Excelentíssimo (a) Senhor (a) Doutor (a) Juiz (a) de Direito da Vara da Fazenda Pública da Comarca de…
Tutela antecipada
Parte autora, brasileiro (a), estado civil, profissão, inscrito (a) no RG sob o n… e CPF…, residente e domiciliado (a) na Rua…, n…, Bairro…, Cidade/UF, CEP…, endereço eletrônico…, à presença de Vossa Excelência, por seus advogados, propor ação anulatória de auto de infração por ausência de indicação do valor da multa ambiental com pedido de tutela antecipada contra Parte ré, inscrita no CNPJ …, com sede na Rua …, n. …, Bairro…, Cidade/UF, CEP …, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.
1. Contextualização fática
No dia 00.00.0000, o agente de fiscalização lavrou auto de infração contra a parte autora pela suposta infração capitulada no art. 74 do Decreto 6.514/08com a seguinte redação:
Art. 74. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida:
O agente de fiscalização não indicou o valor da multa ambiental, o que impossibilitou a parte autora de verificar o seu cabimento ou a razoabilidade e proporcionalidade.
Cientificado da autuação por meio do envio de carta com aviso de recebimento, a parte autora apresentou sua defesa. Entretanto, não houve a indicação do valor da multa ambiental no auto de infração.
Sem a indicação do valor da multa ambiental, não há como o autuado exercer o direito ao contraditório e a ampla defesa, configurando vício em relação aos princípios constitucionais que norteiam a atuação da Administração, no caso o princípio da legalidade.
Logo, o processo administrativo relativo ao auto de infração está eivado de vícios que reclamam a sua nulidade, conforme passa a expor, requerendo ao final, seja julgada procedente a presente ação.
2. Do mérito
2.1. Ausência de indicação do valor da multa no auto de infração – Nulidade do auto de infração – Violação do princípio do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa
O Decreto 6.514/08, que regulamenta a Lei 9.605/98, prevê que, constatada a ocorrência de infração administrativa ambiental, o agente de fiscalização deve lavrar o auto de infração, em impresso próprio, com a identificação da parte autuada, a descrição clara e objetiva das infrações administrativas constatadas e a indicação dos respectivos dispositivos legais e regulamentares infringidos, não devendo conter emendas ou rasuras que comprometam sua validade, do qual deverá ser dada ciência à parte autuada, assegurando-se o contraditório e a ampla defesa (artigos 97 e 97).
A norma ainda prevê, em seu artigo 4º, que o agente de fiscalização, ao lavrar o auto de infração, deve indicar as sanções estabelecidas no Decreto 6.514/08, quais sejam, advertência; multa simples; multa diária; apreensão de animais, produtos ou subprodutos provindos da fauna e da flora, bem como outros equipamentos envolvidos na infração; destruição e a não utilização do produto; suspensão da fabricação ou comercialização; embargo ou demolição da obra; suspensão parcial ou total das atividades; e restritiva de direitos.
Para tanto, o agente deve observar a gravidade dos fatos, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente, bem como os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental, e a situação econômica do infrator
Pois bem. A questão trazida à lume diz respeito à sanção de multa simples, que como visto, deve ser indicada pelo agente no ato da lavratura do auto de infração com base a unidade, hectare, metro cúbico, quilograma, metro de carvão-mdc, estéreo, metro quadrado, dúzia, estipe, cento, milheiros ou outra medida pertinente, de acordo com o objeto jurídico lesado.
Significa dizer que a norma impõe obrigatoriedade ao agente de fiscalização de indicar no formulário da autuação não apenas o valor da multa simples, mas também os parâmetros utilizados para a dosimetria da multa, de modo a não obstar o direito de defesa da parte autuada, comunicando-a de tudo aquilo que for necessário para que possa exercer seu direito de defesa.
Não pode a parte autuada contestar o quantum da multa se o valor não é indicado no auto de infração, de modo que resta inviabilizado o direito ao contraditório e à ampla defesa, pois não há como aferir se o valor condiz com a realidade fática, nem se atende aos princípios da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, expressamente previstos no artigo 95 do Decreto 6.514/08.
