EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA
AUTORA, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ…, com sede na Rua… vem, à presença de V. Exa., com fulcro no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil, arts. 2º e 3º da Lei Federal Ordinária 13.105/2015 (Código de Processo Civil), propor AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL POR USO DE FOGO SEM LICENÇA OU AUTORIZAÇÃO COM PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA em face do ÓRGÃO AMBIENTAL que lavrou o auto de infração ambiental, pelos motivos de fato e razões de direito que a seguir passa a expor.
1. DOS FATOS
A autora foi autuada por suposta prática de uso de fogo. No entanto, a ocorrência de fogo na região é de alta periodicidade, sendo que a Autora sempre comunica a ocorrência destes fatos, alheios à sua vontade, às autoridades competentes, conforme boletins de ocorrência e e-mails enviados ao órgão ambiental.
Mesmo assim, a Autora foi autuada por infração ambiental. Salienta-se que estes acidentes ocorreram exatamente na área requerida para supressão de vegetação e alastraram-se tanto pelas áreas de relevância ambiental, quanto por áreas antropizadas. Assim, pela ocorrência do fogo supracitado, foram lavrados autos de infração ambiental contra a então proprietária.
Em sua defesa administrativa a proprietária demonstrou que a área objeto da autuação está localizada na beira de estrada, e, a vegetação da área é altamente inflamável.
Também demonstrou que sempre notificou as autoridades competentes acerca do perigo iminente da ocorrência de fogo no local; todos os incêndios foram devidamente informados ao órgão ambiental e à Polícia Ambiental.
E ainda, que os diversos incêndios atingiram também parte da área da plantação da Autora, que em nenhum momento deu causa ou contribuiu para o incêndio objeto da autuação; e que o laudo de vistoria que culminou na autuação continha irregularidades técnicas insanáveis.
Não obstante os relevantes aspectos trazidos em sua defesa administrativa, o órgão ambiental entendeu pelo indeferimento da defesa administrativa e manutenção das autuações combatidas, sob o exclusivo fundamento de que, embora a antiga proprietária não tenha contribuído diretamente ou obtido algum benefício com a prática lesiva ao meio ambiente, possui responsabilidade objetiva em adotar as medidas destinadas à adequação de sua propriedade à função socioambiental.
Quanto aos aspectos técnicos, a Ré alegou que a infração se encontraria caracterizada nos autos e não foram detectados vícios de lavratura que justifiquem o cancelamento da penalidade aplicada, e por fim o argumento citado de inexistência de irregularidade não procede, e que a constatação da infração teria sido feita por agente credenciado, detentor de fé pública, sendo descrita nos Autos de Inspeção, ficando caracterizada a infração de destruição da vegetação mediante uso de fogo.
Diante disso, a Autora apresentou recurso administrativo, ventilando cerceamento de defesa, pela não manifestação sobre o pedido de produção de provas; inexistência de fundamento legal para a autuação; ausência de autoria; o caráter subjetivo da responsabilidade administrativa, que é diverso da responsabilidade objetiva; e, a necessidade da adequação do valor da multa em razão dos princípios e regras aplicáveis, incluindo a aplicação de atenuantes.
Por fim, o recurso administrativo foi rejeitado na última instância administrativa, não cabendo alternativa que não a de buscar o amparo do Poder Judiciário, especialmente para o ver declarada a nulidade de todos os autos de infração.
