Excelentíssimo (a) Senhor (a) Doutor (a) Juiz (a) Federal da Subseção Judiciária de…
Tutela de urgência
Parte autora, brasileiro (a), estado civil, profissão, inscrito (a) no RG sob o n… e CPF…, residente e domiciliado (a) na Rua…, n…, Bairro…, Cidade/UF, CEP…, endereço eletrônico…, por seu advogado, à presença de Vossa Excelência, propor a presente ação declaratória de nulidade de auto de infração com pedido de tutela de urgência contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público interno, inscrita no CNPJ sob o n…, com sede na…, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.
1. Síntese dos fatos
A presente ação anulatória possui como finalidade a obtenção de declaração de nulidade de auto de infração lavrado pelo órgão ambiental fiscalizador que, homologado, resultou na aplicação de multa simples. Ainda, a dívida também foi levada a protesto, conforme consta do caderno administrativo.
Em relatório de autuação, o agente de fiscalização constatou que havia no pátio da empresa toras e madeira serrada estocadas, momento em que em contato com o proprietário foi realizada a solicitação por meio de notificação administrativa, para a apresentar junto ao órgão ambiental, licença de operação, cadastro técnico federal, saldo atualizado, notas fiscais e GFS de entrada e saída de produto e subproduto florestal.
Ocorre que, ao analisar o processo administrativo supramencionado, é possível verificar nitidamente a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva com base no prazo penal, em razão da ausência de ato inequívoco da administração que importasse na apuração do fato, entre a notificação da infração e a decisão homologatória de primeira instância.
Assim, o auto de infração e suas respectivas sanções merecem ser anuladas, conforme se verá adiante.
2. Da prescrição da pretensão punitiva propriamente dita – Infração administrativa que também configura crime ambiental – Aplicação do prazo prescricional da lei penal
No caso, incidiu a prescrição da pretensão punitiva propriamente dita, cujo prazo prescricional é de três anos nos termos do art. 109, VI, do Código Penal, conforme previsto no artigo 1º, § 2º, da Lei Federal 9.873/99 e artigo 21, § 3º, do Decreto Federal 6.514/08, porque a infração imputada à parte autuada também configura o crime ambiental do art. 60 da Lei 9.605/08, equivalente criminal da infração administrativa prevista no artigo 80 do Decreto Federal 6.514/2008.
Com efeito, pelo princípio da legalidade, se houver identidade fática entre os ilícitos administrativo e penal imputados ao administrado, o prazo prescricional geral de cinco anos deverá ser afastado, na medida em que incidirá um dos incisos do artigo 109, do Código Penal, independentemente da instauração de procedimento investigatório ou processo criminal, considerando que a lei não traz ressalva alguma acerca de sua aplicabilidade, prevendo tão somente o dever legal de sua observância, e, por corolário, sua aplicação.
Pois bem. Encontra-se pacificada a jurisprudência no sentido de que a prescrição em processo administrativo, em se tratando de dívida ativa não tributária, objeto de auto de infração, sujeita-se ao prazo quinquenal previsto no artigo 1º da Lei 9.873/1999:
Art. 1º Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. […]
Todavia, o § 2º do referido artigo dispõe que, quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal, in verbis:
§2º Quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.
Por sua vez, o Decreto n. 6.514/08 também determina que, quando o fato objeto da infração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal:
Art. 21. Prescreve em cinco anos a ação da administração objetivando apurar a prática de infrações contra o meio ambiente, contada da data da prática do ato, ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que esta tiver cessado. § 3º Quando o fato objeto da infração também constituir crime, a prescrição de que trata o caput reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.
Ao artigo 60 da Lei n. 9.605/1998, cuja pena máxima em abstrato é de 1 ano, aplica-se o prazo prescricional de 4 anos, nos termos do artigo 109, inciso V, do Código Penal, com redação dada pelo Decreto-Lei 2.848/1940, verbis:
Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: […]
VI – em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano;
Fixado o prazo prescricional para o caso em tela (3 anos), deve-se observar a ocorrência de alguma das causas interruptivas do prazo prescricional, em consonância com o art. 2º da Lei 9.873/99 e o artigo 22 do Decreto 6.514/2008.
Segundo o art. 2º da Lei 9.873/99, são causas interruptivas da prescrição:
Art. 2º Interrompe-se a prescrição da ação punitiva:
I – pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital;
II - por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;
III - pela decisão condenatória recorrível.
