Ação para anular auto de infração ambiental lavrado por uso de fogo e queimadas por ausência de comprovação de autoria e ausência de benefícios com o incêndio, que tornam a multa ambiental nula.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DE
AUTORA, pessoa jurídica de direito privado, vem, à presença de Vossa Excelência, por seu advogado, com fundamento nos arts. 52, parágrafo único, 294, 300 e 319, todos do Código de Processo Civil, propor AÇÃO PARA ANULAR AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL COM PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA em face da RÉ, órgão integrante da Administração Pública indireta, pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas.
1. A QUESTÃO A SER DECIDIDA POR ESSE DD. JUÍZO
Trata-se de demanda proposta pela Autora objetivando a declaração de nulidade do Auto de Infração Ambiental lavrado pela Ré, por suposta conduta de ter se beneficiado de queima não autorizada na propriedade rural.
Cientificada do auto de infração ambiental, a Autora apresentou defesa administrativa demonstrando cabalmente que, além de não ter ateado fogo no local, ela não teve qualquer vantagem ou benefício com o incêndio.
A defesa, porém, foi indeferida, sendo mantida a penalidade decorrente do auto de infração que aplicou multa ambiental exorbitante. Contra a essa decisão, foi interposto recurso, que igualmente foi improvido, esgotando a discussão na esfera administrativa.
Ocorre que, ao decidir pela manutenção do auto de infração, o órgão ambiental violou totalmente as premissas constitucionais e legais, em especial a busca pela verdade material dos fatos, obrigatoriedade de adequação dos meios aos fins com vistas ao interesse público.
Ora. Como ficou provado à exaustão no processo administrativo, a origem do incêndio é de causas desconhecidas e foi imediatamente reportado às autoridades policiais e aos seus brigadistas (que extinguiram o incêndio), e não uma queimada sem autorização que teria beneficiado a Autora.
Portanto, é inconteste a ausência de quaisquer benefícios à Autora decorrentes do incêndio, ao contrário uma série de prejuízos logísticos e econômicos foram suportados, de modo que o auto de infração ambiental vergastado é arbitrário e padece de nulidade, conforme passa a demonstrar.
2. AUSÊNCIA DE BENEFÍCIOS PARA A AUTORA EM DECORRÊNCIA DO INCÊNDIO
A confirmar a inexistência da infração descrita no Auto de Infração, tem-se que a Autora, ao contrário do alegado pelo órgão ambiental autuante, não teve nenhum benefício oriundo da queima ou incêndio.
Na realidade, a Autora suportou uma série de prejuízos financeiros, custos operacionais, logísticos e de qualidade, como deslocamento de veículo e funcionários da brigada de incêndio para auxiliar no combate do fogo e a palha que foi queimada em decorrência do incêndio seria utilizada pela Autora como adubo para o solo. Ou seja, a Autora teve de substituir a palha por adubo, cujo custo é muito mais elevado.
Além disso, a utilização de fogo como método despalhador, como é sabido, resulta em vários prejuízos para o solo e futuros cultivos, uma vez que causa: (a) compactação do solo; (b) perda da umidade do solo; e (c) aumento do consumo de herbicida, devido à proliferação de ervas daninhas por conta da existência de solo descoberto;
E mais. A queima de lavouras que não se encontram no ponto ideal para colheita (cana fora da idade de corte) resulta no sub-aproveitamento da variedade atingida. Ou seja, o corte e a colheita prematuros da cana conduz a perdas nos índices TCH (Toneladas de Cana por Hectare) e ATR (Açúcar Total Recuperável).
O declínio desses índices impacta diretamente o volume da matéria-prima que alimenta o processo produtivo da Autora, ocasionando, consequentemente, a redução no volume dos produtos finais – açúcar, etanol.
No mais, a colheita da cana, após incêndios, é realizada com o mero objetivo de mitigar os prejuízos causados pelo fogo, não sendo razoável exigir que a cana seja deixada no campo para apodrecer porque foi atingida por fogo, gerando ainda mais prejuízos. Não faria o menor sentido que a Autora não encaminhasse o material queimado para processamento.