2. DIREITO
2.1. INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 70 DA LEI FEDERAL ORDINÁRIA 9.605 E DOS DISPOSITIVOS SANCIONADORES DO DECRETO FEDERAL 6.514/2008
Noutro ponto, há que se analisar a constitucionalidade dos dispositivos legais utilizados na lavratura do auto de infração e que, consequentemente, deram origem à presente execução fiscal. À administração pública cabe proteger o meio ambiente, conforme ordem constitucional dos arts. 23 e 225. Também a Administração Pública se submete à ordem do art. 37 da Constituição da República:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)
Ícone do Direito Administrativo, Celso Antônio Bandeira de Mello[1] já afirmou categoricamente:
Princípio da legalidade – Este princípio basilar no Estado de Direito, como é sabido e ressabido, significa subordinação da Administração à lei; e nisto cumpre importantíssima função de garantia dos administrados contra eventual uso desatado do Poder pelos que comandam o aparelho estatal. Entre nós a previsão de sua positividade está incorporada de modo pleno, por força dos arts. 5º, II, 37, caput, e 84, IV, da Constituição Federal. É fácil perceber-se sua enorme relevância ante o tema das infrações e sanções administrativas, por estarem em causa situações em que se encontra desencadeada uma frontal composição entre Administração e administrado, na qual a Administração comparecerá com todo seu poderio, como eventual vergastadora da conduta deste último. Bem por isto, tanto infrações administrativas como suas correspondentes sanções têm que ser instituídas em lei – não em regulamento, instrução, portaria e quejandos.
Ou seja, o respeito ao princípio da legalidade é a regra, da qual só abre-se exceção quando se fala em questões que, por sua própria particularidade especial, não possam ser definidas em lei. Ora, não há que se falar de exceção no presente caso: as condutas que possam ser consideradas lesivas ao meio ambiente não se alteram de forma tão dinâmica que seja necessária a atitude emergencial do Executivo. Portanto, devem ser previstas em lei, com tipos definidos e apenas regulamentadas pelo Executivo dentro de sua competência.
Nesta linha de raciocínio há que se destacar acerca da inconstitucionalidade dos arts. 70 e 75 da Lei 9.605/1998.
Isso porque, o art. 70 caracteriza-se como norma de competência, pois enumera que “toda ação ou omissão que viole as regras de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente” é considerada infração administrativa e atribui ao Poder Executivo (art. 80 do mesmo diploma) sua regulamentação, verdadeiramente chancelou ao Poder Executivo, ao total arrepio do princípio republicano da legalidade, a possibilidade de dizer quais seriam todas estas ações que caracterizariam infrações administrativas.
Assim, referido dispositivo, exatamente por atribuir competência ao Poder Executivo que só pode ser realizada pelo Legislativo (em atenção ao princípio da legalidade), é inconstitucional.
O art. 70 é totalmente vazio de conteúdo. Ao “disciplinar” que “toda ação ou omissão” que viola as regras jurídicas que visam proteger o meio ambiente o referido dispositivo, na realidade, nada disse: Deixou a cargo do Decreto disciplinar inteiramente a matéria.
Assim, qualquer conduta, mesmo que sem qualquer previsão legal, pode ser sancionada em Decreto. Poder-se-ia chegar ao absurdo de considerar que efetivamente qualquer conduta que lesasse o meio ambiente pudesse ser penalizada por meio de Decreto.
É que toda conduta humana, de forma ou outra, contribuiu, em maior ou menor escala, para a degradação do meio ambiente. Ou seja, o supracitado dispositivo abriu a possibilidade de o Executivo, sem o devido processo legislativo, punir qualquer atitude humana, como, por exemplo, derrubar o vinagre, sem querer, em uma poça d’água (onde haveria a afirmação de que houve conduta culposa que prejudicou área úmida, posto que a responsabilidade seria objetiva) ou até mesmo respirar, posto que a respiração eleva os níveis de CO2 na atmosfera.
O mais absurdo é que, nos termos em que a legislação se põe atualmente, tal hipótese é totalmente plausível. O Decreto não passa pelos mesmos critérios da Lei em sentido estrito, não está condicionado ao processo legislativo e tampouco ao controle de constitucionalidade.
Exatamente pelo mesmo motivo o art. 75 da supracitada Lei é inconstitucional. Fixa, em caráter abstrato, uma pena mínima de R$50,00 (cinquenta reais) e uma pena máxima de R$50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais). Afirmar que tais patamares possuem o condão de regular minimamente o poder discricionário da Administração Pública é risível. Logo, por delegar completamente o poder de sanção, referido dispositivo é, também, inconstitucional.
Assim, por consequência, também são inconstitucionais todos aqueles dispositivos sancionadores do Decreto 6.514 (que revogou o 3.179).
