sendo, o caso é de redução dos honorários advocatícios pela metade, com fulcro no art. 90, § 4º do CPC.
Dispositivo
Diante do exposto, confirmo a decisão que antecipou os efeitos da tutela e JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS para anular Auto de Infração Ambiental e do Termo de Embargo/Interdição Ambiental.
Sem custas finais, em razão da isenção do ente público.
Condeno o réu a ressarcir as custas e despesas adiantadas pelo autor, bem como ao pagamento de honorários advocatícios, estes últimos fixados no percentual mínimo previsto nas alíneas I a V, § 3º, artigo 85, do CPC/2015, escalonados na forma do § 5º do mesmo dispositivo legal e a serem calculados sobre o valor atualizado da causa, nos termos da súmula 14 do STJ e reduzidos pela metade, na forma prescrita pelo art. 90, § 4º do CPC.