IV – por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal.
A redação do artigo 22 do Decreto 6.514/08 — que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente e estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações — é semelhante ao texto da Lei ut retro mencionada:
Art. 22. Interrompe-se a prescrição:
I – pelo recebimento do auto de infração ou pela cientificação do infrator por qualquer outro meio, inclusive por edital;
II – por qualquer ato inequívoco da administração que importe apuração do fato; e
III – pela decisão condenatória recorrível.
Parágrafo único. Considera-se ato inequívoco da administração, para o efeito do que dispõe o inciso II, aqueles que impliquem instrução do processo.
De fato, conforme se verá no tópico abaixo, no processo administrativo, após o recebimento do auto de infração e da cientificação do alegado infrator, transcorreu prazo superior ao previsto em lei penal, isto é…
3. Da demonstração das prescrições no caso em concreto
A análise perfunctória dos autos do processo administrativo revela, sem grandes esforços, a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, ocorrida entre notificação da lavratura do auto de infração ambiental 00.00.0000 e a decisão homologatória de primeira instância, em, houve o transcurso de 5 anos, 9 meses e 5 dias.
A tabela a seguir demonstra de maneira clara e objetiva a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva da Administração:
ATO |
DATA |
PÁGINA |
Notificação | 00.00.0000 | … |
Relatório de constatação | 00.00.0000 | … |
Autuação | 00.00.0000 | … |
Relatório de constatação | 00.00.0000 | … |
Despacho, encaminhou o processo para que seja alterado | 00.00.0000 | … |
Despacho, encaminhou o processo para comunicação do crime | 00.00.0000 | … |
Notificação da autuação | 00.00.0000 | … |
Ofício comunicando fato crime ao MPE | 00.00.0000 | … |
Manifestação instrutória sem dilação probatória | 00.00.0000 | … |
Certidão negativa de agravamento | 00.00.0000 | … |
Edital | 00.00.0000 | … |
Despacho, encaminhou o processo para análise e julgamento | 00.00.0000 | … |
Decisão homologatória de primeira instância | 00.00.0000 | … |
Assim, não havendo dúvidas da ocorrência da prescrição no caso em concreto, é imperioso o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva no processo administrativo em análise.
4. Da jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Em relação ao tema da prescrição da pretensão punitiva, por fim, é salutar ressaltar os acertados e brilhantes entendimentos do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Não é preciso nem mencionar que a prescrição é matéria de ordem pública, erigida pelo ordenamento, justamente, com o fito de conferir segurança jurídica ao administrado, consubstanciada no direito fundamental ao devido processo legal.
Assim, é de se concluir pela aplicação do fenômeno prescricional. Porquanto sua natureza jurídica é de ato administrativo, oriundo do poder de polícia, conforme consta do próprio artigo 72 da Lei 9.605/98.
Não por outro motivo, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região tem decidido:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO. MULTA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. LEI 9.873/99, ART. 1o, §1o. AUSÊNCIA DE CAUSA INTERRUPTIVA. SENTENÇA MANTIDA.
1. Nos termos do art. do §1o do art. 1o da Lei 9.873/99, incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada (…), regra reforçada pelo art. 21, § 2o, do Decreto no 6.514/2008.
2. Restou demonstrado nos autos que entre a apresentação de defesa pelo autuado, em 03/12/2009, e a decisão condenatória de 1a instância, em 23/03/2017, não houve nenhum marco interruptivo do prazo prescricional, sendo de se impor o reconhecimento da prescrição intercorrente da pretensão punitiva da Administração.
3. Desconstituído o caráter instrutório da manifestação inserida no processo administrativo, que se limita a relatar as ocorrências relacionadas ao curso do procedimento, sem qualquer natureza opinativa ou instrutória, afasta-se a possibilidade de interrupção do prazo prescricional, porquanto não se amolda ao previsto na Lei 9.873/99, nem representa, a rigor, nenhum ato inequívoco que importe em apuração do fato, nos termos do art. 2o, II, do mesmo diploma legal, hipótese a ensejar a prescrição da pretensão punitiva do Estado na esfera administrativa.
4. Remessa necessária, tida por interposta, e apelação do IBAMA a que se nega provimento, mantendo integralmente a sentença de primeiro grau. (AC 1000227-33.2018.4.01.3603, DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA, TRF1 – QUINTA TURMA, PJe 26/05/2020 PAG.)