Com efeito, a multa indicada pelo agente de fiscalização no auto de infração ganha o status de “multa acusação”, daí porque a norma previu que as sanções aplicadas pelo agente autuante — aí incluída a multa simples — dependem da confirmação pela autoridade julgadora, cuja decisão não se vincula ao valor da multa indicada pelo agente, podendo, em decisão motivada, de ofício ou a requerimento do interessado, minorar, manter ou majorar o seu valor, respeitados os limites estabelecidos na legislação ambiental vigente (artigo 123), o que reforma ser a indicação do valor da multa requisito fundamental do auto de infração.
Com efeito, somente após o julgamento pela autoridade competente é que a sanção em comento ganha o status de “multa punição”, constituindo-se restrição ao patrimônio privado da parte autuada, quaestio que reforça a necessidade de indicação do valor da multa acusação no auto de infração para que saiba a parte autuada o exato valor que possa lhe ser aplicado, até porque a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, LIV, garante que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, e obviamente, esse princípio não é observado se o agente omite o valor da multa no auto.
Para não pairar dúvidas sobre os distintos momentos de incidência da multa acusação e da multa punição no processo administrativo ambiental, o Desembargador aposentado do TJRS, Wellington Pacheco Barros[1], com toda a acuidade que lhe é peculiar, explica de forma muito didática que:
(a) – “multa acusação”, que é ‘aquela fixada no auto de infração, peça de abertura do processo administrativo ambiental na qual deve ser imputado um fato e, na circunstância pragmática da penalização ambiental, a indicação da correspondente sanção, no caso, a pena de multa que deverá ser aplicada’.
(b) – “multa punição”, que é aquela que ‘sobrevém como momento final do processo administrativo ambiental; é uma decorrência do procedimento de fixação da multa’, a qual pode vir a ser mantida, reduzida ou majorada, desde que observados os requisitos legais estabelecidos.
Importante destacar que entre os referidos momentos na indicação/aplicação da multa ambiental desenvolve-se o processo administrativo ambiental, o qual deve assegurar ao administrado que responde à infração ambiental o respeito às garantias ao devido processo legal, asseguradas pela Constituição Federal, tais como o direito ao contraditório e a ampla defesa, e sobretudo a motivação da autuação.
Com essa distinção, tem-se com clareza solar que a ausência de declinação do valor da multa acusação no auto de infração constitui evidente cerceamento de defesa, pois impossibilita que a parte autuada possa avaliar se a autuação foi justa, se compensa recorrer, ou avaliar a gravidade e o ônus da autuação, inviabilizando eventual interesse na satisfação da obrigação.
É evidente que a indefinição quanto ao valor da penalidade a ser imputada ao infrator gera um prejuízo para sua defesa, pois embora possa se defender dos fatos a ele imputados, não tem espaço para, por exemplo, demonstrar a inadequação da sanção aplicada, pleiteando sanção mais branda, já que desconhece a penalidade que sofrerá, restando-lhe aguardar o final do procedimento para se insurgir contra a pena eventualmente imposta.
Vale ressaltar que, para que o ato administrativo tenha validade, deve a Administração Pública fundamentar a imputação, a fim de possibilitar a defesa, sob pena de violação ao princípio constitucional do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
Conforme já mencionado, o Decreto Federal 6.514/08, em seu artigo 4º, impõe ao agente autuante que, ao lavrar o auto de infração, indique as sanções estabelecidas, aí incluída eventual multa acusação, ao passo que, no caso dos autos, a mera indicação da penalidade de “multa simples” sem a sua valoração não a torna eficaz.
Assim como a descrição sumária da infração, compreendida como motivação, é requisito indispensável para que a parte autuada saiba qual a conduta que lhe está sendo imputada — contra a qual irá se defender —, a indicação do respectivo valor da multa acusação no auto de infração também constitui requisito fundamental e indissociável do ato, e a sua omissão compromete o direito do contraditório, pois não há meios para…
[1] BARROS, Wellington Pacheco. Direito ambiental sistematizado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, pp. 241-242.