Há que se considerar que o cerne da questão posta à apreciação não se trata da existência ou não de lesão ao meio ambiente, mas sim da inconstitucionalidade da norma que embasa a sanção em questão.
É que por maior que seja a proteção jurídica devida ao meio ambiente, que deve ser efetiva e constantemente protegido (assim como a vida, a dignidade, a liberdade e tantos outros valores) não se pode olvidar de princípio basilar da Administração Pública, que é a legalidade estrita.
O Estado (seja o Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário) não pode, em hipótese alguma, sob o pretexto de defender certo direito ou valor jurídico, ignorar e privar o acusado de um direito inerente ao Estado de Direito, e, se assim agir, deixará de ser um estado “de Direito” para equiparar-se a estados totalitários, como as famigeradas ditaduras e até mesmo as extintas monarquias absolutas de direito divino.
Absurda e infelizmente o mesmo não se pode falar quando o Direito Ambiental é analisado: órgãos ambientais de um ente federativo podem anular licenças emitidas regularmente por órgãos de outro ente, sem qualquer formalidade; lavram-se autos de infração por mera liberalidade do agente fiscal (ou duplamente, como no presente caso); não são sopesados quaisquer outros direitos, por mais importantes que sejam, como, por exemplo, a dignidade (em casos de propriedade de subsistência) e a função social da propriedade (em casos nos quais a “proteção” ambiental existe por mera exigência legal, sem qualquer embasamento científico ou mesmo cultural).
De fato, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é garantia constitucional e, legitimamente, em alguns casos, deve se sobrepor a diversos outros direitos, quando em conflito.
O que não se pode aceitar é que toda a lógica jurídica, pautada especialmente pelos princípios da Constituição da República, seja verdadeiramente desconstruída em exultação a um único direito isolado e que sem os demais (vida, dignidade, liberdade, igualdade, legalidade, etc.) efetivamente nada significa. Em outras palavras: o meio ambiente deve ser amplamente protegido, mas tal proteção não pode mitigar a quase totalidade de valores jurídicos do Estado de Direito.
E exatamente em decisões recorrentes na seara ambiental, o princípio da legalidade é deixado ao oblívio, verdadeiramente elevando o direito ao meio ambiente equilibrado em detrimento do próprio Estado de Direito.
Novamente: O meio ambiente dever ser protegido e prezar por isso é missão do Estado, assim como é dever jurídico de toda a sociedade não atentar contra a integridade ambiental. O que se argumenta aqui é que a finalidade (proteção ambiental), que é realmente válida, não pode legitimar atos ilegais do Estado.
A história já mostrou que quando se protege um valor jurídico, efetivamente merecedor de todo o resguardo estatal, olvidando-se de direitos fundamentais, a consequência se torna muito mais grave do que a não proteção do bem em questão.
Não há dúvida de que a vida deve ser protegida, mas ao acusado de homicídio devem ser garantidos todos os direitos inerentes à sua defesa. O mesmo se fala do ressarcimento civil por danos ao erário e até mesmo nas lides entre particulares. Um mínimo de princípios deve ser seguido. O que, no caso em questão, não ocorre.