Ora, não é crível que a Autora tenha dado causa a incêndio que provocaria prejuízo no seu lucro projetado, sem contar os reflexos operacionais acima listados. Isso afasta por completo o interesse da Autora em provocar o incêndio, corroborando que a causa do incidente é desconhecida e que não houve benefício para a Autora – somente prejuízos.
2.1. NEXO CAUSAL DEVE SER COMPROVADO NA INFRAÇÃO AMBIENTAL DE USO DE FOGO
Nota-se que o órgão ambiental autuante, além de ignorar o comando do art. 38, §§ 3º e 4º do Código Florestal, não cumpriu com seu dever funcional de busca da verdade material, que deve sempre nortear a autuação da Administração Pública, deixando, assim, de atender a requisitos formais e princípios constitucionais (princípios da ampla defesa e do devido processo legal previstos na Constituição Federal – art. 5º, XXXIII, LIV e LV):
Princípio da verdade material. Consiste em que a Administração, ao invés de ficar restrita ao que as partes demonstrem o procedimento, deve buscar aquilo que é realmente a verdade, com prescindência do que os interesses hajam alegado e provado, como bem o diz Héctor Jorge Escola.
Nada importa, pois, que a parte aceite como verdadeiro algo que não o é ou que negue a veracidade do que é, pois no procedimento administrativo, independentemente do que haja sido aportado aos autos pela parte ou pelas partes, a Administração deve sempre buscar a verdade substancial.
O autor citado escora esta assertiva no dever administrativo de realizar o interesse público. (DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 27ª Edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2010.)
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem se posicionado de forma incisiva no sentido de que a ausência de prova de o infrator provocou a queima da palha da cana-de-açúcar afasta a sua responsabilização na esfera administrativa:
DIREITO AMBIENTAL AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL QUEIMA DA PALHA DE CANA AUTORIA IMPUTADA À AUTORA NÃO COMPROVAÇÃO SENTENÇA MANTIDA RECURSO NÃO PROVIDO.
Tendo em vista que as provas constantes dos autos não demonstram ter a autora provocado a queima da palha de cana-de-açúcar ao ar livre em área a menos de um quilômetro do perímetro urbano, causando inconvenientes ao bem-estar público, como descrito no auto de infração, de rigor a manutenção da sentença e a improcedência do recurso da ré. (Apelação / Reexame Necessário 0007022- 79.2012.8.26.0070. TJSP. Relator PAULO AYROSA. Julgamento em 21.5.2015).
2.2. MULTA AMBIENTAL POR QUEIMADA ANULADA
Do Voto do Relator colhe-se o seguinte excerto:
Não há como presumir que os incêndios foram provocados pela autora, de forma que os agentes deveriam ter colhido subsídios suficientes a demonstrar cabalmente ser desarrazoada a tese defensiva, no sentido de que a causa das queimadas nas aludidas áreas foi criminosa.
Ademais, comprovou a autora que as queimadas lhe causaram prejuízos, pois foi compelida a proceder à colheita da cana de forma precipitada porque não estavam no estágio ideal de maturação, deixando de auferir, assim, os ganhos que pretendia em situação normal, isto é, sem que tivesse havido a queima da plantação.
Nesse aspecto, aliás, relevante ao deslinde da causa é a análise do depoimento das testemunhas arroladas pela autora, sendo que ambas afirmaram que a colheita era mecanizada e que não havia programação para a colheita de cana nas Fazendas”.
MULTA AMBIENTAL. Queima da palha da cana- de-açúcar. Art. 4 V do DE nº 47.700/03. Art. 2º, 3º V, 16, 80 I do Regulamento da LE nº 997/76, aprovado pelo DE nº 8.468/76. Auto de infração. Multa.
Auto de infração. Substituição. Não há óbice a que a autuação imperfeita seja substituída por outra. A autora foi notificada da segunda autuação, que substituiu a primeira, interpôs recurso e foi notificada da decisão.
Queima da palha da cana. Responsabilidade. Receber e processar a cana queimada não é descrita como infração na lei e no regulamento, razão suficiente para a anulação da autuação.
2.3. AUSÊNCIA DE PROVA DE CULPA OU DOLO
Não há prova da relação contratual que permita a imputação por culpa in vigilando ou in eligendo nem de que a empresa tenha se beneficiado da infração, o que não se confunde com o simples processamento da cana queimada. Autuação que não se sustenta. Procedência. Recurso da ré desprovido (TJSP. Apelação nº 0005607- 97.2009.8.26.0189, De. Rel. Torres de Carvalho, 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, j. 09/02/2012, r. 14/02/2012).