Ao contrário do que acontece quando se cuida de danos ao meio ambiente, é possível notar que em todas as áreas de atuação da Administração Pública o princípio da legalidade é garantia inconteste:
OBRIGAÇÕES FISCAIS. REGIME ESPECIAL PARA SEU CUMPRIMENTO IMPOSTO A CONTRIBUINTE, POR ATO ADMINISTRATIVO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, EM MATÉRIA TRIBUTARIA. DELEGAÇÃO A AUTORIDADE FISCAL INCABÍVEL NA ESPÉCIE. A imposição de um sistema de sanções administrativas e fiscais, por mero ato administrativo, caso a caso, não se compadece com a indispensável segurança que há de ter o contribuinte, no que concerne a suas relações com o fisco e as obrigações que lhe advém dos tributos. As sanções a serem impostas ao contribuinte faltoso não poderão pender do arbítrio da autoridade fiscal, mas resultar de expressa disposição de lei. (…). (STF, RE 100.919, Primeira Turma, Rel. Néri da Silveira, j. 07/02/1986, v.u.,) ADMINISTRATIVO. IBAMA. AUTO DE INFRAÇÃO. IMPOSIÇÃO DE MULTA COM BASE NO ART. 46, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 9.605/98, NO ART. 32 DO DECRETO N. 3.179/99 E NA PORTARIA N. 44/93-N DO IBAMA. ILEGALIDADE. 1. O art. 46 da Lei 9.605/98 tipifica crime cometido contra o meio ambiente, do que decorre ser a multa nele prevista de caráter penal e não administrativo, cuja aplicação é privativa do Poder Judiciário. O Decreto n. 3.179/99 tipifica diversas infrações administrativas relacionadas a atividades lesivas ao meio ambiente. Entretanto, tal ato normativo não é instrumento hábil para imposição de multas, porquanto fere o princípio constitucional da reserva de lei ao impor penalidades. A definição de infrações e a cominação de sanções administrativas, após a vigência da Constituição de 1988, somente podem decorrer de lei em sentido formal. 3. Excluídas tais disposições legais do auto de infração, restará ele fundado apenas na Portaria n. 44/93-N do IBAMA que não é instrumento hábil para imposição de multas, porquanto fere o princípio constitucional da reserva de lei ao contemplar penalidades. (…). (TRF1, AC 2006.38.00.037546-7, Oitava Turma, Rel. Roberto Carvalho Veloso, j. 09/11/2007, v.u.), ADMINISTRATIVO. IBAMA. AUTO DE INFRAÇÃO. IMPOSIÇÃO MULTA. LEI Nº 9.605/98. ART. 50. DEC. Nº 3.179/99. I. O art. 50 da Lei 9.605/98 tipifica crime cometido contra o meio ambiente e não infração administrativa a ser punida pelo IBAMA. Assim sendo, somente o Juiz criminal, após regular processo penal, poderia impor as penalidades nele previstas. A competência para a aplicação de multa por infração do art. 60 da Lei nº 9.605/98, que descreve crime ambiental, é privativa do Poder Judiciário. II. É ilegal a tipificação de infrações administrativas por meio de Decreto.
AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO-ANP. AUTO DE INFRAÇÃO E MULTA SEM FUNDAMENTADO EM LEI. IRREGULARIDADE. Quanto à imposição de penalidades administrativas, é pacífico na jurisprudência pátria, a posição, à qual me filio, de que somente a lei pode criar sanções administrativas e pecuniárias. Logo, se a sanção foi aplicada com suporte no Decreto nº 1.021/93, deve ser reconhecido como violado o princípio da legalidade, já que não há amparo legal para infligir a referida penalização. A questão suscitada a respeito do Decreto-Lei nº 538/38, que o STF teria reconhecido a sua recepção pela CF/88, e cujo art. 14, elencaria todas as características fundamentar a aplicação da penalidade imposta, não procede. Isto porque ‘O artigo 14, do Decreto-lei 538/38, conferiu, à Administração Pública, poder discricionário para controlar a comercialização de combustíveis, tendo aquela expedido o Decreto 1.021/93 para completar o mencionado artigo.’, consoante julgado desta Corte. Portanto, prevalecendo o Decreto 1.021/93, como fundamento do ato administrativo sancionador, não há que se falar em legalidade da sanção aplicada. (TRF4, AC 2007.71.99.006122-9, Terceira Turma, Rel.ª Vânia Hack de Almeida, D.E. 30/05/2007, grifado)
ADMINISTRATIVO – CONCINE – EXIBIÇÃO DE FILMES BRASILEIROS DE LONGA METRAGEM – RESOLUÇÃO DO CONCINE Nº 170/88 – PREVISÃO DE SANÇÕES ADMINISTRATIVAS E INTERDIÇÃO DO ESTABELECIMENTO – IMPOSSIBILIDADE POR FALTA DE AMPARO LEGAL – O EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA DEMANDA OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. 1. As atribuições conferidas ao Instituto Nacional de Cinema – INC passaram, a partir da edição da Lei nº .281/75, a ser exercidas pela Empresa Brasileira de Filmes S.A. – Embrafilme e pelo Conselho Nacional de Cinema – CONCINE, órgão de assessoramento do Ministério da Educação e Cultura criado pelo Decreto nº 77.299/76, posteriormente revogado pelo Decreto nº 93.881/86. 2. Por ausência de previsão, em qualquer dos dispositivos da Lei nº 6.281/75, da conduta ilícita, bem assim, da gradação da pena cabível em caso de desobediência da regra de reserva de mercado debatida, tipificada pelo item X, n. 7, da Seção III, da Resolução nº 25/78, ilegal se mostra a aplicação de multas ou a interdição de estabelecimentos, pelo CONCINE. 3. Sob o influxo do princípio republicano, do qual deflui os princípios da legalidade e legalidade estrita, inviável admitir emane o comando legal proibitivo dotado de preceito sancionatório da mesma autoridade incumbida de aplicá-lo.
Somente o parlamento, na representação legítima dos anseios coletivos, poderia impor sanções administrativas. (…). (TRF3, AC 18.712, Sexta Turma, Rel. Mairan Maia, j. 14/03/2007, v.u., grifado)
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LOCAÇÃO DE FITAS DE VIDEOCASSETE. CONCINE. RESOLUÇÃO N. 97/83 E 98/83. LIMITES DA AÇÃO FISCALIZADORA DO CONCINE. COMPETÊNCIA PARA ADOTAR SANÇÕES ADMINISTRATIVAS. DECRETO 77.299/76. (…). II – O procedimento administrativo sancionatório deve seguir a trilha da legalidade administrativa. As sanções, mesmo administrativas, devem advir diretamente da lei. (…).
ADMINISTRATIVO – AUTUAÇÃO ADMINISTRATIVA EMBASADA EM PORTARIA DO EX-IBDF – VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. 1. Sem sustentação a autuação administrativa baseada em Portaria do extinto IBDF resultante de delegação prevista no art. 26 do DL n.º 267/89, revogada pelo art. 25 do ADCT. 2. A Portaria do ex-IBDF não é instrumento adequado a, originariamente, prescrever infrações e sanções administrativas, pois viola o princípio da reserva legal. Somente a Lei pode descrever infração e impor penalidade. (…). CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. CONSELHO REGIONAL DE CORRETORES DE IMÓVEIS. MULTA ELEITORAL. ANUIDADE. NATUREZA JURÍDICA TRIBUTÁRIA. ADIN 1.717/DF. PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. COBRANÇA. POSSIBILIDADE. LEI Nº 10.795/2003. MULTA DISCIPLINAR. RESOLUÇÃO 927/2005 DO COFECI. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (…). 8. A aplicação de sanções administrativas somente se torna legítima quando o ato praticado pelo administrado estiver previamente definido por lei, em sentido estrito, como infração administrativa. (…). Dos julgados acima cotejados, tem-se que em todas as hipóteses que a administração pública pretende sancionar o administrado, há que existir lei em sentido estrito que assim disponha. Em dois daqueles acórdãos falou-se exatamente na atividade fiscalizadora do IBAMA (ou o órgão ambiental em geral) e decidiu-se que não pode o simples decreto dispor sobre as penalidades em questão, o que se dirá de Portaria. O que aparentemente ocorre é uma certa esquizofrenia jurídica: Levado pela ânsia de proteger o meio ambiente e pela recente onda ambiental, o que, de fato, é louvável, o Poder Executivo vem emitindo decisões contraditórias em que, num momento, afirma que somente a lei em sentido estrito pode definir sanções, mesmo que administrativas, e, quando se põe em análise questões ambientais, afirma que a legalidade não está violada. Além daqueles julgados, seguem outros que também consideraram que a legalidade deve ser respeitada “ainda que” se trate de direito ambiental:
AÇAO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 5º, 8º, 9º, 10, 13, § lº, E 14 DA PORTARIA Nº 113, DE 25.09.97, DO IBAMA. Normas por meio das quais a autarquia, sem lei que o autorizasse, instituiu taxa para registro de pessoas físicas e jurídicas no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais, e estabeleceu sanções para a hipótese de inobservância de requisitos impostos aos contribuintes, com ofensa ao princípio da legalidade estrita que disciplina, não apenas o direito de exigir tributo, mas também o direito de punir. Plausibilidade dos fundamentos do pedido, aliada à conveniência de pronta suspensão da eficácia dos dispositivos impugnados. Cautelar deferida.