No mesmo modo, não há como afirmar que a embargante foi de qualquer modo ‘beneficiada’ pela queima nos termos do art. 80, atual art. 82 do DE 8.468/76; não há prova de que houve abatimento no preço ou de qualquer outra vantagem à embargante por ter adquirido a cana queimada. (…)
Não vejo sentido em exigir que a embargante recuse beneficiar a cana apta à produção de açúcar e álcool, ainda que oriunda da queima irregular, devendo a irregularidade ser investigada junto ao causador do fogo e a ilegalidade combatida por meio da aplicação de multas aos responsáveis pelo ato”. (TJSP. VOTO. Apelação nº 0009682- 09.2005.8.26.0291, Des. Rel. Torres de Carvalho, 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, j. 09/02/2010, r. 09/02/2012).
A propósito, é do conhecimento geral que, uma vez queimada a palha da cana-de-açúcar, a colheita deve se dar, na sequência, sob pena de prejuízo no aproveitamento do produto. Ele vem a se tornar duro, se não beneficiado em breve prazo após a queima da palha que envolve a cana.
E nada estaria a impedir a executada de fazer sua aquisição, para o destino previsto, sem ter, necessariamente, que passar por beneficiária de precedente infração cometida por terceiro, a da queima da palha da cana-de- açúcar sem respeito às exigências legais.
Alguma usina sempre acabaria por comprar o produto, isto é, a cana, queimada ou não a palha de seu revestimento, feita ou não a queima antes da hora ou sem licença de quem de direito.” (TJSP. VOTO. Apelação Cível nº 0126472- 08.2007.8.26.0000, Des. Rel. José Geraldo de Jacobina Rabello, 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, j. 25/09/2008, r. 22/10/2008.).
2.4. NÃO DEMONSTRADA A AUTORIA E O NEXO CAUSAL
AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL. Incêndio ocorrido em área com plantação de cana-de-açúcar. Elementos dos autos que indicam que os apelados não agiram com ação ou omissão para a ocorrência do dano ambiental, ao contrário, foram diligentes para a sua contenção.
Não demonstração de autoria e nexo causal que afasta a pretensão inicial. Inteligência do art. 333, I, do CPC. Colheita mecanizada. Não adoção do método de queima da palha para colheita da cana que afasta a obrigação dos apelados de obterem prévia autorização para esta prática. Recurso desprovido.
(TJ-SP – APL: 00008650320118260660 SP 0000865-03.2011.8.26.0660, Relator: Dimas Rubens Fonseca, Data de Julgamento: 06/08/2015, 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Data de Publicação: 07/08/2015)
EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. QUEIMA PALHA DE CANA DE AÇÚCAR. PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO AFASTADA. RECORRENTE QUE DEMONSTROU QUE O INCÊNDIO TEVE INÍCIO NA PROPRIEDADE VIZINHA E SE ALASTROU PARA A ÁREA DE SUA RESPONSABILIDADE. COMPROVAÇÃO, ADEMAIS, DE QUE A CANA JÁ HAVIA SIDO COLHIDA. SITUAÇÃO QUE EXCLUI A RESPONSABILIDADE DA APELANTE. NEXO CAUSAL AFASTADO. AUTO DE INFRAÇÃO ANULADO, COM A EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. (TJSP, Apelação nº 00023047620148260132, Des. Rel. Paulo Alcides, 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, j. 11/08/2016, r. 12/08/2016.)
AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO MULTA AMBIENTAL QUEIMA DA PALHA DA CANA AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA AUTORIA IMPUTADA À EMPRESA AUTUADA PROCEDÊNCIA RECURSO DA AUTORA PROVIDO PREJUDICADO O
APELO DA RÉ. O ato administrativo goza, em princípio, de presunção de legitimidade e certeza. Uma vez refutado, abre-se a oportunidade de se comprovar a sua pertinência ou não, cumprindo ao agente público o ônus de provar a regularidade de seu proceder, nos termos do art. 333, II, do CPC.