ADMINISTRATIVO. IBAMA. IMPOSIÇÃO DE MULTA AMBIENTAL. FUNDAMENTAÇÃO. PORTARIA. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. É vedado ao IBAMA instituir sanções sem expressa previsão legal. Questão já enfrentada pelo STF, no julgamento, ocasião em que restou determinada a impossibilidade de aplicação pelo IBAMA de sanção prevista unicamente em portarias, por violação do Princípio da Legalidade. Agravo regimental improvido. (…) Conforme determinado na decisão agravada e na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, na vigência da Constituição Federal de 1988 apenas a lei em sentido formal e material pode tipificar infração e cominar penalidades (…)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – CPC, ART. 535, II – VIOLAÇÃO NÃO OCORRIDA – IBAMA – IMPOSIÇÃO DE MULTA COM BASE EM INFRAÇÃO DESCRITA APENAS EM PORTARIA – IMPOSSIBILIDADE.Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide, não estando o magistrado obrigado a examinar tese recursal nova, suscitada apenas em sede de embargos de declaração. A jurisprudência firmada nesta Corte e no STF é no sentido de que o princípio constitucional da reserva de lei formal traduz limitação ao exercício das atividades administrativas do Estado. Precedentes. Consoante já decidido pelo STF no julgamento da ADI-MC 1823/DF, é vedado ao IBAMA instituir sanções punitivas sem expressa autorização legal. Diante dessas premissas e, ainda, do princípio da tipicidade, tem-se que é vedado à referida autarquia impor sanções por infrações ambientais previstas apenas na Portaria 44/93-N. Recurso especial não provido.
ADMINISTRATIVO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. CONCINE. MULTA PREVISTA EM DECRETO EMANADO DO PODER EXECUTIVO.
ILEGALIDADE. Viola o princípio da legalidade a criação de multa por decreto, tal como ocorre na multa prevista no artigo 7º do Decreto nº 93.881/86. É reserva da lei a criação de sanção administrativa. Recurso especial improvido.
Como exaustivamente já afirmado: o direito ao meio ambiente equilibrado é garantia constitucional e deve ser protegido por todos os meios necessários, mas, que além de necessários, devem, obrigatoriamente, ser legais e respeitar toda a legislação posta.
É que por um longo tempo e em diversas sociedades o cidadão viveu sob o jugo do “Poder Público”: Na sociedade medieval, era obrigado a recolher pesarosos tributos sobre sua produção pessoal. Também vivia sob o bel prazer da vontade do rei, penal e civilmente. Com o advento do iluminismo, todas estas características, que hoje causam espanto, foram mitigadas.
O mesmo aconteceu com as sociedades totalitárias modernas e pós-modernas: O mundo efetivamente dividiu-se e, sem considerar as demais questões ideológicas, representou bem a luta pela liberdade individual contra o poder arbitrário do Poder Público.
Hoje em dia toda e qualquer sociedade que não observe os princípios republicanos, como a legalidade, é vista como atrasada e primitiva. E é exatamente este o paradoxo que se apresenta:
Com ânsia de proteger o meio ambiente (característica essencialmente contemporânea, que deve intensificar-se nos próximos anos) os Três Poderes vêm, ao arrepio do regime jurídico atual, reiterando decisões que mais se assemelham aos estados totalitários. Para provar o que se afirma, o Autuado solicita que seja realizado o seguinte exercício cognitivo:
Determinado indivíduo é surpreendido, determinado dia, por “agentes públicos” que o arrebatam de sua casa. Em nenhum momento ao acusado em questão são garantidos quaisquer dos direitos fundamentais: contraditório, ampla defesa, devido processo legal. O indivíduo nunca é informado do que é acusado (ou da lei que infringiu). Ao fim do processo, ao dizer-se inocente, o indivíduo em questão é inquirido “Inocente de qual acusação?”.
Assim, considerando a inconstitucionalidade dos 70 e 75 da Lei Federal Ordinária 9.605/1998, de todos os dispositivos sancionadores dos Decretos 3.179/1999 e, posteriormente, 6.514/2008, requer seja declarada a nulidade do auto de infração em questão.
2.2. PEDIDO SUBSIDIÁRIO. REDUÇÃO DO VALOR DA MULTA
A despeito da ausência de justificativa técnica ou fática para a manutenção dos Autos de Infração, na hipótese de este Douto Juízo não entender pela sua declaração de nulidade, o que se admite por eventualidade, ainda assim deve ser revisto o valor da multa imposta à autora, injustificadamente fixada em montante superior ao mínimo previsto no Decreto Federal 6.514/2008.
Os princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade integram os princípios da administração pública. Sendo assim, a atuação estatal deve ser proporcional à medida indispensável ao atingimento do interesse público e deve ser razoável como um meio de controlar a administração pública e proibir os seus excessos.
Para a aplicação de multa o órgão ambiental deve guiar-se por tais princípios previstos na Constituição Federal a fim de evitar qualquer tipo de violação ao interesse público e controlar a administração.
Neste sentido, o art. 4º do Decreto Federal 6.514/08, reproduzindo o que determina a Lei Federal Ordinária 9605/98, estabelece que para imposição da penalidade, a autoridade competente deverá observar: “I-gravidade dos fatos, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente; II – antecedentes do infrator, quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental; e III- situação econômica do infrator. ”
Apesar desta determinação legal, para a aplicação da pena no presente caso não foi considerado nenhum dos fatores mencionados no artigo e, por absurdo, o parecer jurídico entende que a penalidade de multa foi aplicada com observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Ora, tratam-se de autos de infração lavrados em decorrência da incidência de fogo e que totalizam uma penalidade de multa no valor exorbitante.
Curiosamente o referido parecer entende ser razoável aplicar uma multa de milhões de reais em razão de um fato que, reconhecidamente, não foi causado pelas Autoras. Em razão de um fato que foi reiteradamente informado pela autuada ao órgão ambiental e às autoridades competentes.
Pelo fato que, a autuada sozinha, sem qualquer ajuda do Poder Público, tentou evitar e minimizar. Em razão de um fato que, segundo seu próprio agente fiscal, é de ocorrência histórica no local.
Com o devido respeito, as considerações acerca da razoabilidade do valor da multa, além de totalmente desconexas com a realidade do caso, afrontam totalmente a conduta preventiva que vem sendo adotada pelas Autoras desde a primeira incidência de fogo em sua propriedade.
O fato é que, ciente da ocorrência histórica e reincidente de tal evento, é obrigação do órgão ambiental estudar medidas e estratégias que evitem tais danos. Deflui-se dos laudos que instruíram a autuação que o fogo não atingiu áreas de preservação permanente ou de reserva legal e foi devidamente controlado pelos funcionários das Autoras.
A legislação ensina que para atender a função social da propriedade no quesito ambiental, o imóvel localizado no Sudoeste do País, deve manter as Áreas de Preservação Permanentes e, a título de Reserva Legal, 20% da sua vegetação original. Conforme já demonstrado, a antiga Fazenda possui devidamente preservados os 20% exigidos a título de Reserva Legal e todas as áreas de preservação permanente se encontram totalmente intocadas.
Manter grande parte da área preservada, livre de invasões, corte e queimadas clandestinas de árvores por terceiros, exige do proprietário enorme esforço pecuniário, os bônus são sentidos por toda a sociedade e o ônus suportado apenas pelo proprietário. Portanto deveriam ser analisados todos os benefícios e serviços ambientais que a Fazenda das Autoras geram para a sociedade como atenuantes para aplicação da multa.
Nesse sentido, colhem-se os ensinamentos de Édis Milaré e Paulo José da Costa Junior[2]
Para a imposição e gradação da penalidade aos infratores, determina o caput do art. 72 seja observado o disposto no art. 6º da Lei, ou seja: (i) a gravidade do fato tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente; (ii) os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental; (iii) a situação econômica do infrator, no caso de multa.(…) Esse dispositivo orientará tanto o juiz na aplicação da sanção penal, como a autoridade administrativa (…)
Imperioso ressaltar que as condições acima transcritas devem ser analisadas ainda que a Lei estabeleça um valor fixo para a multa, é o entendimento do Conselho Gestor do IBAMA:
Há consenso do Conselho Gestor de que houve desproporcionalidade entre a multa aplicada e a gravidade da infração, porque a comercialização de motosserra não produz dano ambiental direto que implicasse multa de tal monta. Como ele não usa a motosserra, ele não tem responsabilidade direta por eventual ilegalidade em sua realização. Foi demonstrada no processo a colaboração do infrator com a fiscalização, inclusive prestando prontamente todas as informações solicitadas. Houve arrependimento eficaz do infrator, manifestado pela espontânea reparação e contenção do ilícito. O Conselho Gestor, ante as razões expostas, decidiu pela redução em 50% do valor da multa aplicada, desconto máximo previsto na IN14. (art. 16, II e Art. 18, II)
Isto posto, imperativa a adequação da multa aplicada para a realidade fática sob pena de ofensa aos princípios da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade.
O art. 14 da Lei 9.605/98 define as situações atenuantes da penalidade: Art. 14 – São circunstâncias que atenuam a pena:
- – baixo grau de instrução ou escolaridade do agente;
- – arrependimento do infrator, manifestado pela espontânea reparação do dano, ou limitação significativa da degradação ambiental causada;
- – comunicação prévia pelo agente do perigo iminente de degradação ambiental;
- – colaboração com os agentes encarregados da vigilância e do controle ambiental.
A fim de garantir a pessoalidade da multa entende-se que o artigo acima transcrito deve ser aplicado mesmo quando o tipo legal preveja um valor fixo para a infração. Ocorre que o agente fiscal não observou tais condições e autuou o Recorrente. Analisando o caso concreto, não há justificativa para autuação em tamanha monta.
Nos termos do artigo acima imprescindível reconhecer a incidência do inciso II, posto que conforme todos os documentos acostados ao processo, restou inconteste que foram os agentes das Autoras e de empresas vizinhas que agiram para impedir o avanço do fogo na propriedade.
Também se observa a incidência do inciso III, pois não foram poucos os boletins de ocorrência e comunicados ao órgão ambiental acerca da iminente possibilidade de fogo nas áreas atingidas. Ademais, é notório que as Autoras colaboraram com a fiscalização (inciso IV) e nunca impôs quaisquer óbices na área em comento.
Nenhum destes pontos foi considerado no julgamento da defesa, já que nenhuma fundamentação acompanhou a fixação do valor da multa.
Dessa forma, se por hipótese restarem superados os argumentos acima articulados, as Autoras ponderam que, com base na proporcionalidade e na razoabilidade, a multa milionária exorbitante que lhe foi aplicada deverá ser convertida em advertência ou, ao menos, reduzida, considerando o que dispõe a Lei 9.605/98 e o Decreto 6.514/2008.
3. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA
A concessão da tutela de urgência, art. 300 do CPC, exige a existência do perigo de dano de grave e difícil reparação, aqui chamados de “perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”, e da plausibilidade do direito invocado, no artigo denominado de “probabilidade do direito”.
Já para que se fale na tutela de evidência, há apenas que se demonstrar uma das 4 (quatro) hipóteses previstas (art. 311): (I) caracterização do abuso de direito ou manifesto propósito protelatório da outra parte; (II) possibilidade de comprovação exclusivamente documental dos fatos e existência de tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; (III) tratar-se de pedido reipersecutório com base em prova documental e; (IV) houver prova documental suficiente do Autor dos fatos constitutivos de seu direito e contra os quais o Réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.
No presente caso é inequívoca a incidência da hipótese da tutela de urgência. Aqui vale notar que o novo legislador efetivamente consertou a redação da antiga lei processual, cujo texto usava a expressão “poderá”, incluindo a expressão “será”. Não se trata de discricionariedade do julgador: presentes os requisitos e o requerimento de antecipação, obrigatória é a concessão da tutela de urgência.